Seguimos na luta feminista frente aos ataques contra a democracia

A luta feminista é fundamental para alcançar a justiça ambiental. A resistência e o desmantelamento do patriarcado formam parte integral da Soberania Alimentar, da gestão das florestas e da democracia, assim como da luta contra os sistemas econômicos e as instituições políticas opressivas. Abaixo, apresentamos três entrevistas com pessoas que estão liderando lutas pela mudança de sistema e por um mundo mais feminista, centrado na justiça de gênero. 

Florestas e Biodiversidade – Rita Uwaka, Amigos da Terra Nigéria
Como é que o patriarcado e outras opressões se tornam obstáculos na luta pela democracia, pelas florestas e pela biodiversidade?

Existe uma forte ligação entre o patriarcado e a gestão florestal, porque o sistema patriarcal domina a governança das florestas e da biodiversidade e é um agente chave da apropriação das florestas. As relações de poder desiguais que o patriarcado reforça promovem falsas soluções e modelos agrícolas destrutivos, que transformam as florestas em commodities do agronegócio, por exemplo.

O patriarcado afeta todas as pessoas. O patriarcado influencia os processos de tomada de decisões relacionadas com a gestão florestal em detrimento das mulheres que dependem destas florestas, que são excluídas dos espaços de decisão e cujas vozes e preocupações não são tidas em conta nas políticas e práticas que afetam as florestas e a biodiversidade. Contudo, as mulheres são as principais cuidadoras e guardiãs das florestas, bem como aquelas que possuem conhecimentos tradicionais. 

A falta de controle na tomada de decisões se traduz em um desequilíbrio de poder que marginaliza as mulheres, as comunidades locais e outros grupos já excluídos.  Quando as partes interessadas não incorporam adequadamente as considerações destes grupos e quando os espaços de tomada de decisão não são suficientemente inclusivos e representativos, não se pode avançar e nem progredir. 

No entanto, ao enfrentar o poder e defender ao lado das mulheres o seu direito à autodeterminação, bem como o seu direito de dizer sim e de dizer não, fazemos com que as coisas mudem. Através do empoderamento das mulheres e da resistência contra as estruturas patriarcais, estamos formando líderes comunitárias.

É essencial que as pessoas compreendam o valor ecológico, social e cultural das florestas, bem como o que as florestas contribuem para as suas vidas e comunidades. Além disso, devemos permanecer alertas à ameaça constante do poder corporativo e às tácticas que as empresas utilizam – tais como subornar comunidades com subvenções e empréstimos – apenas para assumir o controle das suas terras e impedir o seu acesso às florestas. Ser capaz de tomar decisões informadas é fundamental para a nossa luta pela democracia, pelas florestas e pela biodiversidade.

Desmantelar a influência que o patriarcado tem nos processos de tomada de decisão relacionados com a gestão florestal e a conservação da biodiversidade exige resistir, mobilizar e transformar as atuais relações e estruturas de poder. Assim como criar processos de tomada de decisão inclusivos e participativos, que valorizem as contribuições das mulheres.

Lembremos que não há justiça ambiental sem justiça de gênero. Não há justiça de gênero sem mulheres!

 

Soberania Alimentar – Joolia Demigillo, Amigos da Terra Filipinas
Como o feminismo contribui na construção da Soberania Alimentar e como a democracia é defendida nessa perspectiva?

A Soberania Alimentar é uma aspiração a uma alternativa ao sistema atual, incapaz de alimentar a população com alimentos nutritivos, diversos e ecológicos. Baseia-se na consideração da alimentação como uma questão política que não deve ser separada dos contextos sociais, culturais e econômicos.

As mulheres em todo o mundo desempenham um papel muito importante na produção de alimentos, bem como na garantia de que estes estejam sempre disponíveis nas suas casas e comunidades. No entanto, a maioria, senão todas estas tarefas, não são reconhecidas, não são remuneradas ou são consideradas responsabilidades exclusivas das mulheres. Isto torna ainda mais difícil para as mulheres obterem oportunidades de participar em assuntos políticos.

É uma luta diária para as mulheres enfrentarem relações assimétricas de poder e a opressão de gênero – a nível pessoal e estrutural. As mulheres escolhem estar na linha da frente de muitas lutas pela democracia. Em todo o lado vemos a ascensão de governos autoritários que minam a democracia e impedem a realização do direito humano à alimentação adequada. A luta pela Soberania Alimentar é uma luta pela democracia e contra a opressão. Através da Soberania Alimentar, mulheres e pessoas de todos os gêneros podem expressar os seus direitos, a sua dignidade e aspirações.

Podemos viver o sonho da Soberania Alimentar quando este é deixado nas mãos dos povos, mulheres e jovens, para determinar que alimentos, como e onde são produzidos, distribuídos e consumidos. Portanto, isto requer uma mudança radical nos sistemas e estruturas da nossa sociedade.

O apelo à Soberania Alimentar é feminista porque quer transformar o sistema. É quando as mulheres e outras expressões de gênero são libertadas que podemos dizer que emancipamos a nossa sociedade da discriminação, da injustiça e da opressão.

 

Economia Feminista – Karina Morais, Marcha Mundial das Mulheres Brasil
Quais são as principais contribuições da economia feminista para as lutas em defesa da democracia?

A Economia Feminista é a nossa resposta objetiva ao sistema capitalista, neoliberal, racista e patriarcal, baseado na mercantilização da vida. O modelo econômico hegemônico baseia-se na separação entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo, o que historicamente criou a ideia de que o primeiro está ligado à esfera pública e o segundo à esfera privada. Trabalho produtivo é entendido como aquele que pode ser precificado e, portanto, gerar lucro. Já o trabalho reprodutivo envolve o trabalho doméstico e de cuidado, nas suas diversas dimensões. Isto inclui tarefas domésticas, cuidados com crianças, doentes e idosos, bem como apoio emocional aos familiares.

Essas atividades, por sua vez, são realizadas majoritariamente por mulheres, a partir da naturalização de uma construção social patriarcal. O que é visto como algo “natural” no universo feminino, até mesmo como expressão de “amor”, é na verdade um trabalho invisível, não remunerado, e que não é entendido como um componente da economia. Em outras palavras, exploração. Isso é o que chamamos de dia duplo e triplo das mulheres. Afinal, realizam atividades produtivas, mesmo que estejam em desvantagem no mercado de trabalho, e também realizam atividades de sustentabilidade da vida.

Esta transformação proposta pela Economia Feminista implica também a defesa da democracia, porque a lógica do modelo económico hegemónico é imposta através da violência e da desapropriação (expropriação), e é combinada com a opressão patriarcal e racista. A expressão do mercado livre que hoje domina a economia é profundamente antidemocrática. Mudar a economia para mudar a vida das mulheres é também um ato radical de defesa da democracia e da liberdade.

Neste sentido, desde a fundação da Marcha Mundial das Mulheres defendemos que não basta incluir as mulheres neste modelo econômico, em que o lucro está acima da vida e as vidas existem para gerar esse lucro. Precisamos romper com esse paradigma e propor um projeto político em que a sustentabilidade da vida esteja no centro da economia. Esta compreensão é central para as nossas formulações da Economia Feminista. É conceitual, mas faz parte da realidade prática da vida, principalmente quando observamos o conjunto de experiências alternativas que as mulheres construíram que vão na contramão ao modelo hegemônico, no campo e na cidade.

A Amigas da Terra Internacional manifesta solidariedade com o povo palestino e apoia a sua luta para acabar com a ocupação de Israel. Ao abordar a questão da democracia, é impossível celebrar o 8 de Março e o Dia Internacional dos Direitos da Mulher sem prestar homenagem à resistência passada, presente e contínua do povo palestino, especialmente das mulheres, que são os seus pilares. É imperativo reconhecer que a abordagem dos problemas ambientais não pode ser separada do reconhecimento do direito dos povos à soberania nacional na sua própria terra.

A Palestina é uma causa de direitos humanos e de justiça climática”, disseram Rasha Abu Dayyeh e Abeer Butmeh, membros do PENGON – Amigos da Terra Palestina, nesta entrevista publicada em dezembro de 2023.

