Conselho de Direitos Humanos do RS reforça que autoridades e empresas respeitem os direitos da Comunidade Kilombola Morada da Paz

A Comunidade Kilombola Morada da Paz (CoMPaz), da cidade de Triunfo, no Rio Grande do Sul, deu mais um passo em sua luta pelo direito de Ser e de Existir. Em sessão realizada em 14 de setembro, o Conselho de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH/RS) aprovou, por unanimidade, uma recomendação ao governo e órgãos federais, às empresas  concessionárias CCR ViaSul e ao Ministério Público Federal (MPF) para que seja respeitado e reconhecido o direito da comunidade ao território. O Conselho também reivindica o cumprimento dos demais direitos referentes à condição de comunidade tradicional, especialmente ao de consulta livre, prévia, informada e de boa fé, conforme prevê a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário e, portanto, deve seguir.

Desde 2021, a Morada da Paz enfrenta uma verdadeira batalha por reconhecimento do seu direito de ser consultada em meio às obras de ampliação da BR 386, que impacta a comunidade, localizada às margens da rodovia. Em nenhum momento, os kilombolas foram chamados a participar dos termos de referência do estudo e nem foram citados no relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) realizado pela empresa consultora contratada pela concessionária e apresentado ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). A obra seguia, como se simplesmente não existissem.

Por isso, ingressaram com Ação Civil Pública em dezembro de 2022, conquistando uma liminar, em janeiro deste ano, que suspendeu a ampliação da BR 386 no trecho que compreende os Km 405 a 415, onde fica a comunidade. A obra só poderá ser retomada após a realização de novo processo de licenciamento ambiental pelos órgãos competentes, em que a comunidade seja consultada previamente conforme dispõe a Convenção 169 da OIT. No mês de julho, veio mais uma vitória na Justiça Federal, que negou o recurso de uma das empresas concessionárias, mantendo as garantias que constam na liminar. 

Nesse contexto, a recomendação aprovada pelo CEDH/RS, órgão máximo do Sistema Estadual de Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, composto por diversas organizações sociais, entidades jurídicas e até mesmo órgãos da Justiça, vem reforçar toda essa luta da Morada da Paz. “É um momento importante porque agora temos todas essas recomendações e o apoio do Conselho de Direitos Humanos para seguir na luta. Significa que estamos mais respaldados para as próximas etapas, como a Ação Civil Pública, que ainda segue tramitando. Em cada momento como este arregimentamos mais pessoas nessa luta, e isso é muito positivo”, comentou  Baogan Bábà Kínní.


CEDH/RS aprova recomendação pedindo que governo, empresas, órgãos federais e MPF garantam o direito da CoMPaz ser consultada. 

A recomendação encaminhada pelo CEDH/RS também é resultado desse coletivo de apoiadores e de parceiros que a comunidade kilombola vem conquistando em sua caminhada pelo direito de Ser e de Existir. Em março, a CoMPaz participou da primeira sessão do conselho deste ano para contar os impactos que já sofre com as obras de ampliação e para pedir ajuda do órgão para acessar ao que tem direito. Também apresentou o resultado da sua auto-organização, o Dossiê Kilombo: Proteger, Defender e Vigiar, que contém o Protocolo de Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé, construído pela própria comunidade e sua rede de apoio, documento que orienta a consulta à CoMPaz por parte de órgãos governamentais, empresas ou qualquer outro ente em situações de empreendimentos, ou mesmo de políticas públicas, que possam impactá-la.

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Galeria de fotos da sessão no CEDH/RS, na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre (RS). Crédito: Raquel Casiraghi/ ATBr

Depois dessa sessão, representantes do CEDH/RS visitaram o território, onde puderam constatar o cerceamento dos direitos. Essa ida presencial resultou no encaminhamento da moção ao governo federal, às empresas concessionárias, ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e ao MPF (Ministério Público Federal) recomendando a realização da devida consulta livre, prévia, informada e de boa fé. Em relação ao INCRA especificamente, o conselho ainda requere que o órgão assegure a identificação das terras de outras comunidades quilombolas que seguem em processo de regularização fundiária, as quais, apesar de já estarem certificadas pela Fundação Palmares, ainda não constam nas bases do instituto e, portanto, não tem seu direito à consulta garantido. 

Essa história de luta e de resistência que vem sendo construída pela Morada da Paz transcende a própria comunidade, como avalia Baogan. “Também vai trazer benefícios para outras comunidades. Povos tradicionais, populações atingidas por esses megaempreendimentos que não respeitam nossos direitos como prevê a Convenção 169 da OIT de consulta prévia, livre, informada e de boa fé”, afirmou. Além da obra de ampliação da BR 386, a comunidade está sendo impactada pela instalação de um aterro industrial na parte dos fundos do seu território.  

Ubirajara Toledo, integrante do CEDH/RS representando o IACOREQ (Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos), espera contar com a Comunidade Morada da Paz para circular pelo estado a fim de fazer essa troca e empoderamento para que cada comunidade kilombola, a partir das suas especificidades e da assessoria necessária, possa estar ratificando o direito que elas têm, que é o cumprimento da lei. “Essa é uma referência muito importante já que temos muitas comunidades no RS e no Brasil que precisam construir essa consulta. Também representa a autonomia das comunidades, porque é a partir do olhar delas que vivem em seus territórios; essa consulta é conduzida pelos seus olhares. É algo que emerge dessa luta e que isso sirva de referência na luta quilombola. Praticamente rompendo com a invisibilidade das comunidades quilombolas no RS, para que possamos auxiliar as mais de 140 comunidades quilombolas que temos no estado, as 4 comunidades parcialmente tituladas; e que nós possamos, a partir dessa experiência, estar reproduzindo para que cada vez mais comunidades possam estar fortalecidas em seus territórios”, afirmou.

“E essa é a nossa luta porque precisamos deixar isso para nossa juventude. Juventudes negras, quilombolas, de asè; pro povo nas aldeias indígenas, A gente precisa deixar para este povo que a luta é assim, que ela precisa ser de gente, juntos”, refletiu Ìyakekerê Ìyamoro Omoayootunjá da CoMPaz – Território de Mãe Preta.

Confira mais sobre a Comunidade Kilombola Morada da Paz e sua pedagogia da luta, construída no enfrentamento aos megaempreendimentos, que destroem e desqualificam a luta dos povos kilombolas:


# Canal de Youtube da comunidade: CoMPazdocumenta 
# Dossiê Kilombo: Proteger, Defender e Vigiar
# Recomendação 43/2021 do CNDH pela garantia dos direitos humanos da comunidade quilombola Morada da Paz


Matérias:


Justiça Federal no RS nega recurso de empresa e mantém direito à consulta prévia da Comunidade Kilombola Morada da Paz

6ª Conferência Estadual dos Direitos Humanos do Rio Grande do Sul

A água sempre encontra um caminho: A caminhada da CoMPaz pelo respeito ao seu Direito de Ser e Existir


Artigo no jornal Brasil de Fato:


Justiça Federal reconhece o direito à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé de comunidade kilombola no RS


Vídeo:


Comunidade Kilombola Morada da Paz no CEDH/RS – A luta pelo direito de ser e existir

Vitória! STF invalidou a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas

Vitória! Este 21 de setembro é um dia histórico aos indígenas e não indígenas do Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) invalidou a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas.

A Corte do STF começou a analisar o tema em 2021, tendo sido suspenso naquele ano e retomado agora em 2023. Esta decisão é muito importante, pois repercutirá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estão sendo discutidos ou que poderiam ser questionados na Justiça.

Marco Temporal é uma tese jurídica que restringia o direito dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. Atualmente, existem cerca de 300 processos de demarcação, os quais serão influenciados por essa decisão do STF.

A Amigas da Terra Brasil saúda a todos os povos indígenas do Brasil e às suas organizações que, após muita mobilização e pressão, vencem uma grande batalha nesta guerra que perdura desde 1.500. Afinal, o que está em jogo são os territórios de vida e não do capital.

