Pedido de reintegração de posse da CasaNat é negado por juíza da 10ª vara federal de POA

A Amigos da Terra Brasil recebeu, no final do ano passado, ordem de desocupação de sua sede, a CasaNat, movida pela Advocacia Geral da União (AGU). Na sexta-feira (14), a juíza responsável pelo processo negou o pedido da AGU.

A Advocacia Geral da União (AGU) teve seu pedido de reintegração de posse da CasaNat negado na última sexta-feira (14) pela juíza Ana Paula de Bortoli, da 10ª vara federal de Porto Alegre. A juíza alega que não vê urgência na solicitação da União, tampouco risco de dano irreparável na permanência da Amigos da Terra Brasil em sua sede, já que o perigo de risco ou dano alegado pela União não foi demonstrado, e por isso rejeitou a liminar de reintegração de posse. A advogada da Amigos da Terra Brasil, Cláudia Ávila, entende que existe uma disputa entre interesse público e interesse governamental no processo em questão.

A sede da Amigos da Terra Brasil, mais conhecida como CaSaNat, é um imóvel cedido pela União desde 2005 através de um contrato de cessão de uso gratuito. Desde então, a organização restaurou todo o imóvel e desenvolve ali uma série de atividades de interesse público pela defesa de uma sociedade ecologicamente sustentável e socialmente justa, como feiras agroecológicas, mutirões, oficinas, debates, distribuições de livros, entre outras. Em vinte e um de novembro de 2019, a Amigos da Terra Brasil recebeu uma notificação, entregue em mãos pelo Superintendente do Patrimônio da União no RS, Sr. Gladstone Themoteo Menezes Brito da Silva, de que deveria desocupar o imóvel em até noventa dias. A ordem vem da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, responsável pela gestão do Patrimônio da União no governo Bolsonaro. Desde o início, a União ignora o princípio da legalidade, já que a Amigos da Terra Brasil em nenhum momento até então havia sido intimada para exercer seu direito de defesa em um processo administrativo sobre cancelamento da cedência do imóvel. 

Entre as mais recentes justificativas da AGU para o pedido de reintegração de posse da CasaNat está o fato de que “o Brasil atravessa uma grave crise fiscal”, e que a alienação do patrimônio público “vem sendo considerada uma alternativa importante para a reestruturação das finanças públicas da União”. A União ainda aborda a crise da COVID-19 como responsável por reduzir a arrecadação do Estado e criar a necessidade de auxílios médico e financeiro à população. “A união, além dos custos correntes, tem tido gastos extraordinários com o pagamento de benefícios emergenciais e auxílios financeiros aos Estados”, e a CasaNat entraria como um imóvel que poderia ser alienado para reduzir o defcit fiscal brasileiro. Sabemos que esses argumentos são irrisórios porque somente de janeiro a agosto desse ano há mais de 399 bilhões de reais em impostos sonegados por empresas e indivíduos no Brasil, o equivalente a cerca de 4 bilhões de bolsas família. Somente a devida cobrança dos sonegadores já acabaria com o mencionado déficit fiscal. Se somada à taxação de grandes fortunas, todo o dinheiro poderia ser revertido em políticas públicas que beneficiassem, de fato, a população.

Cláudia Ávila e Jacques Alfonsin, advogados que representam a Amigos da Terra Brasil no processo, defendem que há um jogo de interesses em questão: o interesse governamental e o interesse público. “O pedido de reintegração da União não passa de um interesse governamental esporádico, ideologicamente comprometido com uma política privatista de desmonte dos direitos sociais”, comenta Cláudia. Já o trabalho que vem sendo realizado pela Amigos da Terra Brasil, tanto em sua sede como fora dela, é todo de interesse público. Desde a participação política em instâncias de tomada decisão, como conselhos municipais e estaduais, até o próprio recebimento de recursos de fundos municipais para a realização de projetos como o das Quartas Temáticas, que acontecia na CasaNat e foi inclusive premiado enquanto Destaque Ambiental em 2007 pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM), bem como a realização de eventos como a Feira Frutos da Resistência, uma feira agroecológica de troca de saberes entre campo e cidade que reúne cerca de 500 pessoas por dia. “Importante ressaltar que, mesmo durante a pandemia, o imóvel alvo do processo de reintegração de posse tem servido como ponto de distribuição de alimentos e itens de higiene para populações vulneráveis”, destaca Cláudia. A CasaNat resiste, a Amigos da Terra Existe. Seguiremos firmes, engajados e engajadas na defesa de uma sociedade mais justa.

Assembleia Geral da Amigos da Terra Brasil reúne 50 pessoas online e elege novos Conselhos

No último sábado (25), a Amigos da Terra Brasil realizou sua Assembleia Geral. Foram apresentados os Relatórios de Atividades e Fiscal junto ao balanço das ações desenvolvidas no último ano. Houve ainda a eleição dos novos Conselhos: Consultivo, Fiscal e Diretor.


A Assembleia Geral da Amigos da Terra Brasil (ATBr) 2020 aconteceu no sábado (25) por meio da plataforma Jitsi [software livre e de código aberto]. Com a presença de cinquenta pessoas conectadas desde seus lugares, o evento marcou a transição para um novo mandato, elegendo os conselhos Consultivo, Fiscal e Diretor para os próximos três anos. Mesmo na ausência do olho no olho, a emoção esteve presente já na fala de abertura da Patrícia Gonçalves, militante da Frente Quilombola (FQ-RS) e integrante do conselho diretor da ATBr. Pati lembrou das companheiras e do companheiro que agora nos acompanham desde outro plano: Déia (Andréia Golembieski Machado), nossa mais jovem diretora que partiu com 26 anos de uma curta e sábia militância, Scheila Motta, uma mulher guerreira sempre à frente da luta pela moradia na Vila Dique, Seu Zé (José Araújo), liderança no processo de remoção da Vila Tronco e exemplo de luta e resistência ao projeto neoliberal que quer apagar nossa memória. Déia, Scheila e Seu Zé: presentes! Hoje e sempre!

O presidente da organização, Fernando Campos, destacou a importância de cada pessoa que contribui na construção da ATBr em cada instância da organização, incluindo o grupo de gestão, os conselhos e sócios ali reunidos. Lembrou ainda que sermos parte de uma Federação Internacional nos conecta com experiências de outros países, nos dá suporte e nos possibilita articular com atores globais num projeto de enfrentamento e resistência ao neoliberalismo e de fortalecimento dos territórios e dos povos mais afetados por ele.

Estamos em uma luta ferrenha contra esse governo genocida. Essa política militarista, machista, racista, misógina, xenófoba e fascista não é exclusividade nossa: Estados Unidos, El Salvador, Honduras e outros países enfrentam a mesma onda conservadora e de ultra-direita que vem golpeando democracias e violando direitos e, no fim das contas, tudo está à serviço das corporações.