Texto originalmente publicado no site da Amigas da Terra Internacional, em: https://www.foei.org/es/la-lucha-feminista-para-la-democracia/

 

Amigas da Terra Brasil participa do 12º FIMA abordando Transição Energética Justa

 

Evento ocorre no auditório da FAMECOS, na PUCRS, em Porto Alegre (RS). Inscrições gratuitas neste link

Nos dias 12 e 13 de março, acontece, em Porto Alegre (RS), o 12º FIMA (Fórum Internacional do Meio Ambiente), com o tema Água e Energias Renováveis, busca possibilitar reflexões sobre as formas de produção de energia e o uso da água. O evento é promovido pela ARI (Associação Riograndense de Imprensa), em conjunto com o Ministério Público do Rio Grande do Sul, PPGCom da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e FAMECOS (Faculdade de Comunicação da PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do RS).

O 12ª FIMA será realizado de forma presencial no auditório da FAMECOS, na PUCRS (Avenida Ipiranga, 6681). No dia 12/03 (3ª feira que vem), no final da tarde, ocorre a abertura do evento e a conferência inicial com a participação de Junior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami no estado de Roraima. É a 1ª vez que Junior vem à capital gaúcha. Ele irá falar sobre os problemas enfrentados pelo Povo Yanomami em suas terras, entre eles o garimpo, e o papel do jornalismo nessas situações de confronto e de crise humanitária.

A 4ª feira (13/03) concentra os painéis de exposição e de debate, iniciando às 8h30min e encerrando às 18h30min, com a leitura da carta produzida pelo 12º FIMA. A Amigas da Terra Brasil participa do 3º painel, às 16h15min, na presença da conselheira e integrante do Comitê Executivo da Federação Internacional Friends of the Earth, Lúcia Ortiz, que irá abordar o tema da Transição Energética Justa.

A programação completa do 12º FIMA pode ser acessada AQUI. Para assistir a conferência de abertura e participar dos debates, basta se inscrever neste link. A inscrição é gratuita. Não haverá transmissão online do evento.

Ajude a divulgar! E participe!

Amigas da Terra Brasil

Retomadas: uma forma de re-existir nos territórios tradicionais

 

Os povos indígenas no Brasil vivem cercados por interesses sobre seus territórios. Não apenas no passado “colonial” foram alvo de expropriação, hoje os contínuos interesses capitalistas como o agronegócio, a mineração, a extração de madeira e os grandes empreendimentos reproduzem as formas de acumulação por dependência, fazendo das terras indígenas alvo constante de desterritorialização e reproduzindo um padrão de poder colonial.

Tal situação se agrava diante da não efetivação da promessa constitucional de demarcar os territórios indígenas num prazo de cinco anos a contar da promulgação em 1988. Como se a morosidade não fosse o bastante para causar insegurança às comunidades indígenas, criou-se ainda a tese do marco temporal, na qual se reinterpreta a Constituição para afirmar que os indígenas só teriam direito às suas terras se estivessem nelas na data da promulgação, em 5 de outubro de 1988. Ainda que tal tese tenha sido derrubada no Supremo Tribunal Federal (STF), ao compreender que a Constituição não estabelece tal limitação, a força do agronegócio no Congresso Nacional apresenta a Lei n.º 14701/2023, para regulamentar o art. 231 sobre as terras indígenas.

Diante desse cenário de precariedade da efetivação dos direitos às suas terras, povos indígenas de todo o Brasil organizam as chamadas retomadas. Partindo do entendimento do intenso processo de expropriação de seus territórios, da violência empreendida para retirar indígenas de suas terras e do acesso aos seus modos de produção e reprodução da vida, organizam-se e retornam às terras originárias, construindo o processo das retomadas.

Retomar é retornar quilo que um dia foi seu, tomar para si a posse da terra, que lhe foi usurpada. Para o cacique Babau Tupinambá: “Retomar é um ritual de recuperar não só a terra: é tomar na mão a vida que foi tirada”. Segundo o professor Tonico Benites, liderança Guarani e Kaiowá, as retomadas são uma reação à violência sofrida, tendo como objetivo frear o processo sistemático de expulsão e dispersão (denominado em guarani de sarambi). Por meio das retomadas, os povos indígenas estão se reconectando às suas terras, ancestralidade, e com isso reproduzindo os seus modos de vida. Por isso, em muitas áreas retomadas, crianças indígenas estão podendo reproduzir seus ritos de passagem e aprender a se relacionar com a terra.

Tanto os Tupinambás na Bahia, como os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, ou mesmo os Mbya Guarani no Rio Grande do Sul, afirmam que as retomadas são momentos de muita espiritualidade, marcadas por rituais, pelo encontro com seus encantados. O cacique André Benites, da retomada Tekoa Ka’aguy Porã, que resiste há 7 anos em Maquiné, no litoral norte do Rio Grande do Sul, em área estadual da extinta FEPAGRO (Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária), afirma que estar na terra não é só “retomar o território, é retomar a vida, retomar tudo”. Inclusive, uma das atividades recentes na retomada foi a realização da feira da biodiversidade, espaço de troca de sementes e de estabelecimento de conexões com as redes de agroecologia e de economia solidária, integradas na Teia dos Povos. Outro exemplo é a Retomada Tekoha Nhe’engatu, área Mbya Guarani retomada este ano na cidade de Viamão (RS), depois de anos de acampamento na beira da estrada, olhando para suas terras originárias.

As retomadas são efetivamente uma prática política insurgente de acesso ao território. Um ato de resistência a todas as formas de exploração e dominação colonial que se colocam sobre os corpos-território dos povos indígenas no Brasil. Cada território indígena, retomada, é uma terra a menos no mercado de capital. Não à toa, a contraofensiva conservadora tem sido tão dura. Fazendeiros se reúnem em sindicatos rurais, agregam caminhonetes e armas e vão realizar despejos, como a movimentação Invasão Zero. E mesmo no Poder Judiciário, explodem casos envolvendo conflitos na discussão dos direitos originários a suas terras e à propriedade de fazendeiros.

Retomar a terra que lhes foi tirada, devolvendo a terra aos povos que cuidaram dela ao longo de séculos de sua existência. Retomar como ato político de resistir às formas de produzir a vida distintas da lógica do capital. Retomar e cultivar sementes, ancestralidades. Retomar um sonho de uma Constituição que queria efetivar direitos sociais. Retomar é ter esperança de vida, de corpos-vivos e de cultura viva. Apreender os tantos significados de retomar, e o que eles nos inspiram a pensar em como apoiar tais iniciativas, sobretudo aqueles que nutrem no coração um sonho de uma outra integração latino-americana, com escuta, solidariedade, valorização dos saberes e da unidade na diversidade dos povos da Terra.

* Coluna publicada no site da ATBR em 1º de março de 2024 neste link: https://www.brasildefato.com.br/2024/03/01/retomadas-uma-forma-de-re-existir-nos-territorios-tradicionais

For an end to the genocide of the Palestinian people!

Genocide 
Gen·o·cide 
noun 
The total or partial destruction of an ethnic group, race or religion by cruel methods.
(Aurélio Dictionary)

By saying that “What is happening in the Gaza Strip and to the Palestinian people is like nothing else in history. In fact, it existed when Hitler decided to kill the Jews”, did Lula make a mistake?

The Brazilian president’s intention was to equate the Palestinian genocide with the Jewish genocide, but although the massive and systematic murder of innocents is always an equally repulsive act, regardless of the number of people affected, the State of Israel is demonstrating that it is high time for us to overcome the Holocaust as the ultimate criterion of humanity’s monstrosity.

There are many criteria that can also attest to the monstrosity of the conduct of states. One of them is historical responsibility. All those who experience a situation of injustice and cruelty, if they do not seek revenge, have a historical duty to fight to ensure that the suffering and barbarity they have endured is never repeated – with anyone, with any people, at any time. As we have seen, in the opinion of various organisations, world leaders, thinkers, among others – Jewish or not, in the face of all the efforts to keep the memory of the Holocaust alive so that it is never repeated, it is inconceivable that the State of Israel should still perpetuate the massacre in Palestine, a veritable open-air concentration camp.

