Justiça Federal no RS nega recurso de empresa e mantém direito à consulta prévia da Comunidade Kilombola Morada da Paz


A Comunidade Kilombola Morada da Paz (CoMPaz) obteve mais uma vitória em sua caminhada na busca pelo direito de Ser e Existir. Nessa 4ª feira (12/07), a 4ª Turma do TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), sediado em Porto Alegre (RS), negou provimento ao recurso da empresa VALEC interposto contra
a liminar conquistada pela comunidade em janeiro deste ano, requerida no âmbito da Ação Civil Pública ajuizada em dezembro de 2022. A liminar suspendeu a obra de ampliação da BR 386 no trecho específico em que a Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta – CoMPaz está localizada, no município de Triunfo, no Rio Grande do Sul.

“Hoje, pra nós, é uma vitória muito importante porque a gente mantém a nossa Ação Civil Pública pelo direito de sermos consultados. Quando há um empreendimento a ser feito próximo a comunidades indígenas e quilombolas, esses povos, que são zeladores da vida, precisam ser consultados. E isso não foi feito conosco. Nesse processo todo da ampliação – sendo que a BR 386 já é uma estrada ampliada – nós fomos esquecidos, nem fomos citados no processo”, afirmou Mako’Yilè Ìyabasse CoMPaz na manhã de ontem, após o julgamento no TRF4.

O julgamento do recurso interposto pela empresa VALEC começou em 21 de Junho, quando a CoMPaz (representada por seus mais velhos Baogan Bábà Kínní, Egbomi Olupejé e sua Ìyalasé Yashodhan Abya Yala) compareceu ao Tribunal junto da advogada Clarissa Porto Alegre Schmidt, que compõe sua frente jurídica de defesa, e das professoras Pâmela Marconatto Marques e Marília Floor Kosby – As Amazonas de Luz de Mãe Preta, integrantes desta luta. Na ocasião, a advogada fez a sustentação oral em defesa da Comunidade, seguida pelo representante do MPF (Ministério Público Federal), que endossou os pontos levantados e ainda acrescentou o fato de a Comunidade ser majoritariamente feminina como elemento relevante. Naquele momento, que causou grande comoção na sala do Tribunal, a relatora do processo, desembargadora Vivian Pantaleão Caminha, optou por suspender o julgamento.

Clarissa comenta que a magistrada decidiu por suspender a sessão naquele dia e reformular o seu voto – que, possivelmente, seria contrário à Comunidade – após essas manifestações e em consequência delas. Nesse meio tempo, a CoMPaz apresentou memorial aos desembargadores que integram a 4ª Turma do TRF, em que salientou pontos inafastáveis que sustentam o direito da Comunidade, e com a impugnação dos argumentos da empresa recorrente. O julgamento foi retomado nessa 4ª feira (12/07), com a declinação do voto no sentido de negar provimento ao recurso da VALEC e manter a decisão liminar que foi concedida à comunidade.

A advogada Clarissa comemorou a decisão do Tribunal Regional Federal e salientou que este pronunciamento abre portas no meio jurídico para facilitar às comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas a exigência do exercício de seus direitos, e da regular aplicação da Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa Fé. “Já no primeiro momento em que a liminar foi deferida no 1°grau pela juíza Clarides Rahmeier foi considerada uma decisão histórica, até paradigmática, porque vai trazer para o mundo jurídico uma espécie de ferramenta pedagógica e instrutiva, que irá demonstrar como essas comunidades tradicionais indígenas, quilombolas e ribeirinhas têm que ser respeitadas e como devem ser consultadas diante de qualquer projeto que possa impactá-las. Como essa consulta, prevista na Convenção 169 da OIT será implementada e a forma com que irá ocorrer é importante, não apenas para a Morada da Paz, mas para as comunidades em geral, pois será uma referência e facilitará o processo de todos os agentes envolvidos na Consulta Prévia”, disse.

Ela também avalia que a decisão judicial fortalece ainda mais a Comunidade Kilombola Morada da Paz  – Território de Mãe Preta CoMPaz, já que no recurso a empresa VALEC argumentou que a aplicação do direito à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé, previsto na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), não se aplicava à CoMPaz.

“A importância para a comunidade é muito grande, tanto porque ela já sofre os impactos com essa obra dentro do território, como também porque enfrenta uma série de outras lutas. Essa decisão, agora confirmada pelo TRF4, é medida que dá sim força à Comunidade e é dotada de grande importância jurídica”, avalia a advogada. 

A empresa VALEC ainda tem a possibilidade de interpor recursos cuja análise seria feita pelos Tribunais Superiores, em Brasília, mas a advogada Clarissa acredita que a liminar deva ser mantida. 

“Quando começamos, sabíamos que seria um legado que a gente deixaria para todos os territórios indígenas e quilombolas, uma luta que não era só nossa”, reflete Mako’Yilè Ìyabasse CoMPaz.

Abaixo, algumas fotos que representam a luta da Comunidade Kilombola Morada da Paz Território de Mãe Preta – CoMPaz:


Vitória no julgamento no TRF4 nessa 4ª feira (12/07)


Professoras Pâmela Marconatto Marques e Aline Calvo Hernandez, e estudantes do PGDR (Pós-graduação de Desenvolvimento Rural) da UFRGS


Jovens da CoMPaz

Amigos da Terra Brasil

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