El Salvador: uso de força próprio de ditadores do século XX

CESTA-Amigos de la Tierra El Salvador repudia a forma de agir do atual presidente Nayib Bukele, que ameaçou fechar o Parlamento.

Na tarde de domingo, 9, o presidente Nayib Bukele invadiu na Assembleia Legislativa escoltado por militares do Exército, armados com rifles, e membros da Polícia Nacional Civil, afirmando que acompanharia a reunião extraordinária que seus Ministros haviam convocado para aquele dia. O motivo extraordinário de suposto interesse nacional era conter o empréstimo de 109 milhões de dólares para um plano de controle territorial, cujo conteúdo não é público.

Após discursar para seus aliados reunidos no entorno da Assembleia Legislativa, o presidente voltou ao prédio para rezar. Ao sair novamente, manifestou que havia decidido não levar adiante a tomada de poder sobre a Assembleia Legislativa, porque haveria “conversado” com Deus e este lhe dito que tivesse paciência. Afirmou ainda que não era necessário expulsar os deputados da Assembleia naquele momento e que o povo o faria nas próximas eleições, em fevereiro de 2021.

Repúdio Social a brutalidade de Bukele

As ações do presidente encontraram mobilização social e a rejeição a esta forma de governar, militarizando o Parlamento e ameaçando o povo. “É totalmente condenável a forma de atuar do presidente da república”, manifesta CESTA-Amigos de la Tierra El Salvador.

“Não há contato com processos de consulta com os diferentes setores da população para sua elaboração”, defende o movimento feminista salvadorenho.

#ULTIMAHORA #ElSalvador Movimiento feminista llama a construir una sociedad desde la alegría y no de la militarización @FUERZARMADASV @PNCSV @AsambleaSV pic.twitter.com/PdLsm4na5N— Revista La Brújula (@labrujula_rev) February 11, 2020

Em comunicado, a organização ambientalista considera que é injustificável realizar uma convocação extraordinária que: “se aplica unicamente em casos de extrema emergência como uma guerra ou uma catástrofe nacional, mas nunca para justificar um empréstimo financeiro do governo”. “O presidente não tem nenhum direito de invadir junto ao exército o salão da Assembleia Legislativa (…) nem ameaçar aos deputados”, afirma CESTA. Bukele “fez um chamado ao povo em insurgência, sendo assim foram seus seguidores reunidos lá quem realizou ações de violência para remover os deputados de seus cargos”, opinam.

“O presidente realizou um ato de brutalidade e assédio próprio de ditadores do século XX que tanto sangue derramaram em nosso país e em outros países da América Latina, segue fresca em nossa memória a guerra de 12 anos que tivemos em nosso país ao fim do século XX, uma situação que não queremos voltar a repetir”, afirma o comunicado de CESTA-Amigos de la Tierra El Salvador.

Para a organização, o mandatário deixa claro que não está qualificado para o cargo “com esta ação e outras de capricho público que teve nos meses passados (…). Pedimos que a comunidade nacional e internacional repudie estas ações do presidente Nayib Bukele”.

Nesta segunda, 10, houve manifestações repudiando as atitudes de Bukele, como do movimento feminista salvadorenho “contra o autoritarismo e o militarismo na Praça Salvador del Mundo, na capital San Salvador.

O Movimento de Vítimas, Afetados e Afetadas pelas Mudanças Climáticas (MOVIAC, na sigla em espanhol) também repudiaram o uso de violência por parte das forças armadas e o simbolismo religioso “para uso midiático e manipulação da conciência coletiva para fins eleitoreiros”. A organização compara, ainda, esta situação com o golpe de Estado cometido na Bolívia contra o governo de Evo Morales e as intenções golpistas na Venezuela, “que obedece a política intervencionista do governo dos Estados Unidos”, defende.

O MOVIAC exige o fim das ações prepotentes e assediadoras de Bukele e que sejam realizadas investigações exaustivas sobre a responsabilidade do uso das forças armadas para pressionar a Assembleia Legislativa.

Repúdio do Parlamento

Na tarde de segunda-feira, 10, a Corte Suprema da Justiça emitiu uma notificação em relação a convocatória do Conselho de Ministros para uma sessão plenária extraordinária no domingo, 9. Esta resolução foi aceita pelos parlamentaristas e por Bukele.

A resolução da Suprema Corte deixa medidas cautelares, entre elas que o presidente não pode usar as Forças Armadas para fins que não sejam as que lhes correspondem.

Por sua vez, os deputados emitiram um pronunciamento, via Twitter, repudiando as ações realizadas durante o dia 9 de fevereiro: “Os deputados, repudiam o insulto e as ameaças às deputadas e aos deputados, bem como as perseguições realizadas. E pedem que os congressos do mundo se solidarizem em defesa da democracia e do Estado de Direito em El Salvador. Por outro lado, recomenda-se que o senhor presidente desista de suas ameaças e uso das forças para dissolver o Parlamento Salvadorenho”, destacam.

Confira a declaração da CESTA-Amigos de la Tierra El Salvador na íntegra em espanhol.

Guarani sofrem ataque de intimidação enquanto EIA-RIMA da Mina Guaíba é questionado

Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil

Em um mesmo final de semana de setembro, três aldeias guarani foram atacadas no Rio Grande do Sul. Uma delas foi a Aldeia Guajayvi, localizada no munícipio de Charquedas, a 50 km de Porto Alegre e a três km de onde a empresa Copelmi pretende instalar a Mina Guaíba, empreendimento de mineração de carvão a céu aberto e que está sofrendo forte resistência da comunidade do estado. No começo de dezembro, fomos escutar o Cacique Cláudio Acosta, 51 anos, sobre as ameaças, que aconteceram simultaneamente a uma investigação do Ministério Público Federal sobre irregularidades no licenciamento ambiental do empreendimento. Segundo o relato do Cacique Cláudio Acosta, foram três dias de tensão, sexta (13), sábado (14) e domingo (15). Em uma sexta-feira, chegou na porteira um carro branco, que ficou estacionado por 20 minutos, tirando fotos, filmando. No dia seguinte, um carro vermelho, com dois homens diferentes. Dessa vez, com armas, exibidas na cintura. “Falaram que tinham ordem de que se fizéssemos qualquer movimento estranho era para atirar e matar”, relata Cláudio. No domingo, um terceiro carro, com homens que filmaram os índígenas da cerca. “Tentamos fotografar, mas temos medo”, admite. O Cacique Cláudio Acosta registrou boletim de ocorrência na 17ª Delegacia de polícia Regional do Interior e protocoulou, em Charqueadas, junto ao Ministério Público Federal, um pedido para que as autoridades da região proteja sua vida e a de outros integrantes da aldeia Guajayvi.

