“Elas eram realmente destemidas”: documentário “Substantivo Feminino” resgata o pioneirismo e a luta das ambientalistas Magda Renner e Giselda Castro

Neste março, mês de luta das mulheres internacionalmente, lembramos das históricas militantes da Amigos da Terra Brasil. A organização tem sua trajetória calcada na militância das pioneiras da ecologia Magda Renner e Giselda Castro. As integrantes da Associação Democrática Feminina Gaúcha (AFDG), que surgiu semanas antes do golpe militar de 1964 para ”promover a cidadania através de programas educativos e projetos sociais, dirigidos à mulher”, transformaram radicalmente os objetivos iniciais da organização, conquistando primeiramente a sua autonomia enquanto mulheres no cenário político da época, e atuando em diversos espaços na busca por ampliar a participação social das mulheres, em especial as periféricas. 

Magda Renner, que ingressou na ADFG em 1971, conta que quando assistiu a uma palestra de José Lutzenberger, que havia recém fundado a Associação Gaúcha de Proteção Ambiental (Agapan), compreendeu que os desafios para preservação da vida neste planeta conectava as lutas até ali travadas e a proteção do meio ambiente. Com o compromisso de liderar a organização na linha de frente das causas ecológicas, da ação local ao global, Magda presidiu a organização de 1974 a 1998. Em 1983, ADFG foi convidada a filiar-se à federação Friends of the Earth, e alterou então seu estatuto, admitindo homens no seu quadro social, e passou a construir o que hoje é o Núcleo Amigos da Terra Brasil.

O documentário “Substantivo Feminino” mostra a trajetória das pioneiras da organização e foi dirigido pela jornalista Daniela Sallet em parceria com o cineasta Juan Zapata. No dia Internacional da Mulher, 8 de março, foi disponibilizado no YouTube por 24 horas. A diretora do documentário entende que a caminhada de Magda e Giselda são inspiradoras. “As duas mostraram que as mulheres podem tomar a frente, que é possível estar em pé de igualdade num ambiente masculino (como era o meio político da época). Foram mulheres que trocaram o conforto doméstico por uma luta que deve ser coletiva, que é a preservação. Foram mulheres solidárias, que se apropriaram de sua condição social  e da própria idade para abrir portas  a outros militantes. Para a luta ambiental, ensinaram que ela deve estar acima dos interesses políticos e partidários. Que preservar nossa grande casa Terra deve ser uma causa de todos, já que problemas ambientais não tem fronteiras”.

Lúcia Ortiz, atual presidenta da Amigos da Terra Brasil, vê Magda como um exemplo: “Trazia sempre a consciência do momento, da necessidade de levantar a voz contra hegemônica das mulheres na luta pela ecologia.” Ela continua: “Elas eram realmente destemidas, seja ao organizar manifestações antinucleares em plena ditadura, seja em colocar o dedo na cara dos dirigentes do banco mundial pelas suas teorias econômicas absolutamente desiguais e causantes das injustiças sociais e ambientais que vemos hoje. Elas apontavam o que, hoje, chamamos de falsas soluções, que naquela época eram as promessas de crescimento econômico sustentável, a maquiagem verde, a responsabilidade social corporativa, …”. 

Para Lúcia, o legado e o alcance que tiveram Magda e Giselda são preciosos. Elas conquistaram vitórias que até hoje precisamos lutar para preservar, como a LEI Estadual Nº 7.747, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1982, uma das primeiras legislações a tratar da proibição do uso de agrotóxicos banidos em seus países de origem, a qual o atual governo gaúcho quer destruir através do PL 260/2020. “Nós estamos falando de lutas intergeracionais, de que o acúmulo dessas conquistas e aprendizados ficam para as gerações futuras. É com esse olhar que essas mulheres guerreiras e pioneiras nos ensinaram que a gente tem de estar em luta ecológica permanentemente: no contexto dos ciclos da Terra e dos ciclos históricos da política”, acrescenta. 

Em entrevista de rádio, no final dos anos 90, Magda já trazia o posicionamento questionador sobre o modelo econômico neoliberal liderado pelas empresas transnacionais baseado na produção que, até hoje, não responde aos questionamentos fundamentais: “produção do que, para quem e às custas de quem?”. Magda defendia ainda a importância da articulação do conjunto dos movimentos sociais como forma de transformação estrutural do modelo hegemônico.

Ouça o trecho da entrevista de Magda Renner:

Em 2017, o documentário Substantivo Feminino recebeu Menção Honrosa na 6º Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, em São Paulo. E o Prêmio de Contribuição Cidadã no 32ºFestival de Cine Latinoamericano de Trieste, na Itália. Realizado sem patrocínio, com recursos próprios dos realizadores, está disponibilizado na plataforma Mowies (www.mowies.com). Acompanhe nas nossas redes, o filme estará disponível para sessão online, organizada pela Amigos da Terra Brasil, em breve a data será divulgada.. 

Dia 8 de março é dia de luta. Hoje, a luta é pela vida, por vacina e por Fora Bolsonaro!

A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Nessa crise sistêmica em que vivemos, as primeiras a serem atingidas são as mulheres, principalmente as negras e empobrecidas. Com a pandemia, mais da metade das mulheres ficaram fora do mercado de trabalho. Somam 8,5 milhões de mulheres que ficaram sem trabalho remunerado, apenas no terceiro trimestre de 2020, segundo dados do PNAD. A responsabilidade atribuída às mulheres pelos cuidados, o chamado trabalho não remunerado, é um dos fatores que contribui para esse aumento do desemprego entre as trabalhadoras. O contexto de ampliação do desemprego, o aumento do preço dos alimentos, do gás, e o corte do auxílio afetam principalmente as mais de 11 milhões de famílias chefiadas por mulheres. Não é justo que paguemos a conta da crise. Recuperação justa frente ao COVID-19! 

É urgente a necessidade de vacinação para todas as pessoas e do auxílio emergencial de R$600,00. Com a inflação que estamos vendo semana a semana aprofundar é difícil projetar um futuro de esperança e sabemos que as mulheres são e serão as mais afetadas por esse contexto. Agora, a gestão genocida de Bolsonaro tenta passar a PEC 186 que retira recursos do SUS e educação para manter o auxílio de forma capenga, atendendo metade da população em necessidade, com o valor de apenas R$ 250,00. 

Que os super ricos paguem a conta! O momento que vivemos escancara a face mais cruel das classes dominantes que ignoram o colapso da saúde e a ampliação da fome no país, por isso defendemos a importância da retomada e fortalecimento da política do Programa de Aquisição de Alimentos para a população não passar fome! Soberania alimentar é o primeiro passo para que a população possa ter saúde para lutar contra essa doença.

A pandemia traz realidades muito distintas de proteção da vida quando se trata do  isolamento social, que em alguns casos pode ser estar em casa com seu abusador. O contexto aprofundou a violência de gênero, com um aumento de 40% nos casos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os casos de estupro e estupro de vulnerável com vítimas mulheres aumentaram e as denuncias caíram em até 50%, conforme os dados levantados pelo FBSP. Que as mulheres possam ter  direito a uma cidade inclusiva, que respeite integralmente suas necessidades, entre elas o direito à moradia, ao acesso às políticas públicas e sociais, ao emprego e à renda digna!

Se antes da pandemia os serviços que garantem o aborto legal já sofriam com a omissão, agora a situação se aprofunda com um governo conservador com a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Damares Alves, agiu nos bastidores para impedir que uma criança de 10 anos estuprada pelo tio fosse submetida ao procedimento. Enquanto Argentina aprovou a lei de regulamentação do aborto, o Brasil anda a passos largos para o corte dos direitos das mulheres com uma ministra que afirma que o Brasil está firme na defesa “da vida a partir da concepção”. 

Gravidez forçada é tortura! A luta das mulheres é, antes de mais nada, para ter direito a decidir sobre seus corpos. A reprodução não pode ser compulsória, pelo direito a ter filhos se quiser e no momento em que for propício. Para não morrer, aborto legal e seguro já! 

A luta das mulheres está em cada casa, em cada comunidade, nas ruas, nos campos e nas cidades. A todas aquelas que vieram antes de nós e nos mostraram o caminho de luta, nossa reverência. A Amigos da Terra Brasil, a Marcha Mundial das Mulheres e o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (RS) estão em aliança construindo #FeminismoPopular por entendermos que juntas somos mais fortes.  


A crise sistêmica mostra que é hora de transformação social baseada no ambientalismo popular e na economia feminista. Por um sistema de solidariedade e em defesa da vida. A economia não pode estar à frente das nossas vidas. Vacina para todes, auxílio emergencial de R$600,00 e #ForaBolsonaro para barrar o genocídio. 

5 anos do assassinato de Berta Cáceres: somamos força ao pedido de justiça!

Berta Cáceres estava na linha de frente de oposição ao projeto hidrelétrico Agua Zarca e foi assassinada em 2 de março de 2016

Há cinco anos Berta Cáceres foi assassinada a tiros em sua casa, em Honduras. Berta era cofundadora e coordenadora do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH). A ativista de 44 anos, era mãe de quatro filhos e reconhecida internacionalmente com o Prêmio Goldman de Meio Ambiente, de 2015, por liderar uma campanha de resistência contra a construção de uma barragem hidrelétrica em território indígena por uma empresa privada de energia, a Desarrollos Energéticos Sociedad Anónima (DESA), a empresa pertencia e era administrada por uma das famílias mais poderosas de Honduras, os Atala Zablahs. Após o golpe de Estado sofrido no país em 2009, Berta alcançou projeção também por sua liderança na articulação do movimento de refundação hondurenho.

Berta Cáceres nas margens do Rio Gualcarque, região oeste de Honduras. Foto: Goldman Environmental Prize

Em julho de 2013, O Conselho Civil Popular de Organizações Indígenas de Honduras (COPINH), liderado por Berta Cáceres Flores, protestou contra a construção de uma barragem hidroelétrica no Rio Gualcarque, considerado sagrado pela comunidade indígena Lenca. A pedido da DESA, o exército hondurenho protegia o local. Os soldados abriram fogo contra os manifestantes, e mataram Tomás Garcia. 

Três anos depois, no dia 2 de março, atiradores invadiram a casa de Berta Cáceres e a assassinaram.  Provas, incluindo conversas de whatsapp identificam diálogos entre os executivos de alto escalão da empresa, membros da família Atala Zablah, com o ex-diretor de segurança da DESA, que coordenava o chefe dos assassinos. 

David Roberto Castillo Mejía, presidente de Desa, foi preso no segundo ano após o assassinato, indiciado como o “autor intelectual”. Ele segue alegando sua inocência. Em uma das passagens do julgamento, o tribunal identificou que os executivos da DESA planejaram a morte de Berta por conta de sua luta, contudo, os apontamentos do tribunal ocorreram sem nomear quem era esses executivos, sem intimá-los a depor. Até agora nenhum dos gestores foi responsabilizado pelo envolvimento no assassinato de Berta. Já um grupo de sete assassinos, que incluía dois ex-empregados da DESA, foi condenado em novembro de 2018, e, em 2 de dezembro de 2019, os sete assassinos receberam penas que variavam entre 30 e 50 anos de prisão. 

As condenações e sentenças posteriores foram recebidas como uma vitória parcial. A busca por justiça passa por levar a julgamento os autores intelectuais do assassinato de Berta. E quanto a isso, a Justiça hondurenha está em dívida, apenas David Castillo foi anunciado como autor do crime e seu julgamento deve iniciar em 6 de abril.

Sem um sistema de justiça que puna aos poderosos com a mesma sanha que impõe aos de baixo, a lei do mais forte perseverará entre as corporações rasgando constituições e esmagando direitos. Enquanto a impunidade corporativa é perpetuada, ativistas de direitos humanos e ambientais seguem sendo mortos por proteger a natureza e os direitos dos povos e seus territórios. A ausência de regulamentação que defina os deveres das empresas e de instituições financeiras e que garanta o acesso à justiça para as comunidades afetadas por violações de direitos humanos causadas por crimes  corporativos  tem produzido graves lacunas de responsabilidade, permitindo que as empresas operem e lucrem em países onde as leis que garantem os direitos humanos ou as normas ambientais não existem ou não são devidamente cumpridas. Enquanto não houver regras vinculantes a nível internacional, as empresas podem continuar a perpetuar as violações de  direitos humanos em um ciclo de impunidade.