Fernando, Presidente da ATBr

Balanço de 2020

Arthur Viana, integrante da equipe de gestão da ATBr, apresentou o Relatório de Atividades com parte das ações realizadas no último ano, fruto das alianças com sujeitas/os políticas/os, muitas/os delas/es presentes na Assembleia. A Solidariedade Internacionalista com a Amazônia, com apoio de vários grupos da Federação Amigos da Terra Internacional e através de ações concretas junto ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e à Terra de Direitos que resultaram em uma série de denúncias desde os povos amazônicos em luta por sua soberania; as várias ações de incidência junto ao Comitê de Combate à Megamineração no RS em resistência ao projeto neoliberal imposto ao estado; a mobilização com o Grupo Carta de Belém (GCB) pela comunicação popular das resistências ao capitalismo verde; a solidariedade e a denúncia das violações de direitos diante do processo de remoção da Vila Nazaré pela Fraport, empresa transnacional alemã que tem concessão de uso do aeroporto Salgado Filho, com o MTST e a AMOVIN. Arthur também destacou a campanha em defesa da CaSaNaT que hoje resiste à uma tentativa de despejo por parte do governo #ForaBolsonaroeMourão.

Em novembro do ano passado, o governo federal manifestou a intenção de reaver a casa, que é uma cedência da União. Cláudia Ávila, nossa conselheira consultiva e advogada, lembra que a CaSaNaT era um local abandonado e que a ATBr revitalizou a área comum por meio de um projeto popular e coletivo. Mesmo com a ameaça de perder a sede, o espaço segue sendo referência de resistência na cidade. Durante a pandemia, é local de recebimento e armazenagem de doações de alimentos que chegam dos movimentos sociais do campo e percorrem um caminho de solidariedade até chegar nas periferias e ocupações, nos quilombos urbanos e nas aldeias indígenas.

Fomos acionados administrativamente, fizemos nossa arguição e fomos ignorados. Após isso, o processo foi conduzido para AGU, que entrou com um pedido de liminar para reaver a casa imediatamente. Fomos acionados e estamos aguardando a decisão da justiça sobre esse pedido. Em breve, todas as organizações parceiras serão convocadas para mais uma manifestação de solidariedade.

Cláudia Ávila, conselheira consultiva e advogada da ATBr.


// DIA DE LUTAS //

Lúcia Ortiz, vice-presidenta da ATBr, destacou que o dia da assembleia foi também o segundo dia de #brequedosapps. A greve das/dos trabalhadoras/es de aplicativos reflete a união da classe frente às opressões de quem lucra bilhões a partir das condições precárias de trabalho mesmo durante a pandemia. Pati (FQ-RS e ATBr) reforçou a data como o dia das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, sujeitas políticas fundamentais na luta por justiça no nosso continente. Também foi celebrado o dia internacional da Agricultura Familiar como parte do projeto político que reivindicamos para a construção da Soberania Alimentar. O último sábado de julho de 2020 marcava ainda um ano e seis meses do crime da Vale-Samarco-BHP-Bilinton em Brumadinho e seguimos exigindo justiça para os povos afetados e punição para a transnacional!


Eleição dos Conselhos (2020-2023)

A Assembleia também foi espaço de eleição dos Conselhos Diretor (CD), Fiscal (CF) e Consultivo (CC).

Conselhos Diretor e Fiscal

Lúcia apresentou as chapas indicadas para o Conselho Diretor (CD) e Fiscal (CF), cujas nominatas para os cargos se confirmaram em eleição sociocrática do CD em 28 de julho. As chapas foram aprovadas com unanimidade. Esses são os conselhos de ATBr para os próximos três anos:

CONSELHO DIRETOR 2020/2023

Presidenta: Lúcia Ortiz

Vice-presidente: André Guerra

Tesoureira: Clarissa Abreu

Secretária: Patrícia Gonçalves

Demais membros:

Letícia Paranhos

Fernando Campos

Cláudia Ávila

Suplentes:

Marília Gonçalves

Felipe Viana

CONSELHO FISCAL 2020/2023

Bruna Engel

Leandro Fagundes

Dirce Cristina de Christo

Suplentes

João Batista Aguiar

Marília Olivia Engel

Conselho Consultivo

Letícia Paranhos, integrante do CD, apresentou os Conselheiros Consultivos de 2020/2023. Além de treze companheiras/os que seguem compondo o espaço, foram incluídos 15 novos nomes de outros movimentos que se somam, reafirmando o compromisso de seguir ampliando o CC a partir de uma construção de confiança com atores e atrizes que caminham ombro a ombro nas diversas peleias com as quais ATBr se envolve. Antes de começar a citar a nominata, Letícia trouxe uma frase de Bertolt Brecht para prestar homenagem ao Luís Ercole, o conselheiro que há mais tempo constrói o CC da organização

Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.

Bertold Brecht

Ercole participa há muitos anos da ATBr e a CaSaNaT é um dos seus legados de espaço educador sustentável no meio urbano, nas palavras dele o sistema de saneamento e o projeto de fluxos das águas implementado na sede há 10 anos “foi um marco pra cidade e um marco pra minha vida”. A parceria com o Engenheiro Sanitarista e técnico apoiador dos movimentos sociais resultou na reivindicação da política pública e na incidência para construção de leis visando o aproveitamento das águas da chuva a fim de diminuir o risco de enchentes na cidade.

Letícia seguiu a lista dos nomes que compõem o novo Conselho refletindo sobre o quanto conseguimos avançar numa composição diversa e potente para seguir construindo um movimento com um projeto político comum que coloque a vida no centro, diferente do que faz o capitalismo neoliberal, patriarcal, colonial e racista. Seguimos firmes e fortes na luta com esses companheiros e companheiras:

CONSELHO CONSULTIVO 2020/2023

Luiz Ercole – Engenheiro Sanitarista

Douglas Freitas – Comunicador

Kátia Marko – Jornalista

Lisiane Brolese – Engenheira Agronôma

Danilo Siqueira – Comunicador

Bruno Mello – Projeto Práticas Urbanas Emergentes FAU/UFRGS

Cristina Nascimento – Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo

Leandro Anton – Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo

Felipe Martins – Sítio Ibiekos / Assentamento Tamoios/Herval

Onir Araújo – Frente Nacional em Defesa dos Terrtórios Quilombolas RS

Sergio Fidelix – Frente Nacional em Defesa dos Terrtórios Quilombolas RS

Geneci Flores – Frente Nacional em Defesa dos Terrtórios Quilombolas RS

Roberto Liebgott – Conselho Indigenista Missionário RS

Milena Quadros – IFRS Restinga

Jefferson Pinheiro – Coletivo Catarse

Eduardo Raguse – Amigos do Meio Ambiente – Guaíba

Michele Martins – Movimento pela Soberania Popular na Mineração – RS

Clarissa Silveira – Sítio Libélula

Fernando Fernandes Damasceno Júnior – Movimento de Atingidos por Barragens

Baogan Bàbá Kínní – Comunidade Kilombola Morada da Paz

Ryan Dallenogare – Assentamento Sepé Tiaraju

Maria do Carmo Bittencourt – Marcha Mundial das Mulheres-RS

Cíntia Barenho – Marcha Mundial das Mulheres-RS

Carolina Silveira Costa – Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários

Gustavo Martins – Ação Nascente Maquiné

Daniela Dias Kuhn – GEPIES/UFRGS

Júlia Rovena Witt – Fundação Luterana de Diaconia

Eduardo Osório – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

Gabrielle Ücker Thum – Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa

Fernando encerrou o encontro agradecendo a presença de todas as pessoas que participaram da assembleia e reiterou que a ATBr está à disposição para que possamos utilizar os recursos e capacidades de que dispomos nessa luta e caminhada de enfrentamento que é sempre coletiva, reafirmando o compromisso da organização com processos e ações que lutam por justiça ambiental, social, econômica e de gênero.