Em 2013, com três famílias, os guarani retomaram estas terras através de uma concessão do estado do Rio Grande do Sul. O terreno era usado pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) para plantação de eucaliptos e confeccção de postes de luz. Hoje é usufruto guarani, que já plantaram mais de 2 mil mudas nativas na região e acompanham o ressurgimento da mata. No meio dos eucaliptos, resistiu uma árvore Guajuvira, que dá nome à aldeia e é usada pelos indígenas no artesanato e na medicina. Neste período de sete anos, nunca tinham vivido um incidente semelhante ao final de semana de ataques. “Nesse tempo que estamos aqui ninguém foi parar no hospital. Então a gente vê que espiritualmente é uma área boa”. No entanto, atualmente, o cacique Cláudio Acosta está receoso: “eu já não saio mais para a cidade de Charqueadas com medo”.
O ataque aos mbya guarani da aldeia Guajyvi aconteceu em um momento de forte contestação do Estudo de Impacto Ambiental produzido pela empresa Copelmi. Após o ataque, no dia 23 de setembro, o Comitê de Combate à Megamineração no RS lançou uma nota de repúdio ao incidente e em solidariedade aos guaranis. “Aldeia pode estar sendo vista como uma ameaça à instalação do projeto Mina Guaíba, uma vez que sua presença torna flagrante o fato de a empresa Copelmi não ter realizado em seus Estudos de Impacto Ambiental (EIA) o chamado Componente Indígena, desrespeitando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao não realizar consulta prévia à esta Aldeia e à outros territórios indígenas do entorno, bem como ao não avaliar os impactos socioambientais e de saúde à estas comunidades, questões que já estão sendo acompanhadas por inquérito do Ministério Público Federal”.
O artigo “As aldeias Guajayvi e Pekuruty e suas invisibilidades no EIA-RIMA”, produzido por Guilherme Dal Sasso e Lorena Fleury e exposto no Painel dos Especialistas, mostra que há pelo menos duas aldeias na Área de Influência Direta do empreendimento, sem que essas tenham sido consultadas nos estudos produzidos pela Copelmi. O texto traz elementos, como a existência de 37 sítios arqueológicos na região, que evidenciam a presença indígena há pelo menos 600 anos na região.
Nos dias 2 a 4 de outubro, a comunidade guarani da aldeia Guajayvi se reuniu com o Conselho Missionário Indigenista para criar estratégias de aumento da segurança e também para cobrar do poder público a execução de Audiências Públicas sobre a Mina Guaíba dentro das comunidades indígenas.
Quando visitamos a aldeia, no dia 5 de dezembro, havia dois dias que o Ministerio Público tinha ligado para o Cacique Cláudio Acosta questionando sobre a Mina Guaíba. No dia 17 de dezembro, o Ministério Público manifestou-se favorável a uma Ação Civil Pública que pede à Justiça Federal a suspensão do processo de licenciamento da mina alegando justamente que a Copelmi não respeitou a Convenção 169. A Justiça Federal ainda não julgou a ação.
A Copelmi não consultou a comunidade guarani porque a resistência é óbvia. “A mina vai trazer muita doença, espirtualmente e no corpo”, defende o cacique. “Ficamos preocupados em geral porque está acontecendo muita coisa no mundo, terremoto, cidades alagadas. O ser humano não se dá conta porque está acontecendo isso aí. Mas aí chega esse projeto da mina que vai furar não sei quantos metros para baixo. Daqui a alguns anos vai faltar um pedaço de terra, e isso nos preocupa”.
O ataque à aldeia Guajayvi aconteceu no mesmo final de semana em que outras duas comunidades mbya guarani foram atacadas, a aldeia Yjerê, na Ponta do Arado, em Porto Alegre, e a Aldeia Yy Purá, no município de Terra de Areia. O Amigos da Terra Brasil registrou o depoimento das lideranças das três comunidades, pois acreditamos que os incidentes são movimentos articulados de ofensiva crescente contra os povos originários do nosso país, muitas vezes com megacorporações por trás.

Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil

Veja mais:

Homens se dizendo policiais ameaçam Guraranis da retomada em Terra de Areia

Os ataques seguem aos Mbya Guaranis da Ponta do Arado

Justiça determina retirada da cerca junto ao acampamento guarani na Ponta do Arado

Após considerar ilegal a lei que favorecia a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A sobre a alteração do Plano Diretor de Porto Alegre sem participação popular, a Justiça também determinou que a empresa respeite o direito de ir e vir dos guaranis e o acesso à água.

Nova vitória na Justiça para a retomada Mbya Guarani na Ponta do Arado, agora em âmbito federal. Antes, a Justiça Estadual já havia garantido a manutenção da posse da área pelos indígenas, o que contempla entre outros direitos, o de ir e vir, bem como o acesso a recursos diversos (públicos ou privados). Agora, a Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A terá de providenciar a retirada da cerca junto ao acampamento dos guaranis na Ponta do Arado, zona sul da cidade, bem como a liberação dos acessos, a fim de permitir que os indígenas acessem a trilha junto à Orla do Lago Guaíba e o sentido do centro urbano do bairro Belém Novo. Para o TRF4, “tal cercamento gera confinamento desumano”.

Com a decisão da esfera federal, a empresa também deverá remover “a obstrução cimentícia por ela inserida” no poço antigo onde os mbya guaranis tinham acesso à água potável. Em julho de 2018, o acesso por parte das famílias da retomada havia sido proibido pelas empresas que pretendem construir condomínios e hotéis de luxo no local.

A Justiça ainda deferiu que a empresa retire a estrutura de vigilância privada contígua à área ocupada, para evitar intimidações indevidas e conflitos com os indígenas. Desde 2018, os mbya guaranis da Ponta do Arado denunciavam o isolamento involuntário e o monitoramento compulsório que vinham sofrendo por parte da Arado Empreendimentos Imobiliários.

No dia 15 de setembro de 2019, os guarani mbya da Retomada da Ponta do Arado sofreram um ataque por parte dos seguranças da Arado Empreendimentos. Foi o segundo ataque a tiros do ano. 

Confira a decisão aqui.