Membros da COPINH e de organizações ao redor do mundo se solidarizam com a luta por justiça para Berta. (Photo by Orlando SIERRA / AFP)

Nesse sentido, defendemos mais uma vez a necessidade de um tratado juridicamente  vinculante na ONU sobre empresas transnacionais em matéria de direitos humanos para, enfim, pôr fim ao sistema de impunidade perante as violações  internacionais de direitos humanos. (Leia mais na publicação em inglês “Death by impunity: Berta Cáceres and Agua Zarca”). 

No contexto atual, em que as os ataques aos direitos dos povos se aprofundam e que as populações originárias das Américas estão entre os mais afetados pela negligência dos governos em relação à pandemia de COVID-19, é um acalanto ver a força popular articulada em solidariedade internacionalista pedindo por JUSTIÇA PARA BERTA! Relembrar a trajetória de luta de uma mulher indígena, do povo Lenca, em Honduras, revigora nossa resistência e nossa luta por um modelo de sociedade solidário e anticapitalista. 

Mesmo não estando mais conosco, Berta Cáceres nos ensina a não calar diante dos desmandos e seguirmos firmes lutando pelos direitos dos povos em Honduras e ao redor do mundo. Berta ousou desafiar o machismo das corporações, das polícias e do Estado. Deixou um legado da multiplicação de sua voz e a potência daqueles que não aceitam injustiças. Em Honduras, ou no Brasil, seguiremos lutando por Justiça para Berta, para Nicinha, para Marielle Franco!

Sem Justiça não há caso encerrado!

Berta, presente!

Entidades e movimentos denunciam proposta antidemocrática de revisão ao Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH)

Portaria nº457, lançada nesta quinta-feira (11), prevê grupo de trabalho composto apenas por membros do Executivo que projetam alterar o PNDH3 e aprová-lo até dezembro.

O ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), chefiado por Damares Alves, quer revisar a Política Nacional de Direitos Humanos (PNDH), sem incluir a participação social. A pasta publicou a portaria nº 457 que institui o Grupo de Trabalho (GT) para a realização da proposta de alteração do texto do PNDH-3. O grupo será composto apenas por servidores do próprio ministério. Organizações e movimento da sociedade civil denunciam mais este ataques aos direitos humanos e aos espaços de participação social. 

Ao todo, serão 14 integrantes do governo federal que terão direito ao voto e nenhuma representação da sociedade civil ou mesmo de outros órgãos públicos com atuação na temática de direitos humanos. O texto inclui que o GT poderá “convidar para participar de suas reuniões representantes de entidades públicas e privadas com atuação na temática de direitos humanos, sem direito a voto”.

Grupo de Trabalho previsto na Portaria nº 457 exclui participação da sociedade civil

A portaria menciona ainda que o objetivo é “analisar aspectos atinentes à formulação, desenho, governança, monitoramento e avaliação da Política Nacional de Direitos Humanos, com vistas a oferecer recomendações para seu aprimoramento e de seus programas”.

Em resposta a mais essa tentativa de cerceamento da participação social entidades e movimentos da sociedade civil lançam nota contra a Portaria nº 457/21. A nota destaca que a ação do MMFDH expõe “a visão de Estado e gestão pública autoritária contrária à Constituição Federal e aos Tratados de Direitos Humanos que afirmam a necessidade da participação e controle social”.

A posição dos movimentos afirma ainda o caráter democrático do processo de  construção do texto atual: “o PNDH3 foi precedido de 137 encontros prévios às etapas estaduais e distrital, denominados Conferências Livres, Regionais, Territoriais, Municipais ou Pré-Conferências, das quais participaram ativamente cerca de 14 mil pessoas, reunindo membros dos poderes públicos e representantes dos movimentos de mulheres, defensores dos direitos da criança e do adolescente, pessoas com deficiência, negros e quilombolas, militantes LGBTI, pessoas idosas, ambientalistas, sem-terra, sem-teto, indígenas, comunidades de terreiro, povos ciganos, populações ribeirinhas, entre outros”.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) é um órgão colegiado que tem por finalidade a promoção e a defesa dos direitos humanos no Brasil previstos na Constituição Federal e em tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil. A Amigos da Terra Brasil, desde 2020, faz parte do grupo de organizações colegiadas do Conselho Nacional de Direitos Humanos. 

Os ataques aos espaços democráticos de participação social não iniciam agora na gestão Bolsonaro. No ano passado, a ministra Damares nomeou uma nova secretária-executiva ignorando os integrantes do CNDH. Lúcia Ortiz, presidenta da Amigos da Terra Brasil lembra do desmantelamento ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) realizado pelo atual governo, primeiro reduzindo o número de cadeiras e de participantes da sociedade civil e depois retirando totalmente a participação da sociedade civil e dos governadores da Amazônia Legal ao transferir o Conselho para a vice-presidência de Hamilton Mourão. “Desde o início do governo Bolsonaro, na verdade desde o golpe de 2016, há um progressivo ataque aos espaços de participação cidadã, aos espaços democráticos, aos espaços de construção de políticas públicas. Por exemplo, o próprio Conselho Nacional de Meio Ambiente foi desmantelado, as organizações que o compõem são escolhidas por sorteio, realizado pelo próprio governo. Ou seja, vários instrumentos de participação que se tinha no passado foram sendo paulatinamente desmantelados”.

Ela avalia ainda que existe uma preocupação internacional em relação ao Brasil sobre a política ambiental, especialmente em relação a floresta amazônica e seus povos, notável na cautela de, por exemplo, de países da União Européia em firmar acordos com o Brasil. Ela acrescenta que: “é mais importante ainda nós divulgarmos esses ataques aos direitos humanos e aos espaços de participação no Brasil não só entre os movimentos nacionais, mas também no cenário internacional, porque deixa claro para o mundo a importância de combater o fascismo, a ultra-direita, o conservadorismo e essas medidas que só favorecem o neoliberalismo, o avanço das empresas e a redução do controle social e da garantia de direitos”, defende Lúcia.

Leia a íntegra da nota contra a Portaria nº 457/21, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e em Defesa do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), que conta com mais de 500 assinaturas de diversas organizações unidas na defesa dos Direitos Humanos.

Nota contrária a Portaria nº 457

Amigos da Terra Brasil denuncia ataques sofridos pela organização Repórter Brasil

Ataques ao site da organização jornalística ferem liberdade de expressão e de imprensa

Os recentes ataques virtuais ao site da organização jornalística Repórter Brasil, que exigem, com ameaças criminosas, que reportagens sejam retiradas do ar, devem ser rechaçados e denunciados por todas organizações, movimentos e países que prezam pela defesa da democracia no mundo. Conhecemos como é chamada a condição política em que jornalistas são forçados a suprimir informações em prol da vontade de alguém, chama-se: ditadura.

Foram ao menos dois ataques virtuais e uma tentativa de arrombamento da sede da organização na intenção de assediar e impor autocensura sobre o acervo de reportagens desde o início deste ano, após a grande repercussão internacional da reportagem que  a organização investigou sobre a cadeia produtiva do trabalho análogo ao de escravo na pecuária bovina publicada no dia 4 de janeiro de 2021. O fato demonstra a importância do trabalho realizado pela organização e suscita o questionamento, quem tem interesse de que esses arquivos sejam apagados?

O contexto de guerra informativa é aterrador. Com um governo eleito sob a disseminação de fake news é fundamental entendermos a importância de organizações como a Repórter Brasil para o momento em que vivemos e para além dele. O jornalismo investigativo tem um papel claro de informar fundamentado em fatos. Assim o faz a Repórter Brasil por duas décadas denunciando crimes ambientais e violações aos direitos humanos, com um lugar reconhecido nacional e internacionalmente por seu trabalho contra o trabalho escravo no Brasil. 

Amigos da Terra Brasil, junto a tantas organizações e movimentos sociais em defesa da democracia no Brasil, assim como demais organizações da federação ambientalista Amigos da Terra Internacional que tem contado com a experiência e capacidade investigativa da Repórter Brasil em suas campanhas em defesa dos direitos dos povos e pela justiça ambiental, expressa sua solidariedade internacionalista em defesa da continuidade das atividades dessa organização, com segurança e garantia dos direitos de liberdade de expressão e contra a criminalização de quem atua na defesa dos direitos no Brasil.

Com um governo que caminha para uma direção autoritária, repetindo tanto em março de 2019, como agora, em janeiro de 2021, que as “Forças Armadas decidem se o povo vive em democracia ou ditadura”, a visão de governo está posta e o alinhamento de seus seguidores é declarado. No momento em que vivemos, o jornalismo sério e bem fundamentado como o exercido pela Repórter Brasil é mais importante do que nunca. A quem viveu, sofreu ou estudou sobre, nunca é demais refrescar a memória sobre os tempos de censura à imprensa, tempos esses ao qual o atual presidente do Brasil rememora com saudades.

Não é momento de voltar atrás. É fundamental denunciar a tentativa de censura, que demonstra a necessidade  de investigar cada vez mais, manifestar e não calar frente às atrocidades e tentativas de intimidação daqueles que não tem receio de cometer crimes, mas sim de serem pegos em ação.

A Amigos da Terra Brasil reafirma a solidariedade com a organização Repórter Brasil,  defende o direito legítimo e socialmente necessário do exercício do jornalismo. Para além de denunciar os ataques sofridos, é imprescindível que sejam investigados e seus responsáveis punidos conforme define a legislação no artigo 146, do código penal.

O papel do jornalismo para o povo de uma nação é fundamental na investigação e cobrança de ações daqueles que se creem inalcançáveis e inabaláveis. Democracia e jornalismo são dois sistemas interdependentes, a existência de um pressupõe a manutenção do outro. Sem jornalismo livre, não há liberdade de expressão e de informação. Sem jornalismo livre, independente e ético, não há caminhos para uma sociedade democrática. 

Retomada Xokleng: mais de um século de luta; um mês de ação direta

Completando um mês da retomada Xokleng na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, na serra gaúcha, o Cacique Woie Kriri Sobrinho Patte manifesta receio com relação a segurança de seu povo.

Ele relata que a coordenação da Flona, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tem mantido constantes ações de intimidação na tentativa de coagi-los com uso, inclusive, de drones: “a coordenadora do parque não se cansa e tenta nos intimidar a todo momento vem até o acampamento, para em frente, tira foto e filma. Por últimos estamos sendo vigiando por 4 drones que, durante essa noite, do dia 11, sobrevoam nossas barracas de lona várias vezes, chegando bem perto. Também carros e camionetas indo e voltando vigiando o acampamento”.

Não é a primeira ação na tentativa de amedrontar os Xokleng realizada pela administração da Flona. Durante a reintegração de posse — que não foi realizada, pois as famílias já haviam se retirado voluntariamente da área da Floresta Nacional (Flona) no dia 02 de janeiro — a coordenação do ICMBio, representada pela chefe da Flona, Edenice Brandão, ordenou que um funcionário do ICMBio cortasse colunas de madeiras que estruturavam um barracão que estava sendo construído na área onde hoje as famílias ocupam às margens da RS-484 . Ação essa, realizada com escolta da Polícia Federal e com completa incoerência, uma vez que a área não pertence a Flona e as madeiras sequer foram levadas. Um ato simbólico de intimidação.

No dia 12 de dezembro de 2020, os descendentes de Vetchá Teiê Xokleng Konglui ocuparam a área ancestral que hoje é a Floresta Nacional (Flona). A Floresta Nacional de São Francisco de Paula foi criada em 1968 e desde 2004 é administrada pelo ICMBio. Vetchá quando era um bebê de colo, foi expulso com a família do território indígena Xokleng, mas conforme contou a Kullung e Yoko, filhas do seu Vetchá, teve seu umbigo enterrado neste solo. 