In addition, there are many elements in the genocide committed by the State of Israel that must be taken into account so that we don’t allow ourselves to be so buried by the monstrosity of the Holocaust that we lose sight of the monstrosity committed against the Palestinians today. We know that the war against the Palestinian people is based on a great deal of confusion aimed at making anti-Semitism the right of defence of the Jewish people. This right of defence announced by the State of Israel has been used, however, as a seal for the formation, for decades, of a terrorist, murderous and genocidal state. Let us look at the elements:

Firstly, while the Third Reich in Germany lasted for 12 years, Palestinian apartheid has been going on for more than seven decades. Secondly, the atrocities committed in the Nazi concentration camps were condemned and repressed through a world war that did not allow the Holocaust to be naturalised and made it possible for the Jews to be liberated and obtain their state. The Palestinian genocide, on the other hand, has been distorted and naturalised by the spokespeople of global Zionism for decades, keeping the Palestinians massacred for all these years and with no hope of liberation in sight. Thirdly, the repulsive anti-Semitism is directed against a nation of people who today have the protection and adopt as their culture and home a plurality of states spread around the world. Hatred of the Palestinian people seeks to eliminate a fragile and vulnerable nation made up of just over five million people confined (imprisoned) in a narrow strip of land that has not even been guaranteed its right to form a state of its own.

There is another element – perhaps the most important one – which makes it inappropriate to say that the Palestinian genocide is equivalent to the Holocaust. The Jewish tragedy was an unprecedented event in human history. Just like the murderous atomic bombs dropped on Hiroshima and Nagasaki in Japan, until the Holocaust it was impossible for the imagination to conceive that human beings would be capable of such atrocities. However, once they happened for the first time, the reiteration of such events can no longer be considered mere repetition. Those who carry out an unimaginable atrocity for the second time are not drawing on a wild cruel imagination. Instead, they are simply rationally and deliberately reproducing what the Western culture of which they are a part has established as immoral, repugnant and unacceptable.

When it comes to the terrorist, murderous and genocidal state of Israel, the Holocaust can no longer be used as the ultimate criterion of humanity’s monstrosity or as a way of shielding itself from criticism. We can no longer tolerate that all those who rebel against the State of Israel be threatened with the label of “anti-Semites”. The Jewish nation is not to be confused with the terrorist, murderous and genocidal state of Israel. To say that the terrorist, murderous and genocidal state of Israel has lost the legitimacy of using the Holocaust as a rhetorical device to shield its war crimes in no way detracts from the Jewish nation’s just struggle to preserve the vigilant memory of a past that must never be repeated against anyone, any people, at any time.
Perhaps it’s time to think about how today the terrorist, murderous and genocidal state of Israel and its Western allies are fuelling antisemitism in the world, given that their actions over the last seven decades are largely responsible for the bloodshed of innocent Jews and for shaming the memory of all those who were exterminated in the Hitler genocide.

Friends of the Earth Brazil therefore expresses its support for President Lula’s statement and rejects any kind of retraction on the part of the Brazilian government towards the war criminal Benjamin Netanyahu, prime minister of the terrorist, murderous and genocidal state of Israel.

Friends of the Earth Brazil – 20th February 2024

¡Por el fin del genocidio del pueblo palestino!

 

Genocidio 
Ge·no·ci·dio 
m. 
Destrucción total o parcial de una etnia, raza o religión mediante métodos crueles.
(Diccionario Aurélio)

 

Cuando dijo que “Lo que está ocurriendo en la Franja de Gaza y al pueblo palestino no se parece a nada en la historia. De hecho, ya existía cuando Hitler decidió matar a los judíos”, ¿se equivocó Lula?

La intención del presidente brasileño era equiparar el genocidio palestino al genocidio judío, pero, aunque el asesinato masivo y sistemático de inocentes es siempre un acto igualmente repulsivo, independientemente del número de personas afectadas, el Estado de Israel está demostrando que ya es hora de que superemos el Holocausto como criterio máximo de monstruosidad de la humanidad. Hay muchos criterios que también pueden dar fe de la monstruosidad del comportamiento estatal. Uno de ellos es la responsabilidad histórica. Todos los que experimentan una situación de injusticia y crueldad, si no buscan venganza, tienen el deber histórico de luchar para que el sufrimiento y la barbarie que han padecido no se repitan jamás, con nadie, con ningún pueblo, en ningún momento. Como hemos visto, en la opinión de diversas organizaciones, líderes mundiales, pensadores y otros -judíos o no-, frente a todos los esfuerzos por mantener viva la memoria del Holocausto para que nunca se repita, es inconcebible que el Estado de Israel siga perpetuando la masacre en Palestina, un verdadero campo de concentración al aire libre.

Además, hay muchos elementos en el genocidio cometido por el Estado de Israel que deben tenerse en cuenta para que no nos dejemos sepultar tanto por la monstruosidad del Holocausto que perdamos de vista la monstruosidad cometida hoy contra los palestinos. Sabemos que la guerra contra el pueblo palestino se basa en una gran confusión destinada a hacer del antisemitismo el derecho de defensa del pueblo judío. Este derecho de defensa anunciado por el Estado de Israel ha sido utilizado, sin embargo, como sello para la formación, durante décadas, de un Estado terrorista, asesino y genocida. Veamos los elementos:

En primer lugar, mientras que el Tercer Reich en Alemania duró 12 años, el apartheid palestino se prolonga desde hace más de siete décadas. En segundo lugar, las atrocidades cometidas en los campos de concentración nazis fueron condenadas y reprimidas mediante una guerra mundial que no permitió naturalizar el Holocausto e hizo posible que los judíos fueran liberados y obtuvieran su Estado; mientras que el genocidio palestino ha sido distorsionado y naturalizado por los voceros del sionismo global durante décadas, manteniendo a los palestinos masacrados durante todos estos años y sin esperanza de liberación a la vista. En tercer lugar, el repulsivo antisemitismo se dirige contra una nación de personas que hoy tienen la protección y adoptan como cultura y hogar una pluralidad de Estados dispersos por el mundo; el odio al pueblo palestino, en cambio, busca eliminar a una frágil y vulnerable nación formada por poco más de cinco millones de personas confinadas (encarceladas) en una estrecha franja de tierra que ni siquiera tiene garantizado su derecho a constituir un Estado propio.

Hay otro elemento -quizás el más importante- que hace inadecuado decir que el genocidio palestino es equivalente al Holocausto. La tragedia judía fue un acontecimiento sin precedentes en la historia de la humanidad. Al igual que las bombas atómicas asesinas lanzadas sobre Hiroshima y Nagasaki en Japón, hasta el Holocausto era imposible para la imaginación concebir que los seres humanos fueran capaces de tales atrocidades. Sin embargo, una vez que han ocurrido por primera vez, la reiteración de tales acontecimientos ya no puede considerarse mera repetición. Quienes llevan a cabo una atrocidad inimaginable por segunda vez no están recurriendo a una imaginación salvaje y cruel. Por el contrario, simplemente están reproduciendo de forma racional y deliberada lo que la cultura occidental de la que forman parte ha establecido moralmente como inmoral, repugnante e inaceptable.

Cuando se trata del Estado terrorista, asesino y genocida de Israel, ya no se puede utilizar el Holocausto como criterio último de la monstruosidad de la humanidad ni como forma de escudarse contra las críticas. No podemos seguir tolerando que se tilde de “antisemitas” a todos los que se rebelan contra el Estado de Israel. No hay que confundir la nación judía con el Estado terrorista, asesino y genocida de Israel. Decir que el Estado terrorista, asesino y genocida de Israel ha perdido la legitimidad de utilizar el Holocausto como recurso retórico para escudar sus crímenes de guerra no desvirtúa en absoluto la justa lucha de la nación judía por preservar la memoria vigilante de un pasado que nunca debe repetirse contra nadie, ningún pueblo, en ningún momento.

Tal vez sea hora de reflexionar sobre cómo hoy el Estado terrorista, asesino y genocida de Israel y sus aliados occidentales están alimentando el antisemitismo en el mundo, dado que sus acciones durante las últimas siete décadas son en gran medida responsables del derramamiento de sangre de judíos inocentes, y de avergonzar la memoria de todos aquellos que fueron exterminados en el genocidio hitleriano.

