Pau que dá em Francisco não dá em Chico

Movimentos e organizações sociais participaram em peso dos atos nacionais em defesa da democracia na semana passada – Foto: Jorge Leão

O coração dos progressistas se encheu de alegria e esperança com as imagens simbólicas da posse presidencial no início do mês e com os discursos dos novos ministros no decorrer dos dias. Já o dos bolsonaristas estava carregado de ódio e de vingança, quando destruíram os prédios dos três poderes, no dia 8 de janeiro, em Brasília. Apesar da vitória eleitoral e de uma coalizão ampla de setores e interesses, unidos na centralidade do restabelecimento da democracia no país, os golpistas seguem fortemente organizados. Evidenciando que a posse foi somente uma das batalhas vencidas, e que, ainda, são muitas as trincheiras para derrotar o fascismo.

Um dos exemplos concretos disso é a presença contínua de pessoas na porta de quarteis confabulando mentiras e atentando contra a Constituição ao pedirem a intervenção militar. Mesmo após meses, seguem sob sol e chuva, nesse delírio coletivo. De igual modo, assusta a adesão e o apoio de empresários, celebridades, parlamentares e muitos membros das forças repressoras, aos atos antidemocráticos, os quais, a despeito da posição que ocupam, não estão comprometidos com o respeito às instituições. E claro, o espetáculo do caos armado no dia 8 de janeiro, em que golpistas confundem manifestação da liberdade de crítica com vandalismo, banalizando o patrimônio histórico nacional. Longe de fatos espontâneos e isolados, a desordem parece muito bem financiada e organizada para confundir as massas.

:: Posse presidencial: saiba quem subiu a rampa e passou a faixa para Lula ::

Há, ainda, uma grande adesão de parcelas da sociedade brasileira ao bolsonarismo. Muito embora algumas delas não apoiem os rumos que a destruição dos prédios dos três poderes tomaram, seguem alimentando mentiras nas redes sociais. Esses quinhões sociais não frequentam debates públicos e nem se colocam abertos ao diálogo, pelo contrário, estão refugiados em bolhas virtuais acessando um conteúdo perigoso, destinado a produzir e reproduzir alienação. Que os dilemas das redes sociais são um risco para a democracia, especialistas já apontavam na última década; resta saber até quando permitiremos que este seja um espaço não regulado que ameace valores democráticos e de coletividades.

Recordemos que as permissividades de práticas autoritárias vêm marcando nossa história desde as marchas de 2013. Naquela época a polícia militar, em diversos estados, repreendeu violentamente manifestantes que, neste caso sim, lutavam por direitos constitucionalmente assegurados. Ao longo de toda a resistência ao golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff, parlamentares e a grande mídia foram coniventes com ilegalidades. Com a perseguição política ao presidente Lula, também observamos a seletividade do sistema punitivo, quando a Operação Lava Jato quebrou com as garantias fundamentais do presidente, sem qualquer comprometimento com o devido processo legal. Nesse período, nascia o ódio à organização política partidária, especialmente ao Partido dos Trabalhadores (PT), emergindo valores conservadores e violentos na sociedade que, agora,  desafiam a democracia.

Os bolsonaristas estão nas famílias, nas escolas, nos condomínios, nas empresas que compramos produtos e, como cada vez mais sinalizam as investigações, possuem ligações com o agronegócio, o garimpo e as madeireiras. As revelações da quebra do sigilo de 100 anos mostram que, ao invés de combater a corrupção – uma das principais pautas do governo anterior – estes grupos estão inteiramente ligados a ela, e pior, foram eleitos ao Congresso.

Como enfrentar este desafio e unir o Brasil? Certamente, as saídas que apresentaremos a esses fascistas dirão muito sobre que tipo de democracia iremos construir, sobretudo, como política de governo. Questões estruturais históricas que antes vinham sendo negligenciadas estão colocadas na mesa por alguns dos novos ministros. A decisão pela existência de um Ministério dos Povos Indígenas (MPI), as indicações para cargos que envolvem população negra e LGBTQI+, a preocupação com o aumento da representatividade de mulheres, situam um outro lado da disputa.

:: “A resistência secular preta e indígena” toma posse: Guajajara e Anielle são ministras ::

“Nunca mais, um Brasil sem nós!”

A frase de Sônia Guajajara, proferida em seu discurso de posse como ministra dos Povos Indígenas, ecoou durante a semana, demarcando que um grupo historicamente excluído do poder chegou a ele.  Disse ela: “Estamos aqui, de pé! Para mostrar que não iremos nos render. A nossa posse aqui hoje, minha e de Anielle Franco (Ministério da Igualdade Racial), é o mais legítimo símbolo dessa resistência secular preta e indígena no Brasil!”. Será que os donos do poder, com seus bárbaros bolsominions, irão aceitar?