É preciso seguir em alerta para as novas propostas trazidas durante o julgamento no STF e a outras tentativas judiciais, assim como no parlamento, que tentem flexibilizar o Marco Temporal e atacar os direitos dos povos originários e seus territórios. A luta segue pela demarcação das terras indígenas, por reparação histórica, pela manutenção da biodiversidade e em defesa da vida de todos e de todas nós.

Clique aqui e confira a Coletiva de Imprensa

Leia também nosso artigo contra o Marco Temporal

Vitória dos povos contra a tese do Marco Temporal | Crédito: Cimi

Vídeo: André Benites/ Guarani de Maquiné (RS)

Qual a origem da ‘Guerra do Dendê’ no Pará e por que os indígenas Tembé querem expulsar a Brasil BioFuels (BBF)

Site do jornal Brasil de Fato traz, neste 30 de agosto, duas matérias sobre o conflito entre o povo indígena Tembé, no Pará, e a empresa Brasil BioFuels (BBF),  proprietária de  monocultivos de dendê na região. Indígenas denunciam que os plantios da empresa  ocasionaram envenenamento de colheitas da comunidade e de nascentes de água, adoeceu animais e gerou pragas de insetos. Situação será agravada se a tese do Marco Temporal for aprovada, como denuncia o jornal.

No início do mês, a Amigas da Terra Brasil acompanhou a denúncia deste conflito feita pelo Povo Tembé durante o Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia, no Pará. Apoiamos dando divulgação ao ataque sofrido por três liderenças do povo , que haviam sido baleadas em 7 de agosto, durante as atividades organizadas pelos movimentos e organizações sociais e o governo brasileiro.  Também entrevistamos Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), que falou sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças que ocorrem ao Povo Tembé.

Divulgamos, abaixo, as matérias publicadas pelo jornal Brasil de Fato e o material produzido pela Amigas da Terra Brasil:

Qual a origem da ‘Guerra do Dendê’ no Pará e por que os indígenas Tembé querem expulsar a Brasil BioFuels (BBF)

Indígenas denunciam que monocultivo de dendê envenenou colheitas e nascentes, adoeceu animais e gerou pragas de insetos

Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Tomé-Açu (PA) |

Pichação pede ‘Fora BBF’ em base da empresa próxima a terras indígenas e quilombolas – Murilo Pajolla/Brasil de Fato

Em uma área repleta de dendezais, o líder indígena Urutaw Tembé aponta para uma nascente de igarapé mal-cheirosa. Na superfície da água sem peixes, flutuam porções de matéria orgânica decomposta, entre largos tubos de concreto abandonados. “Aqui era um lugar onde meus pais, meus avós e meus tios caçavam e pescavam há uns anos atrás. Nunca imaginavam que ia chegar a uma contaminação tão grande. É horrível”, suspira a liderança indígena.

O igarapé, conhecido como Braço Grande, já não é mais sinônimo de água potável e alimento para os indígenas Tembé. Eles afirmam que o motivo da contaminação foi o descarte da tiborna, um resíduo químico da produção de óleo de palma, descrito como um caldo de cheiro insuportável. A responsável pelo descarte seria uma gigante do agronegócio “sustentável” que afirma ter nascido para “mudar a matriz energética na região Norte” em “100% de harmonia com a floresta amazônica”: a Brasil BioFuels (BBF).

O despejo da tiborna é apenas um dos graves impactos socioambientais documentados em agosto deste ano pelo Brasil de Fato no município de Tomé-Açu (PA) e que estão na origem da chamada “Guerra do Dendê”. Em três anos, o conflito resultou em pelo cinco mortes de indígenas e quilombolas, que tentam resistir à destruição das suas condições básicas de vida na floresta: água para beber e terra para plantar.

“Eles falam que a atividade deles é sustentável, mas é um sustentável manchado de sangue”, denuncia Urutaw Tembé.

Com um exército de seguranças privados e fortemente armados, a BBF é acusada de reagir com violência desproporcional a protestos de moradores, além de restringir a circulação de pessoas e de atirar, bater e até torturar lideranças. A truculência é vista como uma forma de garantir que a revolta que explode entre as populações tradicionais não afete o crescimento da operação. Desde 2021, a BBF afirma ter dobrado a capacidade de produção de biodiesel e aumentado em 10% a área plantada no Norte brasileiro, chegando a 75 mil hectares, mais do que o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. O faturamento previsto é de R$1,5 bilhão para 2023.


Nascente do igarapé Braço Grande com indícios de contaminação pela tiborna, subproduto do beneficiamento do dendê / Murilo Pajolla/Brasil de Fato

Enquanto isso, indígenas Tembé relataram à reportagem uma vida devastada por uso abusivo de agrotóxicos, proliferação de insetos e desaparecimento da caça, pesca e água potável. E dizem que o cultivo de dendê está em áreas previamente griladas de onde seus antepassados foram expulsos por pistoleiros – e até mesmo dentro de terras indígenas demarcadas. Tudo, segundo os indígenas, sem qualquer procedimento de consulta prévia, na contramão de leis brasileiras e tratados internacionais.

Parte das alegações feitas pelos Tembé já foram reconhecidas no âmbito de processos judiciais pelo Ministério Público Federal (MPF), que já pediu a prisão do dono da BBF por tortura, acusação negada pela empresa.

A BBF afirma que sua segurança privada atua em defesa da integridade dos seus funcionários, maquinário e instalações, contra “invasores” “criminosos”. Sustenta ainda que faz o “cultivo sustentável da palma no estado, exercendo a posse pacífica, justa e ininterrupta das áreas privadas da companhia”. Confira o posicionamento da empresa na íntegra no final do texto.

Tiborna comprometeu igarapés e adoeceu caça 

Urutaw Tembé se lembra do terror que sentiu ao ver pela primeira vez o impacto do despejo da tiborna, o subproduto do beneficiamento do dendê.

“Todas as espécies de peixes e cobra de dentro do rio vinham boiando na água. Tinha muita mosca, muito urubu, e um fedor que não dava nem para chegar perto. Essas moscas ferravam a paca, a cotia… Os animais da floresta que a gente caça. Quando a gente olhava, os animais tavam com a pele, o couro caindo, se desprendendo do corpo”, relata.

Segundo Urutaw, a substância venenosa se espalhou aos poucos e comprometeu todos os igarapés ao redor do território.

“A gente não se arrisca a beber água, nem a tomar banho. Quem entrava na água saía com coceira. Por isso começamos a reivindicar para a empresa cavar poço artesiano”, diz.

A construção dos poços  foi feita “pela metade”, diz o líder Tembé. “Algumas partes a BBF atendeu, mas outras não. Ela cavava o poço, mas não colocava a estrutura ou não colocava a caixa d’água, não colocava bomba.. Algumas aldeias ela atendeu, mas o restante não”.

“Essa é a nossa revolta. De eles virem estragar nossa água e não dar estrutura para que nós pudéssemos viver”, explica Urutaw També.

Dendê avançou sobre terra demarcada, diz liderança Tembé

Na aldeia Yriwar, comandada por Urutaw Tembé, o líder indígena janta com a família. Na mesa que alimenta cerca de 10 pessoas estão açaí, farinha, e carne de tatu assada na brasa. “Confesso que não sou o melhor caçador, mas de vez em quando trago alguma coisa”, comenta Urutaw em tom de brincadeira.

Por estar dentro dos limites da Terra Indígena Turé-Mariquita, a menor do Brasil com 146 hectares, a aldeia Yriwar ainda abriga matas nativas que proporcionam a carne de caça.

Mas nem o território regularizado e protegido por lei escapou do dendê. Ao olhar para a placa do governo federal que sinaliza os limites da Turé-Mariquita, é possível ver os dendezais.


Nordeste tem grande fluxo de caminhões da BBF carregados de dendê / Murilo Pajolla/Brasil de Fato

“Aqui é a placa onde é o território já homologado, território indígena”, aponta Urutaw. “E ali o Dendê encostou [nos limites da demarcação], não respeitou limite de amortecimento. Hoje nós podemos dizer: o dendê está plantado dentro do território indígena”.