Por lo tanto, Amigas de la Tierra Brasil expresa su apoyo a la declaración del presidente Lula y rechaza cualquier tipo de retractación por parte del gobierno brasileño hacia el criminal de guerra Benjamin Netanyahu, primer ministro del estado terrorista, asesino y genocida de Israel.

Amigas de la Tierra Brasil – 20 de febrero de 2024

A situação da Palestina não é equivalente ao Holocausto: será que Lula errou?

 

Genocídio
Ge·no·cí·di·o
sm
Destruição total ou parcial de um grupo étnico, de uma raça ou religião através de métodos cruéis.
(Dicionário Aurélio)

 

Ao dizer que “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, será que Lula errou? 

A intenção do presidente brasileiro foi equiparar o genocídio palestino ao genocídio judaico, mas embora o assassinato massivo e sistemático de inocentes sempre seja um ato igualmente repulsivo, independentemente da quantidade de pessoas afetadas, o Estado de Israel está demonstrando que passou da hora de superarmos o Holocausto como o critério máximo de monstruosidade da humanidade. Existem muitos critérios aptos a também atestarem a monstruosidade das condutas dos Estados. Um deles é a responsabilidade histórica. Todos aqueles que vivenciam uma situação de injustiça e crueldade, se não buscarem vingança, têm o dever histórico de lutar para que o sofrimento e a barbárie sofrida jamais se repita – com ninguém, com nenhum povo, em nenhum momento. Como temos visto, na opinião de diversas organizações, líderes mundiais, pensadores, entre outros – judeus ou não, diante de todos os esforços para manter viva a memória do Holocausto para que ele não se repita, é inconcebível que o Estado de Israel ainda assim perpetue o massacre na Palestina, um verdadeiro campo de concentração a céu aberto.

Além disso, há muitos elementos no genocídio cometido pelo Estado de Israel que devem ser levados em consideração para que não nos deixemos soterrar pela monstruosidade do Holocausto a ponto de perdermos de vista a monstruosidade cometida hoje contra os palestinos. Sabemos que a guerra contra o povo Palestino se vale de uma grande confusão direcionada a colocar o antissemitismo como direito de defesa do povo judeu. Tal direito de defesa anunciado pelo Estado de Israel tem sido usado, contudo, como chancela para a formação, há décadas, de um Estado terrorista, assassino e genocida. Vamos aos elementos:

Em primeiro lugar, enquanto o Terceiro Reich na Alemanha perdurou por 12 anos, o apartheid palestino já se perpetua por mais de sete décadas. Em segundo lugar, as atrocidades cometidas nos campos de concentração nazistas foram condenadas e reprimidas por meio de uma guerra mundial que não permitiu que se naturalizasse o Holocausto e possibilitou que os judeus fossem libertados e obtivessem seu Estado; já o genocídio palestino é distorcido e naturalizado pelos porta-vozes do sionismo global há décadas, mantendo, durante todos esses anos, os palestinos massacrados e sem esperanças de libertação à vista. Em terceiro lugar, o repulsivo antissemitismo se volta contra uma nação de pessoas que hoje têm a proteção e adotam como sua cultura e lar uma pluralidade de Estados espalhados pelo mundo; já o ódio ao povo palestino busca eliminar uma frágil e vulnerável nação constituída por pouco mais de cinco milhões de pessoas confinadas (aprisionadas) em uma estreita faixa de terra que não teve assegurado sequer seu direito de constituir um Estado próprio. 

Existe ainda um outro elemento – talvez o mais importante – que torna inapropriado dizer que o genocídio palestino é equivalente ao Holocausto. A tragédia judaica foi um evento inédito na história da humanidade. Assim como as bombas atômicas assassinas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, até o Holocausto não seria possível à imaginação cogitar que seres humanos seriam capazes de tais atrocidades. Porém, uma vez ocorridos pela primeira vez, a reiteração de tais eventos não pode mais ser considerada como mera repetição. Aqueles que executam uma atrocidade inimaginável pela segunda vez não estão se valendo de uma selvagem imaginação cruel. Ao invés disso, estão simplesmente reproduzindo racional e deliberadamente aquilo que moralmente a cultura ocidental da qual eles próprios fazem parte já estabeleceu como imoral, repugnante e inaceitável. 

Em se tratando do Estado terrorista, assassino e genocida de Israel, o Holocausto não pode mais ser usado como o critério máximo de monstruosidade da humanidade ou uma forma de se blindar às críticas. Não podemos mais tolerar que todos aqueles que se rebelam contra o Estado de Israel sejam ameaçados com a pecha de “antissemitas”. A nação judaica não se confunde com o Estado terrorista, assassino e genocida de Israel. Dizer que o Estado terrorista, assassino e genocida de Israel perdeu a legitimidade de utilizar o Holocausto como recurso retórico para blindar seus crimes de guerra em nada desmerece a justa luta da nação judaica pela preservação da memória vigilante de um passado que não deve jamais se repetir contra ninguém, nenhum povo, em nenhum momento. 

Talvez esteja na hora de pensar como hoje o Estado terrorista, assassino e genocida de Israel e seus aliados ocidentais alimentam o antissemitismo no mundo, já que suas ações, ao longo dessas sete últimas décadas, são em grande parte as maiores responsáveis pelo derramamento de sangue de judeus inocentes e pela vergonha à memória de todos aqueles e aquelas que foram exterminados no genocídio hitlerista.

Em razão disso, a Amigas da Terra Brasil manifesta seu apoio à manifestação do Presidente Lula e rejeita qualquer tipo de retratação por parte do governo brasileiro perante o criminoso de guerra Benjamin Netanyahu, primeiro ministro do Estado terrorista, assassino e genocida de Israel.

Amigas da Terra Brasil – 20 de fevereiro de 2024

 

Todo apoio à Retomada Guarani Mbyá Nhe`engatu de Viamão (RS)

Nós, Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, estamos cansados de viver nas margens de nossas terras originárias, dentro de áreas degradas ou em acampamentos de beira de estradas. Em função disso decidimos retomar um pequeno pedaço do nosso grande território ancestral, o qual chamamos de Tekoá Nhe’engatu, localizado no município de Viamão, Rio Grande do Sul.

Com essa retomada também homenageamos ao nosso avô, Turíbio Gomes, que morreu com 101 anos de idade, e todos os nossos anciões e anciãs que lutaram e padeceram pela busca de uma vida mais digna para o povo Guarani Mbyá, eles não conseguiram, ao menos passar alguns de seus dias de existência, dentro da terra demarcada.

Não temos mais paciência. O tempo passa e nossos Xeramoī, como nosso avô Turíbio, e nossas Xejaryi, como a Laurinda, estão morrendo.

Não é justo vermos nossas crianças nascerem e crescerem em situação de profunda vulnerabilidade, sem perspectivas de uma vida tranquila, justa e saudável.

Passamos nossos anos em casas improvisadas – barracos de lonas – sem terra para plantar nossas roças, sem água potável para beber, sem mato e, sequer temos um lugar para construir nossa Opy, casa de Reza. Não aceitamos mais essa dura e degradante realidade.

Diante desse contexto de desrespeito aos nossos direitos fundamentais, decidimos ingressar nessa área em Viamão, fazendo memória de nossos velhos e velhas, que lutaram, mas não puderam ver garantidos os seus direitos.

Por causa deles, que nos inspiram e nos guiam, estamos aqui, nessa Tekoá Nhe’engatu, dizendo que esta terra tem dono.

Tornamos o grito de Sepé Tiaraju, nosso grande líder e guerreiro, o nosso grito por terra e vida.

Requeremos, nesse momento, que a Funai assuma suas obrigações e agilize os procedimentos de demarcações de terras para nosso povo. Que sejam retomados os procedimentos paralisados e que se inicie a demarcação dessa nossa Tekoá Nhe’engatu, agora ocupada pelos Guarani Mbyá.

Também requeremos a presença das equipes da SESAI, responsável pela assistência de saúde. Pedimos o apoio do Ministério Público Federal, aquele que tem o dever de fazer a defesa de nossos direitos, e principalmente do Ministério dos Povos Indígenas, assim como queremos a participação da Defensoria Pública da União, como órgão que nos auxilie nas demandas jurídicas.