“Os Xokleng, estão, pois, confinados. Já não há para onde fugir. Um subgrupo que frequentava as cabeceiras do Rio Negro e que devido a pressão dos brancos começou a deslocar-se para o oeste, em direção aos campos de Palmas, encontrou pela frente os Kaingang. E, pouco tempo depois (1838), os brancos chegavam, também, a esses campos” | Imagem e trecho extraídos do livro Índios e Brancos no Sul Do Brasil: a dramática experiência dos Xokleng (DOS SANTOS, Sílvio Coelho; 1973, p. 36)

A sobrevivência de Vetchá e seus famíliares é algo singular dentro das chacinas cometidas pelos caçadores de índios, os bugreiros, ao longo do período Imperial, República e, em especial, durante a Ditadura, que avançavam sobre os territórios indígenas dando espaço para o “desenvolvimento” dos colonos que, na narrativa estatal, “contribuíam com a independência econômica da nação”. Essa perspectiva corroborou as mais diversas atrocidades cometidas contra estes povos ao longo dos séculos 19 e 20, como relatado pelo Relatório Figueiredo, que investigou as ações do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) entrevistando agentes de cerca de 130 postos indígenas espalhados pelo país. O documento, que esteve desaparecido de 1967 até 2013, relata caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado ao veneno estricnina.

Hoje, o povo Xokleng segue em luta por sua sobrevivência: “medo não temos de morrer, medo que temos é que não faça a justiça pelos nossos direitos sobre o nosso território”.

Unidos, desde o último domingo (10), os Xokleng recebem a visita dos Guarani da retomada Maquine, área ancestral, que é posse da extinta Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro). Os parentes de Maquiné (RS) contam com a esperança renovada da vitória na luta contra o Estado do Rio Grande do Sul, que desistiu da Ação de Reintegração de Posse da área.

Foto: André Benites, da Tekoa Ka´agui Porã / retomada Yvyrupa em Maquiné (RS)
Foto: André Benites, da Tekoa Ka´agui Porã / retomada Yvyrupa em Maquiné (RS)
Foto: André Benites, da Tekoa Ka´agui Porã / retomada Yvyrupa em Maquiné (RS)

Leia a íntegra do posicionamento:

Bom dia guerreiros
Hoje completa 1 mês de retomada xokleng
O povo do sol, que a mais de 100 anos foram expulsos de seus território, hoje volta pra casa e é recebido por várias criticas pela parte do ICMBio e por juízes plantonistas que nem conhece ou nem quer conhecer a luta dos povos originários, por esses dias tivemos reintegração de posse de uma terra tradicional que é nossa por direto, e ainda que tudo isso tenha acontecido a coordenadora do parque não se cansa e tenta nos intimidar a todo momento vem até o acampamento e para em frente tira foto e filma, e por últimos estamos sendo vigiando por 4 drones que durante essa noite do dia 11 sobrevoam nossas barracas de lona varias vezes chegando bem perto, também carros e camionetas indo e voltando vigiando o acampamento, é um absurdo isso peço que compartilhe isso para que quando algo acontecer com um dos nossos familiares da retomada já fiquem sabendo de nossas denuncias, ontem foi drones amanhã podem ser pistoleiros contratados para matar, não duvidamos nada que venha da parte da coordenadora da FLONA de são Francisco de Paula além que já tínhamos saindo da FLONA ela insistiu em comandar com a proteção da PF em cortar madeira que estávamos construindo nossas barracas já fora da FLONA, medo não temos de morrer, medo que temos é que não faça a justiça pelos nossos direitos sobre o nosso territorio.
(Cacique Woie kriri sobrinho patte)


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Reintegração de posse dos Xokleng: Retomada do território ancestral vai contra os interesses de Ricardo Salles

Reintegração de posse dos Xokleng: Retomada do território ancestral vai contra os interesses de Ricardo Salles

Os indígenas buscam o reconhecimento da área como território tradicional junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2011.

Artigo originalmente publicado no site do Coletivo Catarse em parceria com Alass Derivas.

As famílias Xoklengs que retomam desde o 12 de dezembro suas terras ancestrais na Região de São Francisco de Paula saíram, na noite do dia 1 de janeiro de 2020, voluntariamente da área da Floresta Nacional (Flona). No entanto, seguem resistindo às margens da RS-484, do lado de fora da cerca da Flona. A estratégia se deu após mais uma ameaça de reintegração de posse, que tinha como prazo o dia 2 de janeiro. 

Após ver todos os interesses privados nas concessões das florestas nacionais do país, incentivados pelo Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, é possível entender melhor a pressa em tirar os indígenas da Flona e a impossibilidade de diálogo.

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Novo acampamento fica no lado de fora da cerca da Flona, às margens da RS-484 | Foto Alass Derivas



Agentes públicos saindo da Flona e se dirigindo ao acampamento dos indígenas Xokleng. | Foto Alass Derivas

No meio da manhã do sábado (2), chegaram os agentes públicos para cumprir a ordem da Justiça Federal de Caxias do Sul, solicitada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), que administra a Flona. No mandado, consta: “determinação para que a polícia federal proceda à desintrusão dos invasores fazendo uso das medidas necessárias”. Com a saída voluntária por parte dos indígenas, não havia mais o que os agentes públicos fazerem ali além de intimar as partes responsáveis no processo. 

As quatro famílias Xokleng, descendentes de Veitcha Teiê e Voia Camlem, tiveram a solidariedade de cerca de 10 apoiadores na noite da véspera da reintegração. No entanto, foi uma manhã de tensão, devido ao aparato armado da Polícia Federal, o certo isolamento da retomada em relação a distância e comunicação e também devido às intransigências da coordenação do ICMBio, na figura da chefe da Flona, Edenice Brandão Ávila de Souza. Apesar disso, nenhum incidente de violência direta aconteceu, e os Xokleng seguem firmes e fortes no lado de fora da cerca da Floresta Nacional. Mantém-se em resistência com os seus corpos enquanto traçam estratégias para quando o judiciário voltar do recesso.

No dia 2 de janeiro, as lideranças da Retomada Xokleng publicaram uma nota explicando o movimento de saída voluntária e anunciando que a luta segue. “Não vão nos amedrontar com ameaças de remoção forçada e muito menos nos intimidar através de medidas judiciais protelatórias ao nosso direito. Nossa retomada é sopro de vida, sinal de esperança e símbolo de luta e resistência. Seguiremos unidos aos demais Povos do Brasil contra as injustiças, pela demarcação de todas as terras, defendendo-as e combatendo a tese do marco temporal e as demais manobras políticas e jurídicas criadas para nos roubar a terra e inviabilizar a Constituição Federal de 1988”.

As retomadas encabeçadas pelos povos indígenas podem ser consideradas como ações diretas de caráter decolonial. Ao adentrarem novamente no seu território ancestral, os Xokleng da retomada Konglui restauram a história do nosso país. Dão visibilidade a fatos, acontecimentos e pessoas que foram apagadas da história oficial. Ao mesmo tempo, os horizontes de futuro que projetam nos territórios recuperados se espelham nos conhecimentos dos seus antepassados. O retorno, que nasce no interstício do esbulho e da indignação, conta com a presença dos espíritos que guiam os Xokleng nas suas decisões e nos seus caminhos. Algo incompreensível pelo oficial de justiça, pelos agentes da FLONA, do ICMBio e da Polícia Federal – que se deslocaram no segundo dia deste novo ano, ainda em plena pandemia de Covid-19, para despejar os indígenas, e isso, “em nome da lei”.

Relato da manhã de reintegração


Agente do GPI, Edenice, Oficial de Justiça, Delegado da Polícia Federal e Isaac conversam reservadamente na estrada logo após a entrada da Flona. | Foto Alass Derivas

Assim que chegaram, os agentes públicos – a Polícia Federal, com o Grupo de Pronta Intervenção da PF (GPI); o funcionário da Funai, Francisco Aureliano Dorneles Wit; uma ambulância e o oficial de Justiça – pediram para conversar em reservado com a coordenação do ICMBio. Ingressaram na Flona, vistoriaram a área onde estava a retomada, observaram o novo acampamento por trás da cerca e só depois, aproximadamente uma hora depois, vieram conversar com a comunidade. O oficial de justiça foi recebido por Yoko Camlem e Kullung Veitcha Teiê, as duas mulheres à frente da retomada. A primeira intervenção feita por Kullung foi solicitar para o oficial afastar os policiais, pois as armas estavam assustando as crianças.   


Foto Alass Derivas



    No diálogo, Kullung reiterou a história da sua família naquelas terras e o passado de violência que seu povo sofreu, sendo o episódio que acontecia naquele momento mais uma delas. “Aqui é nosso território, daqui saiu nosso bisavós, tataravós. Eles morreram aqui, aqui está o sangue dos nossos antepassados, aqui é a terra deles. Aqui eles foram massacrados, foram matados e uma parte foi para Santa Catarina. Esse território é nosso. Nós não estamos roubando de ninguém”. Por sua vez, o Oficial de Justiça intimou Kullung com o despacho da reintegração de posse e alertou que, se houver uma nova entrada, a comunidade pode ser prejudicada judicialmente por isso. Também informou sobre a disponibilidade do Sindicato Rural de São Francisco de Paula em conceder transporte para levar os indígenas para Santa Catarina. Quais os interesses do sindicato neste oferecimento?


Kullung, o oficial de Justiça e os agentes do GPI da Polícia Federal. | Foto Alass Derivas

O primeiro a chegar foi o funcionário da Funai, vindo de Osório, Francisco Aureliano Dorneles Wit. Assim que chegou, buscou contato com a comunidade e foi enxotado por Kullung, que sugeriu que fosse falar com “a sua amiga” Edenice. A indignação de Kullung se deu devido a ausência da Funai durante os dias de retomada. A instituição aparecia no momento da reintegração como participação obrigatória devido o réu ser a comunidade indígena. Ou seja, em vez de garantir os direitos territoriais dos povos, a instituição veio até a FLONA apenas para possibilitar a retirada dos Xokleng do seu território, legitimando assim a reintegração de posse solicitada pelo ICMBio.


Kullung diz para o funcionário da Funai aguardar com seus amigos do ICMBio. | Foto Alass Derivas

O ato derradeiro da ação de reintegração de posse, já no final da manhã, ficou por conta de Edenice. Depois de delegado, oficial de justiça, representante da Funai já terem se afastado do novo local do acampamento da retomada, às margens da RS-484, Edenice voltou, escoltada pela Polícia Federal, e ordenou que um funcionário do ICMBio cortasse colunas de madeiras, estruturas de um barraco que estava sendo construído naquela manhã. Foi questionada por que estavam fazendo aquilo. “Esta madeira é propriedade da Unidade de Conservação”. Então vocês vão levar de volta? “Não, eles podem usar como lenha”. Era apenas um ato de autoritarismo, mesquinharia e provocação. Recebeu como resposta dos indígenas que poderia levar sua madeira embora.


Escoltada pela Polícia Federal, Edenice, chefe da Flona, manda cortar vigas de madeira uadas pelos Xoklengs. | Foto Alass Derivas

Foto Alass Derivas

Instantes antes da Polícia Federal e o Oficial de Justiça chegarem, visitamos a região onde estava a retomada, junto com Edenice, chefe da Flona de São Francisco de Paula, com Isaac Simão Neto, biólogo e gerente regional do ICMBio, e com um funcionário do ICMBio, que fazia as vezes de segurança. Tivemos a oportunidade de, por alguns minutos conversar sobre o futuro da floresta, que está em vias de ter seus serviços concedidos à iniciativa privada, e entender como a coordenação estava vendo a ação de reintegração.  


Edenice, Isaac e Brigadista do ICMBio | Foto Alass Derivas


    Ao invés de reintegração, não seria possível um diálogo? “O diálogo deveria ser anterior à invasão”, defende Isaac. “Se eu invadir a tua casa, como seria? Invadir uma área que não há um documento que mostre que esta área é deles, então você abre precedente e começa o diálogo de uma forma equivocada”. Se assim como Isaac você somente acredita em papéis, sugiro a leitura do texto “Mãe não se vende, Mãe não se troca, Mãe não se privatiza!”: Nota técnica preliminar envolvendo aspectos etnohistóricos e socioambientais da Retomada Indígena Xokleng Konglui na Floresta Nacional São Francisco de Paula/RS”, do etnohistoriador Rafael Frizzo. Um documento que cita diversos outros documentos sobre a presença Xokleng na região e sobre os interesses por trás da Flona.


