Atos pedindo por Despejo Zero ocupam as ruas em cidades de Norte a Sul do Brasil

Movimentos sociais e organizações populares tentam evitar que cerca de 132 mil famílias em todo o país sejam removidas para fora de suas casas caso o Supremo não decida pela prorrogação da ADPF 828

A lei que protege milhares de famílias durante a pandemia de Covid-19 pode chegar ao fim em 31 de março se o Supremo Tribunal Federal (STF) não decidir pela extensão da ADPF 828 – uma liminar concedida pelo Ministro Barroso, que protege as famílias vulnerabilizadas contra as reintegrações de posse no campo e na cidade. De acordo com dados divulgados pela Campanha Nacional Despejo Zero, em fevereiro de 2022 existem mais de 132 mil famílias ameaçadas de despejo no Brasil, sendo mais de 11 mil famílias do Rio Grande do Sul. Um aumento de 602% no número de famílias ameaçadas de despejo no país desde o início da pandemia, em março de 2020.

As mais de 120 famílias da ocupação Cooperativa Construindo Sonhos, localizada no bairro Rubem Berta, zona norte de Porto Alegre (RS), são mais um caso que pode terminar sem ter onde morar se a decisão do STF não for favorável à extensão do prazo. Dona Nila, moradora da ocupação, conta que as famílias receberam uma ordem de despejo em 22 de fevereiro com prazo para desocupação marcada para o dia 22 de março. Até agora, seus direitos estão resguardados pela decisão do STF. Em levantamento da Campanha Despejo Zero, somam 106 o número de casos de suspensão de reintegração de posse graças a mobilização popular e organizações de defesa do direito à moradia. “Só quem foi despejado sabe o que é você sair sem ter pra onde ir, uma comida pra comer, sem ter onde ficar”, lembrou Xiru Silva, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto (MST).

A crise sistêmica que atravessamos pode se aprofundar com o despejo de quase meio milhão de pessoas caso o STF não decisa pela manutenção da liminar que proibe os despejos. Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

O despejo é uma grave violação aos direitos humanos e de rompimento dos acordos aos quais o Brasil, como membro da ONU, assina. Na Declaração dos Direitos Humanos, está expresso: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”. Com o aprofundamento das desigualdades sociais que o nosso país atravessa, potencializado pelo contexto da pandemia, milhares de famílias vêm sofrendo a perda do direito básico de ter um lar. 

Segundo os dados da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional do Brasil é de mais de 6 milhões de domicílios e 8% do estoque de domicílios. No Rio Grande do Sul, o déficit habitacional é de mais de 220 mil domicílios, 40% apenas na região metropolitana. Além das famílias atualmente ameaçadas, mais de 27.600 famílias sofreram despejos durante a pandemia. E o quadro poderia ser ainda mais dramático, se não houvesse medidas como a liminar, que garante um mecanismo para a suspensão legal de reintegrações de posse em todo o Brasil.

Meio milhão de pessoas podem ser despejadas

Os atos organizados pela Campanha Nacional Despejo Zero ocorreram em pelo menos 21 cidades, como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Belém (PA), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Maceió (AL), Manaus (AM), Salvador (BA) e Porto Alegre (RS).  No Rio Grande do Sul diversos movimentos de luta por moradia engrossaram o coro para exigir ter seu direito respeitado. 

Na Assembleia Legislativa do estado, um Projeto de Lei que institui a Política Estadual de Prevenção às Remoções e os Despejos no Estado do Rio Grande do Sul. O texto do projeto foi entregue ao presidente da casa, o deputado Valdeci Oliveira (PT). As bancadas dos partidos de oposição na Assembleia, representados pelas deputadas Sofia Cavedon (PT), Luciana Genro (PSOL) e Juliana Brizola (PDT), demonstraram apoio ao receberem os movimentos que protocolaram o projeto do despejo zero. O ato ainda seguiu até o Tribunal de Justiça para reforçar o pedido pela prorrogação, afinal são quase 50 mil pedidos de reintegração de posse só no RS. Beto Aguiar, coordenador nacional do MNLM, informou que a pressão à Justiça gaúcha é fundamental para que exista diálogo com o STF e a população tenha seus direitos sejam resguardados. Eduardo Osório, representante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, lembra que a luta segue: “Nós estamos vivendo uma crise catastrófica, que pode piorar, são 12 milhões de desempregados, 19 milhões passando fome e ainda com risco de serem despejados. Aqui a luta está muito bonita, não só aqui em Porto Alegre, mas em outras cidades do país, hoje mais cedo foi protocolado o pedido de prorrogação da ADPF [na ALRS], então seguimos na luta”.

Nós da Amigos da Terra Brasil reafirmamos a importância do direito à moradia, do respeito à dignidade humana de ter um lar. É imprescindível que o Supremo reafirme seu papel em defesa da Justiça e faça valer os direitos fundamentais de mais de meio milhão de cidadãos brasileiros.

Acesse o texto do PL AQUI.

Prorrogar a suspensão dos despejos e remoções forçadas é urgente e inegociável!

Confira nas fotos como foi o ato em Porto Alegre (RS):

DESTA VEZ, A VITÓRIA FOI DA NATUREZA

Fepam arquiva o projeto de licenciamento ambiental da Mina Guaíba, uma das maiores potenciais geradoras de energia a carvão mineral brasileiras, localizada no Rio Grande do Sul 

Na segunda-feira, dia 14 de março, aqueles que defendem a preservação do meio ambiente e a justiça para os povos nativos puderam respirar aliviados. A FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) arquivou oficialmente o processo 6354-05.67/18-1 de licenciamento ambiental do projeto Mina Guaíba, mineradora de lavra de carvão mineral a céu aberto, localizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS). A decisão foi motivada pelo descumprimento do prazo de atendimento das complementações exigidas pelo órgão ambiental, anteriormente concedido. Isso porque, já em 16 de fevereiro de 2022, foi declarado pelo Grupo de Trabalho de Análise do EIA/RIMA e pelo DMIN (Divisão de Mineração) que não só os estudos apresentados para a efetivação do licenciamento ambiental do empreendimento não foram satisfatórios,  como também os dados complementares apresentados na versão atualizada do EIA/RIMA. “Dentre outros pontos de enfraquecimento do projeto, houve a perda de interesse por parte de possíveis investidores e a decisão da Justiça que declarava nulo o EIA-RIMA por falta da realização da consulta livre, prévia e informada às comunidades Mbya Guarani impactadas. Estes resultados foram sendo construídos por meio  de um processo coletivo que envolveu muitas entidades e pessoas, articuladas pelo CCM/RS (Comitê de Combate à Megamineração no RS). Além disso, foram utilizadas diferentes estratégias e ferramentas para incidir no debate público, e também nas esferas jurídicas e técnicas”, explica o engenheiro ambiental e coordenador da AMA (Associação Amigos do Meio Ambiente) Guaíba e do Comitê de Combate à Megamineração no RS, Eduardo Raguse.

Desde 2014, a Copelmi buscava a LP (Licença Prévia) para o projeto da Mina Guaíba, mas é importante ressaltar que, se não fosse o forte processo de resistência, incluindo a anulação do EIA-RIMA por via judicial, por iniciativa dos povos atingidos organizados nos seus territórios, a empresa teria, como constava em seu objetivo, avançado em instalar a maior lavra de carvão a céu aberto brasileira, ocupando uma área total de 5 mil hectares. Este empreendimento minerário, que visava a exploração de carvão, seria responsável por atingir diretamente as populações  dos municípios de Charqueadas, Eldorado  do Sul e Guaíba, com impactos regionais para a saúde e o meio ambiente para além da região metropolitana de Porto Alegre. “A mineração de carvão é o combustível fóssil mais atrasado e obsoleto para a geração de energia, por seus impactos territoriais e pela contribuição da sua queima para as mudanças climáticas. Mas até hoje, na ALRS (Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul), o setor conservador e pró-carvão, não desiste de tentar implantar tal modalidade energética, e segue articulado para defender a mineração no Estado. Dessa forma, a luta continua!”, diz Lúcia Ortiz, presidenta da Amigos da Terra Brasil. “Ainda em 2019, o CCM/RS lançou o Painel de Especialistas, compilando muitos dos pareceres de técnicas e técnicos de diferentes áreas que analisaram criticamente o EIA-RIMA que a empresa COPELMI havia apresentado à FEPAM – órgão ambiental estadual, desde então tivemos clareza que o projeto não era ambiental, social e economicamente viável”, sublinha Raguse.

Ortiz explica que existe uma busca articulada entre movimentos sociais pela construção de caminhos justos e populares, por direitos sociais e ambientais, num processo de transição que resulte na necessária e urgente redução progressiva das emissões de gás de efeito estufa. A seleção de uma fonte de energia conhecida como a maior emissora de gases de efeito estufa por unidade de energia gerada, “além de emitir uma série de compostos desde cinzas, partículas, compostos orgânicos, metais pesados tóxicos na queima de combustíveis e que afetam a saúde da população local, depender da mineração do carvão, por si, só gera diversos conflitos e impactos territoriais”, ressalta a presidenta da ATBR. O polo carboquímico no RS foi uma manobra do Governo Sartori no apagar do ano de 2017, quando a assembleia legislativa aprovou o projeto de lei de incentivo a essa proposta. A partir disso, o projeto da Mina Guaíba, a qual seria uma das maiores minas a céu aberto de carvão mineral na América Latina, a poucos quilômetros  do Centro de Porto Alegre, foi também incentivado, mesmo localizado em uma região de reconhecidos territórios indígenas e de produção agroecológica. Isso gerou uma grande mobilização já na audiência pública contra o projeto da Copelmi. “Cabe dizer ainda que mesmo somente em fase de projeto, a Mina Guaíba já deixou um rastro de impactos psicossociais nas comunidades locais, especialmente no Assentamento da Reforma Agrária Apolônio de Carvalho, no Loteamento Rural Guaíba City e nas Aldeias Guarani Guajayvi e Pekuruty”, declara Raguse.

