Em meio à mudança de chefia do Jardim Botânico de Porto Alegre, Governo do RS lança consulta pública para avançar com a privatização

camiseta com dizeres "A fzb não tem preço, tem valor!!"

A data limite para envio de contribuições da sociedade civil é 11 de fevereiro de 2022 e a previsão é de que ainda neste trimestre o governo lance edital para entregar a área pública para a iniciativa privada

Extinções das fundações geram atrocidades para o desenvolvimento do Brasil. Foto: Heitor Jardim

O Jardim Botânico da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, é um espaço de natureza em meio à metrópole, dedicado a proporcionar ao cidadão porto alegrense experiências que ensinam. Entre as atividades comuns ao local, estão o estudo em prol da conservação de espécies vegetais nativas do RS, principalmente aquelas ameaçadas de extinção, pesquisas e ações de educação ambiental. A área de 36 hectares permite, além da realização de piqueniques pelos visitantes, trilhas e apreciação de paisagens como lagos e canteiros de flores, visitas ao Museu de Ciências Naturais (o qual inclui o Serpentário), a participação em atividades educativas e a compra de mudas no viveiro de plantas. O local demonstra autonomia de gestão dessa Unidade de Conservação, a qual já tradicionalmente cobra um valor simbólico de ingresso em prol de ajudar em sua manutenção. 

Ainda assim, foi aberta em dezembro de 2021 uma consulta pública sobre a concessão do Jardim Botânico à Iniciativa Privada. Segundo informações do governo do RS, o edital de concessão deverá ser lançado no primeiro trimestre de 2022 e o leilão está previsto para o segundo trimestre de 2022. Divulgado no Diário Oficial do Estado no dia 28 de dezembro de 2021, o aviso de consulta pública para o conhecimento da população acerca dos estudos, minutas de contrato e do edital de concessão de Porto Alegre, propõe análise e retorno popular até o dia 11 de fevereiro de 2022, por meio do formulário disponível aqui. Além disso, uma Audiência Pública será realizada em 03/02 de 2022, entre 9h e 12h, com participação presencial no Auditório do Centro Administrativo Fernando Ferrari — Av. Borges de Medeiros, 1501, térreo, Porto Alegre/RS.  Para quem não possa acompanhar no local, haverá transmissão no canal do YouTube da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do estado.

A concessão do parque teve seu projeto arquitetado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com apoio do consórcio Araucárias e do Instituto Semeia, com coordenação da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA), da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), da Secretaria de Parcerias e Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Mesmo formato utilizado para outras áreas a partir de um programa criado pelo Governo Federal para privatização de áreas públicas, que não ocorre sem a resistência popular neste processo, como é o caso do Parque do Jalapão em que o governo do estado do Tocantins desistiu da concessão frente à onda de protestos e da denúncia de desrespeito ao processo de Consulta Livre, Prévia e Informada às populações quilombolas da região que seriam atingidas pela privatização.

Ainda em 2015, apoiadores realizaram abraço ao Jardim Botânico de Porto Alegre em protesto contra a concessão. Foto: Heitor Jardim

Ainda em janeiro de 2021, vários parques nacionais e estaduais foram adicionados ao “Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por meio da consultoria da autarquia, o Governo Federal busca incentivar os governos estaduais a entregar para a iniciativa privada as áreas públicas. O programa é financiado por empresas como a Natura. O projeto do BNDES é voltado para a desestatização de serviços de visitação de Parques Naturais, mas para além disso alcança a proteção e gestão desses parques. É importante ressaltar que chamar desestatização significa o velho conhecido termo: privatização. Na prática, o projeto não é apenas para estruturar o turismo, mas para privatizar as áreas naturais. 

Agora, o governo do estado altera a chefia do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais colocando nas mãos de Patrícia Witt, nomeada no Diário Oficial  do estado do Rio Grande do Sul nesta sexta-feira, 21, para a Secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura. Ela já é conhecida pela comunidade do Lami, na zona sul de Porto Alegre, por ter fechado a reserva para o público e enfrentou a resistência por restringir o acesso, inclusive, a pescadores que têm a sua subsistência a partir da relação com aquela área. Além disso, o dia também amanheceu com a nomeação no Diário Oficial de Ivo Lessa, que já foi consultor de Meio Ambiente para a Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).

Para Fernando Costa, do Conselho Diretor da Amigos da Terra  Brasil (ATBr), “A novidade acaba com a dúvida das intenções do governo de Eduardo Leite e a relação promíscua com o agronegócio, tendo zero compromisso com a participação e a defesa dos bens comuns”.

O medo de extinção da originalidade do JB de POA está instaurado. Foto: Heitor Jardim

Em 1953, foi aprovada a Lei nº 2136, a qual demarcava um espaço de terra dedicado à criação de um Jardim Botânico em Porto Alegre. Dessa forma, foi então criada, pelo governador da época, Ildo Meneghetti, uma comissão para arquitetar o plano inicial de desenvolvimento do parque. O estudo foi apresentado em 1956 e o Irmão Teodoro Luis foi o escolhido para gerir os trabalhos de implantação do projeto. No dia 10 de setembro de 1958, o Jardim Botânico foi aberto ao público. Após décadas de funcionamento, em 2003, a Lei nº 11.917 estabeleceu o parque como Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul e, atualmente, o espaço é considerado um dos cinco maiores jardins botânicos brasileiros em posse de um acervo considerável da flora regional, possuindo categoria A na classificação. Nota A é a máxima na classificação de jardins botânicos nacionais e internacionais, e esta é concedida apenas a raros espaços, justamente em função de sua excelência de atividades desenvolvidas. 

A luta em defesa da Fundação Zoobotânica (FZB), que administra o Jardim Botânico, está viva desde 2015. Naquela época, as até então denúncias de desmonte culminaram no pacote propondo a extinção de 11 órgãos ligados ao Executivo, que foi enviado à Assembleia Legislativa, em novembro de 2016, pelo ex-governador José Ivo Sartori. O decreto de extinção da FZB, assinado por Sartori, determina que as obrigações e os servidores estáveis da fundação sejam incorporados no quadro da então Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, atual Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura. Contudo, tramita na Justiça uma perspectiva contrária, que ainda cabe recurso. O Ministério Público estadual defende que a extinção da FZB não deve ocorrer até que o Palácio Piratini apresente um plano de como se dará a transferência dos bens e dos servidores do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais, com a garantia da manutenção dos trabalhos. 

Ainda em setembro de 2021, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais lançou uma carta aberta em que denuncia o estrangulamento de instituições que cumprem funções essenciais, como o Jardim Botânico, o Museu de Ciências Naturais e o Zoológico de Sapucaia do Sul (RS). O documento também destaca a continuidade das políticas neoliberais do governo Sartori pelo atual governo de Eduardo Leite sobre as questões ambientais e questionam a argumentação de “enxugamento da máquina administrativa” usada para a privatização: “São gastos proteger a biodiversidade e as pesquisas essenciais associadas a um tema que representa acordos internacionais assinados pelo Brasil?”.

No dia 29 de janeiro de 2021, foi lançada a PORTARIA SEMA nº 23, responsável por, após a extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, estabelecer a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (SEMA) como nova gestora do Jardim Botânico. Meses depois, em dezembro de 2021, a conta chegou, e o resultado foi o Edital de Concessão. Para o Amigos da Terra Brasil, no caso do Jardim Botânico, a questão que mais preocupa é a falta de divulgação dos processos atualmente existentes dentro do parque, para que a população saiba que este espaço não é apenas um parque de lazer (um “parquinho” para passear em fins de semana).

“O JB é um local de estudos, de pesquisa, é um local de construção de conhecimento, que acumula conhecimento, e por isso tem que ser estatal”, explica Fernando Costa.

Trata-se de um local de conservação da flora gaúcha e, principalmente, de pesquisas que servem de apoio a diversas atividades nacionais e internacionais. 

A luta pela causa do Jardim Botânico é cada vez mais necessária. Foto: Heitor Jardim

O Jardim Botânico, da mesma forma que o MCN (Museu de Ciências Naturais), existe graças ao seu quadro de profissionais especializados e que atuam diretamente em suas especialidades há décadas. Não são trabalhadores que podem ser encontrados em qualquer ação de contratação ampla. A concessão do parque está dentro do quadro de extinção da FZB e seu processo, portanto, vem ao encontro de interesses privados que desejam se apoderar de espaços públicos. A Amigos da Terra Brasil compreende que conceder o parque significaria claramente a extinção de atividades que visam ampliar a base de conhecimentos científicos e conservação de elementos da biodiversidade de interesse local e internacional. Dessa forma, é possível enxergar que, na prática, o que se observa no caso de extinção da Fundação Zoobotânica e na concessão de seus espaços (aliás ninguém fala o que será feito do MCN e suas atividades que estão dentro do JB),  é o melhor exemplo de negacionismo do conhecimento e do saber que vem se instalando no Brasil nos últimos anos, mas amplamente incrementado no governo federal atual e expandido pelos Estados.