A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil

Uma rede de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais lança a carta “A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil”, em que denuncia a falsa solidariedade das empresas no contexto de crise sanitária em que o país está imerso.

A carta expõe ações das empresas que aproveitam o momento de crise com a pandemia de Coronavírus para fortalecer a imagem de suas marcas com doações a populações em situação de vulnerabilidade, ao passo que seguem operando em meio a pandemia expondo os próprios trabalhadores ao risco de contaminação, como ocorre em vários municípios ladeados pelas empresas onde se verificou explosão de casos.

A análise feita pelo grupo denuncia que o contexto de crise sanitária e, principalmente, as ações do Governo Federal levam a um fortalecimento das grandes empresas sobre os territórios. As organizações e os movimentos sociais questionam a campanha de marketing empresarial beneficente veiculada pela rede Globo no jornal Nacional, a chamada “Solidariedade S.A.”, em que cita o caso da CMPC, empresa de produção de celulose no estado do Rio Grande do Sul, que doou 70 milhões de reais, o que representa meros 7% do faturamento de 2019. Denuncia, ainda, ação do Governo Federal que permitiu que as empresas de celulose renegociassem suas dívidas e lhes fosse concedido novos empréstimos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que representa um ganho financeiro para as empresas que não aparece para a opinião pública. Verbas que, por outro lado, não foram empregadas para auxílio da população em um momento crucial.

A carta ressalta, ainda, o papel desempenhado pelos movimentos sociais e ONGs que – sem receber o mesmo papel de destaque na imprensa – prestam solidariedade a populações carentes das zonas urbana e rural doando alimentos, produtos de consumo não duráveis e material de limpeza com diversos casos em uma rede de apoio construída de Norte a Sul no país.

AQUI PDF em português

AQUI PDF en español

HERE PDF in English

CHAMADO PARA ASSINATURAS
Além disso, conclamamos todas as organizações e movimentos sociais a assinarem esta carta até 21 de setembro, Dia Internacional da Luta Contra a Monocultura de Árvores, para fortalecer nossa luta e resistência aos impactos das corporações nos territórios.

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Algum dia celebraremos o Dia do Meio Ambiente?

Instituído há quase cinquenta anos pela Conferência de Estocolmo, o Dia do Meio Ambiente foi proposto para que se reflita sobre os problemas ambientais gerados pelo homem. O que se nota, contudo, é um nível cada vez maior de exploração e degradação do meio ambiente, resultando em extinções em massa, mudanças climáticas, aumento da desigualdade social, desabastecimento hídrico, fome, desastres naturais, crimes ambientais e, somado a tudo isso, mesmo epidemias e pandemias. Nesse sentido, impõe-se uma questão: estamos nos perguntando sobre os verdadeiros problemas que geram a injustiça ambiental?

Há tempos dizemos que a estrutura central da degradação e da injustiça ambiental é o sistema capitalista. Sua dinâmica de crescimento infinito, associada aos princípios da acumulação e da concentração de mercados, bem como seu total descaso com a vida e sua diversidade, gera pressões que são absolutamente insustentáveis sobre os ecossistemas e os povos que nele habitam em relativo equilíbrio. E aqui não se fala apenas do processo de saqueamento dos bens comuns, convenientemente nomeados de recursos naturais, que extrapola em muito a capacidade destes de se renovarem, regenerarem ou recuperarem, mas também, e especialmente, do ataque incessante a toda forma de organização social, cultural e territorial que escapa à economia de mercado globalizada e prescinde do agenciamento do capital para se reproduzir de forma digna, justa e próspera.

A crise ambiental se faz presente em todo o planeta Terra, assim como o sistema capitalista. Nunca foram tão frequentes os eventos climáticos extremos: tufões e furacões incrivelmente violentos, ondas de calor extremo, secas prolongadas e chuvas torrenciais tornaram-se notícias corriqueiras. A desertificação dos continentes e a acidificação dos oceanos – estes últimos acossados pela sobrepesca e pelo hiperacúmulo de lixo de todo tipo – avançam no mesmo ritmo da expansão das monoculturas e da poluição industrial, esterilizando vastas áreas do globo terrestre e capitaneando – ou capitalizando! – a sexta extinção em massa da Terra, que já afeta mais de 30% de todas as espécies das Américas. Além disso, enfrentamos a pandemia de COVID-19, que está intimamente associada à degradação ambiental promovida pela expansão do agronegócio, das indústrias extrativistas e da carne e à globalização da economia (não por acaso, os primeiros países a sofrerem as consequências da pandemia foram aqueles que tem a maior movimentação aérea, interna e externa).

Não podemos, contudo, ser ingênuos e acreditar que o planeta inteiro sofre igualmente as mazelas dos produtos e subprodutos do capitalismo. É nítido que os países do sul global, que sofreram e ainda sofrem as mazelas do (neo)colonialismo, são muito mais afetados pelas crises climática e socioambiental e, dentro destes, as comunidades periféricas são ainda mais. O racismo ambiental é a marca perversa desse sistema expropriador, que cria paraísos naturais para os ricos e dispensa os resíduos sobre os pobres, os negros, as mulheres.

É nesse contexto de neocolonialismo racista e machista que se insere o projeto megaextrativista brasileiro, com a resistência que este gera, orquestrado pelas elites capitalistas nacionais e internacionais e executado pelo governo genocida de Jair Bolsonaro. A expansão do agronegócio sobre áreas de mata nativa – em todos os biomas brasileiros –, o incentivo à mineração (legal e ilegal) e à grilagem, a ameaça ao direito originário sobre a terra dos povos tradicionais, a promoção de projetos privatistas de infraestrutura, o desmantelamento da legislação ambiental, o sucateamento dos órgãos de fiscalização e conservação ambiental e a impunidade de megacorporações face seus crimes ambientais vêm gerando uma onda de conflitos e assassinatos nos campos, nas matas e nas cidades, destituindo o povo brasileiro de suas riquezas e as entregando servilmente ao capital transnacional. Enquanto escancara seu despreparo e seu fascismo, Bolsonaro adula o mercado e executa sua agenda genocida, para que este mesmo mercado possa manter as aparências de salvador da pátria.

E como redentores ressurgem os atores do capital, promovendo falsas soluções aos problemas que eles mesmos criam. O processo de financeirização da natureza corre acelerado em nosso país, com a conversão de ecossistemas riquíssimos como o pampa em monoculturas de árvores transgênicas a título de “sequestro de carbono” e o pagamento por serviços ambientais desterritorializando comunidades inteiras para o benefício de algumas poucas empresas gigantescas, que fazem a grilagem de terras com mata nativa em pé “compensando” suas atividades poluidoras em outra região do país. O mercado verde, que capitalizou a própria noção de sustentabilidade, vem se impondo como mais uma forma de agressão aos povos e às defensoras e defensores dos territórios, travestido de responsabilidade corporativa e sua consequente geração de valor.