Homens se dizendo policiais ameaçam Guraranis da retomada em Terra de Areia

Na noite do dia 14 de setembro, quatro homens armados invadiram o território mbya guarani Tekóa Yy Purá, no município de Terra de Areia (RS). Com coletes à prova de balas e se dizendo policiais, intimidaram os indígenas que faziam uma roda de conversa no momento da invasão. Após revirarem as casas, os homens disseram que os indígenas deveriam liberar a área no dia seguinte. Este foi um dos ataques que aconteceram as populações mbya guaranis naquele final de semana no estado do Rio Grande do Sul. A situação faz parte de um aumento de ofensivas contra os povos e seus territórios.

Os guaranis desceram de Torres e retomaram, no dia 25 de maio de 2018, às sete da noite, a área da Fepagro, no município de Terra de Areia, à beira da Lagoa Itapeva. Reconheceram o território. Entraram na mata para buscar lenha. Na volta de uma grande fogueira, fizeram o primeiro papo onde se pretendia nova aldeia, hoje Tekoa Yy Rupá (Aldeia olho D’água). Segundo o Cacique Karaí Tatanhandy (ou Leonardo Barbosa), perguntaram a todas e todos, inclusive às crianças, como estavam se sentindo. Estavam todos bem na nova terra. Sentimento que, segundo Leonardo, além de o fazer ter orgulho das famílias que estão ali com a dele, o faz alimentar a coragem para se manter firme. No terceiro dia de retomada, foram intimidados por homens armados, que os mandaram ir embora. Os guaranis permaneceram. Quase um ano e meio depois, um segundo ataque. Depois destes, algumas famílias foram embora por medo. Ao ser questionado se tem medo, o cacique Leonardo responde que não. “Porque não estamos sozinho, pensam que estamos sozinho, mas Nhãnderu está sempre com a gente, nos protegendo”.

Foto: Douglas Freitas

Os quatro homens que invadiram o território em dezembro, armados com pistolas e fuzis, diziam ser policiais, de estarem ali devido a uma denúncia de que os guaranis estariam invadindo a área. Segundo comunicado do dia 15 de setembro do Conselho Missionário Indigenista, o mais curioso é que os homens não possuíam identificação de que eram efetivamente policiais e não portavam mandado judicial para agirem daquela forma. No mesmo dia 15, os guaranis e apoiadores percorreram diversas delegacias do município para averiguar a procedência dos invasores. Tanto no Batalhão da Brigada Militar quanto na Delegacia da Polícia Civil, não havia nenhum registro de diligência policial na noite anterior e nem ordem judicial. Vale destacar que os indígenas retomaram as terras que eram da Fepagro (fundação extinta pelo Governador Ivo Sartori em 2017), uma área pública. Nestes quase dois anos de retomada, não houve nenhum comunicado do governo sobre a presença dos guaranis ali, ou sobre o uso das terras. Os guaranis foram também até o Ministério Público Estadual formalizar uma denúncia e exigir investigação do caso. Para o Conselho Missionário Indigenista, em comunicado, o ataque é uma manifestação de intimidação: “Parece, ao nosso entender, tratar-se de milicianos que prestam serviço aos opositores dos direitos indígenas no Brasil, tendo em vista impor, através da força bruta, ações contra as lutas pela terra. Faz parte, portanto, de uma articulação nacional, pois fatos semelhantes foram denunciados em outras regiões do Brasil”, destaca.

Na noite seguinte, limite do ultimato dado pelos invasores, aconteceu uma vigília no território. Os homens não voltaram naquele dia e nem depois. Mesmo assim, após o ataque, algumas famílias deixaram a retomada. A família do Cacique Leonardo e mais 4 permanecem. “Se queremos permanecer aqui, não podemos interromper o processo pela metade”. Segundo Tatanhandy, a mata do local garante ervas medicinais, inclusive doadas para outros territórios guaranis, junto com mudas e sementes. “Nossa ligação com a Natureza que nos faz escolher o território para retomada”, explica o cacique.

Até o momento, o Ministério Público não instaurou investigação para descobrir quem eram os invasores e quem eram seus mandantes. A Polícia Civil informa haver registro sobre o caso, mas até o momento não há maiores informações sobre os autores das ameaças. Enquanto isso, o milho cresce ao lado da Opy (casa de reza), o feijão ferve na fogueira e a Lagoa Itapeva agracia os guaranis com peixes, como o Muçum. A Tekoá permanece e se fortalece. Com a vigília de Nhãnderu.

Veja mais fotos:

Foto: Douglas Freitas
Foto: Douglas Freitas

Semana contundente de negociações da ONU chega ao fim com ameaças à participação da sociedade civil

Os povos continuam em resistência contra opoder e a impunidade das empresas 

As negociações da ONU terminaram esse ano após uma semana de discussões sobre o conteúdo do texto para a elaboração de um tratado vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos. O processo vai se consolidando ano a ano e, contrariamente ao que ocorreu nos anos anteriores, nenhum Estado questionou sua continuidade.

É encorajador notar que nesta quinta sessão muitas delegações participaram de forma mais ativa e positiva, garantindo maior ambição em termos de texto e o retorno de vários elementos que estavam no centro da Resolução 26/9, mas que haviam desaparecido do projeto rascunho do revisado este ano.”  

Alberto Villarreal, de Amigos da Terra América Latina e Caribe.

No entanto, algumas delegações continuam determinadas a enfraquecer o texto, e a maioria dos países de origem das principais transnacionais não participa. Portanto, encorajamos mais delegações governamentais a participarem de forma construtiva.

O rascunho revisado está longe de se tornar um tratado efetivo. É muito fraco para cumprir com os objetivos do mandato do grupo de trabalho: regular as empresas transnacionais, impedir que violem os direitos humanos e destruam o meio ambiente e garantir acesso à justiça e indenização para os povos afetados.” 

Juliette Renaud, de Amigos da Terra Europa.

O tratado deve tratar do seguinte: enfocar-se nas corporações transnacionais e outras empresas de caráter transnacional; garantir a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de comércio e o investimento; estabelecer obrigações diretas para empresas transnacionais; fixar a responsabilidade das empresas-matrizes sobre suas subsidiárias, as empresas controladas por elas e todas as entidades que formem parte de sua cadeia de valor; garantir sólidos mecanismos de implementação, incluindo um Tribunal Internacional; fortalecer os direitos das comunidades afetadas; e oferecer proteção contra a captura corporativa.

Essas reivindicações são uma síntese da proposta de tratado elaborado pela Campanha Global, juntamente com os movimentos sociais e os povos afetados, que estiveram presentes este ano de maneira massiva.

Mais uma vez, a sociedade civil tem sido crucial na mobilização em nível nacional para garantir que os Estados estejam envolvidos no processo e apresentar propostas concretas a fim de que se aprove o tratado juridicamente vinculante que necessitamos, para que as empresas transnacionais prestem contas e os povos possam ter acesso à justiça.