Pouco maior do que um campo de futebol, a Terra Indígena Turé-Mariquita abriga cerca de 50 pessoas. “Pouca terra para muito índio”, diz Urutaw, subvertendo o lema ruralista. Por isso, a luta dos Tembé é por espaço. Eles pedem à Funai a ampliação da terra indígena para as áreas ao redor, que estão em disputa com fazendeiros e com a própria BBF.

Agrotóxicos inviabilizaram produção

A aldeia Pitàwà está fora de terras indígenas demarcadas e é lar de 15 famílias Tembé. Na mesa do almoço, Deusalina Tembé senta com sua filha e seus netos ao redor de um pote de farinha e de uma panela com caldeirada de peixe tambaqui. “Toda a nossa comida é comprada na cidade, nada vem daqui”, lamenta a idosa.

“Hoje a gente já não come mais um peixe ou uma caça do mato, só se a gente comprar. Tudo isso foi a destruição dessa empresa, dessa maldita empresa ao nosso redor”, diz Deusalina aos prantos.

Os agrotóxicos jogados sobre os dendezais, que ficam a 30 metros das casas e da escola da aldeia, transformaram a comunidade em uma terra infértil e infestada de insetos.

“Meu pai me criou na roça, trabalhando. E hoje em dia nós não podemos mais trabalhar. Nós já ficamos até desanimados de plantar. Porque nós plantamos uma mandioca e ela apodrece. Tudo apodrece por causa desse veneno que jogam”, relata Deusalina Tembé.

“Eles estavam jogando o veneno por baixo, e a gente começou a reclamar, porque estava destruindo os nossos igarapés. Aí eles já começaram a vir de avião, por cima. Onde [o agrotóxico] pegava nas nossas plantas, todas morriam. A gente vivia só dentro de casa por causa daquele veneno com as crianças.

Infestação de insetos

A infestação de borboletas, baratas, cobras, aranhas e escorpiões está entre os impactos ambientais mais graves, porém silenciosos, relatados pelos Tembé que moram em áreas próximas de cultivos da BBF. Segundo os indígenas, as “nuvens” de insetos estão relacionadas à aplicação de agrotóxicos nos dendezais.

“Teve o tempo em que a gente já não podia comer mais caju, porque era muita borboleta em cima dele. E hoje a gente não consegue mais dormir sem mosquiteiro porque os embuás [também conhecido como piolho de cobra] caem em cima da gente e dá muita coceira”, conta Deusalina.


Caju encoberto por borboletas: “comer frutas ficou impossível”, diz Deusalina Tembé / Acervo pessoal

“Cobra, muita cobra. Já escapei de ser mordida por uma dentro da minha casa. “Esses insetos vêm todos do meio do dendê. Todo do meio do dendê esses insetos para perto da casa da gente. E aí traz mais revolta para a gente. Mais revolta, porque antigamente não era assim”, completa a matriarca Tembé.

O vislumbre de uma terra sem BBF

Com 30 moradores, a aldeia I’ixing é uma área de retomada do povo Tembé próxima ao distrito de Quatro Bocas, no município de Tomé-Açu. Localizada entre uma fazenda e um dendezal, a comunidade foi fundada em julho de 2012, mas o pedido de regularização do território vem desde 1996, como forma de compensação por um mineroduto da Pará Pigmentos que cruzou o território.

“No passado aqui morou o meu tio Lúcio”, conta Miriam Tembé, líder da comunidade. “Foi onde ele teve seus primeiros filhos. Ele teve que sair por conta da chegada de fazendeiros. Primeiro aqui foi ocupado por fazendeiros. E depois eles passaram a terra para a empresa Biopalma, depois Biovale [ex-subsidiária da Vale] e agora BBF”.

Há dois anos, em meio à pressão do movimento indígena, a BBF deixou de manejar as palmeiras de dendê na comunidade I’ixing, para alívio dos moradores. Um ano depois, a infestação de insetos que inviabilizava a coleta de frutas e o cultivo de alimentos começou a cessar.

“Por incrível que pareça a gente já consegue ver o mamão crescendo, madurando. Mas até o ano passado os insetos não deixavam. E a gente não conseguia ter uma manga, um mamão, uma banana sequer. Você falava e as moscas iam entrando na boca, caindo no alimento, na água”, relata Miriam.

Para os Tembé, a comunidade de Miriam é o vislumbre de como pode ser um futuro sem o monocultivo de dendê e com uma vida verdadeiramente sustentável.

“A BBF prega uma propaganda lá fora que produz de forma sustentável. Não é. Porque o sustentável não destrói a floresta, não polui os rios, não destrói a fauna e a flora. Da forma que ela faz, ela destrói tudo isso, impactando as nossas vidas. A vida da população que precisa da floresta para sobreviver”, diz Miriam Tembé.

Sociedade civil e Funai se solidarizam com os Tembé 

A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, ouviu as reivindicações das lideranças Tembé no início de agosto em Belém (PA). Em nota, o órgão indigenista manifestou apoio aos indígenas e disse que busca a regularização do componente indígena do processo de licenciamento ambiental.

“(…) Apesar de a empresa ter realizado diversas ações pontuais de apoio em prol da comunidade indígena, não houve avaliação adequada dos impactos sinérgicos e cumulativos, tampouco uma atuação eficaz para dirimir os problemas ambientais”, declarou a Funai por meio de nota.

Os Tembé receberam declarações de solidariedade da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) e de inúmeras lideranças dos povos originários.

A situação de vulnerabilidade dos indígenas e quilombolas da região é acompanhada e vista com preocupação por diversas entidades de direitos humanos, como Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDH), Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Associação Brasileira de Juízes para a Democracia (ABJD).

BBF rebate impactos ambientais 

Brasil de Fato pediu respostas à BBF sobre cada uma das alegações feitas pelos indígenas na reportagem.

Sobre o despejo da tiborna na nascente do Igarapé Braço Grande, a empresa disse que “a acusação não procede”.

“O Grupo BBF enfatiza que suas operações não causam prejuízo ambiental, pelo contrário, recuperam áreas degradadas pelo desmatamento. Em suas áreas de cultivo de palma, a empresa utiliza o processo de fertirrigação, método 100% natural e orgânico. Por meio da água do cozimento dos frutos de dendê – conhecida como tiborna – que é rica em vitaminas e nutrientes, é realizada a fertirrigação somente das áreas privadas de plantio de palma, como uma alternativa sustentável para os tratos culturais necessários do palmar”, diz a nota.

A respeito da utilização de agrotóxicos, a BBF repetiu que “a acusação não procede”.

“O Grupo BBF esclarece que utiliza apenas produtos permitidos por lei em suas áreas de cultivo de palma e que realiza monitoramento contínuo, nunca foram detectados valores de substância química em concentrações que não sejam seguros à saúde pública, respeitando os indicadores definidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para o cultivo da palma de óleo. Para corroborar com a não procedência desta falsa acusação, em março deste ano, o inquérito da Polícia Federal (número 1035068-94.2022.4.01.3900) concluiu que não existe contaminação por agrotóxico ou qualquer outro tipo de poluição ambiental causada pela empresa ao longo da reserva indígena Turé Mariquita e que existe, apenas e em grande quantidade, a presença de contaminação por coliforme fecais de humanos e animais que residem no local. No inquérito, foram colhidas amostras de água em 11 pontos distintos em localidades indicadas pelos próprios indígenas Tembé e que foram periciados pela Polícia Federal e pelo Instituto de Criminalística Evandro Chagas, referência na área no Brasil e no mundo”, escreveu a BBF.

Quanto a alegação de não ter concluído a instalação de poços artesianos acordada com os indígenas, a empresa reafirmou que “acusação não procede”.

“O Grupo BBF reforça que investe de forma contínua no desenvolvimento socioeconômico das comunidades onde atua. Entre os destaques das benfeitorias em infraestrutura e serviços realizados pela empresa no último ano, estão a construção de nove pontes, a manutenção de mais de 650 quilômetros de estradas vicinais, construção de poços artesianos e estruturas de caixas d’água para as comunidades, cursos profissionalizantes, palestras de preservação ambiental em escolas públicas, assistência técnica de fitossanidade aos agricultores da região, entre outros”, afirma o comunicado.