 “O nosso carvão não seria para exportação, porque ele é um carvão de péssima qualidade. Quase 90% das reservas de carvão mineral no Brasil estão em solo gaúcho, porém esse carvão tem um teor de 50% de cinzas, ou seja, a metade de tudo aquilo que é minerado num mega buraco de mineração, volta como resíduo depois da queima”, relata Ortiz. Este resíduo tem também de ser destinado, seja em barragens ou em pilhas de rejeitos que, da mesma forma, são contaminantes, inviabilizando qualquer outra produção e atividade econômica mais sustentável na região. Além disso, o acréscimo da poluição do ar por esse polo, já em um território metropolitano saturado pela queima de combustíveis fósseis no transporte e em outras indústrias, se torna uma ameaça constante. Graças a uma mobilização, que foi intersetorial e interseccional, “a mobilização do povo indígena, dos camponeses e camponesas que produzem agroecologia, das organizações por justiça ambiental nas cidades, tanto de Porto Alegre  como do entorno, populações tradicionais, quilombolas, enfim, população em geral mobilizada e em particular articulada e organizada no CCM/RS”, o projeto da Mina Guaíba foi derrubado. Essa articulação resultou vitoriosa desde o início, tendo já em 2019 dado um recado muito forte  contra a COPELMI, em Audiência Pública sobre a mina de Guaíba, e essa mobilização crescente levou então à necessidade do arquivamento deste processo de licenciamento na Fepam. “A proposta da maior mina de carvão à céu aberto do Brasil já vinha perdendo força ao longo do tempo, por meio  da forte resposta da sociedade gaúcha nas audiências públicas, o desembarque simbólico e um tanto quanto hipócrita do Governador Eduardo Leite”, declara Eduardo Raguse.

Como ATBR temos muito a comemorar, reconhecendo que essa não é uma luta individual, bem pelo contrário, é uma luta que levou à organização, articulação, mobilização de diversos setores da sociedade e de movimentos sociais. Ficamos muito felizes de fazermos parte dela!

Sentindo sua falta, seguiremos na luta: Carlos Vicente, presente!

A Amigos da Terra Brasil lamenta, com profundo pesar, o falecimento de Carlos Vicente, fundador da Ação pela Biodiversidade e integrante da Aliança Biodiversidade e da organização internacional Grain. Carlos nos deixou nessa 2ª feira (14/03) na Argentina.

Foi um lutador incansável por uma sociedade mais justa, sem pobreza e sem fome. Árduo defensor do direito das populações terem acesso à alimentação necessária e de boa qualidade, do respeito à diversidade cultural e da autodeterminação dos povos. Grande companheiro de tantas lutas travadas junto às comunidades e pela biodiversidade da América Latina!

Sentiremos sua falta. Fica nosso comprometimento em seguir em frente nas lutas!

Amigos da Terra Brasil
15 de Março de 2022

14 de março: resistir às barragens e construir um modelo energético popular

No dia 14 de março é celebrado o Dia Internacional de Luta contra as Barragens, em defesa dos rios, das águas e da vida. A celebração começou em 1997, quando representantes de populações atingidas de 20 países se reuniram para o I Encontro Internacional de Atingidos por Barragem, em Curitiba (PR). O dia de ação foi construído como um chamado para unidade internacionalista frente às violações causadas pelo modelo energético na utilização de barragens para geração de energia elétrica, armazenamento de rejeitos de mineração e barramento de água. 

Nas palavras de Tatiane Paulino, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB): “É uma data importante para a gente lembrar desses sujeitos que vivem nesses territórios, de denunciar toda violação a qual a gente vive e também de anunciar que nós estamos vivos, nós estamos organizados e que nós vamos continuar resistindo a esse modelo depredador, que só privilegia o capital em detrimento das vidas dos que vivem nesses territórios”.

A realidade invisível dos atingidos e das atingidas

Segundo relatório da Comissão Mundial de Barragens (2000), entre 40 e 80 milhões de pessoas foram deslocadas fisicamente para construção de barragens no mundo. Muitas dessas populações são retiradas de seus territórios em processos violentos, sem o pagamento de indenizações prévias e justas, sem acesso à informação. Esse deslocamento compulsório afeta os laços comunitários e culturais, quebrando importantes teias sociais para a manutenção da reprodução da vida. 

Há uma ausência de estudos aprofundados dos impactos ambientais, sobretudo na perspectiva das mudanças que ocorrem no ecossistema após a construção da barragem, aponta a Comissão. No Brasil, é conhecido o caso da barragem de Tucuruí, no estado do Pará, na qual o lago foi construído sem a retirada da floresta, que ficou submersa, causando a proliferação de mosquitos e a mudança na fauna aquática. Ou ainda, as grandes barragens em Rondônia, responsáveis por alterações no regime de chuvas,  reprodução dos peixes e elevação do lençol freático.

As obras mais recentes de barragem têm se concentrado em zonas de biodiversidade, como na Amazônia, região em que os impactos são ainda mais profundos. Cleidiane Vieira, militante do MAB, argumenta que “as barragens historicamente vêm causando diversas violações aos direitos humanos e ambientais, porém  quando acontece na região Amazônica, esses impactos são potencializados, os impactos praticamente triplicam, visto as drásticas mudanças socioambientais e metabólicas no bioma”. Ela também chama atenção que as hidrelétricas nunca vêm sozinhas. “Assim como outros projetos de infraestruturas, como hidrovias, ferrovias, as hidrelétricas geralmente vêm acompanhadas de outros projetos como os de mineração, o garimpo ilegal, grilagens de terra”, menciona Cleidiane. 

Toda essa cadeia de produção conectada à barragem cria no entorno desses empreendimentos violações não dimensionadas como a prostituição, o aumento da violência doméstica, a especulação imobiliária e falta de acesso a serviços públicos, atingindo as mulheres de forma desigual. Essa triste realidade levou algumas organizações a chamarem esses territórios de “zonas de sacrifício”.

Arpillera bordada por mulheres traz cenas que convergem e criam as condições para que a participação feminina seja real / Vinícius Denadai/ Acervo do MAB

Tem sido um desafio, para os movimentos populares, o reconhecimento desses impactos. Isso porque o Estado e as empresas assumem uma postura tecnicista, considerando esses danos, sociais e ambientais, como elementos externos ao empreendimento, e não consequências diretas de sua existência. Não é à toa que uma das primeiras pautas de luta dos atingidos e das atingidas é o seu reconhecimento como tal.  

A luta pelo reconhecimento dos direitos das populações atingidas

Em 2009, o ex-presidente Lula reconheceu que no Brasil há uma dívida social histórica com as populações atingidas por barragens, e sancionou o decreto criando o Comitê Interministerial de Cadastramento Socioeconômico das populações atingidas. Em 2014, o Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) desenvolveu uma metodologia de diagnóstico do passivo social de barragens, aplicada apenas no caso de Sobradinho (BA). 

Além dessas iniciativas, não há outros avanços em marcos regulatórios protetivos dos direitos das populações atingidas, ou mesmo da responsabilização de empresas transnacionais por violações aos direitos humanos. Desde 2013 o MAB reivindica a criação de uma Política Nacional dos Atingidos por Barragem (PNAB), na qual se incluía um capítulo sobre o passivo social de barragens por meio do incentivo a programas de desenvolvimento local. Em 2019, após a tragédia criminosa da barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho, em Minas Gerais, passou a tramitar o Projeto de Lei nº. 2788/2019 que prevê a criação da PNAB. 

Se olharmos para o plano do programa energético brasileiro não encontramos menção à situação das populações atingidas. Os programas estão limitados a uma abordagem tecnicista sobre diversificação da matriz energética. Tanto o Programa Nacional de Energia (PNE), como o Programa Decenal de Expansão de Energia 2030, refletem o discurso de grandes corporações da transição energética de “baixo carbono”.  

Em razão disso, os planos de governo envolvem expansão do parque de eólicas para região nordeste; investimentos em pequenas centrais hidrelétricas no sul do brasil; expansão da fronteira agrícola para produção de biomassa; grandes hidrelétricas na região norte. Tais fontes são consideradas “energia limpa”, pela ótica da economia verde, no entanto são causadores de inúmeros deslocamentos e desequilíbrios ambientais. Dessa forma, são falsas soluções que seguem gerando lucros com a destruição, em projetos realizados sem a participação popular, como já vêm denunciando os movimentos por justiça ambiental nas últimas duas décadas. 

População arca com o aumento nos preços das tarifas enquanto empresas do setor privado aumentam seus lucros / Crédito: Rafael Zãn

Para se efetivarem, esses programas de governo exigem mudanças legislativas, sobretudo no licenciamento ambiental, as quais vêm sendo apresentadas para ampliar o controle de corporações no setor. Em entrevista à Amigos da Terra, a militante da Marcha Mundial de Mulheres (MMM), Gabriela Cunha, destaca que o processo de ampliação do poder corporativo no setor se dá pela retirada do papel do Estado na coordenação e condução da política energética, sobretudo por meio das alterações nos marcos regulatórios e nas legislações, a favor de uma expansão na produção e no consumo de energia que privilegia o setor privado, prejudicando a população em geral que arca com o aumento nos preços das tarifas. “Vimos essas alterações regulatórias acontecendo por processo não democráticos, sendo a maioria tramitando em regime de urgência na Câmara de Deputados ou no Senado, a exemplo da lei que permite a privatização da Eletrobras”, disse ela.

Num momento de construção de novos programas de governo no Brasil, que possam superar a condição antidemocrática vigente desde o golpe de 2016, é urgente repensar o modelo energético, fugindo das armadilhas do tecnicismo e inserindo a energia no debate político e democrático. A pesquisadora Gabriela Cunha destaca a necessidade de uma articulação política “entre diferentes setores, de forma popular e participativa” para reposicionar o debate à luz de uma visão “ampliada de sustentabilidade e das tecnologias”. Pensar a energia como um direito é uma das propostas de uma transição energética justa e democrática, que se coloca em oposição à noção hegemônica da energia como uma mercadoria, sem considerar os impactos nos territórios. 