Na última sessão, alguns Estados tentaram excluir a participação da sociedade civil das próximas etapas da negociação. Ficamos felizes em ver como os outros Estados defenderam o valor das contribuições da sociedade civil e a importância de se ter um processo transparente.” 

Letícia Paranhos, coordenadora do programa de Justiça Econômica de Amigos da Terra Internacional.

As discussões foram muito mais técnicas este ano e focadas no texto do tratado em . De qualquer forma, a voz da sociedade civil é extremamente importante. É o que garantirá que este seja verdadeiramente um tratado dos povos.”

Erika Mendes de Amigos da Terra África.

Continuaremos a impulsionar esse processo. É necessário enfatizar com que urgência esse tratado é necessário e agir em conformidade, especialmente à luz do fato de que as defensoras e os defensores de direitos humanos e ambientais permanecem ameaçados e estão sujeitos a ataques, intimidação, silenciamento e assassinato, enquanto as empresas as transnacionais continuam a gozar de impunidade e seu poder se aprofunda em todo o mundo.”

Pochoy Labog, de Amigos da Terra Ásia-Pacífico.


Não permitiremos que o projeto de tratado perca de vista o mandato ou tente silenciar as vozes dos povos. A partir de agora, as negociações deverão tomar como base o mandato da Resolução 26/9 e o conjunto de propostas de texto apresentadas pelos Estados e pela sociedade civil nesta quinta sessão. 

Continuaremos a lutar por um tratado eficaz, um tratado que acabe com a impunidade das empresas, um tratado de e para os povos. 

Contatos para os meios de comunicação:

Leticia Paranhos, coordenadora do programa de Justiça Econômica, Amigos da Terra Internacional, do Brasil: (português, espanhol)
leticia@foei.org  
+ 55 51 999515663

Alberto Villarreal, campanhista sobre Comercio e Investimentos, Amigos da Terra América Latina e Caribe, do Uruguay (espanhol, inglês):
comerc@redes.org.uy
+598 98 556 360

Erika Mendes, Amigos da Terra África, de Moçambique (inglês, português)
erikasmendes@gmail.com
+258 82 473 6210

Juliette Renaud, Amigos da Terra Europa, da França(inglês, francês, espanhol)
juliette.renaud@amisdelaterre.org
+33 6 37 65 56 40

Pochoy Labog, Amigos da Terra Ásia-Pacífico, de Filipinas (inglês)
pochoylab@gmail.com
+639178691799

Para consultas gerais por parte dos meios de comunicação:
Amelia Collins, coordenadora de comunicações de Amigos da Terra Internacional
press@foei.org

Os ataques seguem aos Mbya Guaranis da Ponta do Arado

No dia 15 de setembro, os guaranis mbya da retomada da Ponta do Arado sofreram um novo a ataque por parte dos seguranças da Arado Empreendimentos. É o segundo ataque a tiros do ano. É mais uma ação que compõe, desde o começo da retomada, um cenário de ameaças, vigilância e terror psicológico para cima dos indígenas.

Na tarde do domingo (15), Cacique Timóteo Oliveira atravessou o Lago Guaíba com parte da família para participar de uma roda de conversa com outros parentes mbya guaranis e apoiadores na praia de Copabacana, Bairro Belém Novo, Porto Alegre. Na retomada, ficaram o companheiro de lutas Basílio, sua família e outras crianças. A poucos metros, estavam os seguranças privados que prestam serviços para a Arado Empreendimentos, que disputa judicialmente o território com os indígenas e é responsável pelas violações que estes sofrem.

Quem faz a vigilância são dois homens, prestadores de serviço para Zeladoria CFV, empresa contratada pela Arado Empreendimentos. Para Roberto Liebgott, coordenador do CIMI, a condição destes seguranças é “uma terceirização piorada, com uma precariedade empregatícia, uma submissão ao empreendimento e uma provável vulnerabilidade financeira, o que impulsiona o terror todo que eles causam aos guaranis”. Cacique Timóteo relata que os homens são pai e filho, e trabalham em regime de revezamento nos dias da semana. No entanto, no final de semana permanecem os dois no acampamento montado a poucos metros da última casa guarani.

A lona à direita é a última casa guarani. Onde está a moto é o acampamento dos seguranças. Foto: Douglas Freitas

No último dia 15, os homens convidaram amigos, beberam o dia todo, falando e escutando música em alto volume, o que, segundo o cacique, é comum que aconteça. “Ficam até às 2h da manhã, com música alta, cachorro brabo. De noite trazem armas grandes e depois levam embora. Debocham, imitam o choro da nossas crianças, as nossas risadas. Não ficamos tranquilos assim”, relata Timóteo. No meio da tarde, enquanto o cacique conversava na prainha, recebe uma ligação de Basílio. De um campo a 200 metros da retomada, dentro da área da Arado Empreendimentos, um dos homens havia disparado três tiros. “Todo mundo fica assustado, as crianças tudo com medo e chorando”, conta Timóteo. Após o contato de Basílio, o Cacique foi imediatamente até a 7ª Delegacia da Polícia Civil, onde registrou mais um Boletim de Ocorrência.

Já são várias denúncias. Este ataque é o segundo com tiros em 2019. Em janeiro, os segurança da Arado Empreendimentos invadiram a praia onde ficam os mbya guaranis e dispararam, na madrugada, mascarados, por cima da casa dos indígenas. Em dezembro, impuseram uma cerca física e instalaram o acampamento há poucos metros da última casa dos mbya guaranis.

O poço que os mbya guaranis coletam água já foi contaminado quatro vezes com lixo. Os indígenas limparam o local, mas ficam receosos de serem envenenados. Cacique Timóteo reproduz um diálogo dos seguranças: “Essa indiada só vai parar de limpar esse poço depois de morto”. Diálogos assim são escutados frequentemente pelos mbya guaranis, incluindo ameaças de as crianças sumirem. A proximidade do acampamento e a convivência forçada com os seguranças produz um regime de terror psicológico para os indígenas, que vivem sobre constante ameaça.

No dia 20 de setembro, o desembargador do TRF-4, Rodrigo Fravetto, determinou, em uma decisão parcial, a suspensão da reintegração e a garantia de posse e de trânsito dos indígenas. Nem essa decisão abrandou os ânimos. Na madrugada do dia 28 de setembro, um pedido de ajuda correu nos grupos de apoiadores da retomada: “[…] os caras estão atordoando, aterrorizando, fazendo barulho, batendo facão na placa do lado da casa dos mbya guaranis. Estão armados desde de tarde, ostentando arma […]”. Esta denúncia foi informada pelo CIMI ao desembargador e encaminhada como queixa formal à Polícia Federal.