A ATBr deixa o alerta para a população em geral sobre a realidade do sistema de concessão de espaços públicos. Isso porque é imperativo que o povo se manifeste e continue tendo a sua disposição estes espaços em sua verdadeira função. Esta engloba a pesquisa, o lazer, a educação ambiental, entre outros. Não podem existir apenas para satisfação de alguns interesses privados, que poderão conduzir à total descaracterização da instituição e da perda de seus predicados e classificação internacional.

“Locais como o JB precisam ser estatais justamente pela produção de conhecimento que eles geram, não pode ser privado. Esse conhecimento precisa ser público, pois nele existe um investimento público em capacitação em profissionais, em preservar essas informações, essa biblioteca. Isso na mão das empresas pode ser desvirtuado, nós não temos segurança de que uma empresa vai manter a ética e a preservação de algo que é importante para todos. É papel do Estado garantir isso”, completa Fernando Costa.

A ATBr acredita que é importante que o Jardim Botânico seja e permaneça um espaço público e que seja um local financiado e garantido pelo Estado. Isso é assegurar o conhecimento e a informação correta e pública, coisa que as empresas têm histórico de desvirtuar para o seu benefício próprio,  principalmente às empresas de licenciamento, as quais têm interesses diretamente ligados a essas informações e a esse conteúdo técnico. Nunca foi tão importante a Fundação Zoobotânica para nós.

Prefeitura de Porto Alegre (RS) inicia obra que pode acabar com a Prainha de Copacabana

Local  está  ameaçado  por uma obra do DMAE sem consulta popular. Impactos seriam amenizados se tivesse mais investimento

A Prainha de Copacabana (Avenida do Lami, próximo ao nº 23), em Belém Novo, extremo sul de Porto Alegre (RS), sofre com as consequências da construção do novo Sistema de Abastecimento de Água (SAA) Ponta do Arado. O Coletivo Preserva Belém Novo já denunciou que o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), órgão da prefeitura da Capital, não realizou estudos prévios nem divulgou relatórios acerca dos possíveis impactos ambientais que  a construção poderia provocar. O fechamento da prainha atinge diretamente a população local, como o caso dos cerca de 40 pescadores da região que obtém do Rio Guaíba, nas margens da Praia de Copacabana, seu principal meio de subsistência.

Além do trecho da prainha que abarca o porto, onde os pescadores atracam seus barcos, a pracinha infantil, a única da região com brinquedos adequados, ao lado direito da praia de quem vem da Avenida do Lami, a qual, segundo moradores locais é muito usada pelas crianças da área, também irá sumir. Isso porque, além da falta de estudos próprios para a construção do SAA, sequer foi feita uma consulta pública prévia para compreender qual seria o melhor lugar para o posicionamento da estrutura. Nos últimos anos, a população  tem crescido consideravelmente na Zona Sul do município, muito devido à   expansão  de novos empreendimentos, loteamentos e condomínios na região (apenas o projeto de loteamento privado da Fazenda do Arado Velho tem previsão de aumentar em 70% os habitantes do bairro), pressionando, desta forma,  por um sistema de abastecimento de água maior e mais eficiente. “É uma obra extremamente necessária para o bairro Belém Novo e para diversos bairros por conta da melhoria no abastecimento de água, mas a forma como ela está sendo feita viola os direitos dos cidadãos”, explica a coordenadora do Conselho Local de Saúde, delegada da Região de Planejamento 8 e moradora de Belém Novo, Michele Rihan Rodrigues. O procedimento junto ao Ministério Público, a ser direcionado pela Promotoria da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, é o de número 01629.002.243/2021.

Moradores do entorno relatam incomodos com o barulho das obras no leito do rio pra passar a tubulação. Foto: Carol Ferraz/ Amigos da Terra Brasil

O projeto de ampliação do sistema de abastecimento de água começou a ser manifestado em 2013, contudo, apenas em 2020, após anos de sofrimento e prejuízos sofridos pela comunidade periférica, privadas de um serviço básico à vida , a obra começou. Poderia ser uma boa notícia, se não fosse o fato de que a população foi surpreendida por um cercamento da região, sem aviso prévio. “É um processo entre a Prefeitura e a comunidade totalmente desrespeitoso, já que a Prefeitura teve tempo de sobra  para poder vir aqui dialogar com a população, desde que está prevista essa obra, que começou a ser vista em 2013, e só o fez quando iniciou as obras”, explica Rodrigues, e acrescenta que o tal “diálogo” sequer foi de fato considerado. Nos encontros realizados em 2021, com a participação de uma pequena parcela da população local, o DMAE apenas informou que, nos próximos tempos, os moradores conviveriam com incômodos. “Hoje, a população acorda com barulhos na noite porque as obras acontecem dia e noite, com uma draga dentro do Guaíba abrindo o leito do rio pra passar a tubulação. Isso causa transtornos à saúde”.

Quando se trata da vida dos cidadãos locais, a situação é ainda mais grave. Segundo o pescador Rosemar Soares da Costa, morador da região de Copacabana há 15 anos: “A água daqui agora queima as pernas, queima os pêlos das pernas, cai tudo, só de entrar na água. Eu já nem entro porque sou diabético”. Ele explica que com o produto colocado na água do rio, nunca mais foi possível encontrar peixes na área.  Dessa forma, o pescador, há 10 anos regulamentado, precisa andar mais de 2 km para encontrar os peixes, presentes na água corrente e limpa do Rio Jacuí, pois a bacia de Copacabana está tomada pela poluição do DMAE. “Começaram em outubro de 2020 a fazer essas obras. Eu sei porque eles avisaram de uma reunião e eu participei. Naquela época eu cantei a pedra, perguntei: vão fazer teste da água, vão analisar a água, como vai ser? Eles disseram: tá tudo certo, tudo como deve. Até hoje não recebemos nenhum documento que prove”, destaca Michele Rihan Rodrigues. Ela diz ainda que os poucos que participaram da conversa foram tratados inclusive como ignorantes. A problemática da saúde da população motivou a coordenadora do Conselho Local de Saúde a denunciar a questão da balneabilidade deficiente para a Promotoria de Direitos Humanos, a qual foi redirecionada para a Promotoria do Meio Ambiente, sob número 01304.001.124/2021. No processo, Michele sublinha a “ausência de exames e/ou de acessibilidade aos resultados dos exames que demonstrem as condições de banho nos balneários”. Mesmo com moradores constatando os problemas, o processo foi arquivado. “Não adianta eles perguntarem pra mim o que eu acho da obra. A assistente social vinha perguntar, mas chega lá e fala o que ela pensa, não o que ela me perguntou aqui”, diz o pescador.

Pescadores da região relatam precisar se deslocar precisa andar mais de 2 km para encontrar os peixes devido aos químicos utilizados na área. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

“É uma área que a população infelizmente vai perder. Tem um aviso de que, a partir de segunda-feira, dia 17 de janeiro, o DMAE vai remover a pracinha infantil sem aviso prévio à população, sem dialogar antecipadamente sobre todas essas obras e os impactos que  isso tem na vida da população”, relata Rodrigues. A área de lazer será simplesmente desmontada, e a condução do processo vem sendo inclusive agressiva: “Chegaram aqui com as crianças no balanço, mandaram as crianças saírem porque eles iam desmanchar a pracinha. Aquilo me doeu”, contou o pescador  Rosemar Soares. Portanto, já é possível constatar que a situação da Prainha de Copacabana vai de mal a pior, um total descaso com a população e, também, movida pela ganância. Segundo uma moradora local que participou de uma das apresentações feitas pelo DMAE e conversou com um engenheiro, “com R$ 20 milhões a mais, seriam feitas duas adutoras e não seria necessário acabar com a praia. Vão fazer todos os canos novos puxando de uma adutora que já tem, em média 40 anos, sendo que a vida útil desse tipo de cano é de no máximo 50”. Dessa forma, o DMAE está economizando R$ 20 milhões  e acabando com a Praia de Copacabana.

Fernando Costa, do Conselho Diretor da Amigos da Terra  Brasil, sublinha que, “mais uma vez, estamos vendo a Prefeitura atuar de forma autoritária, e não participativa, usando de uma  obra de infraestrutura importante para cidade como palco para uma “higienização”. Ali, a cultura popular está sendo excluída e desrespeitada”. Ele explica que a Praia de Copacabana tem uma característica cultural que se relaciona com a cultura dos pescadores, com os moradores locais. Isso porque, ali não são comuns pessoas que iriam veranear ou frequentariam o lugar esporadicamente. Costa relata que, “apesar de tudo, a cidade se reinventa e cria espaços de cultura, e esses são os espaços preferidos da prefeitura para serem ”higienizados”, ”limpos” e excluídos do mapa cultural da cidade”.