Contamos também com apoio das demais comunidades Guarani Mbyá do Rio Grande do Sul e os apoios dos parentes Kaingang, Xokleng e Charrua.
Seguimos todos nas mesmas lutas, por terra, território e justiça. Demarcação já!

Viamão, 14 de fevereiro de 2024.

Retomada Nhe’engatu



Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência!

Queridos companheiros e companheiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

Em nome de todos nós, Amigas da Terra Brasil, é com imensa alegria e gratidão que nos dirigimos a vocês para felicitá-los pelos 40 anos de luta e resistência do MST. Desde a sua fundação, em 1984, vocês têm sido uma inspiração para todos nós, demonstrando que a esperança e a determinação podem mover montanhas, ou melhor, transformar terras improdutivas em espaços de vida, esperança e justiça.

Ao longo dessas quatro décadas, vocês têm sido incansáveis na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, na luta pela reforma agrária, na busca por uma distribuição mais justa e equitativa da terra e na construção de um modelo agrícola mais sustentável e inclusivo. Suas ocupações, marchas, acampamentos e projetos de assentamento não apenas demonstram uma resistência inabalável, mas também apontam para um futuro onde a dignidade e os direitos de todos os trabalhadores rurais são respeitados e garantidos.

O MST não é apenas um movimento social, mas sim uma escola de vida, onde se aprende a importância da solidariedade, da cooperação e da organização popular. Vocês têm sido um farol de esperança em tempos sombrios, mostrando que um mundo melhor é possível quando nos unimos em prol de uma causa maior.

Neste aniversário de 40 anos, queremos expressar nossa profunda admiração e apreço por tudo o que vocês têm realizado. Que este seja apenas o começo de uma jornada ainda mais longa e frutífera, rumo a um Brasil e a um mundo mais justo, igualitário e sustentável.

Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência! Estamos ao seu lado hoje, amanhã e sempre.

Com carinho e solidariedade,

Amigas da Terra Brasil

 

Povos da Terra marcham contra ameaça a território kilombola com a ampliação da BR-386

Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) realizou o ato ‘Parada da Légua’, em Triunfo (RS). Por uma Solidariedade Real e Radical, Povos da Terra marcharam em unidade pelo direito de ser e existir.

“Aqui nós estamos mais um dia lutando pelo nosso direito de ser e existir. Ouçam o nosso grito. O nosso grito, ele não é só hoje, ele é todo dia. E quero dizer que a gente é pessoas, como vocês. A gente luta pelo que a gente ama, a gente vive o cotidiano. Mas nós estamos sendo atacados. Isso sim é uma denúncia. Quando a gente é atacado naquilo que a gente ama no nosso íntimo, a gente sente e a gente sofre também. Mas a gente escolheu lutar com alegria, cantar e chorar ao mesmo tempo. Porque é assim que é a vida no Kilombo de Mãe Preta. Eu queria que vocês ouvissem, realmente: que o aqui e o agora é que a gente preserva o amanhã”. Fala de Nishtha, Ekedi Khan da Nação Muzunguê, da Comunidade Kilombola Morada da Paz, durante a Parada da Légua 2024

No sábado (20), o típico som do trânsito que corre desproporcionalmente veloz pela BR 386 foi abafado. Maracás, tambores e múltiplas vozes irromperam o asfalto num ato que trazia uma mensagem de coletividade e de vida. Povos do campo, das águas, das florestas, das ocupações urbanas, das periferias, dos assentamentos da reforma agrária, das retomadas indígenas, da comunidade LGBTQIAP+, de quilombos do Pampa à Amazônia, refugiados e imigrantes de outros países e movimentos sociais faziam coro. No mesmo ritmo de um batimento cardíaco, anunciavam: avançaremos

“Não se render. Ousar lutar, ousar vencer”, grito pronunciado durante Parada da Légua 2024 | Foto: Fabiana Reinholz

Em defesa da autodeterminação dos povos e de seu direito radical de ser e existir, a Comunidade Kilombola Morada da Paz realizou o  ato “Parada da Légua”, denunciando a ampliação da BR-386, a menos de 500 metros da comunidade. Um projeto que já perturba o sonho das crianças e ameaça o território, intimidando gentes, bichos, árvores anciãs, o tempo e a terra que ali coabitam. Conforme relato de Yashodhan Abya Yala, Yalasé da Nação Muzunguê, Sangoma da Casa da Sétima Ordem, zeladora e protetora da Comunidade Kilombola Morada da Paz, a ampliação da BR é mais uma ameaça dos mega empreendimentos. “Até hoje nunca vimos o projeto, não fomos consultados”, relatou. Ponto que fere a Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),  que prevê a Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa Fé às comunidades tradicionais que são impactadas por projetos, políticas ou empreendimentos. 

Com o lema “Por uma Solidariedade Real e Radical em Território de Mãe Preta CoMPaz: povos tradicionais marcham em unidade pelo direito de ser e existir”, a comunidade articulou a manifestação pacífica, alertando a vizinhança e autoridades sobre os impactos do empreendimento no local. Assim como comunicando a sua luta para barrar a légua, uma rodovia também conhecida como o concreto dum processo extrativo que dilacera a sociobiodiversidade. Durante a marcha poética-cultural, política-espiritual, a légua parou, abrindo espaço para o movimento dos pés no asfalto. E o diálogo se deu com quem estava parado no trânsito e moradores das beiras da BR,  contando também com a distribuição de materiais informativos. 

Marcha Parada da Légua contou com a participação de mais de 100 pessoas | Foto: Fabiana Reinholz

Para além da denúncia, o ato trouxe a vivacidade da memória e do tempo. Entre falas, batucadas, espadas de São Jorge ao alto, som da concha e do berrante, no caminho se narrava a história do Kilombo Morada da Paz, que existe em Triunfo há 21 anos. Uma comunidade de remanescentes, aqueles que lembram e mantêm viva a memória do seu povo. Uma história que também é de luta, e que se conecta à realidade de tantos outros territórios que resistem. Que em meio a um Estado racista e colonial, ao poder das corporações e as decorrentes políticas de morte ditadas por um projeto político que entende o valor no lucro, até podem sentir medo, mas não ousam vestir. E insistem, com ganas de transformar a realidade, em anunciar a sua existência.

“Digam ao povo que avance. Avançaremos”, grito pronunciado durante Parada da Légua 2024 | Foto: Carolina Colorio

Viemos de nossas terras fazer barulho na terra inteira

Tempo é memória. A solidariedade entre territórios que lutam para preservar a existência e o amanhã

Na concentração, na rótula há 1,6 km da Comunidade em direção à Porto Alegre, um arco-íris abriu os trabalhos. Na marcha, que ocupou por mais de uma hora as duas pistas da BR no sentido da região metropolitana ao interior do estado, a lua imensa, quase cheia, refletia do céu no rosto de uma multidão. Carros parados ao longo da rodovia indicavam algum tipo de silêncio, como uma espera por uma mensagem que quebrasse o som de motores. Ao longo de quilômetros de caminhada, marchavam em defesa do Kilombo povos articulados em luta, munidos com a memória de seus territórios e um amor transbordante. Foram mais de cem pessoas presentes, com a força de uma caminhada daqueles que vem de muito antes, e que seguirá nas gerações futuras.

Na concentração, na rótula há 1,6 km da Comunidade em direção à Porto Alegre, um arco-íris abriu os trabalhos | Foto: Carolina Colorio

Entre pontos para Ogum, Iansã, Esù e Xangô, ecoavam do começo ao fim da Parada da Légua frases como: “Essa luta é nossa, essa luta é do povo, é akilombando que se faz um Brasil novo” e “Pelo direito de ser e existir: solidariedade real e radical”. A radicalidade dos cantos contava sobre o amor das existências diversas, multiétnicas. Sobre aqueles que tombaram, mas fazem presença a cada passo dado. Sobre a confluência do encontro de norte a sul do Brasil, de retomada a retomada indígena, de quilombo em quilombo, das ocupações de luta por moradia e por reforma agrária.