Com o petynguá (cachimbo guarani) na mão, Timóteo, entre a fumaça, se confunde com a mata ao fundo. Ao terminar de baforar diz: “os juruá tem revólver, 38, arma de matar. Esta é minha arma. Ela eu não uso para matar, uso para acalmar. Acalmar os juruá”. Os mbya guaranis estão começando a produzir artesanatos na retomada, balaios, bichinhos de madeira, colares. Apesar do medo, com a tranquilidade ancestral, resistem. Com 58 anos, Timóteo fala com o coração. “peço aos espíritos, aos meus parentes na Argentina, Paraguai. O corpo da pessoa eu não vejo, mas mesmo assim peço que estejamos juntos e que nos ajudemos.” Aos que podem estarem presentes com o corpo, Timóteo convoca para que visitem a retomada, estejam presentes para se informar como anda a situação dos indígenas e prestar solidariedade.

Outra forma de apoiar a segurança dos mbya guaranis é contribuir na busca de uma bateria para armazenar energia e na instalação de luz nas casas. Veja como contribuir AQUI.

O ataque aos mbya guaranis da Ponta do Arado se deu em um final de semana em que outras duas comunidades indígenas foram atacadas no RS: na retomada de Terra de Areia e na terra Guadjayvi, em Charqueadas. Confira AQUI.

Retomada Mbya Guarani da Ponta do Arado recebe placas solares para geração de energia e maior segurança frente às recentes ameaças sofridas

O Amigos da Terra Brasil, em parceria com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), esteve na última semana de setembro na retomada Mbya Guarani da Ponta do Arado. Na oportunidade, escutamos os indígenas sobre a decisão parcial, responsabilidade do desembargador Rogério Fravetro, do TRF-4, que suspendeu a reintegração das terras e sobre o novo ataque a tiros sofrido pelos guaranis por parte dos seguranças da Arado Empreendimentos.

Também ouvimos os guaranis sobre como estava sendo o uso da placa solar fotovoltaica, instalada há algumas semanas, fruto de uma campanha de solidariedade de apoiadores e instrumento que garante o carregamento das baterias dos celulares.

Na luta da retomada guarani, a solidariedade pode se dar através de doações, como as que viabilizaram a placa e anteriormente com a compra de um novo barco para transporte no acesso a retomada.

Antes da placa fotovoltaica, os guaranis contavam com a solidariedade de moradores do Belém Novo. Enfrentando os ventos que atingiam o Lago Guaíba com ondas que inviabilizavam a travessia de barco. Na situação que os guaranis se encontram, esse isolamento pode ser crucial.

Os indígenas estão cerceados por uma cerca física imposta pela Arado Empreendimentos (denunciada pelo Amigos da Terra Brasil quando foi instalada AQUI) e pelas águas do Lago, que servem para banhar, brincar, mas que em um ataque podem ser barreira. Estão expostos aos possíveis abusos dos seguranças, que tem um acampamento imediatamente ao lado da cerca, a cinco metros da última casa dos guaranis. Neste contexto, em um novo ataque, uma ligação com um pedido de ajuda de urgência ou com um relato prévio de possíveis abusos podem ser fundamentais para garantir a segurança dos guaranis da retomada.

Esta postagem é um agradecimento a todas e todos que apoiaram nesta construção.
Cacique Timóteo agradece aos apoiadores e conta como está sendo o feito o uso da placa.
Assista ao vídeo:

O cacique da Tekoa Yjerê também dá indicações de caminhos para onde nossa solidariedade pode seguir. Por não ter bateria, a placa não armazena energia, o que impossibilita o carregamento à noite e em dias nublados. A iluminação das barracas, segundo Timóteo, é um ponto que traría maior segurança para a aldeia.

Por isso, seguimos com a campanha de arrecadação.

Nos ajude a viabilizar a bateria e a iluminação das casas guaranis.

As doações podem ser encaminhadas para:

Banco 237

Agência 2603

CC 21748-4

CNPJ 92962026/0001-39

Email para contato e envio do comprovante: retomadaarado@gmail.com

Nos próximos dias, novos conteúdos sobre a decisão parcial da justiça e o novo ataque aos mbya guaranis da Ponta do Arado estarão nas redes da Amigos da Terra Brasil. Acompanhe!

Organizações brasileiras e de diversas partes do mundo se manifestam contra o uso de tecnologia para monoculturas

Entre os dias 29 de setembro e 5 de outubro, estará ocorrendo em Curitiba, Paraná, o Congresso Mundial da IUFRO (União Internacional das Organizações de Pesquisa Florestal). Trata-se de um evento que tem o apoio do governo federal brasileiro e da FAO, onde se reunirão empresas, pesquisadores e governos para debater sobre “as inovações tecnológicas, bem como para atualização sobre os mais recentes resultados de pesquisa e as tendências para o futuro da pesquisa florestal e agroflorestal em todas as partes do globo”. No entanto, a “pesquisa florestal” que a IUFRO está promovendo se concentra no incentivo a plantações industriais de árvores, na promoção das árvores transgênicas e na publicização de falsas soluções para a crise climática, como o “armazenamento de carbono” em monoculturas de árvores.

A invasão das empresas transnacionais de celulose nos territórios dos povos e comunidades tradicionais intensificaram significativamente os conflitos no campo, ameaçando a manutenção e destruindo seus modos de vida. Os milhões de hectares de terra que foram usados para o cultivo de árvores exóticas, implementado no Brasil por empresas transnacionais, levam o falso nome de “reflorestamento”. Na verdade, o monocultivo de árvores tem formado verdadeiros desertos verdes, impactando drasticamente na sociobiodiversidade do país.

Observando o avanço dos monocultivos de árvores exóticas e sentindo seus efeitos, diversas organizações de todo mundo se unem para repudiar o Congresso Mundial da IUFRO, afirmando categoricamente que plantações não são florestas!

Confira a carta na íntegra clicando aqui.

O ganha-ganha por trás das queimadas da Amazônia [parte 2]

Quanto valem a preservação e as falsas soluções do capitalismo “verde”, e quem compensa as compensações?

Árvore sendo atingida pelo fogo à beira da BR-367, entre Rio Branco e Bujari. Foto Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

Já leu a primeira parte da matéria? Aqui ó: como o agronegócio e o mercado financeiro lucram com a devastação da maior floresta tropical do mundo. 