Em relação ao dendê plantado no interior na divisa da terra indígena Turé-Mariquita, a BBF reiterou: “a acusação não procede”.

“O Grupo BBF (Brasil BioFuels) reforça que não existe sobreposição de terras, conforme relatado por representantes do INCRA e ITERPA em reunião realizada com a Comissão Agrária, que contou com a presença do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, representantes do Judiciário e outros participantes. A companhia realiza suas atividades agrícolas respeitando os limites territoriais e apenas em suas áreas de posse. Vale ressaltar que o cultivo sustentável da palma de óleo realizada pela empresa respeita o Zoneamento Agroambiental da Palma de Óleo (decreto 7.172 do Governo Federal de 7 de maio de 2010), uma das legislações mais severas do mundo, cujo objetivo é recuperar áreas da Amazônia degradadas até dezembro de 2007, com as diretrizes de proteção ao meio ambiente, conservação da biodiversidade e utilização racional dos recursos naturais, além do respeito à função social da propriedade. Como histórico, o Grupo BBF adquiriu em novembro de 2020 a operação da antiga empresa Biopalma (subsidiária da Vale) no Pará, dando continuidade ao cultivo sustentável da palma no estado, exercendo a posse pacífica, justa e ininterrupta das áreas privadas da companhia”, disse a BBF.

Edição: Rodrigo Chagas

 

Validação do marco temporal deve agravar ‘Guerra do Dendê’ no Pará

Se aprovada, tese permitiria avanço do agro e afetaria 99% da população indígena de Tomé-Açu

Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Tomé-Açu (PA) |

Miriam Tembé: “marco temporal seria um desastre para nós” – Murilo Pajolla/Brasil de Fato

A eventual validação do marco temporal das terras indígenas, tese ruralista que volta a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (30), afetará 99% da população indígena de Tomé-Açu, nordeste do Pará.

Há três anos a região é palco da chamada “Guerra do Dendê”, um conflito entre forças desproporcionais que resultou em pelo menos cinco mortes de indígenas e quilombolas nos últimos três anos.

O percentual de indígenas atingidos é uma estimativa da Associação Indígena do Vale do Acará, presidida por Miriam Tembé. Segundo ela, a mudança no critério de demarcação poderia anular os direitos territoriais de cerca de 1300 Tembé em quatro territórios de ocupação tradicional que foram retomados recentemente.

“Se o marco temporal for aprovado, para nós seria um desastre imenso. Estamos cercados por fazendas e grandes empresas, e nossos parentes estão morrendo. Nós já comprovamos que temos a necessidade e o direito de estar no nosso território”, diz Miriam Tembé.

O primeiro e único advogado Tembé, Jorde Tembé, que presta jurídico aos indígenas, também manifestou preocupação.

“Algumas áreas requeridas pelas comunidades são de ampliação do território já demarcada e outras são de reconhecimento de um território. Se houver a aplicação do marco temporal, as comunidades que buscam esse reconhecimento e que foram vítimas de tentativa de genocídio, acabam sendo privadas novamente dos seus direitos fundamentais”, explicou Jorde Tembé.

“Mesmo com eventual aplicação do marco temporal, nós entendemos que em 1988 as comunidades já exerciam a posse tradicional ao território requerido que está em discussão com a empresa de óleo de palma da região”, acrescentou o advogado.

Marco temporal poderá ser arma jurídica de gigante do agro

Na “Guerra do Dendê”, a empresa produtora de biocombustível Brasil BioFuels (BBF) é acusada por indígenas e quilombolas de impactar territórios tradicionais ao envenenar plantações e nascentes, adoecer animais e gerar pragas de insetos. O dendê é o fruto de uma palmeira usado na fabricação do biodiesel.

Revoltadas, as populações afetadas organizam protestos contra a empresa, que vem respondendo de forma cada vez mais violenta. As manifestações são reprimidas com tiros, e a circulação dos moradores é restringida por seguranças fortemente armados.

O marco temporal das terras indígenas prevê que os povos só podem reivindicar territórios que estavam ocupando em 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. O critério arbitrário desconsidera o histórico de expulsões violentas que tiraram as terras dos Tembé e os confinaram em pequenos territórios.

O advogado Alberto Pimentel, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), avalia que a BBF e outras forças econômicas poderiam usar o marco temporal para reivindicar na Justiça áreas de retomada indígena. Por ainda não estarem regularizadas, as terras estão vulneráveis ao avanço do agronegócio, mineradoras e madeireiros.

“No caso dos Tembé de Tomé-Açú uma possível votação favorável do STF ao marco temporal implicaria em sérias violações sobre seus direitos. Poderia dificultar a luta legítima que este povo tem para ampliação da área de seu território atualmente reivindicada”, afirmou Pimentel, em nome da SDDH.

A BBF nega todos os impactos ambientais alegados pelos Tembé e afirma que sua segurança privada atua em defesa da integridade dos seus funcionários, maquinário e instalações contra “invasores” “criminosos”. Sustenta ainda que faz o “cultivo sustentável da palma no estado, exercendo a posse pacífica, justa e ininterrupta das áreas privadas da companhia”.

Exigir comprovação de conflitos é “piada de mal gosto”, diz líder Tembé 

O critério do marco temporal abre uma exceção para indígenas que conseguirem comprovar a existência de disputa judicial ou conflito material em 1988. Nesses casos, as populações poderiam pleitear a posse da terra. Para Miriam Tembé, a necessidade de comprovação de conflito é “uma piada de mal gosto”.

“Isso é algo totalmente desrespeitoso com as populações que viviam nesse território. Muitos foram mortos, outros tiveram que fugir para não serem mortos. Não havia Defensoria Pública da União, Ministério Público, nem a Funai existia. Não havia meios de comunicação, nem como chegar até as autoridades, era um lugar totalmente isolado. E aí eles pedem para a gente comprovar?”, questiona a líder Tembé.

Um exemplo está na comunidade I’ixing, liderada por Miriam. A pequena aldeia está localizada entre uma grande fazenda de gado e um dendezal que foi manejado pela BBF até 2022. Após os indígenas retomarem a área, a BBF deixou de utilizar as áreas de plantio, dando aos 30 moradores do local um alívio nos impactos ambientais.

“Até o ano passado não conseguíamos colher uma manga, um mamão, uma banana sequer, por causa das nuvens de insetos provocadas pelos agrotóxicos. Você falava e as moscas iam entrando na boca, caindo no alimento e na água”, relata Miriam.

Segundo Miriam, a aldeia I’ixing foi onde seu tio Lúcio Tembé teve os primeiros filhos. Ainda com a mata preservada e livre do agronegócio, a área era usada pelos indígenas como fonte de pesca, caça e água limpa para plantar, beber e cozinhar. Tudo mudou a partir da década de 1960, quando os antepassados da líder indígena foram expulsos por pistoleiros.

“Isso se deu por conta de madeireiros invadindo o território. Os madeireiros chegavam, nos expulsavam, faziam todo o desmatamento e passavam para fazendeiros. Esse fazendeiros iam comprando as terras na base da grilagem, e muitas dessas terras passaram hoje para as mãos da BBF”, relata Miriam.

O advogado Jorde Tembé diz que a exigência de comprovação de posse tradicional se mostra muito desleal para os Tembé.

“Porque, desde a demarcação das terras, muitos dos direitos das comunidades tem sido preteridos, pois durante um longo período elas não foram devidamente acompanhadas pelo Estado, por isso não deram início a sua luta por direitos nesse período”, afirmou Jorde.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

 

Nota de solidariedade da Amigas da Terra Brasil ao povo indígena Tembé

No vídeo, Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), fala sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças que ocorrem ao Povo Tembé:

 

Madrugada de tensão e medo na retomada Xokleng Konglui, no Rio Grande do Sul

 

Homens armados se dirigiram à retomada e efetuaram disparos de armas de fogo contra a comunidade; não houve feridos, mas os Xokleng temem novos ataques

Na madrugada do último domingo (20), homens armados se dirigiram até a retomada Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul, e efetuaram disparos de armas de fogo contra a comunidade. Relatos das lideranças dão conta de que o ataque ocorreu por volta das 2 horas da manhã, causando tensão e medo na comunidade que abriga anciões e crianças.