A obra do SSA na Praia de Copacabana já foi usada como “moeda de troca” para a aceitação do Condomínio do Arado Velho, e a situação vem piorando. O conglomerado imobiliário tem um acordo com a prefeitura que garante esse empreendimento. Dessa forma, tem sido feito um esforço nos últimos tempos para garantir a alteração de leis, de regulamentações específicas para o empreendimento, movidas na Câmara de Vereadores em prol do lucro. “Como não poderia faltar, aparece aqui novamente a velha tática de dividir para conquistar. Se coloca a situação da Lomba do Pinheiro ou da falta de infraestrutura de abastecimento de água da cidade como se elas fossem de responsabilidade dos moradores de Belém Novo. Como se devessem abrir mão do seu espaço cultural para garantir que a população da Lomba do Pinheiro tivesse água”, coloca Fernando Costa. Ele destaca que esta tática é bem comum tanto na iniciativa privada, para especulação imobiliária, quanto na prefeitura, pelo prefeito Sebastião Melo, o qual usa desses artifícios imorais para garantir o seu governo com o desgoverno.

A Amigos da Terra se posiciona terminantemente contra essa atitude da Prefeitura e se coloca a favor do diálogo, da discussão de uma solução na qual os moradores sejam ouvidos. É imperativo que a população seja escutada e que não haja fatos consumados. A Prefeitura não pode assumir essa postura autoritária que vem construindo nesse pouco tempo de governo.

Veja mais fotos:

Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Enquanto Porto Alegre arde nos 40 graus, mais de 400 árvores são cortadas na Zona Norte

Cortes de árvores sem compensação ambiental detalhada vira rotina na cidade de Porto Alegre, com impacto direto no clima com a redução dos espaços verdes. Obra de acesso da Rua Anita Garibaldi até a João Wallig, para dar acesso ao Shopping Iguatemi e Bourbon Country, começou no meio de Dezembro de 2021 e é mais um dos diversos projetos com licenciamento ambiental apressado e sem medidas compensatórias explícitas. 

A duplicação da Rua Anita Garibaldi, na altura dos shoppings Iguatemi e do Bourbon Country, no bairro Passo D’areia, prevê a supressão de mais de 460 árvores. As obras iniciaram no final do ano passado, no dia 10 de dezembro. A área que acolhe a duplicação está situada em um dos quatro cantos do Country Club, cujo regime urbanístico foi alterado para a construção de empreendimentos imobiliários (PLCE 001/19). Aproveitando a cidade esvaziada pelas viagens de final de ano, a remoção de mais de 400 árvores acontece sem que a população seja informada corretamente sobre quais são as compensações ambientais previstas para a obra. 

Imagem de satélite explicitando a maturidade da pequena floresta localizada naquele canto do Country Club. Foto: Google Imagens

A supressão e o transplante de árvores devem seguir a Lei Complementar  N° 757/15, a qual estipula detalhadamente medidas compensatórias. Toda a vida vegetal é protegida legalmente, ou seja, qualquer tipo de intervenção nas espécies de plantas, seja em área privada ou pública, deve ser regulamentada. No entanto, na placa informativa da intervenção de duplicação da Rua Anita Garibaldi não há um detalhamento das espécies vegetais existentes no local que foram suprimidas, assim como não há um detalhamento da compensação ambiental de contrapartida. A placa apenas informa que haverá o plantio de espécies não especificadas em via pública, sem quantificar as árvores ou detalhar o local. 

Seguindo a Lei Complementar, e considerando a maturidade da pequena floresta localizada naquele canto do Country Club, a medida de compensação ambiental deveria ter levado em consideração a idade de cada espécie de grande porte assim como a análise detalhada das manchas vegetais. Contraditoriamente ao que afirmou Germano Bremm, Secretário do Urbanismo, Meio Ambiente e Sustentabilidade em Porto Alegre, em sua participação na COP 26, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Glasgow em Outubro de 2020, de que haveriam medidas em curso para conter a mudança climática. Bremm apresentou, na ocasião da conferência, um programa de redução da emissão de CO2, e um vídeo produzido pela prefeitura de Porto Alegre no qual se anuncia o plantio de árvores cujo programa, porém, se desconhece.  Contudo, que circula pela cidade de Porto Alegre percebe mudança na paisagem com a derrubada drástica de uma quantidade de árvores significativa em pouco tempo.

O secretário insiste que a revisão do Plano Diretor da cidade está alinhada com as novas metas sustentáveis. O que não se constata pelas ações de fatiamento do plano diretor: privilegiam a realização de empreendimentos imobiliários, aumentando o potencial construtivo e de exploração econômica, e ainda abandonando a especificidade ambiental, seja no trato das águas, das vidas vegetais ou animais. 

Porto Alegre registra a maior quantidade de licenciamentos ambientais já vista, técnicos contabilizam mais de 600 empreendimentos licenciados em seis meses. 

Uma matéria publicada em de Julho de 2020 pelo Jornal Já contabiliza a maior quantidade de licenciamentos já vista em Porto Alegre: mais de 100 por mês, totalizando 626 empreendimentos em 6 meses. A velocidade do licenciamento significa, contudo, o não cumprimento da legislação e a falha na compensação ambiental devida. O desmonte da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS) com a redução de técnicos que avaliam esse tipo de impacto é um dos fatores da compensação indevida. As ações de redução de emissão de CO2 alardeadas pela prefeitura e pelo secretário tais como soluções de sustentabilidade nas edificações como os “rooftops” verdes, desenhadas para acontecer num futuro próximo – porém desconhecido, servem mais como um paliativo e como ação publicitária do que ações efetivas contra a mudança climática quando colocamos na balança os impactos geridos diretamente pela prefeitura nos empreendimentos em curso e já licenciados.  

O recuo da política ambiental na SMAMUS vem sendo construída a partir das gestões anteriores de Nelson Marchezan Jr. O desmonte paulatino da Secretaria ocorre também com a diminuição de servidores para a avaliação das solicitações. A mudança na regulamentação das solicitações — aprovada na gestão de Marchezan — alterou para a autorização automática após 60 dias caso não haja avaliação por um técnico. Ou seja, a municipalidade estabelece o descontrole dos impactos na sociobiodiversidade de Porto Alegre — o que corresponde a um modelo de “autolicenciamento”. Sem cumprir com a responsabilidade ambiental e social, as empresas multiplicam os lucros e privilégios às custas dos impactos que recaem sobre o cotidiano da população.

O impacto climático da alteração de uso do solo urbano em relação à cobertura vegetal é grande. As árvores e raízes contribuem para a contenção das encostas em terrenos planos ou acidentados e a permeabilidade do solo contribui com a drenagem evitando enxurradas. As diversas espécies de animais que constituem a fauna das regiões onde se ampliam as cidades dependem das árvores para procriarem, se abrigarem, e equilibrarem a cadeia alimentar. Além disso, as árvores formam bolsões de umidificação e refrigeração do ambiente, podendo-se verificar que a sombra das árvores reduz a temperatura do ambiente em até 5°C. O desequilíbrio e a redução da cobertura vegetal adequada tem sido conferido em desastres urbanos recentes (como em Belo Horizonte, 2019) e também rurais, como as enchentes na Bahia (dezembro de 2021). Em Porto Alegre poderemos testemunhar, nos próximos anos, a alteração da temperatura em várias localidades pelo déficit gerado na supressão até novas árvores crescerem, caso sejam replantadas.

O discurso que orienta a pressa desses licenciamentos é de que é preciso recuperar a economia em meio à pandemia. O licenciamento sem a fiscalização devida e a diretiva de que os empreendimentos comecem a construir no ano em que foram licenciados reforçam que diante de tantos privilégios concedidos às empresas construtoras, a sociedade civil não tem sido escutada e respeitada. Os veículos legais de participação social como o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CDMUA) têm sido ocupados por pessoas alinhadas com a política apressada do governo de Sebastião Melo, e a SMAMUS infelizmente tem sido absolutamente autoritária na condução de espaços que deveriam ser democráticos e funcionar efetivamente como contato entre a sociedade civil e o poder público, tendo a sociedade civil as devolutivas respeitosas aos apontamentos, estudos e queixas realizados. Urge uma condução democrática e respeitosa com as demandas e singularidades de cada bairro, para que se possa, de fato, realizar ações de controle da mudança climática e diminuição dos efeitos nefastos de nossos modos de vida na cidade.  