Se não bastasse as ofensivas diretas à mata e aos povos, é preciso estar atento às medidas que se apresentam como soluções ambientais à Amazônia. É possível que elas sejam mais uma expressão do capitalismo e da exploração da floresta. Para o integrante do Conselho Missionário Indigenista e pesquisador da Financeirização da Natureza, Lindomar Padilha, o fogo que arde na Amazônia configura uma lógica de “ganha-ganha” para quem especula os territórios. Para Lindomar, se ao fazer a queimada, os agentes do agronegócio não conseguem implementar o projeto para criação de boi e futuramente a plantação de soja e outros commodities, eles vão ter outra possibilidade de angariar recursos, inclusive internacionais, que é usando o discurso da compensação ambiental para reflorestar o que eles mesmo destruíram. E neste esquema do ganhar acima de tudo quem guia é a lógica do capitalismo financeiro. Principalmente quando se trata, destaca Lindomar, dos “créditos de carbono”. Lindomar explica: “Os mercados ligados à Economia Verde no fundo trabalham como uma espécie de commodity, mas que chamam de ‘créditos’, os ‘créditos de carbono’. Como qualquer mercadoria, se tem muito, o preço cai. Se tem pouco, o preço se eleva”. Por este motivo, é preciso fazer pressão aos territórios, e aí entra o fogo. “Quando a mata queima, o mercado ligado aos projetos de REDD+, de crédito de carbono fala ‘tá vendo, nós precisamos fazer mais mercado de compensação, mais mercado de REDD+, para compensar as ameaças que estamos vendo na Amazônia’. Então as queimadas resultam em supervalorização desses créditos, ou seja, do direito de poluir”. Para entender, REDD+ é um conjunto de incentivos econômicos a quem evita a emissão de gases de efeito estufa resultantes de desmatamento ou e da degradação florestal. A grosso modo, empresas que poluem em excesso compram créditos de REDD+ de comunidades ou instituições que possuem a floresta em pé. Esta mata, teoricamente, sequestrando carbono da atmosfera, teoricamente, compensaria os gases emitidos pela poluidora.   

Placa encontrada dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, Xapuri, local de intenso manejo florestal. Foto Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

O REDD é mais um mecanismo do capitalismo se apropriar da floresta e especular em cima dela. Na publicação “REDD+, O Mercado de Carbono e a Cooperação Califórnia-Acre-Chiapas: legalizando os mecanismos de despossessão”, falamos sobre o caso do Acre, que aplica o REDD+ através do Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA), e dos diversos problemas às comunidades que a implementação dessa política provocou e vem provocando. Além de ser uma falsa solução ambiental, pois não provoca uma mudança nos modos de produção das empresas e dos países que polui. Joga para o sul do mundo a responsabilidade de compensação da poluição causada no norte.  Em junho de 2018, povos indígenas e de comunidades que vivem e trabalham na floresta se reuniram em Sena Madureira, Acre, para denunciar estas falsas soluções propostas pelo capitalismo verde para as degradações ambientais e climáticas. Leia a carta do encontro AQUI.  

Como um dos principais exemplos do quão prejudicial para as comunidades e territórios é o REDD e o sistema de créditos de carbono, Lindomar destaca a perda da tutela do território. Para isso, faz uma comparação com o que acontece no Mercado Imobiliário. Para ele, o governo do Acre está dando as áreas de preservação como garantia de que vai honrar os compromissos com as empresas da Califórnia ou o banco público alemão, KFW, donas de créditos na região. “O governo do estado hipotecou a floresta Amazônica que está dentro do território do Acre. Isto é de uma gravidade enorme, porque você vai travar o processo de regularização fundiária, especialmente nos territórios de comunidades tradicionais, como os povos indígenas e reservas extrativistas. É quase como dizer que para demarcar uma terra indígena aqui nós vamos ter que pedir autorização para Califórnia, para a Alemanha. O mercado é voraz e são diversas empresas gigantes mundiais que estão participando desse processo de hipoteca do território acreano. E sem explicar isso para as comunidades: ‘meu amigo, quando você aceita mecanismos de REDD e de REM, você está dando em hipoteca a sua própria vida, a sua própria casa, o seu território’. Eles vão tomar a sua casa, é só ter uma crise no mercado financeiro que eles vão tomar o seu território, pode ter certeza”. 

Como se não bastasse, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar um projeto para beneficiar ruralistas que preservam a mata nativa, como Pagamento de Serviço Ambiental (PSA). Parece interessante? Parece, não é? Mas os indígenas Apurinãs, os seringueiros, quilombolas conservam suas matas desde sempre e o que querem é apenas o direito da sua terra consolidada. Sem ser invadida. Onde está essa valorização? Essa proposta, feita por deputado da bancada ruralista, prevê que produtores rurais recebam compensação financeira para preservar vegetação nativa. Isso pode alavancar o número de invasões sobre terras que ainda tenham a floresta em pé.

Mas não para por aí: este sistema de pagamento por serviços ambientais pode ser pago para quem planta monocultivos de eucalipto, com o argumento que está reflorestando. Infelizmente, ainda é discutido na ONU o eucalipto como uma possibilidade de reflorestamento. “O monocultivo não entra dentro do conceito de ecossistema, porque o ecossistema prevê vários elementos se relacionando. Então é uma ideia enganosa de adotar um discurso de floresta onde não há floresta. Porque floresta vem de florescer, florir, de gerar vida. E monocultivos não geram vida”, defende Lindomar. 

Para explorar mais o tema, seguimos viagem até a Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri, município acreano. Fomos escutar Dercy Teles, seringueira e sindicalista aposentada, grande conhecedora da floresta e da luta das comunidades.  Para Dercy, o debate se monocultivo substitui floresta não é falta de conhecimento, mas é um desrespeito com quem vive na mata. “Desafio o ser humano que seja capaz de reproduzir uma floresta igual a que a Natureza criou. A floresta não é de uma espécie, nem de duas, nem de três. São milhares de espécies, inclusive seres invisíveis que contribuem para a manutenção desta mata”. 

A Reserva Chico Mendes é uma das principais fontes de madeira de manejo florestal. Perguntamos para Dercy sobre a relação deste serviço governamental e o desmatamento ilegal no território dos indígenas Apurinãs. Ela vê o manejo como um impacto imensurável. “Tem gente que está vivendo só de vender madeira clandestina. Final de semana e feriado, esse ramal não para. Entram os caminhão boiadeiro e só carregam o que o pessoal chama de ‘boi deitado’, que é a madeira”. Para ela, o manejo é uma política estatal de desmatamento. 