Embora não haja registro de feridos, os indígenas temem novos ataques e pedem ao Ministério Público Federal (MPF) providências. Também solicitam à Polícia Federal (PF) que faça patrulhamento na região.

“O ataque ocorreu por volta das 2 horas da manhã, causando tensão e medo na comunidade que abriga anciões e crianças”

Foto: Retomada Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula (RS)

Foto: Retomada Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula (RS)

 

Os Xokleng da retomada Konglui vivem nas margens da rodovia estadual RS-484, em frente à Floresta Nacional (Flona) de São Francisco de Paula, onde as famílias estão acampadas. A comunidade aguarda que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) cumpra com sua responsabilidade e proceda com os estudos circunstanciados de identificação e delimitação de seu território originário, que fica dentro da Flona, de onde, por força de uma liminar da Justiça Federal de Caxias do Sul (RS), foram removidos, explica Roberto Liebgott, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul.

As famílias indígenas estão expostas a enorme vulnerabilidade. “A comunidade Xokleng, ao longo dos últimos anos, passou por muito sofrimento na beira da estrada. Chuvas, vendavais, ciclones, frio intenso, falta de saneamento, de água potável e de comida, além de um precário atendimento em saúde”, relata Roberto, que acompanha a comunidade há anos.

“As famílias indígenas estão expostas a enorme vulnerabilidade”

Foto: Retomada Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula (RS)

Foto: Retomada Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula (RS)

 

Tem sido cruel submeter idosos, crianças e adultos a viverem em condições degradantes, denunciam as lideranças. “Juízes, desembargadores, integrantes do governo federal, MPF, AGU [Advocacia-Geral da União], todos, sem exceção, conhecem nossa realidade, mas nada têm feito para assegurar nossos direitos. Com rigor enfrentamos no cotidiano a violenta falta de humanidade”, alerta a comunidade Xokleng Konglui.

A condição que lhes é imposta não é mero acaso. As florestas estão sendo privatizadas para a iniciativa privada. “Tudo vira ‘bioeconomia’, enquanto as ‘bioexistências’ dos indígenas acabam, dramaticamente aniquiladas”, relata Roberto.

“Tudo vira ‘bioeconomia’, enquanto as ‘bioexistências’ dos indígenas acabam, dramaticamente aniquiladas”

Foto: Retomada Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula (RS)

Foto: Retomada Xokleng Konglui, em São Francisco de Paula (RS)

 

“O Cimi Regional Sul segue acompanhando o caso e, assim como os indígenas, espera que esse fato não se repita, que medidas urgentes sejam adotadas no sentido de garantir a segurança dos indígenas Xokleng e que se inicie, imediatamente, os estudos de demarcação daquele território ancestral, originário e pelo qual aquelas pessoas, à margem de tudo, no completo abandono, resistem e dão suas vidas”, explica Roberto.

“É preciso dar um basta nos crimes contra os originários filhos destas terras. Demarcação já, não ao marco temporal”, cobram os indígenas.

* Publicação retirada do site do CIMI Sul

 

Nota de pesar da Amigas da Terra pelo assassinato de Bernadete Pacífico


Acordamos, na manhã dessa 6ª feira (18/08), com o assassinato de mais uma defensora de direitos humanos, Bernadete Pacífico, liderança quilombola da comunidade de Pitanga dos Palmares, na cidade de Simões Filho, região metropolitana de Salvador (BA). Bernadete, de 72 anos, foi assassinada por dois homens na noite anterior, 17 de agosto de 2023, no terreiro que frequentava.

Bernadete é liderança quilombola nacional, foi coordenadora da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e estava em luta pelos direitos territoriais de sua comunidade. A liderança vinha denunciando as violências e ameaças ao seu território, que ceifaram, inclusive, a vida de seu filho, Flavio Gabriel dos Santos, em 2017, com 14 tiros, por homens armados que invadiram o território.

Lamentavelmente, seguimos matando nossas defensoras e nossos defensores de direitos humanos, o povo negro, em nosso país.

A Amigas da Terra Brasil manifesta sua solidariedade a toda a família pela perda, à luta do Quilombo Pitanga dos Palmares, e exige que as autoridades brasileiras tomem providência para investigar e punir os responsáveis.

Quem matou Bernadete?
Quem mandou matar Bernadete?
Justiça por Bernadete! Já!

Amigas da Terra Brasil

 

Amazônia, COP 30 e solidariedade entre os povos: balanço da Amigas da Terra Brasil sobre Diálogos Amazônicos e Cúpula da Amazônia

 

“Agora, rumo à COP 30, que é também de véspera de eleições no Brasil, temos dois anos para fazer mais e melhor, para de fato colocar a Amazônia e seus povos no centro de uma luta comum a todos os povos da Terra por justiça climática e contra todas as formas de opressão” –  Lúcia Ortiz, da ATBrasil.

A coordenadora da Amigas da Terra Brasil, Lúcia Ortiz, esteve presente nesta semana em Belém do Pará participando do Diálogos Amazônicos, atividade que antecedeu o encontro de chefes de Estado na Cúpula da Amazônia. Neste vídeo de balanço divulgado neste post, Lúcia nos conta que foi um grande encontro dos povos amazônicos, que “de fato preservam o bioma e constroem, todo dia, economias que sustentam a vida”. 

 

 

Populações, organizações e movimentos sociais denunciaram violências e violações cometidas pelo agronegócio, mineradoras e grandes empresas exportadoras contra os direitos dos povos, como o ataque ao Povo Indígena Tembé, que ocorreu durante o encontro.
🔗 Confira a nota de solidariedade da Amigas da Terra Brasil em: bit.ly/3QFBLYK 


Em plenárias, que contaram com a participação popular e representações de governos, ficaram expostas algumas contradições, entre elas em relação à sociobioeconomia da Amazônia. “Não pode ser extrativa e nem associada à lógica de compensação, seja dos mercados de carbono, de créditos para quem polui, seja de troca de dívida, de venda e privatização de áreas para conservação a fim de alcançar as metas de proteção da Amazônia e do desmatamento zero”, argumenta Lúcia. Esse posicionamento defendido pela Amigas da Terra Brasil é compactuado por povos indígenas, comunidades e trabalhadores rurais da Amazônia e organizações sociais que se encontraram recentemente em junho, no Acre. Aprovaram uma declaração, mandando um forte recado para a cúpula de presidentes dos países amazônicos que ocorreu nesta semana no Pará. Relembre a carta AQUI

Os tempos e métodos dos debates careceram de mais escuta, inclusão e compromisso para que os participantes do Diálogos Amazônicos pudessem incidir, de fato, na Declaração de Belém, assinada pelos governos do Brasil e dos outros sete países integrantes da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica). Tanto é que na terça-feira, 8 de agosto, quando iniciava a Cúpula da Amazônia, movimentos e organizações sociais entregaram uma carta que haviam aprovado no dia anterior, durante a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia. O documento reivindica prioridade na titulação de todas as terras indígenas e quilombolas, assim como ações para recuperação do bioma amazônico e que sejam cumpridas todas as demandas para evitar um ponto de não retorno (momento em que o bioma não tem mais condições de se recuperar dos impactos causados).

O Diálogos Amazônicos também foi um momento de avanços nas propostas de transição ecológica e energética justa, popular e inclusiva, e de convergência e construção de unidade entre as organizações e movimentos sociais para a COP 30, Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (Organização das Nações Unidas) que será sediada no Brasil em 2025. 

“Agora, rumo à COP 30, que é também véspera de eleições no Brasil, temos dois anos para fazer mais e melhor, para de fato colocar a Amazônia e seus povos no centro de uma luta comum a todos os povos da Terra por justiça climática e contra todas as formas de opressão. Essa caminhada, essa jornada popular de convergências, de formação política e de organização, a partir dos territórios da Amazônia e de todos os biomas brasileiros, para o Brasil, a América Latina e o Caribe, já começou”, avalia Lúcia.   