Resistências na construção de propostas emancipatórias

Assim, contra essa lógica da energia mercadoria, povos e comunidades estão organizados a partir de seus territórios na construção da resistência às barragens e na luta pela vida. Essa força social está presente na carta enviada ao Primeiro-Ministro Indiano pelos camponeses adivasi de Jalsindhi, em 1994, em apelo pela não construção da barragem de Sardar Sarovar, quando dizem “nós nos afogaremos, mas não iremos nos mover”, “somos gente da margem do rio”. Da mesma forma ecoa, no Brasil, os gritos de ordem do MAB: “Terra sim, barragem não!”, “Águas para vida, não para a morte”. E na constituição do Movimento de Atingidos por Represa (MAR) em toda a América Latina.

O dia 14 de março como uma data de luta internacional tem como proposta construir uma união de vozes contra os projetos de desenvolvimento que destroem as águas, a saúde e a vida das pessoas. Essa unidade internacional demonstra que o problema da democratização energética e da construção de um modelo de transição justa passa pelo reconhecimento de que estamos sendo todos e todas atingidos e atingidas pelo modelo energético. Dessa maneira, nos unimos à convocatória dos movimentos para a construção de um modelo energético com controle popular, que assegure justiça socioambiental e com distribuição de riquezas que ponha no centro a vida e os direitos dos povos. 

* Artigo publicado no jornal Brasil de Fato em 14/03/2022 neste link: https://www.brasildefato.com.br/2022/03/14/14-de-marco-resistir-as-barragens-e-construir-um-modelo-energetico-popular . Crédito da foto de destaque:  Thais Gobbo

NÃO NOS DÊ FLORES, MAS SIM DIREITOS!

O ato do dia 8 de março em Porto Alegre  foi um dia de luta pela vida, pelo fim da fome, pelo trabalho digno, pelo fim da violência e do racismo, pelo fim da LGBTfobia e por Bolsonaro nunca mais!

O Dia Internacional da Mulher, 8 de Março, foi marcado pela luta das mulheres em todos os cantos do mundo. No Brasil, mais de 40 cidades marcharam sob o lema nacional: “Pela Vida das Mulheres, Bolsonaro nunca mais! Por um Brasil sem machismo, sem racismo e sem fome!”. A luta nacional ocupou os centros urbanos e foi além, articulando a pauta feminista no campo, assim dando voz a batalha pelo fortalecimento da luta pela terra, e principalmente pelo fim da violência de gênero e da divisão sexual do trabalho. Em Porto Alegre não poderia ter sido diferente. A concentração e o início da marcha se deram às 18h, na Esquina Democrática, no Centro Histórico. O evento deste ano, intitulado “Pela Vida das Mulheres, Bolsonaro Nunca Mais! Por um Brasil com Trabalho Digno! Sem Fome, Sem Violência, Sem Racismo, Sem LGBTfobia!”, foi marcado por uma multidão de mulheres guerreiras e que anseiam pelo respeito e igualdade sociais. A marcha lotou seis quarteirões do Centro da cidade e seguiu até o Largo dos Açorianos. Participaram: Comitê Popular/FSR, PCdoB, CUT, CTB, MNLM,Coletivo Olga Benário, CSResistência Feminista, Alicerce, SobreNós, UJS Feminista, Mães pela Democracia, Movimento Mulheres em Luta, Olga Benário, Marcha Mundial das Mulheres, Juntas, Movimento Ocupação Mulheres Indígenas, Fórum Sindical e Popular, MIRABAL, Construção Socialista, Associações Terceirizadas, Movimento em defesa da água no Morro da Cruz , coletivo Peraltas, Unegro, Intersindical, União Brasileira de Mulheres, Emancipa, Pão e Rosas, Livres, UNEGRO  e Movimento Nacional de Luta por Moradia, Afronte, CFCAK, CFCAM, AMNB, Rede Lesbi, Coalizão Negra, UNE, ASSUFRGS, SIMPA, DCE UFRGS, DCE PUC, UEE,  JPL, 39° núcleo CPERS, UMESPA, Sapatá, DCE ULBRA, UBES, SINTRAJUFE, APG – UFRGS, MLB, Movimento correnteza – UFRGS e o Conselho Regional de Serviço Social.

Ato em Porto Alegre. Foto: Heitor Jardim / Amigos da Terra Brasil

“O maior número de pessoas que perde seus empregos, as primeiras a terem que ficar cuidando do lar, dos filhos, do avô, do pai, do neto, são as mulheres que tem esse apelo carinhoso, esse apelo de que elas têm que se doar pra família para além delas mesmas, para além dos projetos pessoais delas”, relata Juliana Motta, coordenadora da Cozinha Solidária de Porto Alegre. Ela explica que a pauta da fome, muito  presente no contexto da marcha do 8 de março de 2022, se torna cada vez mais evidente e importante de ser discutida. “A cozinha solidária atinge um número muito grande de mulheres, porque há um número muito grande de mulheres na rua. Nas hortas que a gente criou tanto no Morro da Cruz como na Ocupação Povo Sem Medo, houve um número muito grande de mulheres inseridas nessa tarefa e iniciativa”, acrescenta. Além disso, a discussão sobre a qualidade da água distribuída nessas mesmas áreas periféricas povoadas por iniciativas em prol das cidadãs e cidadãos porto-alegrenses, foi um marco  do Ato na Capital. “O pessoal do Movimento por Água no Morro da Cruz e nas periferias da cidade levaram uma água podre com esgoto, que é o que está chegando nas torneiras das periferias da cidade. Principalmente no Morro da Cruz, quando chega água, ela tá chegando nesse estado não potável.  O pessoal jogou e lavou a frente da prefeitura com essa água”, destaca Maria do Carmo, integrante ativa da Marcha Mundial de Mulheres (MMM). Any Moraes, mãe, mulher periférica, líder comunitária do Morro da Cruz, da MMM e da Aliança Feminismo Popular, destaca imensa preocupação quanto ao tópico. Ela sublinha que as mulheres periféricas estão entre aquelas que mais sofrem com esta má qualidade ou ausência de água, que no dia 8 de março completou quase 30 dias de estado de emergência. Esta  parcela do público feminino é então impedida de manter uma higiene adequada, acrescida ao quadro de pobreza menstrual por elas já vivido. Além disso, o consumo de água insalubre gera a contaminação de alimentos e, consequentemente, o adoecimento de mais e mais pessoas.

“Falamos na Aliança Feminismo Popular que a luta feminista tem que ser anticapitalista, antirracista, antipatriarcal, anti LGBTfóbica, descolonizante, mas também tem que ser uma luta ambiental, uma luta pela agroecologia, pelo nosso bem viver. Não dá mais pra não pensar que o feminismo tem que estar só conectado numa pauta identitária, só das mulheres, porque a luta das mulheres é a luta contra esse sistema que nos esmaga e nos suga até a última gota de sangue de vida nossa e do planeta”, destaca Maria do Carmo. Por estes motivos, a marcha do dia 8 de março também foi sobre compreender que hoje se grita: “Fora Bolsonaro” porque não queremos um genocida no poder, mas entende-se que o poder político é uma das coisas necessárias para que a luta popular cresça, como explicou Do Carmo. Se precisa de um governo que minimamente dê condições para a população  subsistir, para que a luta popular possa crescer, “pra que a gente possa voltar a respirar, voltar a comer e voltar a poder se organizar e caminhar com a organização popular.”

Ato foi marcado com diversas placas e manifestações. Foto: Heitor Jardim / Amigos da Terra Brasil
Ato foi marcado com diversas placas e manifestações. Foto: Heitor Jardim / Amigos da Terra Brasil

O ato foi também marcado pelo reconhecimento da forte onda de feminicídio que marcou a pandemia devido ao aumento crescente da violência contra a mulher operada pelos períodos de quarentena. “Fizemos um escracho na frente da prefeitura, que foi marcado com a colocação de uma cruz para cada vítima de feminicídio na cidade em 2021. Lembramos as que perderam a vida”, conta Maria do Carmo.  Em 2021, os casos de feminicídio subiram em 21%, e uma pesquisa feita pelo TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) aponta que a maioria dos assassinatos são cometidos por homens que possuem ou possuíam relações conjugais com essas mulheres, portanto, a pauta não poderia ter deixado de fazer parte do evento. Ao redor do Brasil, capitais como Recife e Rio de Janeiro se destacaram durante o Dia Internacional da Mulher. Na capital pernambucana, ocorreu a ocupação, pelo Movimento de Mulheres Olga Benário (MMOB) de um imóvel abandonado para a criação de uma Casa de Referência para mulheres vítimas de violência. Esta foi nomeada como “Centro de Referência Soledad Barrett”. Enquanto isso, na capital carioca, o mesmo movimento inaugurou a Casa de Referência para mulheres vítimas de violência, nomeada “Centro de Referência Soledad Barrett”. 

“Fomos nós, mulheres, que dissemos ELE NÃO, que nos levantamos contra os Golpes, inclusive para além do Brasil, que fizemos resistência ferrenha ao desgoverno, ao conservadorismo de ultra-direita neoliberal, ao fascismo representado pelo atual presidente. Nessa marcha uma vez mais gritamos: Bolsonaro NUNCA MAIS! E se algo ficou muito nítido é que nós mulheres seguiremos mobilizadas para derrotar esse projeto político de morte.”, fala Letícia Paranhos da Amigos da Terra Brasil e AFP. Os atos, os encontros, as vozes nas ruas e nas redes demonstram uma vez mais que o povo estará mobilizado para mudar o cenário político e econômico do país e que sem justiça de gênero não há justiça.    

Faixa da Aliança Feminismo Popular. Foto: Heitor Jardim / Amigos da Terra Brasil

Entre rosas e espinhos, prazer: mulher!

8 de março é dia de luta pela vida, luta pela vida, pelo fim da fome, pelo trabalho digno, pelo fim da violência e do racismo, pelo fim da LGBTfobia e por Bolsonaro nunca mais! Ato em Porto Alegre (RS) terá concentração a partir das 18 horas, na Esquina Democrática, no centro da Capital. Participe!

Acesse o manifesto nacional “Pela Vida das Mulheres – Bolsonaro Nunca Mais” deste 8 de março clicando AQUI.