Capim queimado na beira da BR-367. Foto Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

A sanha dos ruralistas ainda não acabou: já há fazendeiro e megaempresário fazendo forte lobby para que plantações de soja, de arroz, de palma sejam aptas a receberem pagamento por Prestação de Serviços Ambientais vinculados a projetos de REDD por capturarem carbono. O argumento é que tecnologias como o plantio direto, a rotação de culturas e a agricultura de precisão emitem menos carbonos que outras formas de cultivo. Assim, estes fazendeiros se credenciariam a vender créditos de carbonos. Lindomar vê  essa manobra com indignação. “É um absurdo. É um discurso criminoso porque sabemos que o que está por trás é a aquisição única e exclusivamente de lucro. Eles ganham destruindo a floresta, depois eles ganham dizendo que vão contribuir com o planeta plantando soja, eucalipto, palma. São criminosos duas vezes, por destruir a mata e por mentir dizendo que o monocultivo substitui a floresta”. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) legitimar um discurso desses, para Lindomar, pode ser por não ter capacidade de distinguir monocultivo de floresta, de reconhecer a necessidade de uma vida múltipla ou é porque não estão preocupados com esta questão. “Nosso debate é outro, é a vida, vamos comer o que a Natureza pode nos fornecer com o mínimo possível de impacto. Somos campeões na produção de soja. E quando se contabiliza isso nos estudos, elevamos lá em cima a produção de alimentos no mundo. Mas que importância tem isso? Alimentos transgênicos, com agrotóxico de tudo que é tipo. Isso é contra vida, é veneno que estamos comendo. E precisamos fazer essa leitura. Na verdade estamos inviabilizando a produção de alimentos e plantando veneno. Eu quero acreditar que no caso da FAO não é uma questão de maldade pura e simples, mas basta olhar e ver que os monocultivos são contrários à vida. Sendo uma leitura equivocada, podem mudar de opinião, porque os sábios mudam de opinião. Espero que a FAO mude de opinião e deixe de classificar monocultura como tendo impacto ambiental semelhante a de uma floresta”.

Lindomar e Dercy nos mostram o quanto é necessário estarmos muito atentos às propostas que chegam como salvação da floresta Amazônica. Principalmente no que diz respeito aos fundos de apoio. Para quem chegam? Como chegam? Para que chegam? Quem são os que promovem o discurso e gerem os recursos de preservação da Amazônia? Provavelmente pode ser mais um passo da especulação sobre a floresta e das estratégias de tomada de território. Estratégias para manter a floresta em pé não virão de quem historicamente a explora. Salvar a floresta passa por impedir que ela seja destruída pelos agentes do agronegócio, da mineração, das madeireiras ilegais. Passa por evitar que ela seja “hipotecada” pelo mercado financeiro mascarado pela tal Economia Verde. É necessário defender os territórios e fortalecer os territórios indígenas e das comunidades tradicionais, que são povos que vivem em harmonia com a mata há gerações. 

Família do Pajé Isaka Huni Kuin. Foto Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

Para o Pajé Isaka Huni Kuin, o caminho de salvação da floresta se dará através da “amizade”. Que, entendo, como um pedido de respeito ao seu povo. “Nós somos vizinhos, saímos do mesmo criador. Eu moro aqui não para invadir seu ninguém. Eu quero viver também, assim como eles querem, direitinho. Posso mexer no que é meu, o que não é meu não é meu”. 

Dercy abraça uma seringueira, que foi fonte de sustento para ela e muitas famílias no Acre. Foto Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

Dercy fala que no processo de preservação da Amazônia é imprescindível o fortalecimento das comunidades. “O conhecimento que temos é secular”. Para a seringueira, a Amazônia não é só do Peru, da Bolívia, do Brasil, é da humanidade. “E por isso é responsabilidade de cada um estarmos atentos ao que acontece aqui”.

No subterrâneo das discussões entre presidenciáveis e grandes corporações, paralelo às falsas soluções ambientais do capitalismo, indígenas, extrativistas, campesinos, ribeirinhos, quilombolas estão resistindo com o seu corpo, com a sua espiritualidade e sua cultura contra a devastação da Natureza. Nossa tarefa é fortalecer diretamente a estas pessoas, com respeito e foco nos seus protagonismos. É contribuir na consolidação e na defesa dos seus territórios. Não serão as propostas e iniciativas vindas dos que poluem e lucram com a devastação do Sul do Mundo que vão salvar a floresta. E sim o respeito e o direito à terra e à vida, na sua cultura, daqueles que vivem há gerações em harmonia com a mata.

Buni Huni Kuin embala um tambaqui na folha de bananeira. Foto Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

Neste processo, a solidariedade internacional é fundamental. Para Lindomar, não há luta na Amazônia sem solidariedade. “O foco da solidariedade é a libertação, um florestar, um florir, é promover um carnaval multicultural, multiétnico, multirreligioso, multilinguístico. Aí por isso o mono não dá certo não, tem que ser pluri. Nosso carnaval vai ser plural, e só será assim por causa da solidariedade. Somos o que somos porque outros contribuíram para sermos o que somos. Nossa luta aqui na Amazônia é totalmente dependente da solidariedade. A solidariedade é o alimento da luta”.

Kaxuqui e Antônio José brincam dentro do Igarapé Retiro. Foto Douglas Freitas / Amigos da Terra Brasil

Kaxuqui, o cacique mais velho. Segundo ele, seu nome significa “O macaco roedor que salvou a Amazônia”. Conta que, quando a floresta queimou, todos animais se refugiaram em cima de uma árvore. Kaxuqui roeu o tronco e impediu que o fogo avançasse sobre a madeira. A serragem das árvores e a cinza no chão são ambiente hostil que secam as lágrimas dos caciques Kaxuqui e Antônio José. Converteram a desolação em palavras de raiva e denúncia. Reivindicatórias de quem alguém contribua com sua luta. Para o cacique Antônio José Apurinã, como palavra final, os indígenas são a Natureza, são o povo que preserva a flora e a fauna da Amazônia. “A gente quer é que regularize a nossa terra. Que vamos ficar aqui e resistir, preservar eternamente. Enquanto a gente estiver vivo, nós vamos estar aqui lutando por estas terras. Isso não é só para o povo Apurinã, para os povos indígenas. Essa mata não faz bem só para nós, faz bem para toda comunidade, para o mundo. Nós somos a Natureza, nós somos o povo que preserva a Amazônia, a fauna e flora do Brasil. Nós estamos aqui resistindo!  É essa mensagem que queremos deixar.” 