 


Acesse a cobertura da ATBrasil sobre o Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia:


Amigas da Terra Brasil na Cúpula da Amazônia: Programação
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/03/confira-a-participacao-da-amigas-da-terra-brasil-na-cupula-da-amazonia/

Amigas da Terra Brasil acompanha povos amazônicos e debates sobre transição justa na Cúpula da Amazônia
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/07/amigas-da-terra-brasil-acompanha-povos-amazonicos-e-debates-sobre-transicao-justa-na-cupula-da-amazonia/

Assembleia dos Povos da Terra Pela Amazônia: movimentos sociais lançam carta com demandas para chefes de estado
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/08/assembleia-dos-povos-da-terra-pela-amazonia-movimentos-sociais-lancam-carta-com-demandas-para-chefes-de-estado/

Nota de solidariedade ao povo indígena Tembé
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/09/nota-de-solidariedade-ao-povo-indigena-tembe/ 

Depoimento de Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças ao Povo Tembé, cobrando que o Estado assuma a sua responsabilidade na proteção dos povos indígenas e dos territórios

 

Veja mais sobre o assunto nos links abaixo:

 

Encontro no Acre debate impactos dos projetos REDD , de mercados de carbono e de soluções baseadas na natureza
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/06/14/encontro-no-acre-debate-impactos-dos-projetos-redd-de-mercados-de-carbono-e-de-solucoes-baseadas-na-natureza/

Coluna no jornal Brasil de Fato >> Emergência climática e democracia: um problema estrutural
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/07/06/emergencia-climatica-e-democracia-um-problema-estrutural/

Coluna no jornal Brasil de Fato >> As políticas ambientais e climáticas no Brasil
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/06/23/as-politicas-ambientais-e-climaticas-no-brasil/

Nota de solidariedade ao povo indígena Tembé

Em meio às atividades dos Diálogos da Amazônia em Belém do Pará, à 200km de distância, três lideranças indígenas do Povo Tembé foram baleados na segunda-feira, dia 07 de agosto de 2023. As lideranças indígenas se preparavam para uma visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos em Tomé-Açu/PA.

Segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) os disparos foram realizados por seguranças privados de uma empresa exploradora de dendezais na região. Existe um conflito na região entre os indígenas e as monoculturas de palma pertencentes ao grupo BBF (Brasil Bio Fuels), a maior empresa do ramo na América Latina, que mantém operações no entorno com frequente presença de seguranças armados dentro do território indígena.

No dia 04 de agosto um adolescente foi baleado, tendo como principal suspeita a segurança privada da empresa. Em 2021, uma jovem liderança já havia sido assassinada em uma das aldeias. Assim este novo ataque é mais um caso de violência realizada contra o povo Tembé.

Nos dias 08 e 09 de agosto, chefes de estado da região Pan-amazônica estarão reunidos em Belém para a Cúpula da Amazônia, cidade que sediará a  Conferência do Clima, a COP 30, em 2025. Resta saber que medidas adotarão para proteger concretamente os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da região vítimas de violência relacionada à operação de empresas transnacionais na região.

Diante da gravidade dos fatos, exigimos que sejam tomadas medidas urgentes pelo governo do Estado do Pará já há muito cobrado, sem efeito, a proteger as comunidades indígenas do Alto Acará. No mesmo sentido, que haja investigação para apurar rigorosamente os crimes, e que os responsáveis sejam punidos. Tendo em visto o histórico conflito territorial, recomendamos que a Polícia Federal acompanhe o caso.

Proteger a Amazônia é respeitar e defender a vida dos seus povos!

Amigas da Terra Brasil
Belém do Pará, 8 de Agosto de 2023

Denúncia, indignação e Solidariedade ao Povo Tembé do Pará na Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia no dia 7/8/2023. Créditos: ATBrasil

No vídeo, Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), fala sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças que ocorrem ao Povo Tembé:

 

Assembleia dos Povos da Terra Pela Amazônia: movimentos sociais lançam carta com demandas para chefes de estado

Desde o dia 4, povos indígenas, quilombolas, sem terras, comunidades tradicionais,  povos do campo e da cidade, movimentos sociais e populares da pan-Amazônia se reúnem em Belém (PA) para reivindicar os direitos dos povos e territórios amazônicos. Além de organizar atividades e encontros, somando as suas forças, estiveram presentes no Diálogos Amazônicos (4-8), um megaevento aberto aos movimentos sociais e que antecedeu a Cúpula da Amazônia, que começou hoje (8). 

No Diálogos Amazônicos, compuseram a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, encontro que ocorreu ontem (07/08) e deu origem a uma carta coletiva com uma série de denúncias e  reivindicações.  A carta foi entregue hoje, após Marcha dos Povos da Amazônia, aos chefes de estado reunidos na Cúpula da Amazônia – evento que abordará as políticas públicas da região amazônica e o fortalecimento da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica).

 

Assembleia dos Povos da Terra e Marcha dos Povos | Fotos: Lúcia Ortiz, ATBR

O documento aponta como prioridade a titulação de todas as terras indígenas e quilombolas, assim como ações para recuperação do bioma amazônico e que sejam cumpridas todas demandas para evitar um ponto de não retorno (momento em que o bioma não tem mais condições de se recuperar dos impactos causados).

A leitura da carta aconteceu durante a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, que reuniu povos indígenas, sem-terras, comunidades tradicionais e povos do campo e da cidade – Hannah Letícia

Cúpula da Amazônia

Mais de 10 mil pessoas são esperadas em Belém (PA) até a próxima quarta-feira (9), quando termina a Cúpula da Amazônia, evento de dois dias que vai reunir chefes de estado de países situados no bioma.

Além de Lula, participarão os presidentes ou representantes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Em nome da Guiana Francesa, o presidente da França Emmanuel Macron foi convidado. Devem estar presentes os chefes de Estado de outros três países com florestas tropicais: Congo, República Democrática do Congo e Indonésia. Alemanha e Noruega, os mais antigos financiadores do Fundo Amazônia, também são esperados.

Leia a carta de posicionamento com demanda das organizações para os chefes de estado reunidos na Cúpula da Amazônia:

Povos da terra pela Amazônia
Nada sobre nós sem nós!

Somos os povos da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, que regula o clima do planeta. Vivemos nos rios, nas matas, nos campos e cidades. Sofremos com a devastação, o cerco, o envenenamento e a destruição de nosso território. Sabemos que os ataques contra a Amazônia são ataques contra o planeta e os povos do mundo. Por isso, reunidos em assembleia, na cidade de Belém, exigimos que nossos governantes proclamem o estado de emergência climática na nossa região e adotem também a seguintes medidas:

1. Tomar todas as medidas necessárias para evitar o ponto de não retorno da Amazónia, protegendo 80% do seu território até 2025, através de um plano que garanta a) a cessação de toda a desflorestação ilegal até 2025, b) atingir a desflorestação legal zero até 2027, c) revogar as leis e disposições que promovem a destruição da Amazónia, e d) reabilitar, recuperar e restaurar as áreas desflorestadas e degradadas.

2. Titular 100% das reivindicações territoriais dos povos indígenas, dos afrodescendentes, quilombolas e das comunidades tradicionais, assegurando a segurança global (jurídica e física) da propriedade coletiva dos territórios indígenas, o respeito e a proteção territorial dos povos indígenas isolados e a garantia de uma perspectiva de gênero na distribuição e titulação das terras.

3. Considerando que os custos ambientais e sociais da pesquisa e exploração de petróleo na Amazônia são maiores do que os benefícios econômicos gerados, é fundamental acelerar a transição energética, deixar de promover novas pesquisas e explorações na Amazônia e promover um plano de transição energética justa, popular e inclusivo, com reparação para os povos e territórios afetados.

4. Manifestar o nosso total apoio ao voto SIM no referendo do Equador, para deixar debaixo da terra o petróleo na zona megadiversa de Yasuní. Enviamos com isso uma mensagem ao mundo, a partir da Amazónia, para enfrentar as alterações climáticas e o extrativismo e defender a vida. Apoiar também as exigências das organizações do Brasil e da Guiana, que obtiveram vitórias contra a expansão dos hidrocarburos nas suas costas.