“Na minha época, a mulher só tinha o direito de apanhar calada”, disse a voz do milênio, Elza Soares em bate-papo em 2016 com o site EGO ao falar sobre feminismo. Somos mães, filhas, avós, netas, sobrinhas, somos bruxas, mulher é resistência. Tentaram nos queimar na fogueira da desigualdade, quiseram desvalorizar nosso trabalho. As mulheres brasileiras ganham um salário cerca de 19% menor do que o dos homens para cumprir as mesmas tarefas, sendo que no mercado das grandes remunerações do país, essa diferença chega a 33%. Neste 8 de março, nossa voz ecoará em prol da vida, do respeito, pelo fim da violência, pelo fim da fome, pela pela correta divisão perante o trabalho não remunerado (doméstico) e, especialmente neste ano de eleições, por Bolsonaro nunca mais!

“Ser mulher é difícil. Negra, ainda mais. Mas, se você parar porque é negra e é mulher, não chega a lugar nenhum!”, dizia Elza Soares. A pandemia da Covid-19 impactou a sociedade negativamente das mais diversas formas, mas seria impossível não se ater ao que aconteceu com as mulheres. O aumento do tempo despendido no ambiente doméstico provocou uma sobrecarga de tarefas para o público feminino, especialmente para as mães. Segundo relatório da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Gênero e Número, mais da metade das brasileiras se tornou responsável por alguém na pandemia. No caso daquelas que vivem em áreas rurais, essa estimativa chega a 62%, podendo ser ainda pior para as mulheres negras residentes de periferias que muitas vezes têm ainda menos suporte no cuidado com os filhos e com a casa. De acordo com uma pesquisa liderada pelo Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), responsável por avaliar os impactos da Covid-19 sobre a saúde do trabalhador brasileiro, as mulheres realizaram, em média, 4 horas de trabalho doméstico por semana a mais do que os homens! Ofício esse que não só não é remunerado como ainda é desvalorizado, visto como uma espécie de “obrigação natural” feminina. O que sabemos ser uma falácia para a manutenção das assimetrias de gênero e que geram uma sobrecarga de trabalho e adoecimento psíquico as mulheres.

“Mulheres, chega de sofrer calada. Ligue 180. Machistas não passarão, acabou para vocês”, provocou Elza Soares no Rock in Rio 2019. Em 2021, os casos de feminicídio subiram em 21%, e uma pesquisa feita pelo TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) aponta que a maioria dos assassinatos são cometidos por companheiros e ex. O aumento dos casos foi motivado pela maior convivência doméstica decorrente da pandemia do Coronavírus. O ano acaba de começar e só em janeiro de 2022, já foram registrados 10 feminicídios consumados e 20 tentativas no RS, de acordo com o Observatório Estadual de Segurança Pública do RS. Tanta violência é motivada pela atroz gestão do presidente Jair Bolsonaro, governante reconhecidamente machista, homofóbico, xenofóbico, racista, misógino entre muitos outros adjetivos dignos de terror. Tanto sofrimento demonstra a tamanha falta de dignidade conferida à mulher brasileira. Por este motivo, a Aliança Feminismo Popular (AFP) – articulação em que integram mulheres da Amigos da Terra Brasil, Marcha Mundial de Mulheres e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto –, entre tantas organizações e grupos de ativistas, luta pela vida, justiça e pela independência da mulher, com ações realizadas ao longo deste último ano focadas em fortalecer a economia feminista e a soberania alimentar nas periferias de Porto Alegre (RS).

“Vim do planeta fome e continuo no planeta fome. É um país desigual, é uma coisa horrível, a gente vive nisso”, dizia a cantora Elza Soares. Enquanto Bolsonaro desgoverna o Brasil, a luta pela fome se torna ainda mais vigente no país. Segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), entre 2018 e 2021 o valor dos alimentos subiu, em média, 43%, e a pandemia é responsável, junto às ações de desmonte de políticas públicas para abrandar a desigualdade promovida pelo governo, por boa parte do agravamento deste cenário. O coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), economista formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador Nilson Maciel de Paula, relata em entrevista ao jornal Brasil de Fato que o cenário de insegurança alimentar em 2022 tende a se agravar mais ainda. Segundo ele, as perspectivas são de agravamento da fome motivada pela combinação da inflação com a ausência de demanda. A pandemia e o descaso do governo fizeram crescer ainda mais a importância de ações como a implantação, em 2021, das Cozinhas Solidárias, projeto do MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto), e das Hortas Comunitárias, tendo como exemplos de maior sucesso a do Morro da Cruz e a do Condomínio Irmãos Maristas, na Zona Norte de Porto Alegre, articuladas pela AFP, pela MMM, pela Amigos da Terra Brasil e pelo MTST. As hortas mobilizam mulheres de todas as categorias, desde mães de família a jovens estudantes em idade escolar, e incentivam a luta pela soberania alimentar e, consequentemente, por uma independência financeira alimentícia maior em meio ao crescimento exponencial da fome no Brasil. Isso porque, em 2021, segundo o Dieese, a taxa de desemprego entre as mulheres bateu um recorde, chegando a 16,8% e a 19,8% para as mulheres negras.

Pela vida das mulheres, pela justiça, por Bolsonaro nunca mais, pelo fim da escalada da fome, pelo fim da violência e por tantos outros temas queridos à luta das mulheres, a Amigos da Terra Brasil, a Marcha Mundial das Mulheres, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto em Aliança Feminismo Popular convocam para o Ato do dia 08 de Março! Vamos juntas e juntos transformar a realidade e construir ações que tragam esperança frente a este triste cenário!

SOME-SE NA LUTA!

Marcha Pela Vida das Mulheres, Bolsonaro Nunca Mais! Por um Brasil com Trabalho Digno! Sem Fome, Sem Violência, Sem Racismo, Sem LGBTfobia!
Dia e horário: 08/03, às 18h
Concentração a partir das 18h na Esquina Democrática, no Centro de Porto Alegre

Participe!


* Texto retirado do blog da Aliança Feminismo Popular (AFP): https://afeminismopopular.wixsite.com/site/post/entre-rosas-e-espinhos-prazer-mulher

Por uma moradia estudantil digna, universitários indígenas ocupam Casa do Estudante Indígena!

A ocupação da Casa do Estudante Indígena em Porto Alegre (RS) foi iniciada neste domingo (6/03), por universitários indígenas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani. A retomada ocorre por demanda antiga de estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que impossibilita que crianças habitem, junto às mães estudantes, a Casa do Estudante Universitário (CEU). O regimento interno da CEU não permite  a permanência de crianças nas dependências, o que coloca as estudantes em uma difícil situação. Há relatos de crianças escondidas na moradia universitária, o que acarreta na intimidação das mães por parte da coordenação da moradia e de alguns moradores, e um ambiente insalubre para o desenvolvimento infantil. 

Compõem o coletivo que ocupa a Casa do Estudante Indígena 50 estudantes, dos 75 universitários indígenas que estão na UFRGS. Destes, a maioria são mulheres com crianças. Hoje, no Dia Internacional da Mulher, é necessário que se apoie a luta em defesa dos direitos das mães estudantes e de suas crianças. Não é admissível que uma universidade, com toda a gama de diversidade de alunos, não ofereça a possibilidade de permanência para os estudantes indígenas. Que não dê a eles espaços de acolhimento, nem respeite sua cultura e formas de viver. 

Em conversas com os estudantes, Tailine Franco, graduanda em Odontologia pela UFRGS, reitera que a reivindicação  de uma casa do estudante indígena é antiga entre  os universitários. Afirma que os estudantes não têm resposta concreta das instâncias da faculdade frente à situação visível da falta de possibilidade de permanência das mães com crianças e da comunidade indígena em geral na universidade. “Só iremos sair daqui com uma resposta”, diz Tailine, “pois não adianta a universidade garantir a vaga e não o acesso”. 

Angelica Kaigang, mãe e mestranda em Política Social e Serviço Social, também pela UFRGS, coloca que, na pós-graduação, as condições de permanência são ainda menores. Não há quase nenhuma política pública para pós-graduandos. “Ao vir de nossas aldeias, não temos acesso a nenhuma política pública específica para educação. Viemos dos nossos territórios e ficamos desassistidos de tudo”, complementa.

Tailine Franco (acima) é estudante de Odontologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foto: Isabelle Rieger/Amigos da Terra Brasil 

Solidariedade popular está presente na ocupação. Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) entregou diversas marmitas para estudantes e apoiadores

Na segunda-feira (7/03), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) distribuiu marmitas produzidas  pela  Cozinha Solidária da Azenha. As cozinhas solidárias são iniciativas do movimento para alimentar as populações vulneráveis. Em 2020, cerca de 50% dos brasileiros sofriam algum tipo de insegurança alimentar, segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Sendo assim, a rede de alimentação solidária possibilita que, mesmo diante da falta de ações por parte dos governos em geral e, especialmente do  Federal de Bolsonaro, para tirar o país do Mapa da Fome, as pessoas em maior situação de vulnerabilidade consigam se alimentar de forma digna, construíndo, desta forma, solidariedade popular. 

Marmitas da Cozinha Solidária da Azenha, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), são entregues na Casa do Estudante Indígena. Foto: Isabelle Rieger/Amigos da Terra Brasil 

Para apoiar a Ocupação, ajude  com doações! 

PRECISA-SE DE: alimentos e utensílios de cozinha, botijão, água, fios, canos, compensados, martelos, pregos, produtos de limpeza, sacos de lixo, luvas, vassouras. 

CONTRIBUA COM QUALQUER VALOR:

PIX: CPF: 03478244048
Jaqueline de Paula

Pix celular: 54 996265542
Viviane Belini Lopes

CONTATOS:
(48) 98857-2882
(47) 99743-0515

Queremos Justiça!: deriva de pulverização aérea com agrotóxico em plantio orgânico em assentamento em Nova Santa Rita (RS) completa 1 ano

Novos ataques com agrotóxico por parte do agronegócio local ocorreram mesmo após decisão, em âmbito federal, proibir pulverizações aéreas em regiões próximas e no Assentamento Santa Rita de Cássia II

Agricultores  mostram estufa de hortaliças no Assentamento Santa Rita de Cássia II, afetado por deriva realizada por fazenda vizinha no ano passado – foto: Isabelle Rieger/Amigos da Terra Brasil

Confira a linha do tempo da ocorrência em Nova Santa Rita (RS):

10-12/novembro/2020 – Ocorre uma primeira deriva, atingindo todo o assentamento, a qual se repetiu ao longo de novembro e dezembro daquele ano, pelo uso reiterado da pulverização aérea de agrotóxicos. 