Corte de mais de 460 árvores em frente ao Shopping Iguatemi inicia duplicação da Rua Anita Garibaldi. 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil 
Foto: Cris Ribas
Saiba como denunciar cortes de árvores indevidos em sua vizinhança:

De acordo com Cláudia Ávila, integrante do setor jurídico do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), as denúncias podem ser feitas em diversos órgãos. Qualquer cidadão, portanto, quando perceber irregularidades em supressão de árvores e áreas verdes pela prefeitura pode recorrer aos canais responsáveis pelo meio ambiente em Porto Alegre e do RS. As denúncias demandam a escuta da sociedade civil, e apoiam na luta para reverter o aparelhamento desses órgãos pela iniciativa privada capitalista e poluidora. Ainda, todo o habitante de Porto Alegre pode solicitar informações sobre os documentos que autorizam a supressão dos vegetais. 

Veja abaixo os canais para denúncias e para pedidos de informação em Porto Alegre/RS: 

  • Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (SMAMUS). Telefone para contato: (51) 3289.7500. E-mail para contato: smams@portoalegre.rs.gov.br. Endereço e horário de atendimento: Rua Luiz Voelcker, 55. Bairro Três Figueiras. Porto Alegre, RS, De segunda a sexta-feira, das 8h30min às 12h e das 13h30 às 18h. 
  • Ministério Público – Promotoria de Justiça e de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre. Telefone para contato: (51) 32958860. E-mail para contato: meioambiente@mprs.mp.br. Endereço: Rua Santana, 440/Torre B 6º Andar, Bairro Santana, Porto Alegre/RS. 
  • Central de Atendimento ao Cidadão. Telefone para contato: 156. E-mail para pedido de informação: 156poa@portoalegre.rs.gov.br. Aplicativo disponível para os serviços Android e iOS: 156+POA. OS serviços ficam disponíveis 24h por dia. 

Desejos de Ano Novo: Fora Bolsonaro, Democracia e Justiça Ambiental para todos

Este ano, de eleições à presidência e aos governos estaduais, é chave para a reinstauração da democracia no Brasil. É o momento para que as forças mais progressistas do país possam retomar o controle político, após três anos de governos dominados, de forma geral, por pautas e posturas conservadoras, do ponto de vista dos costumes, e destruidoras do aspecto social, econômico e ambiental.

Importante lembrar que a eleição de grande parte dos governadores, entre eles de Eduardo Leite (PSDB) no Rio Grande do Sul (RS), assim como de Jair Bolsonaro à presidência, é resultado do golpe de 2016 que depôs a presidente Dilma Rousseff (PT), democraticamente eleita pela maioria dos votos.

O “Fora Bolsonaro, “Fora Eduardo Leite” e todos os demais estiveram na agenda de lutas da organização Amigos da Terra Brasil (ATBr) nesses últimos três anos, mas se tornam prioritários neste 2022 eleitoral que se inicia. Motivos para isso não faltam.

O Governo Bolsonaro encerra seu período se consolidando como o mais antiambiental da história brasileira ao promover o desmonte de políticas públicas e órgãos ambientais, incentivar crimes ambientais por meio de um discurso pró-agronegócio e pró-mineração desenfreado; entregar bens naturais públicos e que são patrimônio da população brasileira e até mesmo mundial, como parques e reservas, à iniciativa privada, e deixar comunidades indígenas, quilombolas e de pequenos agricultores desassistidos. 

Recentemente, Bolsonaro promulgou uma lei que prorroga a contratação de energia gerada por termelétricas a carvão mineral do estado de Santa Catarina até o ano de 2040, garantindo uma sobrevida ao setor e gerando, por mais uns anos, lucro para as empresas que exploram esta fonte de energia altamente poluente.

O presidente também indicou priorizar, para este ano, projetos de mineração de calcário e de metais pesados, este último em São José do Norte (RS).  Relembre na coluna da Amigos da Terra Brasil: Agronegócio: um dos principais interessados no aprofundamento do golpe à democracia brasileira

No RS, apesar de o governador Eduardo Leite apresentar, aparentemente, um discurso menos conservador, a pauta foi bastante semelhante ao do Governo Bolsonaro. Isso se deve porque os programas também são, assim como os objetivos foram os mesmos: beneficiar forças econômicas neoliberais, especialmente o agronegócio e a especulação imobiliária.

Leite conseguiu encaminhar a privatização de estatais e de empresas públicas, flexibilizou a legislação do licenciamento ambiental com o discurso de destravamento da economia e aderiu ao programa do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para conceder parques e reservas naturais, bens públicos, para exploração econômica da iniciativa privada – uma versão do programa federal “Adote um Parque” para os estados.

Foi derrubada para permitir que as grandes multinacionais do ramo químico desovem, no Brasil, os agrotóxicos que não podem mais ser vendidos nos países de origem – especialmente da Europa – devido aos prejuízos que geram no meio ambiente e à saúde animal e humana.


Pela nossa sobrevivência, Justiça Ambiental precisa ser incorporada nos programas dos partidos de esquerda

Os impactos das alterações climáticas e no meio ambiente, provocadas por uma sociedade capitalista que explora e degrada os bens comuns até o máximo para obter lucro para poucos, impactam na vida cotidiana das pessoas todos os dias. No entanto, afeta, especialmente, a classe trabalhadora e a população pobre, que frente à desigualdade social vivem em condições mais precárias e moram em locais com pouca infraestrutura e inseguros. Quando não perdem suas vidas, muitas e muitos perdem bens materiais essenciais para suas sobrevivências e seus meios de sustento.

Somados às mais de 621 mil mortes por COVID no Brasil, os poucos dias que vivemos de 2022 atestam essa situação de desastres nada naturais e seus efeitos na vida da população. O período de chuva, que normalmente ocorre nessa época do ano em áreas do centro e do nordeste do país, totaliza mais de 50 mortos em Minas Gerais (MG) e no Sul da Bahia (BA).

Boletim divulgado pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil mineiro (CEDEC) nesse domingo (16) registrava 47.911 pessoas que tiveram que deixar suas casas, entre desabrigadas e desalojadas. O estado já decretou situação de emergência em 377 cidades mineiras. Na Bahia, números da  Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec) de 4ª feira passada (12) indicavam, além dos mortos, 27.210 desabrigados, 59.637 desalojados, dois desaparecidos e 523 feridos.

Ao todo, 175 cidades haviam decretado situação de emergência, mas o número de municípios afetados chegava a quase 200. O órgão baiano confirmou mais de 856 mil pessoas atingidas com as chuvas, alagamentos e deslizamentos de terra.

Em Minas Gerais, as fortes chuvas elevam o risco do rompimento de barragens com rejeitos da mineração, a exemplo do que aconteceu nas cidades de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019, no mesmo estado. Esses crimes cometidos pela mineradora Vale/BHP/Samarco mataram quase 300 pessoas e destruíram povoados, rios e o meio ambiente e deixaram dezenas de pessoas e animais doentes devido ao resíduo tóxico presente na lama residual contida nas barragens.

Na última sexta-feira (14), uma barragem de resíduo estourou numa área particular da zona rural da cidade de Ouro Fino e atingiu o Rio Mogi Guaçu, desta vez sem registros de pessoas vitimadas.

A Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) de MG informou que 31 barragens de mineração de Minas Gerais apresentam algum nível de emergência; dessas, três em nível 3 (quando há risco iminente de rompimento e moradores são obrigados a sair de suas casas), todas pertencentes à VALE. Segundo a FEAM, as áreas passíveis de serem atingidas por um eventual rompimento dessas barragens mais críticas foram evacuadas e não há mais pessoas vivendo no entorno.

Do outro lado do Brasil, no Rio Grande do Sul a população sofre com a escassez de chuva que é recorrente no verão, mas vem sendo intensificada neste início de ano pelo fenômeno climático La Niña, e com as altas temperaturas. Nesse domingo (16/01), Porto Alegre registrou, pelo terceiro dia consecutivo, a mais alta temperatura entre as capitais brasileiras:  39,8ºC. Pelo menos, nove municípios do estado alcançaram os 40ºC.

A estiagem afeta também o agronegócio, um dos principais setores responsáveis pelo desmatamento e destruição dos recursos hídricos, que já contabiliza as perdas com o milho, soja e até mesmo com o leite.

Para que realmente seja feita a justiça ambiental, os direitos dos povos e a soberania popular devem se tornar realidade, com as pessoas acessando, de forma igualitária, os serviços da saúde, tenham qualidade ambiental, que seus corpos e territórios sejam respeitados no seu alimento, cultura, modo de vida, trabalho, e livres de todas as formas de opressão, seja de classe, raça, crença, gênero ou orientação sexual.

A justiça social, econômica, ambiental e de gênero integram soluções que o neoliberalismo ignora. Quando os governos neoliberais de Bolsonaro, Eduardo Leite, Romeu Zema (MG) e mais tantos outros utilizam a pauta do meio ambiente é com o intuito de ganhar mais dinheiro, aliando o desmonte das políticas ambientais e de direitos humanos a oportunidades de negócios climáticos.