Em terras gaúchas a situação não é melhor do que no resto do país. O tão festejado governador Eduardo Leite, em termos socioambientais, não é senão a expressão engomada e envernizada do mesmo projeto neoliberal autoritário e explorador de Bolsonaro. Convém lembrar que Eduardo Leite desmontou o Código Ambiental do Rio Grande do Sul no fim do ano passado, inicialmente sob regime de urgência e, posteriormente, via acordo de líderes na Assembleia Legislativa, sem qualquer debate com a sociedade gaúcha, trazendo consequências gravíssimas para o meio ambiente regional. Desde a imposição de barreiras à conservação ambiental até o autolicenciamento de inúmeras atividades econômicas, passando pela desproteção de ecossistemas e espécies, Eduardo Leite rende-se aos interesses do capital e faz retroceder o Rio Grande do Sul em pelo menos quatro décadas de muita luta pela qualificação do meio ambiente, sob a alegação recorrente de “modernizar” o estado. Não podemos esquecer, ainda, que nosso estado é explorado por centenas de projetos de mineração, alguns com potencial ofensivo tão grandes quanto os de Mariana e Brumadinho.

De uma forma mais cotidiana, também o capital se atravessa na construção de nossa percepção ambiental. As podas mal executadas que se repetem ano a ano nas cidades, a derrubada de mata ciliar e/ou nativa para civilizar orlas e parques, a expropriação de áreas naturais e alterações ilegais nos Planos Diretores para construção de empreendimentos imobiliários são parte da vivência na cidade. A artificialização de nossos ambientes, iluminados e ventilados por máquinas, bem como a captura de nossos desejos pela sociedade de consumo, reforça o imaginário de sermos seres apartados do ambiente natural, de forma que nos tornamos indiferentes à sua degradação e privatização, ao mesmo tempo em que nos enredamos no simulacro discursivo de sustentabilidade patrocinado pela publicidade corporativa. Assim, a cidade e o campo seguem à mercê dos interesses do capital.

O capital, contudo, não age sozinho no mundo. Para cada retrocesso imposto, uma ação de luta surge em seu caminho. Se a ofensiva do capital sobre os territórios cresce, é porque os territórios, seus defensores e, sobretudo, os povos que neles habitam estão cada vez mais organizados para exigir seus direitos e criar alternativas duradouras e compatíveis com um meio ambiente equilibrado e justo. Organizamo-nos desde baixo, seja com o pé na terra, bioconstruindo e fazendo agroecologia, seja dentro de laboratórios e gabinetes, pesquisando soluções, seja ainda em reuniões, assembleias populares e parlamentos, promovendo debates e defendendo os fundamentos da vida e da diversidade. Há e haverá muita luta ainda.

Se não podemos celebrar o Dia do Meio Ambiente, porque não há nada a se comemorar, celebramos a vida e a luta das defensoras e defensores dos povos e dos territórios, que enfrentam ameaças e riscos reais todos os dias. Contra a agenda do capital e a perversidade dos fascistas que já fazem hora extra nas estruturas do Estado, a sabedoria e a força dos povos e dos territórios. A VIDA NÃO SE VENDE, SE AMA E SE DEFENDE!

Coronavírus: MAB cobra prefeitura de Porto Alegre sobre medidas emergenciais para água

No dia 1º de abril de 2020, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) protocolou um ofício junto a prefeitura no qual cobra do prefeito Nelson Marchezan e dos vereadores de Porto Alegre medidas emergenciais relacionadas à água durante a pandemia do coronavírus. As medidas são de competência da prefeitura e podem ser realizadas através do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE).

Em Porto Alegre, 29.176 famílias de baixa renda são beneficiadas pela Tarifa Social da Água e uma das medidas é que essas famílias sejam isentadas do pagamento da conta de água até o final de 2020 no consumo médio de 15 metros cúbicos mensais. Essa medida, assim como as demais apresentadas, vêm sendo adotadas em outros locais do país, como no Maranhão,Ceará, Rio de Janeiro e outros, mostrando a viabilidade das medidas.
O MAB propõe ações emergenciais de isenção das tarifas de LUZ, ÁGUA e GÁS de cozinha para a população. Sendo assim, solicitou à Prefeitura Municipal de Porto Alegre, a partir da sua competência, que execute as seguintes medidas através do DMAE:

1. Isenção do pagamento da conta de água por quatro meses a todas as 616.271 famílias de consumidores de Porto Alegre atendidos pelo DMAE.

2. Isenção do pagamento da conta de água para as famílias de baixa renda até o fim de 2020. 

3. Extensão da tarifa social para todas as famílias porto-alegrenses cadastradas no CadÚnico.

4. Imediata distribuição gratuita de água potável.

5. Suspensão dos cortes de água e da cobrança das multas.

6. Proibição de aplicação de novas multas

7. Anistia das dívidas, multas e imediata religação.

O acesso à água, que é essencial para o combate à proliferação e transmissão do vírus Covid-19, tem sido uma dificuldade nas periferias de Porto Alegre. Na região da Vila Nazaré e da Ocupação Povo Sem Medo, zona norte da cidade, a situação local se agrava pela falta de água. A região é considerada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre uma ocupação irregular por estar em processo de remoção para a ampliação do Aeroporto Salgado Filho, e, portanto, não dispõe do acesso à rede pública de distribuição de água. A demolição das casas vem sendo feita com irresponsabilidade e requintes de crueldade por parte do Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) e da Fraport (empresa alemã concessionária do aeroporto).

Confira a nota do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto clicando aqui.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que integra o Ministério Público Federal, solicitou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) providências para a suspensão do cumprimento de mandados coletivos de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais, seja em áreas urbanas ou rurais de todo o país. 

Saiba mais na reportagem: 

Frente à ameaça de fome, desemprego, salário, renda e vida social, o governo deve garantir aos trabalhadores e trabalhadoras o direito público e gratuito à energia elétrica, água potável, gás de cozinha e internet em todas as residências. É neste sentido que a Amigos da Terra Brasil se soma ao Movimento dos Atingidos por Barragens e exige que a Prefeitura Municipal de Porto Alegre atenda às medidas propostas pelo MAB. A água é um bem comum, necessidade de todos os seres vivos para sobreviver e existir, ter acesso a ela é um direito básico cuja violação é uma forma de violência! Agora, mais do que nunca, é tempo de a administração pública se colocar onde sempre deveria ter estado: ao lado do povo, considerando como bem maior a vida e não os lucros.

#NãoPagarNãoCortar #aVidaAcimadoLucro

Confira o ofício do MAB na íntegra clicando neste link.

A Crise da COVID-19 é um sinal de alerta para mudarmos o sistema

A crise do Coronavírus só pode ser enfrentada com a soberania dos povos e com justiça ambiental, social, de gênero e econômica

Amigos da Terra Internacional expressa sua profunda consternação e solidariedade neste momento em que o mundo enfrenta a crise da COVID-19, que já está afetando tantos povos ao redor do mundo, especialmente daqueles que sofrem o impacto das desigualdades estruturais. A perda dramática de vidas humanas nos comove profundamente, em um mundo que não estava preparado para enfrentar uma catástrofe como esta. Essa é uma crise que vai muito além dos incontáveis impactos sanitários da pandemia, revelando injustiças ambientais, sociais, de gênero e econômicas que são sistêmicas, além de causas e consequências políticas absolutamente nocivas.