A partir de 16/dezembro/2020 – Famílias atingidas registram primeiro Boletim de Ocorrência (BO) na Polícia Civil; visita de técnico da EMATER e de técnicos do município de Nova Santa Rita às famílias atingidas 

20/11/2020 – Coleta de amostras pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento)

1º/dezembro/2020 – Assentados denunciam deriva na Tribuna Popular da Câmara de Vereadores de Nova Santa Rita (RS

02/dezembro/2020 – Coleta de amostras pela Secretaria Estadual de Agricultura

08/janeiro/2021 – O MAPA informa que o laboratório de Goiás, para onde foram enviadas as amostras, não possui escopo para identificar os possíveis agrotóxicos pulverizados. Assim, optou por enviar as amostras para Minas Gerais. Ainda, relata que uma das amostras (frutos de maracujá) foi perdida no transporte.

12/fevereiro/2021 – Diversas entidades ambientalistas ajuizaram ação cautelar preparatória com a finalidade de garantir a preservação das amostras e viabilizar a produção antecipada de provas, tendo em vista que o material coletado estava conservado em forma de purê vegetal com vida útil de apenas 3 (três) meses.

11/março/21Justiça Federal determina a suspensão de uso de agrotóxicos por um dos arrendatários da fazenda vizinha ao Assentamento Santa Rita de Cássia II, sob pena de aplicação de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão. Determina, também, que o Estado do Rio Grande do Sul, a União e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam) elaborem plano de pulverização de defensivos agrícolas nas áreas de propriedade deste arrendatário, de modo a não impedir o desenvolvimento de agriculturas vizinhas baseadas em produção orgânica e/ou biológica. Por fim, determina que a União realize a análise conclusiva das amostras coletadas, no prazo de 30 dias.

11/março/2021 – EMATER produz laudo que comprova as perdas nas produções agroecológicas, relacionadas à deriva de agrotóxicos. 

17/março/2021 – Assentamento é atingido por um novo atentado, desta vez um despejo doloso de agrotóxicos por avião, afetando especialmente as famílias que haviam feito denúncias sobre a deriva de novembro de 2020. Coleta de amostras pelo MAPA

18/março/21 – Conclusão da análise das amostras coletadas pela Secretaria Estadual de Agricultura. O Laboratório de Análises de Resíduos de Pesticidas de Santa Maria identificou a presença do agrotóxico 2,4-D em duas amostras.

22/março/21 – Fazendeiro agrava da decisão liminar da Justiça Federal.

23/março/21 – Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4a Região defere parcialmente o efeito suspensivo ao agravo do fazendeiro, limitando a liminar. A decisão do TRF4 proíbe o fazendeiro de usar os agrotóxicos 2,4-D e Loyant, por qualquer modalidade, e proíbe que se utilize qualquer agrotóxico por pulverização aérea.

22/abril/21 – Relatório do setor de orgânicos do MAPA que apresentou os resultados das análises do laboratório de Minas Gerais, tendo identificado a presença dos agrotóxicos bifentrina e glufosinato.

18/maio/2021 Live transmitida pela Rede Soberania pelo fim da pulverização aérea dos agrotóxicos. Participaram representantes das famílias atingidas e de organizações ambientalistas. Durante a transmissão ao vivo, foram realizados ataques digitais e  comentários com ameaças aos participantes, os quais, posteriormente, foram apagados. 

10/junho/21 – Certificadora da produção orgânica (COCEARGS) toma conhecimento dos resultados das análises do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (ITEP), que identificou a presença de Florpyrauxifen benzil, composto do agrotóxico Loyant.

20/ julho/21 – Aprovado, pela Câmara de Vereadores, o Projeto de Lei do Executivo (PLE 37/2021) que REGULAMENTA a pulverização aérea por agrotóxicos em Nova Santa Rita. O projeto foi sancionado pela prefeitura em 30 de Julho e consta como Lei nº 1.680/21 (chamada de política estratégica de proteção de territórios produtivos sensíveis e agroecológicos para mitigar o impacto de agrotóxicos no município de Nova Santa Rita). O projeto não proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos, como era reivindicado pelas famílias atingidas pela deriva, mas estabelece limitações para esse tipo de pulverização. 

29/ junho/ 2021 – Assembleia Legislativa do RS aprova o PL 260/2020, de autoria do Executivo, que altera a legislação estadual permitindo uso de agrotóxicos banidos nos países produtores.

30/julho/21021 – Publicação da Lei Municipal n.1.680/21, que estabelece algumas restrições e condições para pulverização aérea de agrotóxicos em Nova Santa Rita.

15/setembro/2021 – Ajuizamento de Ação Civil Pública (ACP) que objetiva a indenização das famílias atingidas pela deriva.

16/setembro/2021 – Ajuizamento de Ação Civil Pública (ACP) que busca a criação de polígonos de proteção para garantir a produção agroecológica dos assentamentos da reforma agrária da Região Metropolitana de Porto Alegre que possuem certificação orgânica.

outubro/2021: Prefeitura de Nova Santa Rita emite decreto nº 109/2021, que regulamenta a Lei 1.680/21.

20/outubro/ 2021: A Prefeitura de Nova Santa Rita, juntamente com a Coceargs, EMATER e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Nova Santa Rita, realizou o Seminário de Agricultura – Produção de Alimento Saudável e Sustentabilidade. Contando com a presença de mais de 120 participantes, o seminário trouxe importante reflexão sobre o agronegócio e as consequências para a soberania alimentar, saúde e meio ambiente, além de propor uma agenda de políticas públicas no sentido de avançar na produção de base agroecológica.  O seminário contou com a colaboração de pesquisadores da questão agrária, da produção de alimentos e da saúde, além de ter mais de 6.400 visualizações.

04/novembro/2021- Justiça Federal defere parcialmente a liminar requerida na ACP Indenizatória determinando que a proprietária e todos os arrendatários da fazenda lindeira ao Assentamento Santa Rita de Cássia II se abstenham de realizar a pulverização aérea de agrotóxicos nas lavouras de arroz existentes em suas respectivas propriedades. Ainda, determina que a União, o Estado e a FEPAM elaborem, executem e apresentem planos de fiscalização desta decisão.

08-12/novembro/2021 – Ocorre uma nova deriva de pulverização aérea de agrotóxicos. 

30/novembro/21 – Nova pulverização de agrotóxicos em lavouras vizinhas. Famílias sofrem intimidação por, pelo menos, 3 horas ininterruptas por aviões de pulverização, que pousam perto das lavouras de arroz e decolam no instante seguinte, causando caos e perturbação do sossego alheio. Os aviões pulverizaram herbicidas na área limítrofe do assentamento. Foi observado vento forte, o que indica que os agrotóxicos têm grande probabilidade de se espalharem pelo assentamento.

16/fevereiro/22 – O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a decisão liminar sobre a suspensão da pulverização de agrotóxicos na propriedade rural Granja Nossa Senhora das Graças, também conhecida como Granja Nenê, localizada em Nova Santa Rita (RS). A decisão também reafirma que a União, o Estado do RS e a Fepam implementem um plano de pulverização de defensivos agrícolas nas áreas da propriedade rural, para não impedir o desenvolvimento de produção orgânica nas áreas vizinhas.

“Quando tu mexes com o agronegócio, tu mexes com algo que comanda a sociedade e o espaço local. Eles têm um poder enorme, político, de relações partidárias, de controle da prefeitura, da imprensa, de órgãos governamentais. Eles têm dinheiro, também. Tudo que se pode imaginar se move contra a gente. ” 

Morador do assentamento Santa Rita de Cássia II

Entre os  dias 10 e 12 de novembro de 2020, os moradores do Assentamento Santa Rita de Cássia II, localizado na cidade de Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, foram atingidos por avião pulverizador que despejou agrotóxicos em lavouras vizinhas de arroz,  afetando hortas, pomares de árvores frutíferas, vegetação nativa e açudes das casas dos produtores agroecológicos. Na época, algumas pessoas se queixaram de enjôo e dor de cabeça, sintomas relacionados à intoxicação. Esse foi o primeiro ataque enfrentado pelas famílias naquele mês, mas não o último. 

Considerada prática ilegal, agora pela Justiça Federal, o despejo dessas substâncias tóxicas no Assentamento inviabiliza a produção orgânica dos pequenos agricultores e, consequentemente, afeta o sustento econômico das famílias, além de provocar danos ao solo, ao meio ambiente, animais e à saúde dos moradores. Esse acontecimento foi chamado de “Deriva”. Há denúncias de episódios semelhantes desde 2017. As primeiras decisões contra as pulverizações aéreas no território de Nova Santa Rita, no entanto, datam de 2021. 

O Assentamento tem cerca de 1.667 hectares de solo, ocupado por mais de 100 famílias, o que totaliza cerca de 2 mil pessoas. Situado em um município que comercializa e faz fronteira com produtores de arroz convencional, o Assentamento produz cerca de 400 hectares de arroz orgânico por mês, de acordo com comunicado emitido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A presença dos assentados da Reforma Agrária, produzindo em pequenas e médias áreas de terra e sem o uso de agrotóxico, confronta diretamente com o agronegócio presente na região, que ocupa cargos na prefeitura da cidade, controla a maioria dos veículos de comunicação local e, assim, têm vínculo estreito com as esferas de poder. Portanto, o lógico – para o agronegócio – é que destrua tudo que é produzido pelos moradores do Assentamento Santa Rita de Cássia II. No laudo produzido pelas famílias assentadas, só na primeira deriva estima-se que as perdas sejam de R$1 milhão. 

 “Fazer agroecologia, fazer produção orgânica é uma luta permanente. Esta luta é contra o modelo que nega esta condição. Mais cedo ou mais tarde, entra o agronegócio, empresas transnacionais para destruir o que conquistamos, essa articulação que tem como objetivo concentrar e centralizar a riqueza. Nosso objetivo é o contrário, é de descentralizar e de acabar a concentração de renda”.

Posicionamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

No episódio ocorrido no final de 2020, os prejuízos nos plantios orgânicos foram verificados logo após a passagem do avião, como folhas queimadas e variedades que morreram por completo. Um laudo técnico da EMATER emitido em 18 de Novembro confirmou visualmente a contaminação por agrotóxicos. 

Depois da deriva, várias famílias procuraram atendimento médico, pois estavam com sintomas de enjôo, dor de cabeça, febre e náuseas. Os agrotóxicos usados em Nova Santa Rita foram Loyant, Bifentrina e 2,4-D, glufosinato. De acordo com a Fiocruz, esses venenos podem causar câncer e outras formas de mutação nas moléculas. Aviões pulverizadores não podem, por lei, colocar seus produtos na população desta forma. Vale ressaltar que utilizar agentes biológicos nocivos é o princípio de uma arma química, como as utilizadas no Vietnã pelos Estados Unidos com o objetivo de desfolhar a mata, para que a população e os militares não pudessem se esconder nas florestas. A crueldade do agronegócio, realmente, não tem limites. 

Foram realizados diversos movimentos para que se coletassem amostras do solo e da água para posterior denúncia ao Ministério Público e demais órgãos competentes. De acordo com os assentados, quando levaram as amostras a técnicos não vinculados ao governo municipal, estes disseram que os agrotóxicos despejados eram do tipo hormonal e poderiam causar contaminação de moderada a severa. Vale lembrar que, depois das amostras, os produtos do Assentamento que eram produzidos de forma agroecológica correm o risco de perder a sua certificação de orgânico, o que leva a uma série de problemas, sendo o primeiro e imediato a impossibilidade de comercializá-los. Desta forma, o agronegócio cumpre seu papel de destruição quando coloca um veneno que mata tanto o sistema imunológico das pessoas quanto a sua possibilidade de geração de renda. 

No dia 17 de março de 2021, ocorreu um atentado criminoso com despejo aéreo de substâncias químicas. Da mesma forma que a deriva de novembro de 2020, provocou sintomas de dor de cabeça, ardência nos olhos e enjôo. Também, os galhos das árvores ficaram retorcidos. Uma das pessoas entrevistadas narra que, durante o momento deste ato criminoso, seus filhos estavam brincando no pátio quando passou um avião. No instante de pegar todos e levá-los para dentro de casa, o agrotóxico pulverizou o terreno da casa, destruindo posteriormente hortas, outras plantações e trazendo sérias consequências no modo de viver e de geração de renda dos assentados. Sentiram um forte odor, ardência nos olhos e a queda de alguma substância na pele – agrotóxico – que levou à irritação da derme. Seus exames, seis meses depois, apontam substâncias malignas presentes no fígado. Não há compensação por danos individuais causados por este atentado.

Com relação ao episódio ocorrido entre os dias 8 a 12 de novembro de 2020, a Cooperativa Central Dos Assentamentos do Rio Grande do Sul, (COCEARGS) oficiou o Ministério e solicitou a coleta de amostras. Estas foram analisadas pelo Instituto de Tecnologia de Pernambuco, laboratório credenciado pelo MAPA, com resultado negativo para o aparecimento dos princípios ativos (agrotóxicos) analisados.

Com a intenção de qualificar os processos jurídicos, e em acordo com o Setor de Direitos Humanos do MST, a COCEARGS formalizou para as secretarias de Agricultura e Meio Ambiente a solicitação de todos os documentos referentes aos três comunicados de voos ocorridos até o momento. A documentação foi entregue e está sendo analisada pelo jurídico no sentido de ver se pode ser usada em uma nova denúncia, ou se ainda tem questões que não foram respondidas pela prefeitura, mas que poderiam ser questionadas, inclusive com solicitação de novas informações e, se necessário, com mandado de segurança.  

No dia 30 de novembro passado, ocorreu uma tentativa de intimidação por parte do agronegócio. Começando às 6h da manhã, aviões agrícolas sobrevoaram as lavouras de arroz, pousaram próximo delas e decolaram em seguida, por repetidas vezes. Também, moradores ouviam foguetes e estouros toda vez que os aviões decolavam. Um assentado, não identificado por razões de segurança, contou  ter  visto os aviões largarem agrotóxicos nas áreas de arroz que fazem divisa com o assentamento. Com o vento, é praticamente certo que essa nova leva de agrotóxicos chegou no Assentamento iniciando uma nova deriva. Esse ciclo venenoso promovido pelo agronegócio prega a morte de quem obstrui o caminho do lucro.

Certificação Orgânica foi conquista da sociedade civil em termos de cumprimento de direitos dos agricultores e do consumidor para a produção agroecológica

A certificação orgânica é uma conquista da sociedade civil, em especial dos Movimentos Sociais e Entidades Ambientalistas que lutam pela agroecologia. A luta por uma legislação para a certificação da produção orgânica é uma reivindicação histórica e compõe a pauta de direitos dos agricultores e consumidores, que se materializou com a lei promulgada em 2003. Por meio do sistema de certificação de terceira parte (auditoria), ou do Sistema Participativo de Garantia – SPG, o processo de certificação da produção orgânica em acordo com o que preconiza a Lei dos Orgânicos – Lei dos Orgânicos (Lei 10.831/2003), é uma garantia ao consumidor final que a produção foi gerada considerando os manejos técnicos e os sistemas de garantia da produção orgânica previstos na legislação. 

Dessa forma, o Ministério da Agricultura, como responsável pelo credenciamento das certificadoras, é responsável por zelar pelo bom andamento dos processos de garantia da produção orgânica, na medida em que valida os processos ao autorizar a comercialização dos produtos certificados. O que é evidenciado no episódio da deriva de agrotóxicos provocada pela aviação agrícola, torna a produção orgânica altamente vulnerável pelo uso de um método de pulverização que não respeita barreiras de contenção dada à capacidade de alcance dos princípios ativos por meio da deriva. Ainda que as famílias certificadas adotem todos os procedimentos técnicos previstos no Manual de Procedimentos para Garantia da Produção Orgânica, o risco de contaminação de veneno nas produções pelo uso da aviação agrícola é incontrolável. 

A situação é mais alarmante ainda ao perceber que a contaminação da produção provocada pela deriva no mês de novembro de 2020 levou o Ministério da Agricultura, Setor dos Orgânicos, a cancelar a comercialização por um período de 2 meses, como orgânico, daquelas espécies em que se evidenciou a fitotoxidez por agrotóxicos. Essa condição trouxe enormes prejuízos econômicos como demonstrado no laudo técnico elaborado pela EMATER, mas também prejuízos ambientais, psicossociais e de saúde que estão sendo incomensuráveis por meio do apoio do professor Antonio Liborio Philomena, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). 

O agronegócio, ao destruir as hortas, lavouras, estufas, deixando-as impróprias para serem comercializadas como orgânicas, além de provocar perdas materiais, afeta a subjetividade das famílias assentadas, colocando em risco o processo de garantia da produção orgânica e a luta histórica dos Movimentos Sociais, das famílias e das entidades defensoras da produção orgânica pelo direito a uma legislação que garanta a certificação da produção orgânica e a soberania das famílias na produção de alimentos agroecológicos e a um ambiente saudável.

Agronegócio passa por cima da Justiça e se beneficia da omissão dos governos e da fragilidade legal de um município de menos de 30 anos para avançar sobre as áreas de produção orgânica em Nova Santa Rita (RS)

A cidade de Nova Santa Rita, distante quase 27km da Capital do estado, Porto Alegre, é conhecida como a Capital da produção Orgânica no RS e possui 4 assentamentos onde dezenas de famílias de produtores agroecológicos estão sofrendo com o uso de venenos aplicado por avião em fazendas vizinhas. A situação vivenciada pelo Assentamento Santa Rita de Cássia II e Itapuí, infelizmente, é mais um entre tantos outros já registrados no município e no  estado inteiro. Isso expõe a omissão dos governos e a ineficácia dos órgãos de fiscalização frente ao poder econômico do agronegócio na região, que não respeita sequer a Justiça e suas decisões.
Os produtores de arroz, como prática, seguem desrespeitando as regras, em ações que beiram a chacota. As últimas derivas, inclusive, ocorreram após a decisão da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos no território do Assentamento Santa Rita de Cássia II após a primeira deriva. Os moradores relatam o descaso das autoridades responsáveis em relação à fiscalização da pulverização, que está expressamente proibida e regulamentada por lei municipal, a qual fala que não é possível pulverizar em locais próximos ao assentamento. A lei também é descumprida pelos arrozeiros, que até o momento não foram punidos ou penalizados. 

As famílias dos assentamentos de Nova Santa Rita, organizações ambientalistas, como a Amigos da Terra Brasil, entidades de produção agroecológica e outras mais  denunciam essas práticas ilegais, denunciam que o agronegócio não é pop, mas sim, uma política de morte, que se utiliza de métodos de guerra para atingir quem está no seu caminho. É inaceitável que armas químicas sejam utilizadas. É inaceitável que o lucro esteja acima da vida!

Basta de impunidade!  Que se garanta os direitos à vida, a proteção dos territórios, das águas, das áreas de reserva ambiental! As famílias querem justiça e que a lei seja cumprida, garantindo o DIREITO dos produtores orgânicos produzirem alimentos saudáveis para a população!

O Assentamento Santa Rita de Cássia II faz parte da ideia de Reforma Agrária concebida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foto: Isabelle Rieger/Amigos da Terra Brasil

Os açudes (foto acima) também foram e continuam sendo contaminados pelos atentados criminosos, que despejam agrotóxicos por aviões, deixando a água contaminada e peixes mortos. Foto: Isabelle Rieger/Amigos da Terra Brasil

Estragos da Primeira Deriva, em novembro de 2020. Fotos: Divulgação 

Confira os depoimentos dos agricultores:

Confira a linha do tempo da ocorrência em Nova Santa Rita (RS):

Entenda porque é importante que o Senado rejeite o “PL do Veneno”

Aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 9/02, a proposta agora aguarda avaliação do Senado

Você gostaria que a comida que você ingere possuísse elementos químicos que possam gerar infertilidade, malformações de fetos, até câncer? Não, certo? Pois é isso que pode acontecer caso o Senado Federal aprove o projeto de lei 6299/2002. No dia 09 de fevereiro, com 301 votos contra 150 aprovaram o texto-base na Câmara dos Deputados em caráter de urgência, com uma articulação encabeçada por lideranças da bancada ruralista. Além das críticas profundas ao conteúdo do projeto por parte de organizações de pesquisa, saúde e socioambientais, o projeto pode avançar sem o necessário debate com a sociedade sobre os impactos que trará na vida de toda a população para beneficiar o lucro de apenas um setor da economia nacional e concentrar o poder nas mão de uma dúzia de empresas transnacionais que controlam a cadeia global de produção do agronegócio. 