Foi o que ocorreu durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26) no ano passado em Glasgow (Escócia). Diante da mobilização global liderada pela juventude e movimentos sociais pela justiça climática durante o encontro, Bolsonaro e Leite adequaram seus discursos, em que negavam as mudanças climáticas, para o do ambientalismo de mercado defendendo os créditos de carbono, concessão de unidades de conservação à iniciativa privada etc. 

Os partidos comprometidos na construção com uma sociedade mais justa, igualitária, saudável e de todos precisam compreender que Justiça Ambiental, Democracia e Desenvolvimento não são indissociáveis. São frentes que não se limitam às organizações ambientalistas; dialogam com uma diversidade enorme de movimentos sociais populares que reivindicam direitos e soberania sobre seus corpos, territórios, modos de produção e distribuição de alimentos e energia, trabalho digno, controle social das políticas públicas e acesso aos serviços públicos de qualidade.

A Amigos da Terra Brasil (ATBr) chama todos e todas a votarem em candidaturas para a presidência do Brasil, governos estaduais e para os parlamentos (Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Senado Federal)  que tenham compromissos com o povo e com o meio ambiente, com a sustentação da vida.

Vamos fortalecer candidaturas que dêem fim às políticas de morte e ao fascismo no país,  que se proponham a restabelecer as políticas públicas que foram destruídas pelo Governo Bolsonaro e seus apoiadores, a resgatar as legislações ambientais protetivas, revogue a Reforma Trabalhista, que garanta a saúde da população e volte atrás na liberação dos agrotóxicos, derrubar a Lei Kandir – desde 1996 prevê a isenção do pagamento de ICMS às exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados, beneficiando diretamente o agronegócio e o setor da mineração.

Por um sistema de solidariedade e em defesa da vida! A economia não pode estar à frente das nossas vidas!          

* Artigo publicado no jornal Brasil de Fato em 17/01/2022 neste link: https://www.brasildefato.com.br/2022/01/17/desejos-de-ano-novo-fora-bolsonaro-democracia-e-justica-ambiental-para-todos . Crédito da foto de destaque: Douglas Magno/AFP

NOSSA SOLIDARIEDADE COM MAIS UM ATAQUE À FAMÍLIA DE LUTADORES NO SUDESTE PARAENSE

Assassinato de ambientalistas exige pressão por respostas

No dia 9 de janeiro, segunda-feira, uma família de ambientalistas  que residia na área rural de São Félix do Xingu, no sudeste do Pará, foi encontrada após seu brutal assassinato. Foram mortos três membros da família, dentre eles o pai, José Gomes, conhecido como “Zé do Lago”, sua esposa, Márcia Nunes Lisboa, e a filha dela, Joane Nunes Lisboa. Residentes das margens do rio Xingu, os três tinham um projeto de criação de quelônios para posteriormente soltá-los no rio — de acordo com o ICMBio, os quelônios são membros da Ordem Testudines (Classe Reptilia), e seus principais representantes são as tartarugas, os cágados e os jabutis. Sexto mais extenso município brasileiro, com 84 mil quilômetros quadrados, São Félix fica a mil quilômetros da capital Belém. A região se tornou grande alvo de desmatamentos, tendo derrubado, em 2019, 9,2 mil quilômetros quadrados nos seus limites, o que representa um terço de floresta derrubada em todo o território amazônico. Entre os dez municípios  com maior emissão de gás carbônico, a região está hoje, infelizmente, em primeiro lugar, e é conhecida também pelo vasto investimento em pecuária. Além disso, o município também sofre os impactos da mineração nas águas do rio Xingu e Fresco e com o avanço de garimpos ilegais na região.

Os corpos da família, reconhecida na região por sua luta em defesa do meio ambiente, foram encontrados pelo filho do casal, ao lado da sua antiga residência, e o da mãe, às margens do Xingu, de acordo com a declaração da polícia. Se suspeita que as mortes tenham decorrido de tiros disparados por pistoleiros e que o assassinato tenha sido cometido cerca de três dias antes de a família ter sido encontrada. A Polícia Civil destaca que foram achadas munições no local, e ainda investiga a motivação e os autores do crime, ainda não identificados. Três dias depois da descoberta da tragédia, ainda não se tem informações atualizadas sobre o caso, e a comunidade local e a família das vítimas anseiam por respostas. Fazemos coro na soma de vozes que exigem que este crime brutal seja investigado. 

Pesquisa da CPT (Comissão Pastoral da Terra) mostra que, entre janeiro e novembro de 2021, foram registrados 26 assassinatos em conflitos no campo. O índice significa um aumento de 30% em relação a todo o ano anterior, quando aconteceram 20 casos. O Brasil não pode se consolidar como um país sem lei e sem Justiça, onde o poder da força e do dinheiro impere sobre a vida e a luta daqueles que buscam construir um mundo com justiça socioambiental. A região amazônica é hoje onde se concentram o maior número de ocorrências de assassinatos de defensores do meio ambiente e do direito à terra, com 70% dos casos hoje.

A Amigos da Terra Brasil se solidariza aos familiares das vítimas e à comunidade de São Félix do Xingu. É inadmissível que aqueles que se preocupam em cuidar do meio ambiente e agem para transformar a realidade de devastação que vemos avançar em frente aos nossos olhos sejam assassinados a sangue frio em prol de possíveis benefícios econômicos para alguns. 

Exigimos que o direito à vida seja resguardado! Por Justiça, basta de impunidade!

José, Márcia e Joane presentes, hoje e sempre!

Torres do Inter: especulação imobiliária avança na Orla da cidade de Porto Alegre/RS

Movimentos sociais, quilombolas, grupos de torcedores e torcidas organizadas do Inter, contrários ao projeto que institui duas torres gigantes no terreno do Estádio Beira Rio, realizaram reunião em 28 de dezembro de 2020 para pensar estratégias de resistências. Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

“As pessoas são expulsas do Quilombo Lemos, localizado próximo ao terreno do Beira Rio, na mesma movimentação da expulsão das pessoas da Ilhota para a Restinga nos anos 60, para fins do ‘progresso’. Chega com atropelo uma contrapartida que não contempla nada na situação de quem mora no entorno.” – Liderança do Quilombo Lemos

Previsto para entrar em votação na Câmara dos Vereadores de Porto Alegre, o projeto de lei complementar 004/19, que inclui um artigo na Lei 1.651, sancionada em 1956, institui as duas maiores torres do Rio Grande do Sul no terreno do Estádio Beira-Rio, cedido pelo Governo Brizola para a construção de um espaço de esporte e lazer. Como contrapartida para usar o espaço que hoje é ocupado por quilombos, escolas de samba e população em geral, o megaempreendimento movido pela especulação imobiliária coloca a duplicação da rua José de Alencar, a restauração do Asilo Padre Cacique, a remodelação do posto de saúde Santa Marta, no centro da Capital, e a instalação de um projeto cicloviário. Nada é falado sobre o terreno de escolas de samba tradicionais que integram o Carnaval de Porto Alegre e os quilombos que compõem a região – que provavelmente serão despejados e forçados a viver em regiões mais periféricas; sobre como ficará a situação do pôr do sol e da luminosidade no bairro, do aumento do número de veículos circulando, causando congestionamento; ou sobre os impactos ambientais causados pelos edifícios gigantes.

O projeto pretende autorizar a venda do terreno que hoje é o estacionamento do estádio, em frente à estátua do Fernandão e do Portão 7, ou seja, um terreno que pertence ao complexo do Beira Rio. Movimentos sociais, quilombolas, grupos de torcedores e torcidas organizadas do Inter contrários ao projeto querem evitar que aquele terreno seja vendido para a empreiteira construir prédios de luxo para moradia e escritórios de trabalho. Ou seja, prédios altamente elitizados, quem morará? Quem vai lucrar? Por que não houve debate sincero com a torcida colorada sobre o que fazer com um pedaço do seu patrimônio? Para o povão colorado que vai ver o jogo ao redor do estádio, que tenta entrar, vai diminuir consideravelmente o espaço e a capacidade de pessoas, e sabemos como é preconceituosa, racista, machista a “segurança” da elite. Se o território for vendido, o Inter e a torcida perderão para sempre um local que podem usar – e que está sendo vendido para a iniciativa privada a preço de banana. 

Em reunião realizada em 28 de dezembro pelos movimentos contrários à instalação das torres no terreno do Internacional, foi reiterada a necessidade de não aceitar nenhuma contrapartida que não beneficiasse toda a população do entorno. Para isso, estão sendo reivindicadas a regularização fundiária dos quilombos localizados nos arredores, a realização de um estudo de impactos ambientais e a entrega legal dos terrenos das escolas de samba para estas. Sendo assim, é visível o alinhamento do poder público com a burguesia, já que privilegiam nas compensações do projeto apenas serviços para a classe média, como o alargamento de uma faixa para automóveis. Nada se é falado sobre a construção de moradias populares para de quem será tirada a casa. 