VÍDEO > Assista à entrevista com Lindomar Dias Padilha (CIMI-Acre), que fala sobre as queimadas e sobre o lucro em cima da destruição. Como o agronegócio e o mercado financeiro ganham com o fogo, desde a tomada do território até as políticas de compensação ambiental, as falsas soluções. Fala também de solidariedade e de como apoiar os territórios. Escute:

Veja mais fotos da ronda de solidariedade pelo ACRE:


9 ações para defender a Amazônia todos os dias

Dia 5/9 é conhecido como Dia da Amazônia. Listamos aqui 9 ações para defendê-la todos os dias!

 

1. Lute pelos direitos dos povos indígenas
É sabido: as terras indígenas combatem o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa. E, sempre que preciso, são os povos da floresta que erguem-se em sua defesa, ocupando o vazio do Estado.

2. Rejeite as falsas soluções do capitalismo “verde”
O capitalismo se alimenta da miséria e, em momento de crise, ressurgirão como solução as políticas de financeirização da natureza, como REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) e PSA (Pagamento por Serviços Ambientais – lê aqui a posição crítica do Grupo Carta de Belém sobre isso). São as falsas soluções do capitalismo verde, que privatizam as terras dos povos e comunidades tradicionais e transformam a natureza em ativos em bolsas de valores, a serem negociados para compensar os danos ambientais causados pelas grandes empresas poluidoras. Se interessou? Entenda mais sobre ”mercado de carbono” e “financeirização da natureza” assistindo ao nosso documentário “Mercado Verde: a financeirização da natureza” – aqui o link pro vídeo completo no YouTube.

3. Apoie organizações e movimentos que lutam juntos aos povos e comunidades
A luta pelos direitos coletivos e dos povos sempre foi criminalizada – e a violência tem aumentado no atual cenário político de ascensão fascista: aqui uma matéria bacana do Brasil de Fato sobre o assunto. E não só apoie: some-se à luta, participe e construa o poder popular desde baixo!

4. Valorize as instituições ambientais e de pesquisa
Os investimentos em educação pública, pesquisa e tecnologia devem ser amplamente defendidos. Somente assim a soberania e controle de nosso próprio território são possíveis – ora, não por acaso Bolsonaro elegeu a ciência e as instituições ambientais como inimigos. Uma candidatura (e agora governo) baseada em notícias falsas e desinformação jamais se manteria firme frente a dados científicos e apurações aprofundadas. Assim que Ibama, ICMBio, universidades públicas e institutos federais sofrem com sucateamento e recorrentes cortes em seus orçamentos. Por exemplo: “Governo corta R$ 187 milhões do MMA“; “Corte de recursos do Ibama ampliará desmatamento“; “Corte de R$926 milhões na Educação foi para pagar emendas parlamentares, diz ministro“; “Reitores de universidades federais do RS falam em ‘desastre’ e ‘atraso’ após cortes de verbas de pesquisa“.

5. Apoie a Reforma Agrária
Os assentamentos da Reforma Agrária trazem trabalho e futuro para famílias antes sem acesso à terra. São desses locais que vêm muitos dos produtos agroecológicos depois consumidos nas cidades. Vale lembrar: se o campo não planta, a cidade não janta! Aqui outro material bacana do Brasil de Fato, falando de como a agroecologia é contraponto às queimadas na produção agrícola.

6. Não vote na bancada ruralista
O governo Bolsonaro obedece cegamente aos interesses ruralistas: “Esse governo é de vocês”, afirmou ele. O agronegócio é um dos principais causadores e interessados na queima da Amazônia, em especial das áreas de proteção e terras demarcadas. Assim, podem avançar seus latifúndios, monoculturas e pasto, ganhando território – com a garantia de que, mais tarde, essa invasão será “legalizada” por este governo que os obedece (e não seria a primeira vez que isso ocorreria: é a legalização da grilagem). Também os madeireiros lucram: a terra queimada para a expansão do agronegócio foi antes ilegalmente desmatada. Aliás: quem é bancada ruralista? Descubra.

7. Responsabilize as empresas
Não é desastre nem acidente: por trás de cada tragédia ambiental está a ação de transnacionais multimilionárias que lucram com a devastação que deixam para trás. Brumadinho e Mariana nunca mais! Por isso é importante que avance um Tratado Vinculante na ONU que responsabilize as transnacionais, a maioria do Norte Global, por seus crimes, normalmente cometidos no Sul Global. Mais sobre a luta por um Tratado Vinculante você encontra no site da Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo. Hoje, os Estados do Sul têm pouco poder frente às fortunas ostentadas pelas empresas, que compram o que precisarem (da mídia ao sistema judiciário, de políticos a associações civis) para saquear as riquezas que lhes interessarem.

8. Combata o patriarcado (e, em consequência, o neoliberalismo)
O combate deve ser contra as estruturas que mantém há séculos o poder nas mãos brancas e masculinas que queimam a Amazônia: um dos pilares que sustenta a lógica entreguista e colonial desse governo é o patriarcado. Assim, são leiloados os bens comuns dos povos brasileiros, pondo em risco todos os territórios – desde os corpos até as espiritualidades e terras em sentido estrito. Sobre isso, olha que legal esse texto da Marcha Mundial das Mulheres: “Desde o nosso feminismo, reafirmamos que é preciso fazer uma crítica integral ao sistema capitalista, patriarcal e racista. O desafio é conectar as lutas por autonomia sobre o corpo, a sexualidade e a vida, com as resistências às novas estratégias de colonização dos nossos corpos e territórios”.

9. Acredite e lute!
A desesperança e o sentimento de impotência não ajudam nem constroem nada! São muitos os exemplos de lutadoras e lutadores nos territórios que nos inspiram: as resistências indígenas, negras, feministas, campesinas! A luta contra o capitalismo e a devastação que esse sistema injusto causa nas relações sociais e ambientais são históricas, e o embate seguirá sendo travado: cabe a nós acreditar num outro mundo, fazendo aquilo que estiver ao alcance, pouco que pareça. Por isso terminamos aqui com o manifesto construído na Marcha das Mulheres Indígenas, que reuniu mais de 130 povos indígenas em agosto, em Brasília: “Somos totalmente contrárias às narrativas, aos propósitos, e aos atos do atual governo, que vem deixando explícita sua intenção de extermínio dos povos indígenas, visando à invasão e exploração genocida dos nossos territórios pelo capital. (…) Por isso, o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito”.

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