O PL do Veneno, como ficou conhecido, visa que o controle da autorização de novos agrotóxicos no Brasil deixe de ser uma atuação direta do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) e passe a ser gerido apenas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Além disso, a competência de multar empresas e institutos de pesquisa passaria a ser somente do MAPA. É basicamente deixar a raposa cuidando do galinheiro. 

Além disso, o texto proposto alteraria a lei atual que proíbe a importação de agrotóxicos que apresentem características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas e causem distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor, passado a mera condição generalista de “riscos inaceitáveis”. Se aprovado, o PL ainda altera os prazos para registros dos agrotóxicos pelos órgãos federais,  encurtando para até dois anos, o que poderia prejudicar estudos toxicológicos aprofundados, e quando não houver manifestação conclusiva dentro dos prazos estabelecidos, o agrotóxico receberá uma autorização temporária.

A atual lei já permite o registro eterno de agrotóxicos, enquanto outros países fazem reavaliações periódicas, com o PL aprovado acabaria com os poucos poderes que entidades atuantes no cenário brasileiro têm para requerer o cancelamento de determinado agrotóxico. Um exemplo disso ocorreu em 2017, e passou a valer em 2020, quando a Anvisa publicou uma resolução proibindo o uso e a comercialização do paraquat, criado pela Syngenta, um dos agrotóxicos mais letais do mundo, associado a doenças como depressão, parkinson e câncer. A proibição de uso do produto químico já ocorre na União Europeia desde 2003. Vale lembrar que o bloco pretende aumentar as exportações de suas empresas fabricantes da Europa para o Brasil, caso seja ratificado o acordo de livre comércio com o Mercosul. Por Isso, é importante não apenas barrar o PL 6299/2002 na votação no Senado, mas garantir, através das próximas eleições, que a maioria parlamentar represente os interesses e a saúde do povo e a justiça ambiental e desbanque a bancada do boi.

Afinal, o que propõe o Pacote do Veneno?

Além dos pontos já destacados, como a avaliação de novos agrotóxicos estar sujeita apenas ao Ministério da Agricultura e aos interesses econômicos do agronegócio, caso o PL 6299/02 seja aprovado no Senado Federal o projeto trará as seguintes mudanças na legislação atual:

  • O termo “agrotóxico” será chamado “pesticida”, em uma tentativa de maquiar as toxicidades conhecida dessas substâncias;
  • Será admitida a possibilidade de registro de substâncias proibidas em seus países de origem por apresentarem componentes cancerígenos; serão estabelecidos níveis aceitáveis para isso, embora não existam níveis seguros para substâncias que se demonstrem cancerígenas; 
  • A regulação sobre propaganda de agrotóxicos irá acabar;
  • Será permitida a venda de alguns agrotóxicos sem receituário agronômico e de forma preventiva, favorecendo ainda mais o uso indiscriminado;
  • Estados e municípios enfrentarão dificuldades para ter medidas mais restritivas, embora essas esferas tenham o dever de proteger seu patrimônio natural.
  • Agrotóxicos destinados exclusivamente à exportação serão dispensados de registro. Também são dispensados da apresentação dos estudos agronômicos, toxicológicos e ambientais, sem considerar trabalhadores expostos a esses produtos e resíduos gerados de sua produção.

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“Queremos Justiça!”: Deriva de pulverização aérea com agrotóxico em plantio orgânico em assentamento em Nova Santa Rita (RS) completa 1 ano

Liberar mais agrotóxicos impacta os custos com saúde pública

Diferente do que argumentam os defensores do projeto, o PL não fará com que se modernize a comercialização de químicos para uso do agronegócio. Ao contrário, o Brasil será muito mais permissivo para o registro de agentes mais tóxicos e obsoletos, tornando-se o foco dos mercados desses produtos, que em grande parte já são proibidos em outros países exatamente por serem muito tóxicos. Assim, o Brasil se tornará reduto para escoamento dos produtos que já não podem ser comercializados naqueles países e os produtos mais modernos e de menor toxicidade serão ofertados preferencialmente para aqueles países cuja regulação é mais protetiva.

Se aprovadas, as alterações irão promover uma maior fragilização das diversas ações desempenhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente quanto ao monitoramento das águas, da qualidade dos alimentos, dos ambientes de trabalho e das populações expostas aos agrotóxicos, além da própria sobrecarga na atenção de casos de adoecimento da população. O avanço da pauta se soma ao cenário preocupante em que mais de 2.000 agrotóxicos já foram liberados nos últimos quatro anos, incluindo herbicidas proibidos de uso interno na Europa. Um recorde negativo que impacta no sistema de saúde com o uso de químicos que apontam evidências que podem resultar no adoecimento e morte da população, em especial daqueles em situação de maior vulnerabilidade.

O Inca (Instituto Nacional do Câncer) aponta que a exposição aos agrotóxicos pode gerar impactos agudos na saúde dos trabalhadores que utilizam os pesticidas como irritação da pele e olhos, coceira, convulsões, até a morte. Contudo, toda a população está suscetível à exposição a agrotóxicos por meio do consumo de alimentos e água contaminados. Os efeitos adversos decorrentes da exposição aos agrotóxicos podem aparecer muito tempo após o contato. Dentre os efeitos que podem gerar a exposição ao longo do tempo são citados infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.

Precisamos discutir a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos

O Brasil já é, desde 2009, o maior consumidor mundial de agrotóxicos Ao invés de discutirmos a flexibilização das leis para o uso de mais veneno nos nossos alimentos, poderíamos estar discutindo a redução gradual do uso de agrotóxicos e o estímulo à transição orgânica e agroecológica. É o que propõe a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a PNaRA (PL nº 6.670/2016) defendida por centenas de entidades do campo e da cidade, ligadas à produção e à defesa da agroecologia, da saúde pública, da ciência e da natureza.

Entre as medidas propostas pelo PL 6670/2016 está a reavaliação periódica de registro das substâncias (na legislação atual, o registro é eterno, sem reavaliação ou revogação); a proibição da aplicação de veneno próximo a áreas de proteção ambiental, de recursos hídricos, de produção orgânica e agroecológica, de moradia e de escolas; e a redução da pulverização aérea. Ou seja, garantindo e defendendo, como é dever do Estado e dos representantes do povo no parlamento, os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais de toda a população brasileira.

Mobilize-se para barrar que esse desastre aconteça!

A Amigos da Terra Brasil está mobilizada contra esse projeto de morte. É importante reafirmar que a luta contra os agrotóxicos está atrelada à luta contra o agronegócio, as grandes corporações e em defesa da vida. Ao passo que o agronegócio recebe altos incentivos do governo, não contribui com retorno social como o pagamento de impostos. Assim, acaba gerando um custo duplo ao Estado, pois gera implicações na saúde pública com o aumento de casos de contaminações e doenças que os agroquímicos geram, não só para quem trabalha na aplicação, mas também no prato de toda a população. Somaremos mais essa vitória contra a lógica que coloca o lucro frente a vida, assim como ocorreu em Nova Santa Rita (RS), em que foi mantida pela Justiça a suspensão de pulverização de agrotóxicos.

Se o conteúdo deste projeto fosse benéfico à sociedade brasileira, a Câmara dos Deputados teria promovido um debate aberto com a população sobre os resultados antes de sua aprovação em caráter de urgência. Precisamos estar cientes dos resultados desastrosos que o PL 6299/2002 pode trazer. Fale sobre ele com a sua rede. Pressione os Senadores para que votem NÃO ao PL do Veneno e assine o baixo-assinado da campanha “Chega de Agrotóxicos”.

#ChegaDeAgrotóxico #PL6299Não #NãoAoPacoteDoVeneno

Bons ventos de vitória sopram do Sul

Em meio a tantos reveses e retrocessos na luta em defesa do meio ambiente e por justiça ambiental, este início de 2022 tem nos trazido boas novas. São vitórias que vêm do Rio Grande do Sul, as quais nos animam e reforçam a importância da união, da organização e da resistência das comunidades e dos territórios aos projetos de morte do capital e seus defensores.

A primeira ocorreu ainda em 2021, mas apenas foi descoberta no início de fevereiro devido à falta de transparência e de informação, uma característica comum desses processos. Em novembro passado, a empresa Nexa Resources, controlada pela Votorantim S.A., pediu à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) o arquivamento do processo de licença ambiental do Projeto de Mineração Caçapava, que ocuparia uma área de mais de 900 hectares na região da Campanha gaúcha.

A intenção da empresa era construir uma mina a céu aberto de cerca de 37 hectares para ​​extrair cobre, chumbo e zinco a 800 metros do Rio Camaquã, na localidade de Guaritas, na cidade de Caçapava do Sul.

Este rio é um importante manancial hídrico da região, utilizado no abastecimento de água das cidades da redondeza, na sobrevivência de comunidades indígenas, quilombolas e na atividade agrícola, bem como ajuda a manter a biodiversidade das matas e animais locais. Constitui o famoso Pampa, tema de tantas músicas e poesias e cenário da figura folclórica do gaúcho pilchado cavalgando livremente pelos campos. No entanto, o Pampa é o segundo bioma natural mais devastado do Brasil, possuindo o menor percentual do seu território inserido em áreas de conservação.

A extração de metais pesados e, como o chumbo, altamente tóxicos para os seres vivos e humanos, gera o risco da degradação irreparável de um ecossistema natural frágil e já bastante degenerado. Representa ainda um perigo à saúde, ao modo de viver e à subsistência das comunidades tradicionais e da população.