5. Exigir que os governos dos países que historicamente mais provocaram as mudanças climáticas cumpram seu compromisso, assumido há mais de uma década, de fornecer 100 bilhões de dólares por ano aos países em desenvolvimento para a transição energética, que defendemos seja uma transição socioecológica.

6. Exigir que os nove governos dos países amazónicos cumpram os seus compromissos climáticos ainda não assumidos e aumentem substancialmente as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, de acordo com as metas estabelecidas neste documento relativas à eliminação do desmatamento e a saída da exploração do petróleo.

7. Garantir a participação efetiva dos povos da Amazônia, em toda a cadeia produtiva da energia, como parte dos processos de planejamento, gestão e governança, para a construção de uma transição energética justa, popular e inclusiva.

8. Frear a expansão da fronteira agrícola: a) sancionando os responsáveis pelo deslocamento e desapropriação de terras na Amazônia, b) fortalecendo alternativas para uma transição agroecológica, de produção agroflorestal e ecoturística comunitárias, c) garantindo que os produtos amazônicos a serem exportados ou consumidos nacional e internacionalmente não contribuam para o desmatamento, a degradação e a poluição.

9. As cidades amazônicas devem ser construídas em harmonia com a natureza e proporcionar vida digna a seus habitantes. Por isto, precisam ser planejadas democraticamente, garantindo para seus habitantes um ambiente saudável, seguro, com regulação pública do solo, moradia adequada, direito a água e saneamento básico, mobilidade, segurança alimentar, justiça climática e ambiental.

10. Promover um plano de transição para salvar a Amazônia da mineração e da poluição causada pelo mercúrio que (a) reduza anualmente o uso de mercúrio e a mineração ilegal até a sua total eliminação; (b) proíba atividades de mineração em áreas protegidas, e territórios indígenas, ancestrais e comunitários; (c) realize avaliações abrangentes de impacto ambiental a médio prazo das atividades de mineração legal, para reforçar os planos de mitigação socioambiental e estabelecer os termos de sua continuidade e futuro encerramento; e (d) implemente medidas eficazes para a remediação da saúde das pessoas e a restauração dos ecossistemas afetados pelo mercúrio e pela mineração.

11. Garantir a consulta para o consentimento livre, prévio, informado e de boa fé dos povos amazônicos, de acordo com os ditames internacionais, como a Convenção 169 da OIT, para projetos e cadeias produtivas com impacto significativo na Amazônia.

12. Assegurar avaliações de impacto ambiental integrais e acumulativas, realizadas por entidades independentes na Amazônia, para todas as atividades que afetem seriamente a região.

13. Proibir a construção de barragens hidrelétricas e a construção de todo projeto de infraestrutura que desrespeite os direitos dos povos e da natureza.

14. Respeitar as formas de autoidentificação, autoorganização e autodeterminação dos povos e nações indígenas, garantindo a autonomia e o autogoverno indígena através da implementação de normas que assegurem os direitos dos povos indígenas e amazônicos.

15. Garantir e defender os corpos e territórios e a autonomia das mulheres e exigir o direito a uma vida digna para as mulheres indígenas, negras, quilombolas, andinas e camponesas e mulheres da diversidade, respeitando sua cultura e identidade ancestral, frente à ofensiva do extrativismo neoliberal e patriarcal. Erradicar toda discriminação contra as mulheres nos estabelecimentos públicos e punir todos os tipos de violência, violência sexual, feminicídio, violação dos direitos sexuais e reprodutivos que impactam na vida e no corpo das mulheres, meninas, suas culturas e suas visões de mundo.

16. Combater a fome e a desigualdade na Amazônia, promover reforma agrária popular e assegurar efetivamente os direitos à saúde e à alimentação adequada, bem como alternativas econômicas de base indígena, comunitária, social e solidária nos territórios amazónicos, fortalecendo os processos de transição ecológica e soberania alimentar, com ações de caráter emergencial em áreas já impactadas por grandes empreendimentos e atividades ilegais.

17. Assegurar para todas as pessoas o acesso a uma educação que oriente para a defesa dos direitos dos povos em seus territórios e da natureza, fortalecendo a educação bilingue e intercultural.

18. Garantir efetivos mecanismos de proteção dos defensores da Amazónia, conforme os acordos internacionais e a legislação nacional.

19. Garantir os direitos de propriedade intelectual dos povos indígenas e tradicionais através da luta contra a biopirataria e a apropriação dos nossos saberes e práticas.

20. Livrar a Amazónia do flagelo do tráfico de drogas, desmantelando os seus laboratórios e operações comerciais e financeiras e prendendo os líderes dos cartéis.

21. Promover uma gestão dos sistemas aquáticos na Amazônia que inclua: a) a criação de áreas aquáticas protegidas para conservar a saúde da bacia amazónica; b) a proteção efetiva das zonas húmidas na Amazónia; c) a proibição do uso de agroquímicos internacionalmente condenados; d) e o reconhecimento dos Direitos da natureza.

22. Que os governos do Norte global e as entidades financiadoras públicas e privadas deixem de subsidiar, conceder créditos e investir em empreendimentos que destroem a Amazónia e orientar esses recursos para o bem-estar dos povos indígenas e da natureza.

23. Classificar e incorporar o crime de ecocídio na legislação dos países amazônicos e punir efetivamente todos os crimes ambientais. Exigimos que as corporações e empresas responsáveis ​​por desastres ambientais sejam processadas em seus países de origem e obrigadas a reparar os danos à natureza e aos povos amazônicos.

24. Promover um financiamento para a Amazônia e garantir que todas as conversões de dívida para a ação climática e/ou conservação da natureza sejam: a) integrais, transparentes, diretas e com a participação dos povos amazônicos, autodeterminados, auto-organizados e autogeridos; e c) que nos mecanismos  atuais de financiamento sejam garantidos participação, controle e fiscalização social, para evitar abusos, desperdícios e corrupção; d) que a natureza não seja mercantilizada.

25. Estabelecer um imposto sobre o carbono emitido pelas grandes indústrias e agroindústrias poluentes, a fim de destinar esses recursos para salvar a Amazônia.

26. Tipificar e incorporar o crime de ecocídio na legislação dos países amazônicos e punir efetivamente todos os crimes ambientais.

27. Reconhecer a Amazônia como sujeito de direitos e garantir o seu direito à existência, a viver livre de contaminação, a preservar os seus ciclos de vida, a regenerar-se e a restaurar oportuna e eficazmente os seus sistemas de vida.

28. Promover a criação de uma OTCA-SOCIAL para que haja uma efetiva participação dos povos amazônicos na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e também para garantir que as estratégias, planos e compromissos conduzam ao cumprimento efetivo dos pontos acima referidos.

29. Manifestar a nossa solidariedade com as lutas dos povos do Peru pelos seus direitos e contra todo o tipo de autoritarismo e violência.
Estamos prontos para defender a vida na Amazônia e no planeta. Este é o nosso caminho e o nosso compromisso.

Amigas da Terra Brasil acompanha povos amazônicos e debates sobre transição justa na Cúpula da Amazônia

Entre os dias 04 a 09 de agosto de 2023, a Amigas da Terra Brasil (ATBr) está em Belém (PA), participando da Cúpula da Amazônia. O evento, que acontece entre os dias 8 e 9 de agosto, abordará as políticas públicas da região amazônica e o fortalecimento da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), uma Organização Intergovernamental constituída por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.

Dia 04 de agosto de 2023 começaram os eventos preparatórios para a Cúpula da Amazônia, em Belém (PA).  Entre eles, o Diálogos Amazônicos, em que representantes da sociedade civil, movimentos sociais, organizações, autoridades e entidades  dos oito países da região amazônica que compõem a OTCA discutiram as principais pautas e conflitos  que incidem na região da maior floresta tropical do planeta. O evento teve como objetivo produzir e entregar cinco relatórios aos oito presidentes dos países amazônicos na Cúpula da Amazônia – material produzido a partir das discussões de cada uma das plenárias-síntese , que envolvem temas como soberania, segurança alimentar e nutricional, participação social, erradicação do trabalho escravo, saúde,  ciência e tecnologia, transição energética, mudanças climáticas e a proteção aos povos indígenas, quilombolas e tradicionais da região.