Local onde era o acampamento, ao lado direito da entrada da Flona, aos pés de centenas de Pinus | Foto Alass Derivas

Após Edenice reclamar do mal cheiro da área (não sentido por nós, diga-se), em um tom depreciativo, Isaac apontou para roupas, embalagens que tinham ficado pelo chão, resquícios da saída voluntária às pressas dos Xokleng e perguntou: “vocês acham que isso é um cuidado da natureza por parte dos indígenas, respondam sinceramente?” Como biólogo e representante de um Instituto que tem em seu nome a “Conservação da Biodiversidade”, é um disparate (para não dizer mau caratismo) Isaac apontar calcinhas de crianças – que vão se decompor em alguns anos e que estão ali devido à violência de todo o processo que os Xoklengs passaram naquela manhã – como prejudiciais ao meio ambiente e desconsiderar, na sua fala, na sua visão, todos os monocultivos (de eucalipto, pinus, soja, milho) que existem na região. Esta cena é a consagração de uma visão de mundo que vê a retomada dos indígenas como invasão. Que vê o monocultivo de árvores como reflorestamento, ignorando ou combatendo quem aponta todo o dano à biodiversidade que este sistema comercial de exploração do solo, água e impactos na biodiversidade que esse modelo produz.

Por que Isaac não se preocupa em questionar os danos ao meio ambiente de propriedades como da foto abaixo, produtora de gado e monocultivo de Pinus? Você vê algum animal mais que gado, alguma planta mais que Pinus? Ao cortar o Pinus, não fica nada. Foto tirada perto da Barragem do Blang, em São Francisco de Paula.

Foto Alass Derivas


Dos povos indígenas do Sul, os Xokleng foram os mais afetados pelos bugreiros e caçadores, recorte da história que relatamos no texto “Somos sementes prontas para germinar”. Reportagem publicada no dia 30 de dezembro, contando a história da retomada, da Flona e das perseguições ao povo Xokleng. Em nota sobre a reintegração de posse, o Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul destaca este processo, trazendo elementos sobre os caminhos dos Xokleng:

“A violência foi tanta que os poucos grupos que sobreviveram se refugiaram em Santa Catarina para não serem também exterminados. Durante esse processo violento, pequenos grupos de Xokleng se refugiaram nas matas da encosta da Serra, que sempre foi parte de seu território ancestral. Estiveram constantemente em movimento até se refugiarem na Serra de Santa Catarina, onde em 1914 os Xokleng entraram em contato com agentes do Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (posteriormente SPI e em 1967, FUNAI). Desde então, tem se difundido o mito de que os Xokleng seriam “índios de Santa Catarina”, o que é uma invenção colonialista, pois para os povos indígenas as fronteiras entre os Estados nada mais são do que linhas artificiais desenhadas sobre seus territórios, além de esconder uma estratégia de apagamento e negação dos direitos desses povos”.

O coordenador do ICMBio pede documentos, desconsiderando que o próprio documento é uma arma de coerção, de desapropriação, de roubo de terras. Desconsiderando que na história deste país os documentos que promoviam a expulsão e extermínio dos povos eram o calibre das armas e a lâmina do facão. Hoje, a Polícia Federal apresenta armas semelhantes, aliados à caneta (e aos documentos) da Justiça.

Agentes do Grupo de Pronta Intervenção da Polícia Federal. Todos brancos, bem equipados. | Foto: Alass Derivas
Comunidade e apoiadores, com seus corpos e suas proteções. | Foto Alass Derivas

Na véspera de ano novo, dia 31 de dezembro de 2020, o presidente do STF, Luiz Fux, ministro plantonista, indeferiu o pedido de liminar, proposto pela Defensoria Pública da União, em nome da comunidade Xokleng. Fux desconsiderou a medida do colega Edson Fachin que impedia reintegrações de posse durante o período da pandemia. A ação de reintegração foi mantida, determinada pelos juízes plantonistas (primeiro Fernanda Cusin Pertile, no dia 23, e depois Patrick Lucca da Ros, no dia 29) da Justiça Federal de Caxias do Sul, a pedido do ICMbio. A assessoria jurídica da retomada ainda não teve acesso à decisão integral de Luis Fux, portanto a motivação é desconhecida.

Já no final da ação de intimação, um agente da Polícia Federal se aproximou e pediu um favor: se poderia ter as fotos daquela manhã enviadas por Whatsapp, pois nesta semana enviaria um relatório que ia direto para o Presidente da República Jair Bolsonaro. Destacamos o pedido do policial para lembrar que os serviços da área da Flona estão em vias de ser concedidos à iniciativa privada após Bolsonaro e o Ministro da Economia Paulo Guedes a terem incluído no Programa Nacional de Desestatização. No entanto, a chefe da Flona e o coordenador do ICMBio insistem em ressaltar no discurso que a Floresta não vai ser privatizada. Inclusive esta informação é destacada na nota do perfil do Facebook da Floresta Nacional de São Francisco de Paula que divulga a visita do Ministro Ricardo Salles, em 12 de abril de 2019.  Na comitiva do Ministro, estavam os deputados inimigos dos povos indígenas, Luis Carlos Heinze, Alceu Moreira e Marcel Van Hattem.

Foto divulgada no Facebook da Floresta Nacional de São Francisco de Paula.


440% da área da Flona tem árvores plantadas, que vão ser leiloadas pelo Estado, segundo Edenice e Isaac. O que será feito com esse dinheiro? O que será feito com a área liberada? Como o Governo Federal pretende “passar a boiada” nas Unidades de Conservação?

Se há um processo de reivindicação da área correndo na Funai desde 2011, os Xokleng deveriam ser considerados interessados prioritários na área e, portanto, seguindo recomendação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, deveriam ser consultados sobre a concessão. Ao ser questionado sobre isso, Isaac afirma que os indígenas foram convidados para a audiência pública que aconteceu em setembro. A comunidade que, hoje, retoma a Flona não recebeu nenhum contato. O Conselho Indigenista Missionário comentou o caso em nota do dia 14 de outubro de 2020, quando o Ricardo Salles lançou edital para concessão dos Parques Nacionais:

“Esta medida poderá afetar diretamente a comunidade Kaingang de Canela, já que reivindica a demarcação da Flona como sendo área de ocupação originária. Também afetará o povo Xokleng que reivindica a demarcação  de sua terra, sobreposta pela Floresta Nacional em São Francisco de Paula. Aguarda-se por uma intervenção do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União,  já que as privatizações dos parques atentam contra o meio ambiente, contra o patrimônio da União e contra os direitos constitucionais dos indígenas, dado que estes devem ser  consultados para atender as determinações da Convenção 169 da OIT- Organização Internacional do Trabalho, que determina haver a necessidade de consulta livre, prévia e informada quando medidas adotadas pelo Poder Público ou qualquer outro ente, afetem povos e comunidades indígenas e tradicionais”.

Depois de ver o envolvimento do ICMBio em diversas negociações de concessão para iniciativa privada de Unidades de Conservação,  alinhado às políticas do Ministro Ricardo Salles, é possível entender melhor a motivação das intransigências da coordenação da Flona e pressa na reintegração de posse dos Xokleng.

Enquanto isso, Kullung Vetcha Teiê, senhora de 63 anos, resiste com o próprio corpo, com sua família e seus parentes. Resiste a todo um esquema internacional de privatização de florestas nacionais. Amparados nos sopros que vem do grande espírito.

Kullug Vetcha Teiê e Woie Patté cantam após agentes púbnlicos se retirarem. | Foto Alass Derivas



A luta segue

Neste momento, é necessário fortalecermos a solidariedade e as estruturas do acampamento Xokleng em frente à Flona. Uma campanha de arrecadação está sendo organizada para viabilizar uma placa solar (assim como já existe na Retomada Guarani da Ponta do Arado) para trazer mais segurança e possibilidade de comunicação das famílias que está sem acesso a energia.

O frio das madrugadas na região serana do Rio Grande do Sul também traz a necessidade de moradias que deem proteção ao Xoklengs. Por isso, tábuas e telhas são fundamentais.

As doações podem ser encaminhadas para:

Conta: Banco do Brasil
ag: 5437-2
Cc: 5440-2
CPF: 06124632900
Nome: Woie Kriri Sobrinho Patté

Veja o vídeo “Retomada Xokleng Konglui Resiste”:

Mais fotos da Retomada:

Foto Alass Derivas


Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas

“A gente tem pressa por ações concretas e reais, porque são os nossos que estão sendo sistematicamente assassinados”

Pouco mais de um mês após o assassinato de João Alberto pelos seguranças contratados pela rede Carrefour em Porto Alegre, Brasil, Patrícia Gonçalves, integrante do Conselho Diretor do Amigos da Terra Brasil e militante da Frente em Defesa dos Territórios Quilombolas no Rio Grande do Sul, analisa as medidas tomadas pela empresa e pela Justiça. Ela defende uma mudança de paradigma no tecido social no que diz respeito às comunidades pretas no Brasil.

No último 19 de dezembro de 2020, completou um mês do terrível crime cometido contra João Alberto. Esse episódio é reflexo do racismo estrutural e institucional vivenciado no Brasil. Beto, como era conhecido, foi brutalmente espancado até a morte pela segurança privada da rede de supermercados Carrefour e pela polícia militar. Para analisar  este caso  cruel e racista, conversamos com Patrícia Gonçalves, integrante do Conselho Diretor do Amigos da Terra Brasil e militante da Frente em Defesa dos Territórios Quilombolas no Rio Grande do Sul. 

O crime ocorreu um dia antes do dia da consciência negra, em Porto Alegre, uma das cidades brasileiras mais segregadas. Na mesma semana, se celebrava a eleição de uma banca negra na Câmara Municipal de Porto Alegre, fato até então nunca ocorrido. Patrícia relata que: “As pessoas estavam felizes com a eleição da bancada negra, e também com a questão de gênero elegendo muitas mulheres, tanto em Porto Alegre como em diversas cidades do Brasil. Estamos caminhando para uma transformação destes espaços que é muito necessário. E ao mesmo tempo que comemorávamos e celebrávamos, o racismo vem para colocar qual é a condição das pessoas negras, das pessoas não brancas aqui no Brasil.”

O caso do João Alberto ganhou grande impacto e mobilização nacional pela simetria com o assassinato de  George Floyd ( no dia 25 de maio de 2020, Floyd foi estrangulado por um policial branco que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem, em Minneapolis, nos Estados Unidos) ganhando repercussão em diversos países com a campanha “Black Lives Matter” [Vidas Pretas Importam, na tradução literal]. Principalmente, o caso do João Alberto ganha grande repercussão porque isso exemplifica a realidade cotidiana de homens negros e mulheres negras.

Esse é o nosso cotidiano. Nós vivemos em um país que não nos reconhece enquanto humanidade, que não nos reconhece enquanto força potente de transformação social. Nós sobrevivemos ao imenso projeto de extermínio, genocídio e epistemicídio. Aqui no Brasil, além da escravidão, a colonização, por exemplo, financiou políticas eugenistas que projetaram em 100 anos a população iria embranquecer com a  vinda da imigração européia, e daí sim se tornaria uma população civilizada. Se investiu dinheiro público para isso, se defendeu essa ideia e, como consequência, ações de desterritorialização ainda maiores dos nossos povos originários e os povos negros que aqui estavam em função desta lógica que acredita em apenas um modelo de pensar  através dos corpos brancos do ocidente, é um modelo correto e civilizado. E a gente sobreviveu a isso! De forma habilidosa e estratégica, sobrevivemos a isso.”, descreve Patrícia.  