Esta crise é alimentada pelo atual sistema político-econômico, que exacerba seus impactos e impõe obstáculos significativos para respostas estruturais. As horríveis consequências do Coronavírus são o resultado da crescente concentração de riqueza e da imposição de uma doutrina neoliberal que sacrifica a preservação da vida. Hoje está mais evidente do que nunca que a economia baseada no livre mercado é o problema, não a solução.

O neoliberalismo conduziu à privatização e ao sucateamento dos sistemas de saúde pública, seguridades social e dos serviços públicos, ao desmantelamento dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores e à precarização dos empregos e à maior exploração do trabalho das mulheres. Além disso, outorgou poderes e privilégios extraordinários às empresas transnacionais, ao mesmo tempo em que reduziu o papel e a posição do Estado, aumentando a vulnerabilidade de nosso mundo ante impactos da crise.

A pandemia está desvelando e agravando as violentas desigualdades do capitalismo entre e dentro dos países. Está debilitando nossas necessidades humanas básicas e deixando milhões de pessoas vulneráveis a uma perda repentina de acesso aos meios de sobrevivência. Muitas pessoas simplesmente não podem se isolar, cumprir o distanciamento social ou deixar de trabalhar. Os despejos serão a norma quando as pessoas não puderem pagar seus aluguéis ou prestações do Minha Casa, Minha Vida. As mais afetadas serão as classes trabalhadoras rurais e urbanas, as populações indígenas, as mulheres, os povos que sofrem com o racismo, as/os imigrantes, refugiadas/os, os povos em zonas de guerra e conflitos e os que vivem em países que sofrem com bloqueios econômicos. Será cada vez maior o número de trabalhadores que perderão seus empregos e de imigrantes que enfrentarão uma negação criminosa de seus direitos humanos, bem como muros mais altos e largos.

A COVID-19 está revelando a magnitude da crise do cuidado em nossas sociedades: uma crise que vem sendo gestada há séculos pela incapacidade do sistema patriarcal, racista e capitalista de cuidar dos povos, da natureza e dos territórios, por um lado, e porque se sustenta sobre o trabalho e os corpos das mulheres para compensar e reparar os danos provocados pelo sistema de exploração capitalista neocolonial, por outro. Por meio da divisão sexual do trabalho, as mulheres têm sido e continuam sendo socialmente responsáveis pelo trabalho de cuidado e suportando em seus ombros essa carga. As mulheres, mães solteiras e famílias da classe trabalhadora são forçadas a escolher entre o confinamento em suas casas ou trabalhar para alimentar suas famílias, sob risco de serem infectadas pelo vírus. Isso é particularmente verdadeiro para mulheres que sofrem com o racismo. Profissionais de saúde na linha de frente do combate ao Coronavírus, que são em sua maioria mulheres, estão encarando uma exploração ainda maior, com compensações financeiras inadequadas aos riscos que correm e às responsabilidades que têm pelos outros.

A globalização do sistema de livre mercado, no qual empresas transnacionais exercem um papel-chave, tem conduzido a uma ruptura devastadora entre nossas sociedades e a natureza. A crise do Coronavírus está desmascarando a real extensão do quanto o controle corporativo da alimentação, da energia, das florestas e da biodiversidade é a causa principal da destruição dos ecossistemas que está facilitando de patógenos que afetarão cada vez mais nossa saúde. O agronegócio e a produção de commodities agropecuárias geram enormes problemas de saúde pública mediante a destruição de habitats naturais e/ou a intensificação da criação de gado e outros animais. Aqueles que sofrem com problemas respiratórios ou imunológicos devido à energia suja e outras poluições industriais estão particularmente sob risco de infecção.

Os impactos devastadores das indústrias extrativistas nos territórios indígenas estão os tornando ainda mais vulneráveis à COVID-19. Seus sistemas e práticas de conhecimentos tradicionais, que incluem cuidados de saúde e de produção, armazenamento e consumo de alimentos estão sendo enfraquecidos. Eles continuam sendo excluídos dos sistemas de saúde e não se está disponibilizando informações culturalmente apropriadas sobre a crise.

A pandemia está agravando as consequências de décadas de inação dos países ricos frente as mudanças climáticas, assim como às suas políticas nocivas. Os olhos do mundo estão postos com razão sobre a crise sanitária atual; mas as catástrofes relacionadas com a injustiça climática, tal como o recente ciclone que atingiu Vanuatu, repetem-se sem parar e é necessário encará-las. Os povos do Sul Global mais fortemente atingidos pelos impactos climáticos estão agora extremamente vulneráveis a contrair e disseminar a COVID-19 e carecem de acesso a sistemas de saúde robustos.

Avizinha-se uma crise alimentar profunda, principalmente em países que dependem de importações e onde as terras têm sido destinadas à produção de commodities agropecuárias. À medida que os povos perdem suas fontes de renda e seus meios de sobrevivência, não poderão acessar economicamente os alimentos, que por sua vez estão cada vez mais expostos à especulação financeira. Em muitos países, o fechamento dos mercados locais impede que os alimentos da produção campesina familiar e artesanal cheguem à população, ao mesmo tempo em que privilegia grandes empresas que priorizam seus lucros acima do direito a uma alimentação saudável.

Fazemos frente a esta pandemia num contexto em que a democracia já vinha sofrendo ataques, com eleições manipuladas mediante o controle empresarial de nossos dados e dos meios de comunicação e, inclusive, com golpes de Estado em alguns países. A ascensão da extrema direita e do neofascismo, com seus discursos e políticas misóginas, xenofóbicas, militaristas e racistas, resulta em um ataque frontal a direitos duramente conquistados pelas classes populares e pelo movimento feminista. Muitos governos já começaram a silenciar vozes que defendem uma democracia real e o poder e a participação dos povos pela criminalização e tentativa de desmantelamento de organizações e movimentos sociais.

As mulheres estão enfrentando um aumento brutal da violência e dos feminicídios em todo o mundo. Orientações para ficar em casa estão aprisionando muitas mulheres e seus filhos em lares inseguros, na companhia de agressores e criminosos, sem qualquer lugar para onde ir, nem possibilidade de receber ajuda.

Em tempos em que o escrutínio público e a capacidade de mobilização e protesto se reduzem, enfrentamos ameaças ainda maiores de um incremento dos ataques criminosos contra defensoras/es dos territórios e dos direitos dos povos, assim como a imposição de novos projetos empresariais prejudiciais. Os países com pouca ou nenhuma soberania para produzir muitos insumos fundamentais estão vulneráveis. O risco de que corporações lucrem com essa crise é muito grande – especialmente por meio do controle sobre os sistemas de saúde, alimentação e produção de medicamentos. Soma-se a isso o perigo real de que se usem fundos públicos para salvar grandes empresas, tais como empresas de combustíveis fósseis, que destroem o clima e a biodiversidade.

Nossas Demandas

Para fazer frente a essa crise e suas causas estruturais, Amigos da Terra Internacional se soma ao movimento feminista, campesino, sindical, aos Povos Indígenas e a outros movimentos sociais para exigir que os governos cessem imediatamente a repressão, abandonem as políticas de austeridade, detenham os despejos e incrementem os orçamentos públicos, a justiça fiscal e a distribuição de renda. Fazemos eco, ainda, ao chamado para anulação da dívida externa.