Paralelamente, também acontece a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia. Nela, estarão reunidos movimentos sociais, redes, coletivos, ativistas, instituições e organizações de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caboclos, negros, camponeses, artistas, religiosos, defensores da natureza, comunicadores, academicos, mulheres e habitantes da Amazónia e de outras regiões do planeta. O intuito é influenciar a Cúpula dos Presidentes da Amazônia e acordar um processo articulado de mobilização de todos os povos da Terra pela preservação da Amazônia, fim do desmatamento e atividades exploratórias dos povos e territórios que ali coabitam, assim como para barrar as alterações climáticas e as violações sistemáticas dos direitos dos povos. A partir da Assembleia, uma série de práticas, saberes, pedagogias e experiências a partir das lutas dos povos serão abordadas, com o objetivo de promover alternativas que se reflitam em uma vida digna, em harmonia com a natureza.

Lúcia Ortiz, da Amigas da Terra Brasil, Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) e da Frente Contra o Acordo Mercosul-UE e EFTA expõe que a pauta central da ATBR é o acompanhamento dos povos da terra pela Amazônia, em diversos espaços organizados pelos movimentos sociais populares do Brasil e da América Latina. “Nós vamos estar presentes como Amigas da Terra Brasil e também como Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), e com um companheiro do Programa de Bosques (Florestas) de Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional, muito alertas às contradições que estamos vendo nesse encontro de presidentes da região amazônica, que também envolvem essa ofensiva muito grande do Capital à Amazônia, à biodiversidade, às águas, ao carbono da floresta. Atentas a essas estratégias do capital que hoje em dia estão chamando de bioeconomia, mas em outra época já se chamaram soluções baseadas na natureza, REED e mercados de carbono, economia verde, financeirização da natureza, etc”

Além de observar a evolução dessas propostas, a ATBR estará em alerta com a contradição dessas estratégias de compensação de emissões aliadas a estratégias de avanço da mineração, do agronegócio, das infraestruturas de exportação e a relação destes com com Acordos de Comércio neoliberais e neocoloniais, como o Acordo União Europeia-Mercosul (UE-MERCOSUL). “Com o Grupo Carta de Belém e a Frente Contra os Acordos Mercosul-UE e EFTA estaremos em eventos, em debates públicos em conjunto com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) estamos participando de eventos que tratam do tema da Transição Justa e Popular, uma Transição Energética que não seja altamente dependente da extração de minérios, que seja de fato uma transição energética baseada numa mudança de sistema que envolva e também uma transição agroecológica, menos demandante em agrotóxicos e em energia, em combustíveis fósseis e mineração, e que seja descentralizada, mas que garanta o direito e o acesso, a democracia energética. Que valorize os serviços públicos de qualidade e os direitos e a dignidade da classe trabalhadora. Também vamos estar participando da marcha dos povos da terra pela Amazônia”, comentou.

Além de monitorar os posicionamentos, definições e decisões que os governos nacionais presentes na Cúpula farão, a Amigas da Terra Brasil estará marcando presença e com a atenção voltada, especialmente, às lutas territoriais dos povos, principalmente das mulheres quilombolas, do Pampa à Amazônia. Um dos momentos chave desse processo foi o “Escutatórios kilombola pelo Direito de Ser e Existir da Amazônia ao Pampa”, promovido pela  Amay CoMPaz (Akilombamento Morada Abya Yala de Mãe Preta – Colares, no Pará). Na ocasião, foram apresentadas as preocupações quanto ao avanço das infraestruturas – como a construção de pontes e porto, implementação de obras que têm elevado impacto socioambiental. São estes projetos de infraestrutura que garantem o escoamento/transporte de commodities para os países centrais do capitalismo, , reproduzindo uma lógica colonial em que a América Latina e o Caribe seguem dependentes da exportação de materias primas em nome do desenvolvimento de países centrais desse sistema desigual. Obras que estão relacionadas ao avanço do agronegócio, da mineração e na prática representam violações de direitos, violências múltiplas contra os corpos das mulheres e seus territórios, desmatamento e formas de exploração, destruição e mercantilização da vida, além de muitas vezes ignorarem o direito que os povos e comunidades têm à consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé (violação da OIT 169) antes de qualquer obra atravessar seu território. Os relatos também trouxeram as ameaças advindas de projetos de exploração na região e outros ataques aos aos  territórios, seja no Pampa, seja na Amazônia, seja na Bahia.

Lúcia Ortiz salientou a importância das atividades paralelas, assim como da articulação da luta dos povos e da formação de alianças políticas para barrar o avanço do capital sob a vida rumo a COP 30 do Clima, que acontecerá em Belém em 2025. Ao citar o Encontro das Mulheres-Árvores e kilombolas do Pampa a Amazônia, outra atividade que acontecerá nos dias posteriores à mobilização, Lúcia comunicou que a Amigas da Terra Brasil, assim como a Amigos da Terra América Latina e Caribe e a Frente Contra o Acordo UE-Mercosul, vão estar acompanhando uma série de ações.”Durante a Cúpula estaremos dando visibilidade e presença nesses espaços, mas que são processos que vêm de longa data e que vão continuar sendo articulados aí pra frente. Vamos seguir construindo em aliança e movimento maior poder popular de incidência nos rumos que a gente quer para o nosso país, para a nossa região, para os povos, e pela integração dos povos também da Amazônia e da América Latina”, salientou.

Fotos e vídeos por Lúcia Ortiz/ ATBr

AMIGAS DA TERRA BRASIL NA CÚPULA DA AMAZÔNIA
Belém do Pará – 4 a 9 de Agosto de 2023

Sexta-feira dia 4/8 no HANGAR

12:00 – 14:00 – Escutatórios kilombola pelo Direito de Ser e Existir da Amazônia ao Pampa Amay CoMPaz (Akilombamento Morada Abya Yala de Mãe Preta)

12:00 – 14:00 – O Controle Social e Proteção de Direitos Humanos na Amazônia Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH)

 

Sábado dia 5/8 no CENSIPAM

18:00-20:00 – Qual papel dos governos progressistas da Panamazônia na construção da Justiça Climática nesse momento de retomada: as estratégias populares dos sujeitos da Amazônia? Grupo Carta de Belém e Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul EU/EFTA

 

Domingo dia 6/8 no HANGAR

9:00-12:00 – Mudança do clima, agroecologias e as sociobioeconomias da Amazônia: manejo sustentável e os novos modelos de produção para o desenvolvimento regional Plenária IV da Cúpula da Amazônia

13:00-16:00 – Amazônias Negras: Racismo Ambiental, Povos e Comunidades Tradicionais Plenária Transversal da Cúpula da Amazônia

14:00-18:00 – Desafios da transição energética popular na Amazônia Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e CUT Brasil

16:00 -18:00 – Mineração e Transição Energética – Os dilemas associados à expansão da mineração na Amazônia Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

 

Segunda-feira dia 7/8 na CABANA

17:00-20:00 – Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia

 

Terça-feira dia 8/8 : Concentração Bosque Rodrigues Alves

8:00-12:00 –  Marcha dos Povos da Terra pela Amazônia

 

 

Confira a participação da Amigas da Terra Brasil na Cúpula da Amazônia

Amigas da Terra Brasil na Cúpula da Amazônia: Programação

Entre os dias 04 a 09 de agosto de 2023, a Amigas da Terra Brasil estará em Belém (PA), participando da Cúpula da Amazônia. O evento, que acontece entre os dias 8 e 9 de agosto, abordará as políticas públicas da região amazônica e o fortalecimento da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), uma Organização Intergovernamental constituída por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. 

Lúcia Órtiz, da Amigas da Terra Brasil, Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) e da Frente Contra o Acordo Mercosul-UE e EFTA expõe que a pauta central será o acompanhamento dos povos da terra pela Amazônia, em diversos espaços organizados pelos movimentos sociais populares do Brasil e da América Latina. 

Confira a programação da Amigas da Terra Brasil da Cúpula da Amazônia:

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