O que se vê na cidade de Porto Alegre é uma constante entrega dos espaços públicos para a iniciativa privada. Como observado neste projeto, é a alteração do regime urbanístico em detrimento do ambiente e da sociedade, garantindo ganhos milionários ao proprietário privilegiado, da indústria da construção civil e da especulação imobiliária.

Situação semelhante ocorreu com a Fazenda do Arado Velho, uma área 4 vezes o tamanho do Parque Farroupilha (Redenção), no bairro Belém Novo, no Extremo Sul de Porto Alegre, em que foram realizadas incessantes mudanças do Plano Diretor da cidade para privilegiar este e outros tantos empreendimentos imobiliários, empreiteiras e construtoras. Essa especulação imobiliária fez o Barra Shopping Sul e o Pontal do Estaleiro, faz o novo projeto do Cais Mauá. Como já é de praxe, o Estado cede o espaço para a iniciativa privada sem ver a cor do dinheiro, tudo passa para as empresas. Estima-se que, por exemplo, no caso do Beira-Rio, o terreno valha R$1 bilhão. Assim, essa privatização não é benéfica nem para a população, nem para o poder público, só para os bolsos de quem detém os direitos de posse dos empreendimentos. 

É necessário, portanto, mobilizar-se contra mais uma entrega do patrimônio porto-alegrense para a iniciativa privada. Não às torres do Inter! Não ao PLC 004/19!

Movimentos contrários à implantação das duas maiores torres do Rio Grande do Sul. Fotos: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

BOLSONARO E A CRISE DO CARVÃO NA CONTRAMÃO DA JUSTIÇA CLIMÁTICA

Governo Bolsonaro garante produção de energia carbonífera no Brasil até 2040

O presidente Jair Bolsonaro sancionou, nessa quarta-feira, 5 de janeiro, o projeto de lei  712/2019, que prorroga a contratação de energia gerada por termelétricas a carvão mineral do estado de Santa Catarina até o ano de 2040. A estimativa da associação dos grandes consumidores de energia (Abrace) aponta um custo anual de R$840 milhões para todos os clientes de eletricidade do país. 

  A nova legislação garante uma receita fixa suficiente para cobrir os custos associados à geração contratual, e as usinas permanecerão recebendo subsídios embutidos na conta de luz até 2025. Deste ano em diante, até 2040, o subsídio deixa de ser oferecido, mas as perdas financeiras serão compensadas com o prolongamento do contrato com o Complexo Jorge Lacerda, no Sul catarinense.

O carvão mineral, combustível considerado como um dos principais poluidores da atmosfera, ganha uma sobrevida no Brasil com esta lei, seguindo na contramão da tendência internacional de não utilizar mais a energia carbonífera. Esta proposição internacional estabelece um processo de transição que repensa o modelo de geração e distribuição energética e alimentar. Dessa forma, respeita os direitos humanos, das mulheres e da classe trabalhadora, assim como respeita o meio ambiente e as comunidades. A Amigos da Terra Brasil repudia a promulgação da lei, assim como ao emprego do carvão mineral como fonte de energia. A Organização faz um balanço das contradições dos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil na COP 26 e do desmonte das políticas ambientais no governo Bolsonaro na coluna 2021: Um balanço do pior ano para a Justiça Ambiental na história do Brasil.

A presidente da organização, Lúcia Ortiz, argumenta que: “89% das reservas de carvão mineral estão no sul do Brasil (RS e SC), é o combustível fóssil que mais libera gases de efeito estufa por unidade de energia gerada. Além disso, deixa um rastro de poluição das águas, solo e ar desde o local da mineração, à queima em usinas térmicas e outras indústrias (como a química e da celulose), até a disposição final dos rejeitos (cinzas de fácil dispersão no ambiente). No caso do carvão gaúcho, com 50% de teor de cinzas, literalmente metade do que é extraído na mineração vira rejeito a ser depositado em barragens inseguras, em pilhas nas encostas ou nas cavas das minas, contaminando o solo e a água continuamente por centenas de anos”.

Matérias divulgadas sobre o assunto:


Agência O Globo:
https://oglobo.globo.com/economia/bolsonaro-sanciona-projeto-que-obriga-contratacao-de-termicas-carvao-ate-2040-custo-sera-de-840-milhoes-por-ano-1-25342984

Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2022-01/sancionada-lei-que-prorroga-funcionamento-de-termicas-carvao

Folha de São Paulo:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/01/bolsonaro-sanciona-lei-que-beneficia-industria-do-carvao-em-sc.shtml

CNN Brasil:
https://www.cnnbrasil.com.br/business/bolsonaro-sanciona-projeto-de-lei-que-prorroga-uso-de-termicas-a-carvao-em-sc/

Encontro reúne caciques Mbya Guarani de mais de 40 aldeias do RS

O I Encontro de Caciques Mbya Guarani constitui-se em um importante espaço de comunicação entre as lideranças e de reflexões de luta em defesa dos direitos dos povos originários

Entre os dias 22 e 26 de novembro, caciques e lideranças Mbya Guarani de mais de 40 aldeias realizaram um encontro em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, para um importante momento de troca de experiências e para discutir os próximos passos na luta em defesa de seus direitos. 

No documento resultante deste encontro, destacam a principal preocupação com a demarcação de seus territórios, situação que amplia a vulnerabilidade e coloca as populações Guarani em risco, especialmente, em disputas com o agronegócio que avançam nos últimos anos: “Há, hoje, muitas demarcações paralisadas e outras que não passaram nem pela abertura do procedimento de demarcação, submetendo, com isso, nossas famílias a viverem em situação de vulnerabilidade – sem alimento, sem água potável e sem poder fazer nossas roças com nossas sementes tradicionais”. “A terra é principal para a comunidade Guarani para fortalecermos nossa cultura”, lembra o cacique Santiago Franco, da Aldeia Yvy’a Poty, localizada no município de Barra do Ribeiro, região metropolitana. 

O momento foi de reafirmar que “esta terra tem dono” e que as populações originárias não sairão de suas comunidades, mesmo com as pressões de setores privados e do próprio Estado. Por isso, é importante a articulação social no apoio e defesa dos direitos originários: “Nesta luta pela terra, queremos e precisamos contar com nossos apoiadores, entidades, organizações, conselhos”, traz trecho do documento. O encontro também abordou as necessidades políticas de saúde e educação, na intenção de mapear as demandas dos territórios, assim como sobre moradia e assistência para a agricultura. Este foi o primeiro encontro ocorrido desde o início da pandemia de COVID-19.

Para além das denúncias de  encontro também foi um momento de reflexão sobre os rumos do encontro entre as culturas indígenas e dos brancos, que especialmente através da tecnologia afetam os modos de vida e a visão de mundo, principalmente, da juventude das comunidades. O I Encontro de Caciques Mbya Guarani constitui-se em um importante espaço de comunicação entre as lideranças e de reflexões, fortalecendo laços para lutar com união na defesa dos direitos comuns dos povos originários do sul do Brasil. 

A liderança Elóir Wera Xondaro, que é professor na aldeia Nhundy da Estiva, resume de forma tocante o pedido de respeito aos não indígenas. Ele reafirma que até então as populações indígenas não são respeitadas e denuncia os ataques que vem sofrendo e que se intensificaram nos últimos anos, em especial nas últimas semanas com o incêndio criminoso de diversas casas de reza no RS e no país: “Queria deixar um recado para sociedade não indígena, dizer que nós também somos seres humanos iguais a vocês. Somos diferentes na etnia, na raça, na ação, mas temos sonhos, temos anseios, igual a vocês”, pontua.

Confira no vídeo a fala das lideranças sobre o encontro:

Leia a íntegra do documento:

Encontro de Caciques, Kunhãs Karai, Karai e Lideranças Mbya Guarani do Rio Grande do Sul

Nós, lideranças Mbya Guarani do Rio Grande do Sul, realizamos, entre os dias 22 e 26 de novembro de 2021, um importante encontro no Tekoa Anhetengua, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. O encontro contou com a presença de caciques, de Kunhãs Karai, Karai e outros líderes de mais de 40 comunidades.

Este encontro foi bastante oportuno para que pudéssemos tratar de temas que afetam o nosso cotidiano, as nossas comunidades, as vidas de nossos jovens, velhos e crianças.

Neste contexto nos preocupa, sobretudo, as questões relativas a não demarcação e garantia de nossos territórios. Há, hoje, muitas demarcações paralisadas e outras que não passaram nem pela abertura do procedimento de demarcação, submetendo, com isso, nossas famílias a viverem em situação de vulnerabilidade – sem alimento, sem água potável e sem poder fazer nossas roças com nossas sementes tradicionais.