A centralidade da vida e do trabalho de cuidado deve ser reconhecida, com regulações ambientais mais fortes, com o fim da divisão sexual do trabalho e com uma resposta sistêmica para a crise direcionada à justiça ambiental, social, de gênero e econômica e a uma economia feminista.

Governos devem assegurar que os direitos fundamentais à saúde, previdência social, moradia, energia, água, educação, transporte, alimentação e cuidados serão garantidos por meio de serviços públicos providos pelo Estado. Eles devem apoiar financeiramente as classes trabalhadoras e as comunidades. Qualquer dinheiro público deve ser utilizado para colocar os trabalhadores, o clima e a saúde de nosso planeta e nossos povos a longo prazo em primeiro lugar.

Os pacotes de estímulo e recuperação econômica e financeira internacionais e os governos nacionais devem mirar na criação de milhões de empregos decentes que contribuam para impulsionar uma transição justa que nos liberte do capitalismo e da economia dependente de combustíveis fósseis e assegurar a autonomia das mulheres. Os governos não podem oferecer salvamentos incondicionais para grandes poluidores, como empresas de combustíveis fósseis e de aviação. Não podemos retornar aos negócios de sempre após esta crise. Nós devemos estabelecer as fundações de um mundo melhor. Não podemos permitir mais um ciclo de capitalismo agressivo e políticas neoliberais que destroem as vidas dos povos e nosso planeta.

Os governos devem indispensavelmente fortalecer os sistemas alimentares locais, os mercados locais descentralizados e os programas de compras públicas diretas que contribuam para garantir a venda da produção campesina familiar e artesanal e a disponibilidade de alimentos para aqueles que mais necessitam. Os programas públicos direcionados à infância, às pessoas com deficiência e a todas as pessoas que sofrem com a fome devem ser melhorados e ampliados radicalmente.

Precisamos reverter imediatamente a tendência atual de aumentar o poder, os lucros e a impunidade das grandes corporações, o que inclui pôr fim a todas as negociações comerciais e investimentos que dão ainda mais poder às empresas transnacionais, assim como garantir um tratado juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos no âmbito da ONU.

Devem-se abolir urgentemente os mecanismos arbitrais de solução de controvérsias entre investidores e Estados, que permitem que corporações transnacionais processem governos por tomarem ações que protejam a vida, argumentando que essas ações de interesse público são discriminatórias ou uma expropriação indireta de seus investimentos.

Os meios médicos de enfrentamento ao Coronavírus, incluindo uma futura vacina, devem ser acessíveis a todas e todos, com uma suspensão imediata de qualquer direito de propriedade intelectual sobre suprimentos, equipamentos e tratamentos médicos, incluindo medicamentos e vacinas.

Nossas Ações

Nossas ações agora darão forma ao que virá após a crise. Amigos da Terra Internacional e nossos aliados conhecem o caminho a seguir. Nós devemos usar essa oportunidade para lutar e construir uma mudança de sistema, por meio do desmantelamento do patriarcado, bem como outros sistemas de opressão e poder corporativo. Nós precisamos fortalecer nossos esforços para avançar rumo à soberania dos povos e à justiça ambiental, social, de gênero e econômica.

Este é um momento de reafirmar a esperança, alimentando e fortalecendo novos paradigmas ecológicos e emancipatórios, centrados na justiça e na sustentabilidade da vida e em uma nova relação com os trabalhos de cuidado.

A solidariedade internacionalista entre os movimentos e através das fronteiras é fundamental, a medida que construímos uma resposta coletiva a esta crise, organizando e mobilizando nossas comunidades, organizações e movimentos para fortalecer nossas próprias iniciativas e lutar por nossas demandas.

Nossos grupos membros estão organizando e se somando a comitês locais de solidariedade para apoiar as/os mais afetadas/os. Estão somando-se, também, a plataformas políticas de movimentos sociais, junto a sindicatos, organizações campesinas e feministas, para lutar por respostas sistêmicas adequadas frente a esta crise e às múltiplas crises inter-relacionadas que enfrentamos – ambiental, climática e social. Nós seguiremos unidos aos nossos aliados para combater as injustiças que a COVID-19 tem revelado e exacerbado e para construir o mundo que necessitamos.

Os Muros nos Cercam… Mas Eles Cairão!

O texto abaixo integra a campanha #MundoSinMuros que foi publicado em inglês no dia 9 de novembro de 2019 no marco dos 30 anos da queda do muro de Berlim. O objetivo da Campanha contra o Muro do Apartheid está alinhado com o desejo palestino de libertação. É um movimento de base que une a luta dos comitês populares nas aldeias, campos de refugiados e cidades que lutam contra o Muro, construindo alianças na sociedade civil palestina e nos movimentos globais de justiça social. Hoje, dia 30 de março, publicamos o texto em português para somar ao chamado da 5ª Ação Feminista da Marcha Mundial de Mulheres para a Ação das mulheres pela autodeterminação dos povos no Dia da Terra Palestina. Estamos juntas com as companheiras da marcha na resistência ao capitalismo patriarcal e racista que impõe fronteiras e muros e seguiremos em marcha contra os ataques do capital até que todos os povos sejam livres!

Na linha do horizonte, há um muro. Está longe, distante da maioria de nós. Mal o enxergamos, porque acreditamos não fazer parte de nossa realidade. Mas isso é mera ilusão: todo muro nos diz respeito, nos pertence. Então, é importante que apertemos nossos olhos e vejamos melhor. O que é, afinal, aquele paredão maciço no fim da paisagem? De longe, até lembra uma floresta, mas não é nada mais que uma plantação que não deveria estar ali. Com sua voracidade, acabam com o solo, com a água, com a vida no campo. Convertem ricos campos nativos em desertos inóspitos, em que nada cresce, a não ser o lucro de alguns poucos. Tornam reféns as comunidades que lá habitam, que ficam dependentes de uma única fonte para saciar seu desejo de uma vida melhor, encarando a truculência dos bancos ou das balas de jagunços quando rejeitam esse projeto. Muitos não resistem ao ver esse muro se levantar sobre suas terras e partem – do campo para a cidade, onde novos muros os bloqueiam. Podemos vê-los nas monoculturas de eucalipto para a indústria da celulose, nos extensos cinturões agrícolas, em que a soja, a cana-de-açúcar e o milho degradam nossas diversas paisagens, e na queima do Cerrado e da Floresta Amazônica para criação de gado bovino, dizimando ecossistemas inteiros, juntamente às comunidades indígenas e quilombolas que lá habitam. Um muro de morte se ergue no horizonte e nós precisamos derrubá-lo.


No final da rua, há um muro. Embora esteja logo ali, mal o notamos. Naturalizamos os longos e altos muros das cidades. Erguidos pela especulação imobiliária, pelas grandes empresas, pelo Estado, recortam a cidade e restringem o acesso e o movimento. Já envolvem até mesmo nossos parques e nossos rios. Negam a cidade a quem não pode pagar por ela, a quem não quer lucrar com ela. A quem deseja apenas existir e desfrutar de um convívio cidadão com seus vizinhos, seus conterrâneos, seus amigos e colegas. Isolam populações e criam ambientes artificiais de prosperidade e miséria que não se comunicam, não se enxergam e não se ouvem, mas se reforçam. Tomam os centros, deixam nossas cidades inseguras, feias e impessoais. Podemos vê-los no muro que se ergue na expansão de um aeroporto – e expulsão de uma Vila Nazaré inteira – em Porto Alegre, nos inúmeros parques cercados em todo o país, nos condomínios de luxo que ocupam irregularmente áreas públicas e isolam comunidades de seus bens naturais. Um muro de exclusão se ergue no final da rua e nós precisamos derrubá-lo.