“A nossa luta é a luta deles também”, fala da cacica Iracema Gãh Té Nascimento, da Retomada Multiétnica Gãh Ré, localizada no Morro Santana, em Porto Alegre (RS) | Foto: Carolina Colorio

“A nossa luta é a luta deles também. Em busca de moradia, em busca de espaço, para a continuação de sua resistência. É importante para nossos parentes kilombolas. Eles estão colocando lixão aqui, as empresas querendo tirar eles para colocar lixão, que tem químicas que prejudicam a vida. É muito importante fazer a nossa parte apoiando. Tão querendo ampliar a BR também, tomando o espaço dos moradores daqui. Principalmente dos parentes quilombolas, que também defendem a terra, assim como nós, indígenas, originários da terra”, manifestou em apoio a cacica Iracema Gãh Té Nascimento, da Retomada Multiétnica Gãh Ré, localizada no Morro Santana, em Porto Alegre (RS). Gãh Te mencionou ainda a importância de valorizar as mulheres na luta, e que sua aliança com a Morada da Paz já percorreu Brumadinho (MG) e Brasília (DF), numa solidariedade que vem de outros trilhares.  

Povos da Terra marcham contra a ameaça a território kilombola com a ampliação da BR-386 | Foto: Carolina Colorio

Para Claudia Dutra, do Movimento Negro Unificado, participar da Parada da Légua foi gratificante. “Nos sentimos agradecidos com o convite e em apoiar a luta aqui da comunidade frente a ampliação da BR, também frente a pauta territorial. O nosso envolvimento enquanto militantes e ativistas versa profundamente sobre a questão de raça e território, então os encaminhamentos às autoridades competentes para as pautas demandadas aqui serão devidamente encaminhadas”, comentou. Claudia mencionou que estão construindo junto às comunidades quilombolas do RS a articulação jurídica e também de apoio, inclusive pautando a 734785, que é a ação civil pública, e o fundo de reparações da comunidade negra do Rio Grande do Sul e nacional. “Estamos no apoio nos direitos reparatórios, da memória, da verdade e da justiça dos nossos povos negros, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais de matriz africana”, explicou. 

Concentração para a Parada da Légua 2024 | Foto: Carolina Colorio

No ato também estava presente o cacique Maurício Ven Tainh Salvador, da retomada Kaingang na Floresta Nacional de Canela (Flona), que relatou a importância da união dos povos, de suas culturas e sabedorias. “A Parada da Légua é uma retomada, num aspecto de dizer, para quem quer ouvir e quem quer saber, que a gente existe. Que a gente tá aqui e que a gente resiste para existir. É muito importante esse movimento que a gente tá fazendo hoje. A nossa vida é isso, é viver na retomada, lutando por espaços. Viemos nos apoiar e unir para buscar o reconhecimento de nossos territórios e de nossas histórias”,  evidenciou. 

O cacique também mencionou que um legado está sendo deixado para as próximas gerações. E que mesmo com vitórias, também existem as mágoas e as dores de quem vivencia na pele a violência da exploração e da opressão. Mas relembra como uma guiança: “Quando a gente vê a comunidade sorrindo, a comunidade tendo um espaço, os momentos de tristeza e dor vão embora e o que prevalece é a felicidade e a prosperidade de nossas famílias e de nosso povo”. 

“A Parada da Légua é uma retomada, num aspecto de dizer, para quem quer ouvir e quem quer saber, que a gente existe”, fala do cacique Maurício Ven Tainh Salvador, da retomada Kaingang na Floresta Nacional de Canela (Flona) | Foto: Carolina Colorio

Remontando a fala das lideranças kaingang e mbya-guarani, moradores do assentamento da reforma agrária Sepé Tiaraju, de Viamão (RS), ressaltaram : “Não é a luta da Morada da Paz, é a luta de um povo todo”. Antes da Parada da Légua, quem estava em marcha foi adentrado pela Morada da Paz, Território de Mãe Preta, e neste encontro, no Kilombo, se preparou para a caminhada. Agradecido pela acolhida de Mãe Preta, cacique Maurício afirmou a importância da comunidade. Citou que a confluência de povos e os diálogos são fortalecimento para todas as lutas. “A gente vem através desses encontros perceber que tem bastante comunidades em luta, assim como nós. Que precisam de fortalecimento espiritual, mental, de experiências. Eu venho aqui aprender com pessoas que já vem há bastante tempo na luta, mas também para contribuir. É muito importante esse encontro para que a gente possa se unir, ajudar, contar das nossas experiências de luta e fortalecer a questão da coragem, de saber que a gente não tá sozinho. Essas vitórias que a gente vem buscando virão”, contou.

Moradores do assentamento da reforma agrária Sepé Tiaraju, de Viamão (RS), ressaltaram : “Não é a luta da Morada da Paz, é a luta de um povo todo” | Foto: Carolina Colorio

“Essa marcha é um chamamento feito por esse território kilombola, mas não é só nossa. É uma marcha das retomadas, das ocupações, das mulheres, da comunidade LGBTQIAP+. Uma marcha pelo direito de ser e existir, pela solidariedade real e radical dos povos indígenas, tradicionais. É uma marcha do sonho, da força. Para que a vida se sustente e se mantenha, mas não do modo como ele está. Ela se mantenha e se sustente com dignidade para todos, radical e real ”, clamou Yashodhan.

Por uma Solidariedade Real e Radical em Território de Mãe Preta CoMPaz, povos tradicionais marcham em unidade pelo direito de ser e existir | Foto: Fabiana Reinholz

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Cultura viva 

Em um mundo com cicatrizes abertas da colonização, que tenta impor uma forma única de vivenciar a realidade, salvaguardar e celebrar a diversidade de vida, de vivências, de culturas, assim como se expressar, é uma arma poderosa. Para além do fato de que o direito a ser e existir é fundamental, é na defesa dos modos de vida tradicionais, indígenas e kilombolas que se protege também a possibilidade de mundos futuros, tendo em vista que os seus territórios são onde mais se preserva a sociobiodiversidade. Nas suas formas de vivenciar a vida, numa coletividade que vai além do humano, estão muitas das respostas para a atual crise civilizatória, especialmente frente à emergência climática. 

 “A nossa cultura é o nosso jeito de ser e viver. Se há violação, ela fere com o nosso jeito de ser e viver. Que é um jeito de ser e viver amparado na Nação Muzunguê, que é uma espiritualidade que se manifesta com um sopé das matrizes africanas de origem yorubanta, das matrizes indígenas, em especial a guarani e também ela é búdica, sagrada. Ela reinventa, revive e chama para si o exercício do sagrado ao seu cotidiano”, expôs Yashodhan.  Da retomada Mbyá Guarani Tekoá Ka’agüy Porã (Mata Verdadeira), de Maquiné (RS), o cacique André Benites salientou: “eu me orgulho e tenho de escudo a minha cultura e a minha expressão”. 

Parada da Légua 2024 | Foto: Carolina Colorio

Ao ser questionada sobre o que esperava da Parada da Légua, Yashodhan expressou que o que esperava da mobilização já estava acontecendo, naquele instante. “Hoje, aqui, temos mais de 100 pessoas reunidas, de ocupações, retomadas, quilombolas, indígenas, pessoas que são aliadas dessa luta. Eu também tenho o desejo de dar visibilidade para essa luta e dizer: nós existimos, nós sempre existimos. E enquanto essa vida pulsa a gente vai lutar”.

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O pulso ainda pulsa 

“Os nossos passos vêm de longe. E tem muita gente que tombou na luta para que a gente pudesse estar aqui hoje”

A Parada da Légua 2024 contou com diversos momentos marcantes, que remontam a realidade de cada território em luta que em solidariedade compunha o ato em defesa do Kilombo. Entre eles, ocorreu a performance “O Pulso Ainda Pulsa”, com a Kasa Okupa Contracultural Jibóia, de Porto Alegre (RS) – um espaço de moradia e cultura focado na população LGBTQIAP+ e em mulheres cis, que tem como intuito o acolhimento, geração de qualidade de vida, troca de experiências e o crescimento de novas redes de apoio comunitário, que fortalecem também a conexão com a terra e o território. 