Há a preocupação com as comunidades que foram assentadas nas áreas do estado do Rio Grande do Sul e parece haver um movimento, dentro governo, para nos remover destas terras. Alertamos, desde já, que não sairemos de nossas comunidades. E, nesta luta pela terra, queremos e precisamos contar com nossos apoiadores, entidades, organizações, conselhos.

Também nos causa grande preocupação a proximidade dos juruá (os brancos) com sua cultura de dominação e com suas tecnologias. Estão causando grandes impactos na cultura, no nosso modo de ser e viver, porque afetam diretamente o dia a dia de nossos jovens, das nossas famílias e de todas as nossas comunidades.

O encontro foi oportuno também para discutirmos as questões relativas às políticas de atenção diferenciada em saúde, educação escolar e, ainda, temos grandes necessidades no que se referem as demandas de habitação e agricultura.

Os conflitos advindos de arrendamentos de terras, no Rio do Sul, nos enchem de preocupação, pois estamos percebendo que os arrendamentos de terras não afetam apenas o povo Kaingang, mas a todos nós. Isso porque, mesmo nas pequenas áreas onde vivemos, nossas comunidades são procuradas e pressionadas pelos juruá para que eles possam plantar e produzir nas terras que são nossas. A pressão é grande e exigimos mais empenho da Funai e do Ministério Público Federal (MP) no sentido de fiscalizar essas situações e responsabilizar os brancos que querem ganhar dinheiro com nossas pequenas áreas de terras – retirando dos Mbya o pouco que conseguimos com muita luta e mobilização.

Durante todos os nossos debates procuramos dialogar sobre a nossa organização social e política nos Tekoa. Também tratamos dos temas organizacionais mais amplos, porque percebemos que existem inúmeras articulações, organizações e mobilizações dos Mbya Guarani nas diferentes regiões – o que para nós é muito importante.

No entanto, avaliamos que elas precisam estar em sintonia com nossas lideranças para que não funcionem separadamente – cada uma com suas pautas e prioridades, formando movimentos paralelos, ou como se fossem uma espécie de caixinhas onde se guardam os temas e as questões de forma separadas.

E, nesse sentido, queremos que a Comissão Guarani Yvyrupa seja um espaço de promoção e apoio de nossos encontros e esteja presente nas nossas reuniões para tratar, conosco, de nossos temas, demandas, reivindicações e direitos constitucionais.

Esse nosso encontro constituiu-se num importante espaço de comunicação entre as lideranças e de troca de ideias, reflexões, sempre amparadas pelas boas palavras, pelos bons ensinamentos e com muita união.

Anhetengua, Porto Alegre, RS, 25 de novembro de 2021.

Festival Ambiental POA 2021: Carta Compromisso com a Porto Alegre ambiental e urbana que queremos

Documento foi debatido e redigido durante o 1º Festival Ambiental de Porto Alegre (RS), que aconteceu no final de Novembro. Entidades, entre elas a Amigos da Terra Brasil, assumem compromisso de priorizar a defesa do patrimônio socioambiental da capital gaúcha.

Leia, na íntegra, carta compromisso divulgada no Portal Sul 21

Coletivo de entidades (*)

Eu assumo o compromisso formulado durante o Festival Ambiental de POA 2021 para priorizar a defesa do patrimônio socioambiental da cidade de Porto Alegre e região metropolitana em concordância com a agenda ambiental e urbanística a seguir proposta, assim como trabalhar para reverter a vulnerabilidade dos mais carentes e reconhecer a luta nos territórios, já protagonizada pelos povos originários de diversas etnias e quilombolas.

Por esses objetivos, comprometo-me a dialogar, debater, propor e defender um plano urbanístico e ambiental para a cidade, que respeite os princípios condicionantes da atuação da administração pública e o atendimento dos interesses da população, efetivando assim a tão almejada gestão democrática da cidade. Visando reduzir as desigualdades sociais e assegurar a concretização dos direitos fundamentais garantidos pelo ordenamento jurídico pátrio, priorizo os seguintes temas para a agenda ambiental e urbanística do Porto Alegre:

– defesa e efetivação do direito ao ambiente saudável previsto na Constituição Federal, em seu artigo 225, por meio do monitoramento da qualidade do ar em todos os territórios da cidade como forma de avaliar e propor regras e políticas públicas que visem a melhoria das condições do ar para a redução de danos à saúde da população e à saúde pública. Garantia da circulação do ar e da umidade em todos os territórios da cidade, efetivando e construindo políticas públicas que resguardem as condições de conforto térmico para todos além da redução de danos à saúde da população e à saúde pública;

– defesa e efetivação do direito ao acesso e à qualidade da água, bem público essencial, como meio de materializar o direito fundamental à vida, nas suas mais variadas formas e usos. Buscando na diversidade da população, de seus territórios e de suas realidades, a lógica fundante do equilíbrio ao acesso à água nos variados espaços da cidade. Nesse sentido, enfatizo a urgente necessidade de defesa do Guaíba enquanto fonte de água e vida para boa parte da população sul-rio-grandense, que deve ser concretizada por todos os entes públicos competentes, em aliança com a sociedade civil, num esforço sociopolítico premente para garantia de condições de vida para as futuras gerações;

– proteção da biodiversidade do município, implantando-se de forma efetiva a Lei Complementar 679/2011, que institui o Sistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza de Porto Alegre (SMUC – Poa), com a valorização de suas áreas e ampliação das áreas naturais, incluindo corredores ecológicos previstos em lei, com programas municipais que visem reduzir a degradação dos ecossistemas naturais e os riscos de extinção da flora e da fauna;

– defesa e efetivação do direito ao ambiente saudável previsto na Constituição Federal, em seu artigo 225, por meio da elaboração de políticas públicas que resguardem, ampliem, monitorem, sinalizem e fiscalizem as áreas de preservação permanente (APP) da cidade em sua integralidade e da forma mais protetiva possível, em especial ao longo de cursos d’água como nas nascentes, arroios e em todas as margens do Guaíba;

– ampliação do plantio de árvores nativas na área urbana e a qualificação do manejo da vegetação, com a retomada deste serviço, por equipes de servidores concursados e qualificados, integrantes dos órgãos ambientais, fortalecendo-se a primeira Secretaria de Meio Ambiente do Brasil (SMAM), atualmente esvaziada em suas funções de proteção e gestão ambiental;

– retomada da produção de mudas nativas e demais trabalhos historicamente desenvolvidos pelo Viveiro Municipal de Porto Alegre;

– ampliação de investimentos para seleção, contratação e qualificação dos quadros técnicos de servidores públicos nas estruturas dos órgãos ambientais em todas as esferas do poder público, priorizando a realização de atividades de planejamento, licenciamento e fiscalização por servidores concursados;

– rejeição dos projetos recentemente propostos pelo executivo municipal para modificação dos regimes urbanísticos do Centro de Porto Alegre (PLCE 023/2021), de construção de torres de natureza residencial e comercial ao lado do estádio Beira Rio (PLCE 04/2019), da Fazenda Arado Velho em Belém Novo (PLCE 024/2021), que reduz a Zona Rural e a Área de Proteção do Ambiente Natural (APAN) para autorizar maior número de lotes em área de relevante interesse cultural, histórico, arqueológico e socioambiental da capital;

– rejeição de qualquer projeto de lei ou ação governamental que fira direitos humanos, direitos socioambientais e direitos relacionados à participação popular obrigatória e qualificada nos processos e discussões que envolvam a cidade, em especial àqueles que afetam os povos originários e quilombolas;

– criação de um Fórum de Entidades, Coletivos e Movimentos Socioambientais da cidade de Porto Alegre;

– reconhecimento da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS (APEDEMA-RS) como instância legítima para indicar as ONGs, comprometidas com a pauta do setor ambientalista, para ocupar as quatro vagas das entidades no Conselho Municipal de Meio Ambiente de Porto Alegre (COMAM), como já reconhecido no Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA-RS);

– exigir que se adote todas as medidas para garantir o uso seguro das praias de Porto Alegre, em especial nos balneários de Belém Novo e Lami, resguardando o direito da cidadania à informação clara e acessível, por todos os meios, sobre as condições de balneabilidade ao longo de todo o ano e os impactos negativos para a saúde no caso de utilização das águas quando estas estiverem impróprias para banho;

– aprimoramento de políticas públicas de manejo e destinação de resíduos com a garantia da participação da sociedade na construção de mecanismos que valorizem e insiram os trabalhadores autônomos e cooperativas de catadores e recicladores na definição de novas alternativas para a cidade e para a cidadania, visando a redução, coleta, separação, destinação e reaproveitamento máximo dos resíduos sólidos. Na esfera municipal urge a revogação das leis municipais nº 728/2014 e nº 10.531/2008 que proíbem a atividade de trabalhadores autônomos, em flagrante ilegalidade, considerando o que determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010, que em seu art. 18, § 1º, inciso II, prioriza acesso aos recursos da União para os municípios que implantem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda)