Este não é um episódio isolado. A rede Carrefour tem um histórico muito problemático, com casos de agressão física, violação de direitos, em todo o território brasileiro. Patricia nos descreve alguns exemplos: “temos o caso de uma funcionária que após receber tratamento racista dos colegas de trabalho, fez uma denúncia e o tratamento que a empresa deu foi a demissão. Também, temos o caso de um funcionário que faleceu em um estabelecimento de trabalho e a ação da empresa foi seguir as atividades normalmente, camuflando o corpo exposto, sem dignidade. O corpo negro não recebe nenhuma dignidade da empresa que usufruiu do seu trabalho por muito tempo. Temos casos de clientes que são perseguidos, violentados, que não podem transitar de forma digna nos estabelecimentos destas redes de supermercados porque sempre são vistos como suspeitos e violentados. E, agora, o caso do João Alberto que foi cruelmente assassinado.”

Além do caso Carrefour, outras redes do setor alimentício são violadoras de direitos aqui no Brasil. Em Porto Alegre, há outros casos envolvendo a disputa territorial com as comunidades quilombolas. Por exemplo, a rede Walmart, que é uma corporação que explora a mão de obra de trabalhadores, tenta desterritorializar a comunidade Quilombo dos Machados. Patrícia conta a história dessa comunidade e descreve como a comunidade sente os impactos do racismo institucional: “A comunidade tem uma história de vida muito anterior à chegada da rede Walmart e mesmo assim nosso sistema jurídico não consegue e não quer compreender isso. Atualmente, a comunidade precisa  investir muito tempo e energia numa disputa homérica para garantir que a justiça seja feita. E para nós, é muito difícil passar por esse crivo jurídico, conseguir se fazer desenvolver em um processo que dê retorno a nossa luta, nossa construção e nosso ideal de mundo. É extremamente complexo e difícil para uma comunidade quilombola ser avaliada e analisada por esse sistema. Mas, a regra que temos é que a propriedade da terra vale mais do que as pessoas e por isso se faz necessário enfrentar este cenário e espaço. E conseguir de diferentes formas e narrativas diversas disputar o que é um  território quilombola, o que é a constituição de um mundo possível nestes territórios, onde o próprio sistema renegou outras espacialidades e colocou essas pessoas nesses espaços onde se construiu e constituiu toda sua lógica de territorialidade”. 

Ela complementa: Por isso, é preciso enfrentar essas empresas e esse sistema jurídico racista com as nossas lógicas. Esse é um sistema que nos enxerga como invasores, como ocupantes de um espaço. Ele não consegue compreender que nós estamos operando em um projeto de retomada de território e retomada do que é nosso por direito em função das consequências de uma série de crimes que exerce desde a formação do Brasil contra os corpos negros e as formas de territorialização dos espaços negros. Um sistema que tem dificuldade em compreender o que é a lógica da retomada, da reconquista do que é nosso por direito. E essa é a  experiência que estamos vivenciando em Porto Alegre, onde existem 8 comunidades quilombolas reconhecidas e uma em processo de reconhecimento, no qual essas comunidades estão recontando a história, retomando o espaço e se afirmando diante de um sistema que é cego para reconhecer essa diversidade e que é racista em operar contra essa diversidade. 

A luta em defesa pela regularização dos territórios quilombolas e indígenas é urgente. Patrícia explica ainda o que compreendem por retomada e as intersecções entre a luta quilombola e indígena:A lógica das retomadas é um aprendizado que nasce a partir da relação com os povos originários, que seguem essa orientação de reconquistar seu espaço e de retomar o que é seu por direito por estarem habitando todo o território brasileiro. E quando chega a colonização européia, expropriando essas comunidades, afastando-as e desmembrando-as e por isso elas vem cobrar essa dívida do Estado brasileiro, que nunca reparou na sua total integridade. Diante da inação do estado, comunidades indígenas e quilombolas se unem e retomam seus territórios.”

A disputa é pela moralidade vigente

Assim como o racismo institucional, o racismo estrutural também é responsável por moldar as formas de violência contra os corpos negros: “Esse sistema jurídico racista, ele enxerga os nossos territórios como o lugar do bandido, o lugar do tráfico, o lugar das pessoas vulgares, das pessoas que podem ser violentadas. Também, enxerga nossos territórios como o corpo da mulher que está aberta à violação, a mulher que pode ser violentada pelo sistema. É uma composição do sistema racista e patriarcal que opera muito bem unificando lógicas de opressão – opressão contra nossos territórios. Além da agressão física que geram desterritorializações, também há uma desconfiguração destes territórios, ao qual buscam reforçar como espaços sem qualidades e despotencializados, e isso qualifica o modelo violador na disputa territorial, pois aqui no Brasil a disputa territorial não é apenas uma questão legal, ela também é uma questão moral. 

Então, se justifica expulsar e violentar o que é desqualificado. Há uma lógica de que os corpos negros, corpos indígenas, as mulheres recebem entonações de características que não são as características do que se considera pessoas de inteligência, com potencial, pessoas protagonistas de suas histórias, pessoas que precisam ser tuteladas para seguir sua vida em plenitude. E portanto, nós também precisamos combater isso, pois assim estamos combatendo uma questão moral, que tem essa parceria com questões de justificar atitudes violadoras.” 

Por isso, Patrícia pondera que é preciso enxergar nestes territórios as suas diversidades, as potencialidades e as formas diversificadas e sofisticadas que esses territórios operam e organizam a sua luta. “A partir do chão dos territórios, que a gente percebe o que está acontecendo, uma forma que atue considerando essa diversidade e essa complexidade que o jogo do viver nos exige. Sabemos que viver exige coragem, e viver uma luta antirracista exige muito mais coragem, muito mais atrevimento, muito mais posicionamento”. 

Ela faz ainda um chamado à escuta: “Pensamos que qualquer grupo ou organização política que está disposto, se colocando para somar neste enfrentamento, precisa, antes de qualquer coisa, precisa praticar uma  escuta sensível para o que está sendo dito a partir do chão do território. Escutar o que as pessoas estão experienciando as opressões e as violências, o que essas pessoas julgam que é necessário enfrentar e ser feito, quais são as técnicas seculares que elas estão utilizando para dar conta da vida. Não é mais possível, nós enquanto esquerda, não realizemos essa escuta. Não é mais possível acreditar que é preciso formar, colocando as lógicas ocidentais para dentro dos territórios como se as pessoas que vivem as lutas diárias não entendessem o que está acontecendo. As pessoas entendem. Cotidianamente, fazem escolhas complexas e difíceis. Portanto, enquanto esquerda precisamos praticar a escuta, a sensibilidade, a solidariedade com esses grupos, com essas articulações, para daí sim potencializar a luta”, completa.

Para pensar caminhos possíveis para transformar o atual modelo de sociedade em uma sociedade antirracista, Patrícia afirma que “é preciso realizar medidas concretas e reais de acordo com reparações históricas e humanitárias porque são crimes sistematicamente realizados contra as nossas humanidades. Então, a postura [do Carrefour] de apenas pedir desculpas e pagar milhões para fazer propaganda em horário nobre na televisão para tentar limpar o nome da empresa, não repara estes crimes. Pedir desculpas e dizer que não concorda com essas práticas, não promovem as ações transformadoras necessárias a uma postura antirracista. A gente tem pressa  por ações concretas e reais, porque são os nossos que estão sendo sistematicamente assassinados, são nossos sonhos que são despedaçados, as nossas famílias desmembradas, vitimadas por este projeto racista, que opera a mais de 5 séculos aqui no Brasil. 

Amigos da Terra Brasil, repudia a violência e o ato de assassinato do João Alberto, assim como de Marielle Franco, da Claudia Ferreira, do menino Miguel, de pessoas negras que são encarceradas aos montes dentro da lógica que vem operando há séculos neste país e que criminaliza corpos racializados. “Nós acreditamos que são muitos os responsáveis pelo exterminío dos sonhos negros no Brasil. Foram muitas mãos que espancaram João Alberto e executaram-o além da segurança privada do Carrefour e da polícia militar. Foram todas as mãos que pactuam com esse sistema racista. E essas mãos seguem violando a memória deste corpos, porque essas pessoas são violentadas e tem um tratamento que as julga na sua morte e as condena como criminosas. Então, é muito cruel o tratamento que o Brasil vem dando e colocando para as pessoas negras e as pessoas indígenas. E a cada dia que passa é mais perigoso ser negra e ser negro no Brasil. E por isso é preciso solidariedade, é preciso ações antirracistas, para que estes crimes parem de acontecer. E Amigos da Terra Brasil se colocam ao lado desses territórios nas suas lutas, se dispõem como companheiro e companheira de resistência. Aqui a gente faz uma aposta que tem por objetivo a vitória da vida, com tudo que ela capaz de trazer de potencialidade, de diversidade, de força, e acreditamos que estamos dando passos em uma caminhada bonita que materializa uma construção de confiança, com suporte técnico, com parceria política para a transformação antirracista.” 


A entrevista de Patrícia Gonçalves foi publicada pela Rádio Mundo Real e é possível ouvir abaixo:

“Somos sementes prontas para germinar”

A luta do povo Xokleng ao retomar seu território ancestral, em que agiram bugreiros no passado e onde hoje o Estado ameaça com reintegração de posse 

Há dois anos, Vetchá Teiê Xokleng Konglui morreu com aproximadamente 100 anos. Quando era um bebê de colo, foi expulso com a família do território indígena Xokleng, onde hoje é a Floresta Nacional (Flona), Unidade de Conservação Federal em São Francisco de Paula. O umbigo de Vetchá está enterrado neste solo. 

Kullung Vecthá Teiê | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Meu pai me trouxe aqui quando ainda era mata nativa e mostrou para mim e para os seus netos onde seu umbigo está enterrado” conta Kullung Vetchá Teiê, hoje com 63 anos. “No caminho ele vinha mostrando nossos antepassados. Vinha contando que lá dentro da Flona tem a oca dos nossos parentes, ferramentas, trilhas”.



Vetchá Teiê foi um dos inúmeros Xoklengs que nasceram nesta localidade e tiveram que sair para sobreviver à ação dos bugreiros, bandidos contratados pelo governo e por empresas colonizadoras para caçar os indígenas nas matas e liberar o território para alemães e italianos que chegavam no sul do Brasil. 

No dia 12 de dezembro deste ano, Kullung e Yoko, filhas do seu Vetchá, com suas famílias e parentes apoiadores ingressaram na Floresta Nacional para ficar. “No passado, mataram meus parentes, atropelaram, cortaram as mulheres grávidas, mataram as crianças, cortaram a orelha delas, acabaram com minha nação, aqui neste lugar. Mas graças a Deus sobrou um grupo, que antigamente era botocudo, hoje é Xokleng. Estamos vivos, estamos aqui!”, afirma Kullung. São cerca de 30 pessoas, sendo 14 crianças; as duas filhas de Vetchá e suas famílias; a família de Yoco Camlem, prima de Kullung, filha de Voia Camlem, que é irmão de Vetchá Teiê; a família de Woie Kriri Sobrinho Patte; e Merong Kamakã, guerreiro Patoxá Hã-hã-hãe que é solidário à luta dos parentes. Entre as crianças, está o tataraneto de Vetchá. Começava ali a retomada histórica do território ancestral do povo Xokleng, no Rio Grande do Sul. Uma ação direta, puxada por mulheres, de reparação histórica por parte dos Xoklengs contra as violências do Estado e seus ramos opressores: a justiça, a polícia, as milícias (como os bugreiros).  

Os anciãos Xonkleng Vetchá Teiê e Voia Camlem, nascidos na região da Flona e pais das mulheres que hoje promovem a retomada | Fotos: Arquivo Pessoal Kullung Vetchá Teiê
Entre as crianças, está o tataraneto de Vetchá | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

REINTEGRAÇÃO DE POSSE

Nos últimos dias, os descendentes do seu Vetchá ocuparam com barracos de lona uma pequena parte da Floresta Nacional de São Francisco de Paula, criada em 1968 e desde 2004 administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A área ocupada está na lateral direita da entrada do parque, perto da RS-484, solo coberto por plantação de Pinus.