Omar Flores, morador da Okupa Jibóia, participou da Parada da Légua pela primeira vez, assim como sua ida à CoMPaz. “Estar no território, fazer a trilha, me encontrar e poder sentir essa proximidade com entidades e com toda a energia dali foi muito transformador como indivíduo, espiritualmente”, comentou, compartilhando que se sente fortalecido após Parada da Légua.

O pulso ainda pulsa: Okupa Jibóia, em conjunto com outros coletivos, como a Okupa Kaliça, apresentaram performances de luta durante a Parada da Légua 2024 | Foto: Carolina Colorio

O morador da ocupação relembrou momentos de tensão vividos pela Jibóia no último ano, quando em ação arbitrária e ilegal, comandada pela Polícia Militar e tropa de choque, derrubaram parte da ocupação. Naquela data, que marcava 19 de outubro, após violência desproporcional da polícia e do Estado contra a Okupa Jibóia, esta recebeu a visita da Morada da Paz, em ato de solidariedade. No momento, Yashodhan se referiu a uma árvore da okupa como parte do povo de pé. “O pessoal do Kilombo Morada da Paz esteve aqui no dia 19, e escutar esse termo do povo de pé, e ouvir nas falas das pessoas no Kilombo, de muitos outros povos, dos povos encantados, do povo do fundo, que as árvores são os povos de pé, é marcante. No momento em que se falou do povo de pé eu olhei para essa árvore (paineira presente na Jibóia) de um jeito diferente. E voltando do Kilombo eu também sinto essa árvore de uma forma diferente. Então meio que me sinto mais conectado ainda com esse território, entendendo que ele está conectado com todos esses outros. Que a nossa luta está conectada com todas essas outras lutas”, contou.

Parada da Légua 2024 | Foto: Carolina Colorio

Entre outras performances apresentadas pela Okupa Jibóia, em conjunto com outros coletivos, como a Okupa Kaliça, “O Pulso ainda Pulsa” trouxe como central o deslocamento fluído por entre todos os blocos do ato, que também representa a forma como foi construída a Parada da Légua e a unidade das lutas ali presentes. “Fizemos a performance caminhando entre as pessoas, olhando elas nos olhos e segurando o próprio pulso enquanto falávamos: o pulso ainda pulsa. Quando a gente se desloca entre pessoas que estão em movimento, a gente precisa conectar uma percepção espacial e corporal diferente, porque o corpo todo da coletividade é o corpo que dança quando tu te desloca. Se tu não tem essa consciência, tu se choca com o outro. E fazendo esse deslocamento, esse movimento coletivo, tocando o próprio pulso, sentindo o próprio pulsar e rememorando e trazendo de volta o que é vivo na gente das pessoas que já se foram, é muito forte, é muito intenso”, mencionou Omar. 

Ele contou que integrantes da Okupa perderam pessoas muito próximas no último ano, e que antes da performance, houve um momento em que todes debateram como seria a apresentação. Neste, muitos relatos de luto e perda estavam presentes, e foram sentidos coletivamente. O intuito da performance foi evocar os nomes de todos que tombaram na luta, rememorando que ainda sentimos os seus batimentos. Como disseram no ato: “está presente, pois a gente até sente o pulsar de seu coração”. Entre as menções estavam Mãe Bernadete, Zumbi dos Palmares, Nego Bispo, Marielle Franco, irmã Dorothy, Sepé Tiaraju, Isabel Cristina, Chico Mendes, Julieta Hernandéz. “É como se a gente tivesse colocando esse amor no som, colocando esse amor no ar ali. Enchendo o ato, também, disso. Foi muito curativo, é muito curativo pra nós”, expôs.

Okupa tudo: “Nem gente sem casa, nem casa sem gente” | Foto: Carolina Colorio

Dividida em quatro partes, a performance realizada por integrantes da Okupa Jibóia e da Okupa Kaliça também fez referência a suas próprias lutas, a partir da releitura de uma canção sobre a caminhada que fizeram até o tribunal, se posicionando contra a demolição da Okupação Jibóia. “Ao mesmo tempo trouxemos o vogue, que fala da cultura ballroom, que é muito parte da nossa comunidade e também faz parte dessa luta por espaço, reconhecimento, resistência. Essa luta da comunidade LGBTQIAP+” . Direto da Okupa Kaliça foi declamada uma poesia sobre a questão da branquitude e da luta antirracista, e feito convite para que presentes participassem do grupo de estudos sobre branquitude, que ocorre na Okupa. Por fim, a performance realizada pelas ocupações urbanas trouxe uma manifestação sobre a questão da moradia, expondo dados quanto ao déficit habitacional de Porto Alegre e defendendo o direito à moradia, um direito básico tão violado.  “Nem gente sem casa, nem casa sem gente – um refrão que fala bastante da nossa história”, evidenciou Omar.

É preciso parar a légua: a ampliação de uma rodovia e a violação de direitos de uma comunidade 

Nascida das entranhas das mulheres pretas, que retomam a luta de seus ancestrais quando foram expulsos de seus territórios, a Comunidade Kilombola Morada da Paz vem há uma década lutando contra a ampliação da rodovia federal. 

As obras de ampliação da BR-386 foram iniciadas em 2010 pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT). O empreendimento faz parte do programa de Concessão Federal no Rio Grande do Sul e é regulado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)

Conforme a Comunidade, a ampliação no trecho 405-415km afeta diretamente o território, envolvendo, entre outros danos, a supressão de 300m2 da vegetação local e a aproximação perigosa de uma rodovia com alto fluxo de veículos pesados perto de suas porteiras, colocando em risco todas as vidas que compõem o território. 

“Não fomos informados absolutamente de nada até hoje, faz quatro anos que estamos nessa luta então ela não é de boa fé. Não nos procuraram até hoje”, afirma Yashodhan Abya Yala.

Vidas Negras Importam. Concentração para a Parada da Légua 2024 | Foto: Carolina Colorio

No final de 2021 a comunidade ajuizou a Ação Civil Pública (N, 5063160-33.2022.4.047100/RS) em que pedia a suspensão  do andamento da obra no trecho até que fosse realizada a Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa Fé à comunidade, respeitando a Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).   Mesmo após inúmeros recursos dos réus do processo – as empresas concessionárias e o Estado brasileiro, a partir dos órgãos Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) – a Comunidade ganhou a causa sustentando a decisão liminar. 

Contudo, esta foi derrubada ao final de 2023, quando a juíza designada para avaliar o mérito do processo decidiu extinguir a ação. O argumento utilizado foi o de que, ainda que tenha legitimidade em reivindicar esse direito, a comunidade estaria se adiantando em seu pedido, já que o cronograma da concessionária teria previsto para 2034 a execução das obras no trecho 358-444 KM, entre os municípios de Tabaí e Canoas, o que tiraria seu caráter de urgência.

Povos do campo, das águas, das florestas, das ocupações urbanas, das periferias, dos assentamentos da reforma agrária, das retomadas indígenas, da comunidade LGBTQIAP+, de quilombos do Pampa à Amazônia, refugiados e imigrantes de outros países e movimentos sociais faziam coro. No mesmo ritmo de um batimento cardíaco, anunciavam: avançaremos. | Foto: Carolina Colorio

Como relata Yashodhan, a duplicação da rodovia federal ameaça a comunidade quando ela fere o protocolo de consulta prévia, livre, informada e de boa fé. “É importante que se diga que a consulta é uma obrigatoriedade do estado brasileiro que é signatário da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A consulta prévia pressupõe um processo que respeite os povos que serão impactados. Aqui no território nós não somos ou isso ou aquilo. É e, e é nós e o nosso povo em pé, as nossas Yanjis, nossas árvores. Somos nós e o ar que respiramos, onde reina a Iansã, Ofurucu. É E. Nós e toda vida de seres sencientes que habitam conosco esse espaço. Então esse espaço todo está sendo ameaçado”.

Encontro de culturas: Canto Mbyá-Guarani durante Parada da Légua 2024 | Foto: Carolina Colorio

“Uma juíza sentenciou de modo que ela tenta derrubar a nossa ação civil pública. Então essa marcha, ela também serve para avisar essa juíza de que a sua sentença é uma escrita de cicatrizes de violação e exclusão. E nós não fizemos da borda, da periferia ou da margem, um espaço de exclusão. Pelo contrário, nós fizemos da periferia, da margem, da borda que tentam nos colocar um espaço de libertação. Queremos mais do que sobreviver, queremos dignidade. Que essa juíza entenda o recado que sua sentença não vai borrar a nossa coragem”, afirmou Yashodhan.

“Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes” | Foto: Carolina Colorio


“Não se render. Ousar lutar, ousar vencer”
Grito pronunciado durante Parada da Légua 2024

Conheça mais sobre a história de luta do Kilombo Morada da Paz em “A água sempre encontra um caminho: A caminhada da CoMPaz pelo respeito ao seu Direito de Ser e Existir” 

Solidariedade das lutas na concentração para a Parada da Légua, na Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) | Foto: Carolina Colorio

Palestina livre: por que apoiar a luta

No dia 7 de outubro de 2023, após ataque do Hamas, o governo de Israel iniciou uma nova ofensiva militar contra o povo palestino. Um verdadeiro massacre foi desencadeado diante dos olhos da comunidade internacional, que já atingiu mais de 20 mil mortos, dentre eles mulheres, crianças e idosos. Em um único dia, 300 pessoas morreram. Hoje, há muitos palestinos presos, por volta de 3 mil, incluindo 200 crianças, do que havia antes de 7 de outubro. Mais de 120 jornalistas já foram assassinados, a grande maioria em decorrência dos ataques militares de Israel, durante pouco mais de 100 dias de cobertura.

Em dezembro, em resposta à pressão internacional, Israel decretou uma “pausa humanitária” dos bombardeios, que durou poucos dias. As pessoas mal tiveram tempo de reiniciar as buscas de parentes, procurar seus pertences. Acumulando junto aos escombros, uma infinidade de vidas perdidas, sem direito a contar sua história. No mesmo mês, o Brasil defendeu, no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), o cessar-fogo na Faixa de Gaza; apenas os EUA (Estados Unidos) foram contra, motivo pelo qual a guerra continua.

Infelizmente, o povo palestino é vítima cotidianamente das “armas do genocídio”. Entre 2008-2009, durante 2014, vários ataques foram deflagrados na região. Muitos palestinos e palestinas sofrem detenções arbitrárias, acusados de planejarem infringir a lei no futuro, sendo submetidos ao cárcere sem direito a advogado, habeas corpus, acesso às provas. De acordo com a Defence for Children International, por volta de 500-700 crianças foram detidas arbitrariamente, das quais 97% foram interrogadas sem familiares presentes; 80% foram revisitadas e 75% sofreram violência física, práticas que já haviam sido questionadas pela Unicef (Fundo das Nações Unidas/ONU para a Infância) em 2015.

Em verdade, o território palestino é ocupado desde 1948, quando as tropas israelenses retiraram ilegalmente os palestinos e palestinas de suas casas, tentando apagar a existência do povo palestino, no conflito conhecido como Nakba. De lá para cá, o território de Israel se expande sobre a Faixa de Gaza e Jordânia numa série de assentamentos ilegais. Além disso, Israel controla todo o comércio dos palestinos, vigiando as fronteiras, e determinando todas as possibilidades de comércio internacional dos palestinos. Em 2011, apresentou-se uma Resolução ao Conselho de Segurança da ONU para vetar os assentamentos ilegais, sob a alegação que isso só intensificava a tensão nos e entre os países; novamente, os EUA protegeram Israel, sendo o único país a votar contra a desocupação.

O confronto que eclodiu em outubro passado ocorreu em resposta a uma série de assassinatos da Operação Break the Wave (quebrando a onda), realizado pelo exército de Israel contra o povo palestino. Em 26 de janeiro de 2023, a operação matou 10 palestinos, incluindo uma idosa, e depois atirou em uma ambulância para evitar o socorro, no denominado Massacre de Jenin. Em reação, a resistência Palestina disparou foguetes, respondidos com ataques israelenses ao campo de refugiados Al-Maghazi. Com os ataques, Israel abriu um ciclo de violência coletiva para “quebrar a onda” de conquistas no cenário internacional do povo palestino.

Na guerra de Israel contra o povo palestino, que já dura 3 meses, os israelenses estão destruindo casas e conquistando mais terras, fortalecendo assim sua ocupação sobre o país. A advogada Andressa Soares, integrante do Movimento BDS – Boicote, Desinvestimento e Sanções, relata que os avanços e genocídio contra o povo palestino estão piores do que nunca. “Desde o dia 15 de janeiro, Gaza está completamente sem luz; já saíram vários novos alertas de agências das Nações Unidas sobre o crescimento da fome na região, sobre a ajuda humanitária que não consegue entrar para atender as vítimas”.

Nesse momento, é preciso um cessar-fogo efetivo para que as pessoas deixem de morrer. Andressa explica que este é um dos principais objetivos da demanda apresentada pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça. Ela avalia que “o julgamento na Corte Internacional de Justiça é vista com muita esperança, o povo palestino está colocando muita esperança neste julgamento, pelas medidas provisórias como o cessar-fogo, que é urgente, para depois vir o segundo ponto que é responsabilizar todas as entidades, organizações e pessoas responsáveis por todo o sistema”.

Andressa pontua que para o Movimento BDS, mesmo com a paralisação dos atuais atos de genocídio, o apartheid contra o povo palestino continua porque não irá se desconfigurar de uma ora para outra e nem mesmo a ocupação territorial. Por isso, é importante que a sociedade civil mantenha as campanhas de solidariedade à Palestina, continue com as iniciativas de boicote às empresas transnacionais israelenses e aos seus produtos e siga na pressão aos governos para apoiarem iniciativas como a da África do Sul.

Boicote, Desinvestimento e Sanção (BDS) é um movimento que atua, desde 2004, pela promoção da igualdade para com o povo palestino. Entre sua agenda, está a derrubada dos muros e a devolução das terras ocupadas; a determinação de acabar com o regime jurídico diferenciado de exclusão do povo palestino, com mais de 30 leis discriminatórias; construir as condições para o retorno dos mais de 1milhão e 800 mil palestinos exilados em outros países.

Para o BDS, é importante perceber que muitas empresas israelenses que sustentam todo o sistema de violência prisional e de vigilância operam em várias partes do mundo da mesma forma. A violência que presenciamos nas periferias tem muito desta política de segurança pública, que garante que a população empobrecida siga segregada, que usa da violência para desencorajar o empoderamento e a busca de direitos, assim como pratica o genocídio da população negra e indígena pelas mãos de milicianos e da própria polícia que mais mata e que mais morre. Tudo isso segue cartilhas construídas por essas empresas armamentistas, que vêem os conflitos e as guerras como lucro e poder.

Reconhecer essas violações comuns de direitos e aproximar povos oprimidos por elas numa luta contra tais empresas transnacionais é também apoiar a causa palestina. É necessário identificar que fundos de investimento, até alguns fundos de pensão, estão apoiando e investindo nessas empresas, estimulando a retirada de investimentos. Além disso, evitar que parcerias com os opressores sejam estabelecidas, como o caso recente da UFC (Universidade Federal do Ceará), que cancelou seu convênio com uma universidade israelense.

A guerra de Israel contra o povo palestino não se trata de defesa: é a promoção de uma ofensiva colonista e genocida para exterminar um povo. É vergonhoso que a comunidade internacional assista a isso, conviva com a banalização do mal pelos EUA e seu apoio a Israel no Conselho de Segurança; que assista à violação reiterada de Israel aos tratados e convenções internacionais.

É urgente toda a nossa solidariedade ao povo palestino, que deve ser convertida em ações práticas de mobilização e pressão popular, para que o mundo se torne mais humano, e não assista atônito ao assassinato de mulheres, crianças e idosos. Importante dizer que as informações que trazemos são as que estão referenciadas por organizações que conseguem comprovar o que é dito, mas sabemos que a situação é bem pior e mais violentas com intenções nefastas de extermínio e expansão do poder neoliberal fascista e colonial que não tem limites.

O povo Palestino não tem para onde fugir e são reféns de um carcereiro sanguinário. A Amigas da Terra Brasil se junta ao movimento BDS exigindo um cessar fogo imediato e efetivo! Palestina livre!

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