– promoção de uma gestão pública, compartilhada com a sociedade civil e corpo científico-social-cultural, para a ocupação cultural ambientalmente responsável do Cais do Porto de Porto Alegre, com programação acessível para todos os públicos, reafirmando a posição da UFRGS e do Observatório das Metrópoles. São necessárias garantias de que este espaço embrionário da cidade mantenha sua essência pública sob todos os aspectos legais e fáticos, com o resguardo do direito ao acesso e ao usufruto pleno daquela área por toda a cidadania. É primordial objetivar a integração do Cais ao Centro Histórico, mesclando a promoção, inclusão e integração social das diversas classes, camadas e grupos culturais que vivem e constroem a cidade. Descartamos qualquer hipótese de uso residencial da área do Cais do Porto;

– respeito e efetivação da regra prevista na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), incorporada na legislação nacional pelo Decreto 10.088/19 que, no seu artigo 7º prevê a obrigatória participação dos povos na formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas que possam afetá-los diretamente, mediante consulta livre, informada e de boa-fé  (através de audiências públicas, apresentações, conferências, debates, consultas, entrevistas, buscas ativas, e outros múltiplos meios, tanto presencial como virtual). Devendo ainda os governos zelar para que sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo que se avalie os impactos sociais, espirituais, culturais e sobre o meio ambiente que as atividades propostas possam desencadear sobre esses povos e seus territórios;

– exigir que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) cumpra com as suas atribuições legais e analise os Relatórios Técnicos de 6 (seis) Comunidades para identificar e delimitar os seguintes Quilombos localizados no estado do Rio Grande do Sul, quais sejam, Quilombo de Morro Alto, Fidelix, Rincão dos Negros, Arnesto Pena Carneiro, Picada das Vassouras/Quebra Canga e Costa da Lagoa, sendo hoje indispensável a atuação do Ministério Público Federal na defesa dos Territórios Quilombolas e dos povos originários;

– demandar que a prefeitura de Porto Alegre titule os Territórios Quilombolas no município que estejam em sobreposição com áreas de sua propriedade;

– respeitar e reconhecer a luta pela moradia de qualidade como parte da luta por justiça ambiental e social, visto que é também direito ao território e à dignidade de vida;

– promover a regularização fundiária na cidade de forma continuada, planejada e acelerada diante da vultosa demanda popular;

– reconhecer e incorporar nos projetos de habitação social ou de readequação de moradias os saberes acumulados pelos povos originários em relação às especificidades das comunidades e suas formas de vida, às técnicas socialmente conhecidas e utilizando  materiais ambientalmente sustentáveis;

– elaborar, com participação social ampla e diversa, projetos de lei, regramentos e políticas públicas que incentivem e viabilizem a adoção de tecnologias de impacto socioambiental positivo e baixo custo (voltados para a população, condomínios, estabelecimentos comerciais e indústrias) como tetos verdes, reuso das águas, energia solar e eólica, acesso à projetos de moradias que adotem técnicas de construção acessíveis e ambientalmente adequadas, inclusive para a população mais carente;

– valorizar e ampliar a Zona Rural e o apoio aos produtores agroecológicos, por meio da adoção e promoção de políticas públicas que incentivem e efetivem métodos ambientalmente adequados, sem a necessidade do uso de agrotóxicos, com acesso a linhas de crédito e suporte técnico especializado e continuado.

De acordo com o exposto acima, firmo o compromisso.

– AMPD – Associação Mães e Pais pela Democracia

– Movimento Preserva Belém Novo

– Coletivo Ambiente Crítico

– Campanha Preserva Arado

– Coluna Vermelha 

– AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural

– FNL – Frente Nacional de Luta Campo e Cidade

– Programa Macacos Urbanos – UFRGS

– Grupo de Voluntários Greenpeace Porto Alegre  

– Preserva Zona Sul

– Amigos da Terra Brasil

– Quilombo Lemos

– InGÁ – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais

– MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

 – Movimento Laudato Si’ – RS

– Pastoral da Ecologia Integral-CNBB sul3

– SindBancários

– Sindicato dos Economistas do Rio Grande do Sul

– Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul

– Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal do RS

– CIMI – SUL – Conselho Indigenista Missionário Sul

Foto: Carta Compromisso foi firmada no 1º Festival Ambiental de Porto Alegre (Facebook/Reprodução)

Atividade conjunta marca 1 ano após pulverização aérea de agrotóxico em assentamento de Nova Santa Rita e implementa o Polígono de Exclusão

Na quarta-feira passada (15/12), assentados da região metropolitana de Porto Alegre (RS), movimentos sociais parceiros e representantes da prefeitura  de Nova Santa Rita (RS) juntaram-se sob a sombra de uma figueira no Assentamento Santa Rita de Cássia II para reafirmar o compromisso contra a pulverização aérea de agrotóxicos e a favor da produção de alimentos saudáveis para toda a sociedade em defesa da vida e dos territórios. A união das forças resultou na implementação do Polígono de Exclusão, um termo jurídico que proíbe a pulverização aérea em regiões próximas e sobre  assentamentos na região metropolitana. As linhas traçadas no mapa formam um polígono, excluindo esses territórios da rota do veneno promovida pelo agronegócio. 

Durante o encontro, a Amigos da Terra Brasil apresentou um material, em forma de linha do tempo, para resgatar  os  acontecimentos que marcaram este um ano após a primeira deriva (primeira vez que ocorreu pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território do assentamento Santa Rita de Cássia II em Novembro de 2020). Moradores de outros assentamentos da cidade e de municípios vizinhos, como de Eldorado do Sul, relataram  denúncias semelhantes às da deriva de Nova Santa Rita, inclusive de eventos similares datados desde o ano de 2017. Isso demonstra que o agronegócio é uma força cruel, que se move contra o que se tenta construir de forma coletiva, autônoma, saudável. Um membro do Setor de Direitos Humanos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) afirmou que o objetivo do evento era justamente ir contra essa força destruidora e planejar, construir os próximos passos para que, de fato, sejam produzidos alimentos sem veneno. Uma das vitórias coletivas conquistadas será a implementação do Polígono de Exclusão. 

Como diz um assentado de Santa Rita de Cássia II, o evento é importante para o coletivo. Foi relatado que a deriva só começou a ser enxergada como tal quando houve a união dos assentados, que perceberam que a morte de peixes em açudes, o aborto de animais saudáveis e a morte de plantas eram consequências de uma pulverização aérea, não eventos individuais isolados em uma ou outra família. Construir este grupo de apoio é fundamental para as famílias, para a sociedade civil, para que se garanta a segurança física dos assentados e a produção de alimentos saudáveis de forma correta e sem mortes.

Encontro no assentamento em Nova Santa Rita (RS) para marcar 1 ano da deriva reuniu movimentos sociais, entidades de classe, ambientalistas e apoiadores/ Crédito: Isabelle Rieger

O Amigos da Terra Brasil (ATBr) tem construído esta luta contra o uso dos agrotóxicos desde a sua fundação, há 50 anos. A ATBr participou da construção da lei estadual que não permitia o uso de agrotóxicos banidos em seus países de origem, um processo muito importante e que há muito tempo o agronegócio vinha buscando uma forma de derrubar esta lei que foi muito bem elaborada e teve muito apoio da sociedade, dos ambientalistas, dos agricultores na época. “Esta lei nos dava uma diferenciação por termos uma legislação mais restrita em comparação à nacional, levando em consideração, principalmente, a saúde dos trabalhadores, agricultores, das famílias que consomem os alimentos”, afirmou o integrante da organização ambientalista. Infelizmente, a legislação foi alterada neste ano pelo Governo Eduardo Leite (PSDB) para beneficiar o agronegócio. 

“Hoje temos os agrotóxicos matando no campo, na cidade. É fundamental que essas denúncias, como a situação da deriva em Nova Santa Rita, sejam amplamente divulgadas porque o poder do agronegócio atua na mídia, na saúde e na pesquisa. Portanto, não é uma luta das famílias somente, mas sim da sociedade metropolitana e gaúcha. Faz-se necessário somar esforços para transformar a região metropolitana em uma região livre de pulverização aérea, construindo o entendimento dos impactos desta prática na água, nas escolas, nas famílias, nos assentamentos. A vida vale mais, estamos aqui para defender a vida”, defende o integrante da Amigos da Terra Brasil!

Estamos aqui para defender a vida! / Crédito: Isabelle Rieger

Estamos JUNTOS na luta CONTRA o agronegócio!

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