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Após alguns dias de convívio pacífico com os funcionários da Flona e de tentativas de diálogo, em conjunto com o Ministério Público Federal, os indígenas Xoklengs foram surpreendidos pelas ações da coordenação da Unidade de Conservação, hoje chefiada por Edenice Brandão Ávila de Souza. Segundo os indígenas, a luz usada para carregar os celulares, na guarita de entrada da Flona, foi cortada. Nesta terça (29), a coordenação fez uma postagem com o título “combatendo Fake News”, em que informa sobre a distribuição de água, de luz e de internet. Na postagem, diz que a luz estaria disponível das 7h às 19h, enquanto houvesse vigilante na guarita. Na segunda-feira, enquanto estávamos lá, das 7h da manhã às 14h, foram poucos os momentos em que avistamos algum funcionário presente na entrada. 

Registro dos ancestrais de Vetchá Teiê e de Voia Camlem, indígenas nascidos na terra onde hoje é a Retomada Xokleng | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Em outro movimento não esperado pelos indígenas e até pelo Ministério Público, a coordenação da Flona solicitou à Justiça Federal de Caxias do Sul a reintegração de posse da área. No dia 23 de dezembro, véspera do Natal, a juíza federal plantonista, Fernanda Cusin Pertile, emitiu mandado favorável à retirada dos indígenas. Foi um final de semana de tensão.

“Nós queremos ser ouvidos, ter uma audiência com ICMBio, com Ministério Público, com a juíza”, reivindica Woie Kriri Sobrinho Patté, uma das lideranças da retomada Xokleng. “Nos ouçam porque estamos aqui! É fácil estar no escritório, atrás do computador e mandar uma reintegração de posse. Existem leis internacionais que o governo brasileiro aderiu [Conveção 169]. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)  diz claramente que precisamos ser ouvidos”. 

Woie Kriri Sobrinho Patté fala sobre a situação na retomada | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

A ação de reintegração tinha como prazo a última segunda, dia 28, no entanto até o momento não ocorreu. Nos dias anteriores, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) tentaram reverter a ação. O MPF entrou com agravo de instrumento, mas este foi indeferido pelo plantão do Tribunal Regional Federal da 4a Região. A DPU entrou com reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) aludindo à decisão do Ministro Edson Fachin de não realização de reintegração de posse em terras indígenas durante a pandemia de Coronavírus para evitar que a doença se alastre. No dia 26, a Polícia Federal de Caxias do Sul se manifestou recomendando o adiamento da ação justamente devido à pandemia. 

A reintegração de posse não ocorreu até o momento, embora o STF não tenha dado nenhum retorno à reclamação da DPU até a publicação desta matéria.

“Eu não vou sair daqui. Vou ficar aqui. Hoje, se a Polícia Federal vir, eu deito no chão e podem me matar. Só saio daqui dentro do caixão”, bateu o pé a senhora Kollung.  

No dia 24 de dezembro, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) se manifestou em nota recomendando a suspensão da reintegração de posse e o encaminhamento de uma solução negociada.  Desde o dia 23, os Xoklengs Konglui já receberam a visita da Polícia Federal, da Polícia Militar e do Oficial de Justiça Federal.  “Gostaria que o governo nos ouvisse, cara a cara, mas por enquanto só vejo ameaças contra nós. O que o governo está pensando? Nós somos raiz, nós somos donos desta terra”, insiste Kollung.     

No entanto, para além das intervenções do governo, também chegaram visitas de solidariedade. Nós da Amigos da Terra Brasil, articulado com o Conselho Indigenista Missionário, estivemos na segunda-feira no território retomado. Prontos para cobrir qualquer violação e produzir este conteúdo. Também subimos a serra com a solidariedade da Frente Quilombola RS. O Quilombo dos Machado, localizado na zona norte de Porto Alegre, enviaram alimentos e produtos de limpeza equivalentes há cerca de 5 cestas básicas. Produtos arrecadados através de doações para o Quilombo dos Machados. A retomada, também, tem recebido doações diretamente, através de articulação pelas redes sociais e pontos de coleta em Porto Alegre, Lajeado e São Francisco de Paula.

Os Xokleng Konglui enfrentam hoje esta possibilidade de reintegração de posse, que por trás, além do preconceito e violência histórica contra os povos indígenas, traz também os interesses da iniciativa privada. 

HISTÓRIA E FUTURO DOS XOKLENG NA FLONA

Neste registro, enviado por Kullung, Voia Camlem, Vetcha Teiê e Compacam, todos nascidos nesta região, voltam ao local e conversam sobre suas famílias. Kullung não soube informar a data exata desta conversa | Foto: Arquivo pessoal de Kullung Vectha Teie

A saída por sobrevivência da família de Vetchá Teiê, da família de Voia Camlem e de Compacam do território onde, hoje, é a Floresta Nacional de São Francisco de Paula não é exceção, tanto na região da serra gaúcha, como em todos os interiores deste Brasil. Em nota de solidariedade divulgada no dia 18 de dezembro pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o processo violento de colonização é destacado: “Por séculos os Xokleng foram vítimas de um brutal processo de colonização que quase levou ao completo desaparecimento do povo, que tradicionalmente ocupavam os territórios que estavam localizados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná”. Desde a chegada dos portugueses em 1500, os povos originários sofrem com a violência, seja a direta, através das armas, seja através das doenças. No Rio Grande do Sul, muitas terras em que viviam indígenas (Kaigangs, Xoklengs, Minuanos, Charruas, Guaranis) foram doadas pelo Estado para os colonos italianos e alemães que recém chegavam. Os europeus que chegavam no nosso país,  mesmo que pobres, ganharam terras, enquanto negros alforriados foram jogados nas ruas sem nada, enquanto indígenas eram caçados e desterritorializados. Esta diferença histórica na territorialização do nosso país não pode ser perdida de vista nunca na interpretação da propriedade de imóveis hoje e na formação da sociedade como um todo.

 

No Rio Grande do Sul, os bandidos responsáveis por expulsar ou caçar os indígenas, especialmente os Xoklengs, ficaram conhecidos como bugreiros. Eram milícias financiadas pelo governo ou por empresas estrangeiras que preparavam o terreno para os colonos que chegavam.
Woie relembra, com indignação: “a saída do povo Xokleng deste território foi forçada brutalmente. Estes homens pegavam as mulheres grávidas, abriam a barriga da mãe, tiravam a criança e jogavam para cima, riam, diziam que parecia um macaquinho. Quando a criança caia, paravam ela com a ponta do facão, da foice. Matavam estas crianças. Foi muito triste todas estas violações. Então nós não saímos daqui porque a terra não prestava, não. Sair do território era questão de sobrevivência. Fomos para o alto vale de Santa Catarina, onde também fomos massacrados pelo Dr. Blumenau. Hoje muitos conhecem a cidade pela Oktoberfest, mal sabem que fazem festa em cima do cemitério dos nossos parentes, em cima de sangue indígena Xokleng”. Blumenau é a terra onde atuou um dos mais famosos assassinos, o Martinho Bugreiro, que dizia que não matou 100 indígenas, mas sim matou mais de mil. Junto com o seu bando, atuava como um “Esquadrão da morte” de indígenas. O povo Xokleng foi um dos principais alvos dos bugreiros, chegando quase à extinção. Hoje poucas famílias restam ou se identificam com este povo. Os que sobreviveram, sofrem com a falta de território ou vivem em territórios de outros povos, como dos Kaingangs.

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Já ouvi que ‘tivemos a pacificação do povo Xokleng’. Nada disso! Nós estávamos em paz.  Quem estava nos matando, nos aniquilando era o branco. Então eles que foram os pacificados”, corrige Woie. Para ele, o Estado concedeu aos alemães e aos italianos terras que já tinham donos. “Doaram território para ter progresso. Mas que progresso? Exterminar um povo para dar o sustento a outros? Progresso plantando soja? Toda plantação, soja, milho, é vendido para fora hoje. Progresso para 4, 5 famílias? Este tal de progresso matou muitos índios do Brasil. Então, não foi progresso não, foi extermínio!”

As retomadas de terras, que acontecem no sul do país desde a década de 1970, são uma forma de tentar reparar o extermínio não só da vida, mas do conhecimento indígena. “A terra é nossa mãe, toda medicina é da Natureza. Então nós queremos elas de volta”, explica Woie. Kollung conta como se deu a decisão de voltarem a São Francisco de Paula: “Eu disse para mim mesmo: antes do meu tio falecer, irmão do meu pai, eu vou me levantar e vou buscar aquelas terras para minha nação. Mostrei este território para eles como meu pai mostrou para mim. Daqui a pouco eu vou falecer, minha irmã também vai embora desta terra. Mas minha nação agora já conhece seu território. Hoje, estou aqui com o tataraneto do seu Vetchá”. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“A história é viva”, diz Woie. “Cada Xokleng que está aqui é uma história viva que voltou”.
 

Segundo Woie, os indígenas entraram com com pedido na FUNAI em 2011 para reconhecimento da área da Flona de São Francisco de Paula como território Xokleng, mas o processo está parado na instituição desde 2015. Com a iminência da entrega da Unidade de Conservação à Iniciativa Privada, os Xoklengs decidiram entrar na área no último 12 de dezembro. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

PRIVATIZAÇÃO 

Floresta Nacional de São Francisco de Paula (Flona) faz parte do município de São Francisco de Paula (RS) a 2h 30 min de Porto Alegre. A área é gerida pelo ICMBio e está em vias de ser concedida à iniciativa privada.

A Floresta Nacional de São Francisco de Paula se chama assim desde 1968. A área foi delimitada em 1945, quando o Instituto Nacional do Pinho (INP) criou um parque para experimento de plantação de árvores para extração de madeira. Segundo Vanesa Arduin, historiadora que pesquisou o tema no seu trabalho de conclusão na UFRGS, chamado “Floresta ‘Melhorada’: Uma análise sobre as políticas de Reflorestamento no Rio Grande do Sul (1934-1965), a primeira ação na região por parte do Instituto foi o corte de araucárias nativas e o estudo do plantio desta árvore. “Depois de vinte anos estudando o monocultivo da Araucária, viram que as condições não favoreciam seu principal interesse que era a produção da madeira em larga escala”, explica Arduin. Em 1968, durante a Ditadura Militar, o governo extingue o INP e funda o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (INDF), que renomeia o parque administrado pelo INP para Floresta Nacional de São Francisco de Paula. O INDF é criado com a missão de desenvolver intensos programas de incentivo fiscal para os produtores que quisessem investir no reflorestamento. “Hoje São Francisco de Paula é o município com segunda maior área dedicada ao plantio de árvores e o maior produtor de Pinus do estado, árvore escolhida nas serras de São Paulo ao Rio Grande do Sul, pelas condições de plantio e por sua celulose ser de fibra longa, a mesma da Araucária, utilizada para fabricação de papéis mais resistentes”, comenta a historiadora Vanesa Arduin.   

Diversos caminhões como este, carregados de madeira para venda, passaram em frente à retomada na manhã de segunda | Foto: Alass Derivas

A Flona possui 1617 hectares, sendo que, segundo o site do ICMBio, 600 deles são de árvores plantadas para comercialização de madeira (araucária, eucalipto e pinus) em cima de campos nativos, o que representa 40% da área total. Os 900 restantes são de mata nativa. Desde 2004, a Flona é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). 

A Floresta Nacional está em vias de ser concedida à iniciativa privada. Em 28 de maio de 2020, o Diário Oficial da União publicou o decreto 10.381, que qualifica a Floresta Nacional de Canela e a de São Francisco de Paula, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – PPI e incluídos no Programa Nacional de Desestatização – PND, “para fins de concessão da prestação dos serviços públicos de apoio à visitação, à conservação, à proteção e à gestão das unidades.” 

No dia 11 de setembro de 2020, foi realizada uma audiência pública na Câmara de Vereadores de São Francisco de Paula para tratar da licitação da concessão dos serviços da Flona. A audiência está disponível na íntegra no canal do ICMBio no Youtube

Na divulgação da audiência pública, o site do ICMBio traz diversos argumentos defendendo a concessão à iniciativa privada, entre eles: “as concessões atraem mais visitação e contribuem para o desenvolvimento socioeconômico em todo o entorno, além de gerar emprego e renda”. A inspiração é o modelo de concessões de parques dos Estados Unidos da América

Até o momento, nenhuma empresa ganhou a licitação. Ou seja, a negociação está aberta. 