O discurso de desenvolvimento econômico da região que os defensores da mina alardeavam também não se sustenta. De acordo com estimativas feitas pela própria empresa, o projeto acumularia ganhos em torno de R$ 4 bilhões em 20 anos, mas a Nexa não esclareceu quem se beneficiaria com todo este dinheiro. Afinal, os metais seriam exportados a outros países isentos de impostos, pois a Lei Kandir abrange a atividade minerária. Não é uma mera coincidência que as cidades gaúchas que têm sua economia baseada na mineração estejam entre as mais pobres do Rio Grande do Sul.

Por esses motivos, o Projeto de Mineração Caçapava encontrou uma forte resistência da comunidade local, pequenos produtores rurais, dos indígenas, quilombolas, ambientalistas, pesquisadores, acadêmicos e demais organizações sociais comprometidas com um desenvolvimento econômico-social que não destrua o meio ambiente e respeite os modos de viver das populações.

A organização popular contra a mina vem desde 2016, quando aconteceram as primeiras audiências públicas para tratar do projeto. Iniciou com uma articulação da comunidade local que, bastante organizada e aguerrida, espalhou a denúncia do projeto e dos seus impactos nas cidades da região, tornando pública a grave situação e, assim, conseguindo apoio em todo o estado.

Prefeituras e órgãos institucionais estaduais colocaram-se contrários ao projeto, entre eles o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e o Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã (CBH-Camaquã). Um pouco dessa história é retratada no filme Dossiê Viventes – o Pampa viverá, por iniciativa do Movimento Unidade Pela Preservação do Rio Camaquã (UPP) e Associação para Grandeza e União de Palmas (AGRUPA), e produzido pelo Coletivo Catarse com apoio do Comitê de Combate à Megamineração no RS (CCM/RS). 

Embora a empresa não admita, a forte resistência popular é um dos motivos para que solicitasse o arquivamento do processo de licença ambiental do Projeto Caçapava. No entanto, não significa que tenha desistido de encontrar outro local, conforme manifestou em nota emitida à reportagem do portal de notícias Matinal. Cita a matéria: “Na nota enviada ao Matinal, a Nexa afirmou seguir em busca de novas oportunidades no Pampa ou em outros locais. “A companhia ressalta que mantém a pesquisa e a busca por outras oportunidades de negócio e que o projeto de Caçapava do Sul poderá ter continuidade com outra empresa no futuro, a partir de uma nova estratégia de atuação e a realização dos devidos processos de licenciamentos”. 

E muito menos o Pampa gaúcho está livre da sanha da megamineração, pois além do Projeto Caçapava, outros dois seguem em curso no bioma: o da extração de fosfato pela empresa Águia na cidade de Lavras do Sul, que já está em fase de licença para instalação, e o de extração de titânio e zircônio no município de São José do Norte, pela Rio Grande Mineração. Por isso, não podemos baixar a guarda. A resistência parte de camponeses, pescadores, Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil – Universidade do Rio Grande (FURG) e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), somando junto ao CCM-RS. A organização popular e a luta precisam continuar!


Vitórias contra a energia suja do carvão mineral e por comida sem veneno 

Nossa segunda recente vitória também ocorreu contra a megamineração, desta vez em oposição à instalação, na região metropolitana de Porto Alegre, da maior mina de carvão mineral a céu aberto do país. No dia 8 de fevereiro, a Justiça Federal atendeu a Ação Civil Pública (ACP) movida pela Associação Indígena Poty Guarani, Associação Arayara de Educação e Cultura, Conselho de Articulação do Povo Guarani e Comunidade da Aldeia Guarani Guajayvi, declarando nulo o processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba, da empresa Copelmi. As organizações Mbya Guarani foram assessoradas por advogados defensores das causas indígenas, quilombolas, reforma agrária e ambiental.

O pedido de nulidade baseou-se no fato de que o Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) apresentado para o projeto da Mina Guaíba ignorou completamente a existência da Aldeia Guajayvi na cidade de Charqueadas.

Acionado pela Justiça Federal, o Ministério Público Federal apresentou parecer em que se manifestou favorável ao pedido, reconhecendo que deveria ter ocorrido consulta prévia, livre e informada das comunidades indígenas que seriam afetadas pelo projeto de mineração. A comunidade Mbya Guarani mora a menos de 3km do local do empreendimento, que seria implantado às margens do Rio Jacuí, importante manancial hídrico da região, numa área localizada entre as cidades de Charqueadas e Eldorado do Sul – a apenas 16 quilômetros da capital gaúcha. 

Estimativas apontavam para a mineração de um volume de 166 milhões de toneladas de carvão em 30 anos em contínua atividade. O projeto impactaria direta ou indiretamente a vida de 4,3 milhões de pessoas que vivem na região metropolitana.

Em entrevista à Amigos da Terra Brasil, uma moradora da região afirmou que, pelo menos, agora a população poderá respirar um pouco mais aliviada sem a poeira do carvão, sem os ruídos que seriam gerados pela mina e com as águas limpas para poderem tomar. “Eu não tenho nem palavras pra descrever a desgraça que seria acometida para nós aqui e mais para o pessoal ao redor”, disse ela. 

Moradores da região e do Assentamento Apolônio de Carvalho e comunidade indígena Mbya Guarani são contrários à Mina Guaíba. Eles querem permanecer em suas terras / Carol Ferraz/ Portal Sul 21

Os indígenas também comemoram muito a nulidade do processo, embora ainda possa ser questionada pela empresa. Entre os impactos gerados pela Mina Guaíba, as organizações Mbya Guarani listaram danos ambientais, que se desdobram em consequências graves nas formas de organização da comunidade. A falta de preocupação quanto à sustentabilidade geraria prejuízos no uso do solo para atividades agrícolas e a redução da fauna implicaria novas readaptações nas atividades cotidianas.

Além disso, os indígenas teriam que conviver com explosões e abalos sísmicos diários durante cerca de 30 anos, emissões de gases tóxicos e contaminantes na atmosfera. Tudo isso, para investir na produção da energia à carvão mineral, mundialmente considerada ultrapassada devido ao alto custo de exploração e à degradação ambiental e social que provoca.

A terceira vitória é fruto da resistência dos agricultores assentados que produzem de forma orgânica, sem a aplicação de veneno, na cidade de Nova Santa Rita, também na região metropolitana, junto com a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), COCEARGS, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Instituto PRESERVAR e as organizações ambientalistas INGA, AGAPAN e Amigos da Terra Brasil.

Os camponeses perderam parte de sua produção e tiveram a certificação orgânica ameaçada em decorrência da pulverização aérea de agrotóxico realizada por uma fazenda vizinha no final de 2020. Na época, também foram registrados impactos na mata e biodiversidade local, e assentados apresentaram sintomas de envenenamento por agrotóxico. Após esta deriva, outras situações semelhantes têm ocorrido por parte do agronegócio da região. 

Desde então, os camponeses denunciam os impactos da deriva e as novas tentativas de ataque dos fazendeiros na polícia e na Justiça, a fim de buscar os responsáveis pelo crime e garantir uma segurança mínima para produzirem de forma agroecológica. Seus produtos são vendidos em feiras urbanas, portanto a população da cidade também é atingida ao não ter frutas, verduras e demais alimentos sem veneno à disposição.

A luta das famílias assentadas é apoiada por organizações ambientalistas, pesquisadores de universidades e de alguns órgãos públicos. Após muita pressão, conseguiu-se aprovar uma lei municipal que regulamenta a pulverização aérea de agrotóxico a fim de proteger as áreas de produção agroecológica em Nova Santa Rita. No entanto, a iniciativa tem limites, que vão desde a falta de estrutura do poder público em efetivar a lei e fiscalizar o cumprimento dela pelos fazendeiros e por empresas de aviação pulverizadora até a impossibilidade de delimitar os efeitos da pulverização aérea, afinal o veneno lançado no ar espalha-se facilmente devido à ação natural dos ventos e da chuva.

Plantio afetado pela deriva de agrotóxico em 2020 / Arquivo Pessoal

Em 16 de fevereiro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou recurso do fazendeiro vizinho ao assentamento que foi atingido pela deriva em 2020, uma importante vitória nesta luta. Esta decisão do tribunal reforça outras determinações que já haviam sido feitas pela Justiça, mas que até então não foram cumpridas pela União, pelo Estado do Rio Grande do Sul e pelo órgão estadual ambiental competente (no caso, a FEPAM): a suspensão do uso de agrotóxicos na fazenda vizinha ao assentamento afetado pela deriva e a implementação de um plano de pulverização de agrotóxicos que proteja os produtores de alimentos orgânicos dos assentamentos da Reforma Agrária. 

A luta das famílias assentadas produtoras agroecológicas e seus apoiadores prossegue e quer ir mais além. Pretendemos criar um polígono de proteção/exclusão de pulverizações aéreas naquela região, pois está localizada na zona de amortecimento do Parque Estadual Delta do Jacuí e possui diversos produtores de alimentos orgânicos. Esta medida garante, de forma mais efetiva, uma proteção para a produção agroecológica, para a defesa do meio ambiente e para a própria população dessas cidades, que também podem ser diretamente atingidas pela pulverização aérea de veneno ou pela água contaminada.

Para enfrentar as corporações da mineração e do agronegócio é fundamental garantir o direito à consulta livre e informada, como consta na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e dar fim à Lei Kandir. Toda essa exportação isenta de impostos, assim como os agrotóxicos, geram prejuízos à saúde da população e ao Estado, que deixa de arrecadar.

Como sempre, o capitalismo segue privatizando bens comuns e estatizando os prejuízos. Precisamos enfrentar esta realidade que fortalece setores do Bolsonarismo e que garante este desgoverno. Portanto, para as eleições de 2022 é necessário dar nome aos bois e à boiada. Não passarão!

* Artigo publicado no jornal Brasil de Fato em 28/02/2022 neste link: https://www.brasildefato.com.br/2022/02/28/bons-ventos-de-vitoria-sopram-do-sul . Crédito da foto de destaque: Movimento Unidade Pela Preservação do Rio Camaquã (UPP)

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