Logo em frente à porta, há um muro. E o que acontece dali para dentro sempre dizem que não é da nossa conta. Mas, por ser um muro, nosso muro, nos diz respeito também. E o que ocorre atrás desse muro é perverso e doentio. Violências, violações, abusos. Controle, opressão, ridicularização. Possessividade, desmandos, desatinos. Mulheres e crianças sofrendo constantemente os transtornos do machismo, calcada na violência e no silenciamento sistemático, na brutalidade e no controle, chanceladas por um sistema patriarcal sustentando e sustentado pelo sistema capitalista e por um pacto social escancaradamente desigual. Engana-se, porém, quem pensa que esse muro é físico e que o problema está apenas dentro de casa: ainda que a grande maioria dos casos de agressões aconteçam no ambiente doméstico e por pessoas conhecidas das vítimas, esse muro sutil acompanha mulheres e crianças onde quer que elas vão. São milhares de mulheres espancadas a cada 15 segundos no Brasil, mais de mil mulheres assassinadas apenas por serem mulheres, além das incontáveis crianças que têm suas infâncias torturadas pelo abuso físico, sexual e psicológico de uma sociedade que não dá voz ao seu futuro e substitui o brincar pelo trabalhar. Um muro de violência se ergue em frente à porta e nós precisamos derrubá-lo.

Em frente aos nossos olhos, há um muro. Um muro sutil, erguido pela indiferença e pelo individualismo fomentados pela cultura do capital. Muro que recobre nossos olhos frente o desespero do próximo, que passa fome e humilhação nas esquinas, em frente aos bancos e mercados, implorando com seus olhos e suas mãos por ajuda, por reconhecimento. Mas o muro em frente aos nossos olhos os torna invisíveis: para cada um de nós, para as empresas, para o Estado. Quando os vemos, só enxergamos os problemas. E os seres humanos que ali estão continuam invisíveis, assim como suas vulnerabilidades – fome, doença, insegurança, desconfiança. Mas, também, seus sonhos roubados, seus momentos de alegria escondidos. O aumento da desigualdade social e o aumento da população de rua em até 100% em 3 anos, em uma cidade como Porto Alegre, evidencia o que tentamos não ver. Um muro de invisibilidade se ergue em frente aos nossos olhos e nós precisamos derrubá-lo.


Dentro das nossas cabeças, há um muro. Um muro imaterial que impede nossas trocas, distorcem nossas relações e dificulta nossa compreensão de nós mesmos. Que contém nossas ideias em caixas estanques e nos aprisionam às mesmas ações infrutíferas e viciadas. Nos encerra em bolhas reais e virtuais, em que só falamos as mesmas coisas, mantemos as mesmas discussões, encontramos as mesmas pessoas. Estampa a ansiedade, a depressão e a raiva que nos acomete em profusão epidêmica. Nos dirige à loucura, à apatia, à falta de convívio social. Interdita o diálogo, polariza nossos atos e torna a violência e ódio uma opção política. Um muro de sofrimento se ergue dentro das nossas cabeças e nós precisamos derrubá-lo.


Um muro, contudo, é uma criação humana. Está sujeito a falhas, portanto. E, se observarmos suficientemente de perto, veremos que nenhum desses muros é sólido, rígido e coeso o suficiente: em todos eles, há frestas. Em cada fresta, alguém resiste a esses muros. Resistência que se mostra em ações, muito mais concretas do que esses muros que se erguem contra nossa vontade. Em movimentos agroecológios, de soberania alimentar e reforma agrária de base popular. Nos diversos grupos e comunidades populares que resistem à gentrificação das cidades e gritam bem alto que as cidades também lhes pertencem. Nos incontáveis movimentos feministas que se proliferam ao redor do mundo, na força das mulheres que resistem à tomada de seus corpos, mentes e corações e seguem na luta, em busca de melhores condições de vida e de seus sonhos. Nas muitas iniciativas de inclusão social de pessoas em situação de vulnerabilidade social, em que essas pessoas têm a oportunidade de comer, se abrigar e se relacionar de uma maneira solidária, muitas vezes até mesmo descobrindo um novo ofício. Nos grupos de apoio psicológico, que acolhem as pessoas e oferecem um espaço de conversa franca e reconhecimento mútuo. 


Quanto maiores forem os muros, mais frestas eles terão. Se os muros nos cercam, devemos manter conosco a esperançosa certeza de que, um a um, eles serão derrubados. Enquanto o povo seguir de pé, eles cairão!

Campanha: https://book.stopthewall.org/

Da luta pela moradia em Porto Alegre à defesa dos direitos dos povos na Amazônia

A Amigos da Terra Brasil é uma Organização não governamental dedicada à proteção do meio ambiente e à promoção do desenvolvimento com sustentabilidade e justiça social. Em 1983, ingressou como membro brasileiro da Federação Internacional Friends of the Earth (FoEI), maior rede de grupos ambientais de base, com 73 grupos nacionais e mais de dois milhões de membros e simpatizantes em todo o mundo.

A luta em defesa do meio ambiente e dos povos e a busca pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária é vasta e está conectada de diversas maneiras. Por isso, a organização apoia iniciativas de defensores e defensoras dos povos em todo o país, seja na luta pela moradia em Porto Alegre, seja no combate das queimadas na Amazônia.

Nos últimos anos, a Amigos da Terra tem oportunizado a construção de banheiros em aldeias guaranis sob a ótica indígena, apoiado campanhas financeiras para fortalecer a agroecologia e combater o monocultivo, participado das discussões contra o uso massivo de agrotóxicos, integrando o campo à cidade com a realização da feira agroecológica Frutos da Resistência.

Além disso, vem alertando acerca da possível expansão do capital mineral e os riscos que a mineração representa à biodiversidade e à manutenção dos modos de vida das comunidades, participando ativamente no Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul e nos atos contra a Mina Guaíba, que pretende ser a maior mina de carvão a céu aberto no Brasil.

A partir de uma articulação entre Amigos da Terra Brasil e Amigos da Terra Alemanha (Bund), a luta da Vila Nazaré foi ouvida dentro da reunião de acionistas da Fraport, em 2018. A comunidade resiste até hoje contra uma série de violações de direitos de uma remoção forçada para ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho. Em parceria com a associação de moradores (AMOVIN) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a Amigos da Terra acompanha a luta pelo respeito às famílias desde o início.

Como forma de visibilizar as situações de violência, violações de direitos dos povos e comunidades tradicionais, e os mecanismos de financeirização da natureza, nossa organização dispõe de uma equipe de comunicação que busca produzir conteúdos que ecoem as vozes daqueles que, por vezes, são marginalizados e não possuem espaço na dita mídia hegemônica.