E os indígenas Xoklengs entraram na disputa:
“Estamos prontos para lutar e morrer pelo nosso território. Esta terra é uma herança nossa e herança não se vende, não se troca, não se dá”, defende Woie Patté. “O grande espírito nos chamou e nós estamos atendendo. Tem várias coisas que o branco não entende, como isso, o que é esse chamado. Ninguém é obrigado a entender, mas é preciso respeitar”. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Os indígenas Xoklengs estão acampados na região de entrada do Floresta, onde hoje é uma plantação de Pinus. Estas árvores são consideradas pelo governo e por muitas empresas como reflorestamento. Nem nós, da Amigos da Terra Brasil, nem os indígenas consideramos que monocultura de árvores seja floresta. A historiadora Vanesa Arduin lembra que o que muitos chamam de reflorestamento era plantio para a explorar madeira. “Hoje se chama Unidade de Conservação, mas não se fundou pra conservação da biodiversidade e sim para conservar a exploração a longo prazo”, destaca. São 40% de território com árvores plantadas, que inclusive precisam de manejo. O que será feito com esta área se a Floresta Nacional for realmente concedida à iniciativa privada?       

Apesar de estarem há poucos dias na área, as mulheres Xoklengs já buscam recuperar a flora nativa da região e cultivar sua medicina tradicional: “Nós cuidamos das matas, nós somos as matas. Da mata vem raízes, alimento, a taquara. Aqui não tem taquara, não tem mel de abelha, não tem fruta nem raiz nativa, a nossa medicina tradicional, que tinha aqui, não tem mais, só tem pinus de reflorestamento. Não se vê nem um pé de uma nativa para alegrar a gente, só tem esse pinus aí, plantado, para dar riqueza para o governo. Mas nós precisamos da mata, de onde vem nosso alimento. Acabou a mata, mas nós somos a nativa desta terra. Os nativos Xokleng estão aqui”

Kullung resguarda suas mudas de guiné | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Yoko Camlem é filha de Voia Camlem, prima de Kollung, sobrinha do Vetchá Teiê. Veio, com seu núcleo familiar, de Santa Catarina para se somar na luta. Trouxe consigo, mudas de bananeira e de guiné. “Eu trouxe para que possa servir a toda comunidade que venha morar neste lugar, pensando no futuro, pensando nos meus netos, bisnetos, para que eles possam em breve utilizar destas plantas”. 

Yoko Camlem veio, com seu núcleo familiar, de Santa Catarina para se somar na luta | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Woie conta que os indígenas chegaram na retomada no dia 12, de corpo presente, mas sempre estiveram espiritualmente. “Então precisamos fazer a ocupação, a autodemarcação, com nosso corpo, para que sejamos ouvidos. A lei possui uma balança, mas porque quando é para o nosso lado o peso nunca vale?

Um exemplo de que a balança não é igual é a possibilidade do Supremo Tribunal Federal adotar, nos julgamentos, a tese do Marco Temporal. O parecer 001/2017 da Advocacia geral da União dita que povos indígenas só têm direito a reivindicar terras que já estavam ocupadas em 5 de outubro de 1988, dia em que a Constituição foi promulgada. Ou seja, todas retomadas que aconteceram depois de 1988 seriam despejadas. Até parece que indígenas não seguiram sendo expulsos de suas terras a partir de 1988, como é o caso dos Guaranis Kaiowás vítimas dos latifundiários no Centro-oeste; dos Yanomamis, atingidos pelo garimpo ilegal na Amazônia; dos Krenaks, com seus rios poluídos pela lama da mineradora multinacional Vale do Rio Doce. A votação do Marco Temporal foi adiada duas vezes este ano e ainda não tem nova data. Ela inviabilizou a demarcação de pelo menos 27 terras indígenas, que tiveram seus processos devolvidos do Ministério da Justiça e Segurança Pública para a Fundação Nacional do Índio (Funai). Além disso, outras 310 terras indígenas estão com processos de demarcação estagnados, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O tema chegou ao STF com o julgamento envolvendo justamente o território Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, que é alvo de uma ação de reintegração de posse – com base no “marco temporal” – movida pelo Estado de Santa Catarina. Há dois anos que indígenas e apoiadores estão mobilizados lutando pela não aprovação do Marco Temporal.

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Colocamos nosso corpo para tentar fazer com que esta balança da Justiça seja de igual para igual”, insiste Woie. Fizemos esta retomada neste momento porque não tivemos resposta da Funai e agora vem essa notícia da privatização. Não queremos desculpas, queremos a homologação, a demarcação”. Woie alega que não quer que seu povo seja apenas artigo de museu, história contada pelos brancos.“É fácil colocar turistas na sede e falar que era um território indígena, mostrar no museu. Mas aí quando chegamos aqui no parque fecham a porta na nossa cara, pedem reintegração de posse. Nossas próximas gerações precisam desta terra”.

Jovem liderança, estudante universitário, Woie Kriri Sobrinho Patté é consciente que a luta que seu povo está travando é arriscada. Sabe notícias de outros povos, sabe o país que vive, sabe a violência incrustada no nosso território. Por isso, faz um apelo. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Quero dizer a sociedade que ouçam nosso chamado, ouçam nosso clamor de sobrevivência. Que façam este governo nos ouvir e devolver para nós o que é nosso. Os governos internacionais precisam pressionar a respeitarem o que é nosso. Existem tratados internacionais que precisam ser válidos. A Constituição Federal precisa ser respeitada, precisam demarcar a nossas terras. Estes países europeus que ocuparam o Brasil precisam reparar nossas terras roubadas. A ONU precisa se posicionar. Porque nós não sabemos mais para onde correr. Porque quando uma liderança se levanta para defender seu povo, ele é criminalizado, processado. Processado é pouco, quando não é esperado em uma esquina, numa beira de estrada e morto, assassinado, e nunca acontece nada com quem mata. Foi acidente, atropelamento. Só lideranças são atropeladas? Hoje, sou eu que estou falando. Não tenho medo de morrer, tenho medo de perder nosso território. Pode me caçar, pode me mandar ameaças. Eu tenho dó dessas pessoas que não respeitam o seu próximo. Sou uma liderança Xokleng e vou lutar pelo povo Xokleng. Vou lutar para que a futura geração do povo Xokleng continue viva. O que eles não sabem é que quando matam uma liderança, tem várias outras para assumir o lugar. Podem derrubar um homem, mas há mil homens de pé para ocupar este espaço. Somos a natureza. Assim como uma árvore dá sua semente, nós damos a nossa, que já estão prontas para germinar”. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Ao lado de guerreiros como Woie e Merong, as filhas de Vetchá Teiê e Voio Camlem, as duas Yoko e Kullung, colocam seus corpos por uma real conservação da mata nativa, o que, como disse Kulung, é o que ela se considera, uma mata nativa. Colocando seus corpos, reparam a história, reconfigurando o território injusto deste país e também semeando para todos um mundo em que seja possível respirar e ser livre. 

Veja mais fotos da retomada: 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Amigos da Terra Brasil e mais de 100 Organizações e movimentos sociais brasileiros manifestaram oposição à assinatura do Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia

Hoje (17), mais de 100 organizações e movimentos sociais brasileiros manifestaram oposição à assinatura do Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia. O grupo assina carta em que expõe ponto a ponto as críticas ao acordo, em especial a falta de diálogo com a população sobre o que está sendo firmado. O lançamento da carta tem o objetivo de convocar a Câmara dos Deputados a debater com a sociedade sobre os impactos desse acordo.

Em junho de 2019, Mercosul e UE fecharam as negociações para um acordo comercial, que, hoje, está em processo de revisão e ratificação. Em outubro deste ano, o parlamento europeu rejeitou o texto como está expressando preocupação com a política ambiental do governo Brasileiro, em particular em relação à proteção da sociobiodiversidade e ao aquecimento global.

O acordo estimula a desindustrialização, às privatizações, contribui para o avanço do agronegócio e devastação do conjunto dos biomas brasileiros, mantém uma lógica neocolonialista em relação ao comércio e é insuficiente quanto às questões ambientais e climáticas, que não são elementos essenciais do acordo, estando subordinados à lógica comercial. A falta de transparência no processo dificulta à população entender do que se trata o Acordo de Livre Comércio entre UE-Mercosul. Sem transparência, não tem acordo!

Leia na íntegra:

FRENTE DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL BRASILEIRA CONTRA O ACORDO MERCOSUL-UE

As organizações da sociedade civil brasileira abaixo subscritas manifestam a sua oposição à assinatura do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Convocamos o Parlamento brasileiro a promover amplo debate com a sociedade sobre os impactos que o acordo poderá trazer aos povos, aos trabalhadores e trabalhadoras e aos territórios do país.

Ainda que o acordo Mercosul-UE seja baseado em três pilares, com base no conhecimento de outros acordos assinados com o bloco europeu ao redor do mundo, o pilar comercial tem primazia e os elementos ditos de proteção aos direitos humanos e ambiental ficam em segundo plano. Consideramos que a abertura comercial, nos termos deste acordo, trará impactos socioeconômicos, trabalhistas, fundiários, territoriais, ambientais e climáticos significativos para o Brasil, e os demais países do Mercosul, tendo como maiores beneficiários as empresas transnacionais interessadas na importação de matérias primas baratas, na privatização de serviços e na ampliação de mercado para seus produtos industrializados.

Ao trocar commodities agrícolas e minerais por produtos industrializados de maior valor agregado, o acordo estimula o aprofundamento da desindustrialização, da reprimarização da economia, da evasão de divisas e a sonegação de impostos nos países do Mercosul. A abertura do setor industrial aos países do bloco europeu, aumentará a importação de produtos similares aos já produzidos no Brasil, gerando impacto para o setor e mais desemprego. Ademais, reforçará a competitividade perversa, em que os ganhos que o agronegócio possa ter, implicarão em destruição ambiental e perdas para o setor industrial e para os direitos e renda dos trabalhadores/as, além de concentrar a produção em setores intensivos em energia e água.

No setor de serviços, além de transformar o direito ao acesso a serviços essenciais como água, energia, saneamento, saúde e educação, em mercadorias, observa-se o estímulo às privatizações. São muitos os exemplos de tragédias sociais em várias cidades e/ou estados brasileiros onde serviços essenciais foram privatizados, como no caso da água e saneamento em Manaus e do escandaloso caos que viveu a população do Estado do Amapá pela crise na energia elétrica, por falta de investimento de uma empresa privada – para garantia de mais lucros. Com o acordo há risco de seguir excluindo parcela crescente da população que não poderá pagar pelo serviço, gerando endividamento familiar e piora das condições de vida, em especial, da população negra, pobre e periférica nas cidades, sendo as mulheres, idosos e crianças sempre as mais prejudicadas. A liberalização dos serviços financeiros contribui para a desregulamentação financeira, que levou à crise anterior em 2008. Num contexto de crise econômica e social aprofundado pela pandemia de Covid-19 e pelo congelamento promovido pelo teto de gastos, esse processo fica ainda mais preocupante.

Do ponto de vista ambiental e climático, o acordo contribui para a devastação do conjunto dos biomas e regiões brasileiras: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampas, e a região do semiárido. O fim das alíquotas de exportação para variadas commodities agrícolas e minerais como o minério de ferro e a ampliação de cotas para carne, etanol e açúcar, por exemplo, vão gerar expansão da produção e dos corredores logísticos da pecuária, do complexo soja e cana-de-açúcar. O avanço do agronegócio viola os modos de vida dos povos indígenas e populações tradicionais e seus direitos territoriais. Nesse sentido, reforça os principais vetores de desmatamento e queimadas que vêm impactando os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e as Metas de Aichi sobre proteção da biodiversidade.

O capítulo de comércio e desenvolvimento sustentável não fornece mecanismos para sua exigibilidade. A menção neste capítulo da obrigatoriedade na implementação do Acordo de Paris é insuficiente, dada a não aplicação de soluções de controvérsias nesse capítulo e a fragilidade do próprio acordo climático em relação às suas medidas vinculantes e falsas soluções como o mercado de carbono. Além disso, as questões ambientais e climáticas não entram como elementos essenciais do acordo político. Por isso, as alusões a estas questões soam como retórica, tentando disfarçar como alguma preocupação ambiental os reais objetivos do documento: aumentar o comércio das grandes empresas exportadoras de bens, serviços e capitais.

O acordo incentiva a expansão do modelo biotecnológico agrícola baseado no uso extensivo de agrotóxicos. Esses produtos afetam diretamente a saúde dos trabalhadores rurais, da população do campo e da cidade, tanto do Mercosul como da UE. O caso do Brasil é emblemático, pois nunca foram aprovados tantos agrotóxicos e ingredientes ativos como nos últimos três anos. Muitos desses são proibidos na Europa. Isso gera questionamentos sobre a ausência do Princípio da Precaução no acordo Mercosul-UE no capítulo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, deixando em aberto se as empresas europeias seguirão com seu duplo padrão de atuação em países do Sul onde a população é tratada como cidadãos de segunda classe ou as populações europeias irão ter seus direitos do consumidor violados por padrões mais baixos de controle.

Na área de compras governamentais, o acordo prevê que pequenas e médias empresas locais devem competir em pé de igualdade com as multinacionais europeia, como se tratar igualmente os desiguais fosse justo para se tornarem fornecedores estatais abrindo um precedente para competir em licitações estaduais e municipais, restringindo a possibilidade de promover o emprego local como política pública no Brasil que passou recentemente a fazer parte da lista de países que integram o mapa da fome. Poderá ter impacto em políticas fundamentais para a agricultura familiar e camponesa como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com profundo impacto para as mulheres, já que a maioria das fornecedoras desses programas são agricultoras.

Consideramos preocupante que o acordo tenha sido negociado pelos governos do Mercosul sem nenhum mecanismo de transparência: não foram apresentados estudos de impacto e nenhum diálogo foi buscado com os setores afetados ou com a academia. Na Europa, existem profundos questionamentos aos estudos de impactos realizados, baseados normalmente em premissas favoráveis a conclusão dos acordos, sem analisar os impactos abrangentes de todos os capítulos sobre a saúde, os ecossistemas, o mundo do trabalho, os direitos humanos e territoriais, para as mulheres, para os agricultores e agricultoras familiares e camponeses/as, violando os modos de vidas e a dimensão sociocultural dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais do campo-cidade-floresta.

Os resultados esperados deste acordo são tão pouco promissores, que na Europa há um crescente questionamento por parte de governos, parlamentares e sociedade civil organizada, sobre sua aprovação. Nos países do Mercosul, porém, o apoio dos governos ao acordo parece tácito e mostra a falta de busca de alternativas reais de integração. No Brasil, em particular, o governo de Jair Bolsonaro tenta fechar o acordo para obter uma vitória no campo da política externa e reacomodar os interesses de setores empresariais pouco comprometidos com o país. O relatório “Avaliação de Impacto Sustentável” (AIS) publicado pela Comissão Europeia apresenta resultados preocupantes ao estimar que o acordo elevará em 0,1% o PIB da UE em dez anos, ao mesmo tempo em que recuará em 0,1% o PIB dos países do Mercosul.

Em um momento em que a crise e a recessão já estão instaladas no Mercosul, e ainda diante dos desafios impostos pela pandemia, aprovar um acordo assimétrico e que reproduz a lógica colonial de eternos fornecedores de matérias primas e importadores de bens industrializados seria um verdadeiro desastre. Rejeitamos que o Brasil assine esse acordo, que prevê enormes consequências negativas socioambientais ao mesmo tempo em que retrocede nos níveis econômicos e produtivos.

Brasil, 9 de dezembro de 2020

Plenária da Frente Brasileira contra o Acordo União Europeia-Mercosul e EFTA

1. ALTERNATIVAS PARA A PEQUENA AGRICULTURA NO TOCANTINS (APA TO)
2. AMIGOS DA TERRA BRASIL
3. ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS (AMB)
4. ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB)
5. ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA (ANA)
6. ARTICULAÇÃO PACARI RAIZEIRAS DO CERRADO
7. ARTICULAÇÃO ROSALINO DE POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS (AR)
8. ASSOCIAÇÃO AGROECOLÓGICA TIJUPÁ
9. ASSOCIAÇÃO ALTERNATIVA TERRA AZUL (TERRAZUL)
10. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ECONOMISTAS PELA DEMOCRACIA (ABED)
11. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ONGS NÃO GOVERNAMENTAIS (ABONG)
12. ASSOCIAÇÃO DE ADVOGADOS (AS) DE TRABALHADORES(AS) RURAIS DA BAHIA (AATR-BA)
13. ASSOCIAÇAO DE FAVELAS DE SAO JOSÉ DOS CAMPOS (AFSJC)
14. ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS (AGB)
15. ASSOCIAÇÃO XARAIÉS (XARAIÉS)
16. BRIGADAS POPULARES (BPS)
17. CAMPANHA NACIONAL EM DEFESA DO CERRADO
18. CAMPANHA PERMANENTE CONTRA OS AGROTÓXICOS E PELA VIDA
19. CASA 8 DE MARÇO – ORGANIZAÇÃO FEMINISTA DO TOCANTINS (ENCAMTO)
20. CENTRO DE AGRICULTURA ALTERNATIVA DO NORTE DE MINAS (CAA/NM)
21. CENTRO DE APOIO E PROMOÇÃO DA AGROECOLOGIA (CAPA)
22. CENTRO DE ASSESSORIA E APOIO A INICIATIVAS SOCIAIS (CAIS)
23. CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS (HOMA)
24. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT)
25. COMITÊ DE ENERGIA RENOVÁVEL DO SEMIÁRIDO (CERSA)
26. CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO MUNICIPAL – CUT (CONFETAM/CUT)
27. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA AGRICULTURA FAMILIAR DO BRASIL (CONTRAF BRASIL)
28. CONSELHO DE MISSÃO ENTRE POVOS INDÍGENAS (CIMIN)
29. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI)
30. CONSELHO NACIONAL DE IGREJAS CRISTÃS DO BRASIL (CONIC)
31. CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES (CPP)
32. COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS (CONAQ)
33. COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇO (CESE)
34. DEFENSORES DO PLANETA
35. FEDERAÇÃO DE ORGÃOS PARA ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCACIONAL (FASE)
36. FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS SERVIDORES PÚBLICOS NO ESTADO DE SÃO PAULO (FESSP-ESP)
37. FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL DO RIO GRANDE DO NORTE (FETAM/RN)
38. FEDERAÇÃO NACIONAL DO FISCO ESTADUAL E DISTRITAL (FENAFISCO)
39. FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PSICÓLOGOS (FENAPSI)
40. FEDERAÇÃO NACIONAL DOS URBANITÁRIOS (FNU)
41. FÓRUM DA AMAZÔNIA ORIENTAL (FAOR)
42. FÓRUM DAS ONGS AIDS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FOAESP)
43. FÓRUM DAS ONGS AIDS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FOAESP)
44. FÓRUM ECUMÊNICO ACT BRASIL (FE ACT BRASIL)
45. FÓRUM MATO-GROSSENSE DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (FORMAD)
46. FÓRUM MUDANÇAS CLIMÁTICAS E JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL (FMCJS)
47. FÓRUM NACIONAL DA SOCIEDADE CIVIL EM COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS (FONASC.CBH)
48. FUNDAÇÃO LUTERANA DE DIACONIA (FLD)
49. GESTOS – SOROPOSITIVIDADE, COMUNICAÇÃO, GÊNERO
50. GRAIN
51. GRUPO CARTA DE BELÉM (GCB)
52. GRUPO DE ESTUDOS EM EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE (GEEMA)
53. GRUPO SEMENTE SEMEANDO PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL (GRUPO SEMENTE)
54. GT BIODIVERSIDADE DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA (GTBIO)
55. INICIATIVA DIREITO À MEMÓRIA E JUSTIÇA RACIAL (IDMJR/RJ)
56. INSTITUTO AMAZÔNICO DE PLANEJAMENTO, GESTÃO URBANA E AMBIENTAL (IAGUA)
57. INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS (IBASE)
58. INSTITUTO CARACOL (ICARACOL)
59. INSTITUTO EQUIT- GÊNERO, ECONOMIA E CIDADANIA GLOBAL (INSTITUTO EQUIT)
60. INSTITUTO MAIS DEMOCRACIA
61. INSTITUTO POLÍTICAS ALTERNATIVAS PARA O CONE SUL (PACS)
62. INSTITUTO REGIONAL DA PEQUENA AGRICULTURA APROPRIADA (IRPAA)
63. INSTITUTOS DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC)
64. INTERNACIONAL DOS SERVIÇOS PÚBLICOS (ISP)
65. INTERNATIONAL ACCOUNTABILITY PROJECT (IAP)
66. INTERNATIONAL RIVERS BRASIL
67. JUSTIÇA NOS TRILHOS
68. KOINONIA PRESENÇA ECUMÊNICA E SERVIÇO (KOINONIA)
69. MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES (MMM)
70. MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS (MMC)
71. MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS DA FLORESTA – DANDARA (MMNFDANDARA)
72. MOVIMENTO DE TRABALHADORES SEM TETO (MTST)
73. MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB)
74. MOVIMENTO DOS CONSELHOS POPULARES (MCP)
75. MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES (MPA)
76. MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS (MPP)
77. MOVIMENTO PELA SOBERANIA POPULAR NA MINERAÇÃO (MAM)
78. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST)
79. OBSERVATÓRIO NACIONAL DOS DIREITOS A ÁGUA E AO SANEAMENTO (ONDAS)
80. ORGANIZAÇÃO PELO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO E À NUTRIÇÃO ADEQUADAS (FIAN BRASIL)
81. PASTORAL OPERÁRIA NACIONAL
82. PROCESSO DE ARTICULACÃO E DIÁLOGO (PAD)
83. RED DE GENERO Y COMERCIO (RGYC)
84. REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL (REBEA)
85. REDE BRASILEIRA PARA INTEGRAÇÃO DOS POVOS (REBRIP)
86. REDE ECONOMIA E FEMINISMO (REF)
87. REDE EMANCIPA MOVIMENTO SOCIAL DE EDUCAÇÃO POPULAR (REDE EMANCIPA)
88. REDE JUBILEU SUL
89. REDE SOCIAL DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS (REDE SOCIAL)
90. SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA (SOF)
91. SERVIÇO FRANCISCANO DE SOLIDARIEDADE (SEFRAS)
92. SERVIÇO PASTORAL DOS MIGRANTRES (SPM)
93. SINDICATO DAS PSICÓLOGAS E DOS PSICÓLOGOS NO ESTADO DE SÃO PAULO (SINPSI-SP)
94. SINDICATO DE SAUDE DE GUARULHOS E REGIÃO (SINDSAÚDE GUARULHOS E REGIÃO)
95. SINDICATO DOS AGENTES FISCAIS DE RENDAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SINAFRESP)
96. SINDICATO DOS EMPREGADOS DOS ESTABELECIMENTOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE DE CURITIBA (SINDESC)
97. SINDICATO DOS ENFERMEIROS DO RIO GRANDE DO SUL (SERGS)
98. SINDICATO DOS ENFERNMEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SEESP)
99. SINDICATO DOS METALÚGICOS DO ABC (SMABC)
100. SINDICATO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE NO ESTADO DO PARÁ (SINDSAÚDE/PA)
101. SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA PURIFICAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E EM SERVIÇOS DE ESGOTO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (SINDIÁGUA/RS)
102. SINDICATO DOS TRABALHADORES PÚBLICOS DA SAÚDE NO ESTADO DE SÃO PAULO (SINDSAÚDE-SP)
103. SOS CORPO INSTITUTO FEMINISTA PARA A DEMOCRACIA (SOS CORPO)
104. TERRA DE DIREITOS
105. VIA CAMPESINA BRASIL

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