Para que você conheça um pouco dessa atuação, selecionamos as reportagens e conteúdos produzidos no último período, referente aos ataques sofridos por comunidades indígenas no Rio Grande do Sul, a luta da Vila Nazaré pelo direito à moradia, os riscos do avanço da mineração e o combate às queimadas na região do Acre:

Fraport cria cenário de guerra na Vila Nazaré: escombros, ameaças e remoções ilegais

Visita ao assentamento Apolônio de Carvalho e ao loteamento Guaíba City evidencia danos sociais e ambientais do projeto Mina Guaíba, da Copelmi

Retomada Mbya Guarani da Ponta do Arado recebe placas solares para geração de energia e maior segurança frente às recentes ameaças sofridas

Em um final de semana, três ataques a comunidades indígenas no RS

O ganha-ganha por trás das queimadas da Amazônia

O ganha-ganha por trás das queimadas da Amazônia [parte 2]

Mulheres Atingidas por Barragens em Altamira são exemplo de luta por direitos

O dia 8 de março é um marco internacional de luta das mulheres por direitos. Em Altamira, no Pará, as mulheres impactadas pela barragem de Belo Monte são exemplo de força e resistência no enfrentamento aos desafios trazidos pela construção de grandes empreendimentos. Com a chegada da hidrelétrica no Rio Xingu, mais de 10 mil famílias precisaram sair de seus lares para ir morar em casas pré-moldadas, desconectando-se do modo de vida que estavam acostumadas, a maioria das famílias perdeu o vínculo comunitário e, em raras situações, foi possível manter a rede de apoio e solidariedade que existia entre as mulheres há tantos anos.

A população de Altamira aumentou de 99 mil habitantes em 2010, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), para 170 mil, segundo a prefeitura municipal de Altamira, em levantamento de 2013. O incremento populacional trazido pela construção da barragem não foi acompanhado de políticas públicas ou por parte da empresa para estabelecer toda estas pessoas, em maioria trabalhadores e migrantes em busca de promessas de prosperidade. Com as obras para a construção da hidrelétrica, os RUCs (Reassentamentos Urbanos Coletivos) construídos pela empresa longe do centro para reassentar as famílias impactadas, com escolas, saúde e transporte público deficitários, favoreceu um incremento na violência do município. Como relata Francinete Novais, do RUC Laranjeira: “a empresa faz a propaganda que a casa é boa, mas vai fazer quatro anos que eu moro nesta casa e eu já precisei reformar quatro vezes”.

A cidade chegou a liderar o ranking das mais violentas do país em 2017 e caiu para o segundo lugar em 2019 segundo o Atlas da Violência. Mães, avós, irmãs, tias, passaram a ver a juventude ser morta frequentemente. As creches e escolas que levam a marca da Prefeitura Municipal de Altamira e da empresa Norte Energia estão sucateadas e não conseguem atender a toda a população. Hoje, há poucas alternativas para que os jovens possam ter seus momentos de lazer e educação. Junto a isso, cresce também a violência contra a mulher, que se dá para além de quando ocorre um feminicídio, ela acontece na dificuldade de diálogo com a empresa e as lideranças mulheres. Está também na burocracia no atendimento de saúde que torna um entrave na realização de exames para as mulheres na saúde pública. 

Em Altamira, as mulheres enfrentam o preconceito e a discriminação ao viver nos RUCs, localizados na periferia da cidade. Ivanir, desempregada, relata qual a situação que passa ao procurar um emprego formal: “já coloquei vários currículos, quando a pessoa vê que sou do RUC Água Azul e dizem que aqui é muito violento, mas eu moro aqui à 5 anos”. A dificuldade em conseguir emprego na região central do município e a falta de oportunidade de geração de renda dentro dos  próprios reassentamentos. Francinete descreve que “várias mulheres que eu conheço estão desempregadas. Eles (Norte Energia) não colocaram nenhuma atividade para gente, nem um curso, nada. Os homens têm prioridade para trabalhar. Nós mulheres também queremos trabalhar, não queremos depender de homem”, defende.

A gestão financeira das famílias tem sido um dos principais desafios com o desemprego de jovens e mulheres aliado ao preços na tarifa de energia elétrica. Hoje o valor pago pela energia na região é a mais cara do país, cerca de R$ 0,67/KWh.Em comparação com São Paulo, R$ 0,34/KWh, o valor é 50% mais caro, segundo dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Além de receber os impactos de Belo Monte, a população não teve benefícios na conta de luz, pelo contrário a conta de luz que antes era em média de R$ 70,00 mensais, passou a ser R$ 300,00 mensais.

O atual processo de desenvolvimento do modelo capitalista e também do atual modelo energético é o que mais viola direito humanos e neste processo as mulheres são as mais impactadas. Quando uma barragem é instalada em um território, as mulheres são as que mais sofrem. Como afirma Josiane, uma das atingidas e reassentadas: “quando falta de água, somos nós mulheres que mais sofremos, pois somos nós que temos que cozinhamos, limpamos a casa, lavamos roupa”. Por isso, muitas vezes, a defesa da água passa a ser uma tarefa das mulheres. 

Também, quando a hidrelétrica chega aos territórios, são as mulheres as primeiras a se organizarem e lutarem por seus direitos e, de modo consequente, passam a ser perseguidas por sua força ser uma ameaça a conclusão do megaempreendimento. Infelizmente, temos a triste experiência do ocorrido com Dilma e Nicinha, lutadoras contra a violação de direitos na construção das barragens, que foram assassinadas por colocar suas forças em defesa de seus territórios. 

E diante de tantos desafios, as mulheres têm seguido firmes. Seguem como protagonistas em defesa da vida, do corpo-território, da vida comunitária, da vida dos seus territórios e da manutenção de seu modo de vida. É neste sentido que passam a ser guardiãs dos territórios, sendo co-criadoras para resistir e reinventar a luta em defesa das vidas, por democracia e por direitos. 

Veja o depoimento das mulheres atingidas por barragens de Altamira que, tomadas de consciência dos seus direitos, seguem tomando voz e lutando contra a violação promovidas pelo sistema capitalista-patriarcal: 

Atingidas por barragens marcham em defesa dos direitos das mulheres em Altamira/PA

Mulheres atingidas por barragens sairam às ruas de Altamira, no Pará, na manhã desta sexta-feira (06) para denunciar a violência e os ataques aos direitos historicamente conquistados pelas mulheres. A ação faz parte das lutas do 8 de Março, Dia Internacional de Luta das Mulheres e do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB).


A marcha com o tema “Nós mulheres estamos combinando de não morrermos pelo ódio e prepotência do machismo, capitalismo e racismo” reuniu centenas de mulheres e homens de diferentes idades e seguiu pelas ruas centrais de Altamira. O ato encerrou em frente ao Fórum Municipal para exigir Energia elétrica sem exploração da tarifa (o município tem uma das tarifas mais caras do país, mesmo com a produção de Belo Monte); Políticas Públicas nos bairros, nos Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs) e no campo; Saúde Pública com a construção de Hospital Materno Infantil, ações de prevenção a casos de câncer e debate da política de descriminalização do aborto; Demarcação das terras rurais às mulheres; Enfrentamento contra a violência à mulher; políticas de enfrentamento ao encarceramento feminino e segurança pública aos jovens da região.

Nos cartazes também haviam denúncias das violações sofridas por mulheres amazônicas e visibilidade para a luta em defesa da floresta.

Fotos Carol Ferraz

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