Ministra Sônia Guajajara participa de ritual indígena do povo Terena durante sua posse / Sérgio Lima / AFP

Sônia, e toda a simbologia de sua posse, relembra os muitos indígenas e seus aliados que perderam a vida diante de toda a violência do colonialismo, convidando todos a caminhar, a partir da cosmologia indígena, para repensar o uso da terra e coabitarem junto a outros seres. Em suas palavras, define um sentido para a democracia que quer construir, a “democracia do bem-viver”.

A democracia também esteve marcada na fala de Anielle Franco que, recordando a memória de sua irmã, comprometeu-se a pôr fim à política de morte e construir justiça, reparação e democracia. Assim, enunciou: “Precisamos identificar e responsabilizar quem insiste em manter esta política de morte e encarceramento da nossa juventude negra, comprovadamente falida. Assim como estamos identificando e responsabilizando quem executou, provocou e financiou a barbárie que assistimos no último domingo”.

Durante a posse da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi sancionada a lei que tipifica a injúria racial como racismo / Sergio Lima / AFP

Para construir o “verdadeiro Brasil que tomou posse”, “juntas”, Anielle destacou que será necessário enfrentar as dívidas do passado “até que os sonhos de nossos ancestrais se tornem realidade”. Em sua posse, a ministra convidou os demais ministros, o governo e o povo brasileiro a revisitar nosso passado para responsabilizar os atores e, assim, construir equidade.

Duas mulheres, uma negra e uma indígena, que chegam à posição de ministras neste país inundado de contradições sociais, aguerridas e determinadas a mudar o sentido da democracia, que até agora as elites dominantes proveram. Diferentemente daquelas que usam da violência, as imagens movidas são da reciprocidade, da coletividade, da solidariedade, das relações de afeto com a terra. Oposto ao Brasil da barbárie, Sônia diz: “o Brasil é plural, é alegria, é colorido e solidário!”.

Um país com a democracia em disputa

O coração dos progressistas se encheu de alegria e esperança com as imagens simbólicas da posse presidencial no início do mês e com os discursos dos novos ministros no decorrer dos dias. Já o dos bolsonaristas estava carregado de ódio e de vingança, quando destruíram os prédios dos três poderes, no dia 8 de janeiro, em Brasília. Apesar da vitória eleitoral e de uma coalizão ampla de setores e interesses, unidos na centralidade do restabelecimento da democracia no país, os golpistas seguem fortemente organizados. Evidenciando que a derrota eleitoral e a posse foram somente uma das batalhas vencidas, e que, ainda, são muitas as trincheiras para derrotar o fascismo.

Movimentos e organizações sociais participaram em peso dos atos nacionais em defesa da democracia na semana passada – Foto: Jorge Leão

Um dos exemplos concretos disso é a presença contínua de pessoas na porta de quarteis confabulando mentiras e atentando contra a Constituição ao pedirem a intervenção militar. Mesmo após meses, seguem sob sol e chuva, nesse delírio coletivo. De igual modo, assusta a adesão e o apoio de empresários, celebridades, parlamentares e muitos membros das forças repressoras, aos atos antidemocráticos, os quais, a despeito da posição que ocupam, não estão comprometidos com o respeito às instituições. E claro, o espetáculo do caos armado no dia 8 de janeiro, em que golpistas confundem manifestação da liberdade de crítica com vandalismo, banalizando o patrimônio histórico nacional. Longe de fatos espontâneos e isolados, a desordem parece muito bem financiada e organizada para confundir as massas.

Há, ainda, uma grande adesão de parcelas da sociedade brasileira ao bolsonarismo. Muito embora algumas delas não apoiem os rumos que a destruição dos prédios dos três poderes tomaram, seguem alimentando mentiras nas redes sociais. Esses quinhões sociais não frequentam debates públicos e nem se colocam abertos ao diálogo, pelo contrário, estão refugiados em bolhas virtuais acessando um conteúdo perigoso, destinado a produzir e reproduzir alienação. Que os dilemas das redes sociais são um risco para a democracia, especialistas já apontavam na última década; resta saber até quando permitiremos que este seja um espaço não regulado que ameace valores democráticos e de coletividades. 

 Recordemos que as permissividades de práticas autoritárias vêm marcando nossa história desde as marchas de 2013. Naquela época a polícia militar, em diversos estados, repreendeu violentamente manifestantes que, neste caso sim, lutavam por direitos constitucionalmente assegurados. Ao longo de toda a resistência ao golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff, parlamentares e a grande mídia foram coniventes com ilegalidades. Com a perseguição política ao presidente Lula, também observamos a seletividade do sistema punitivo, quando a Operação Lava Jato quebrou com as garantias fundamentais do presidente, sem qualquer comprometimento com o devido processo legal. Nesse período, nascia o ódio à organização política partidária, especialmente ao Partido dos Trabalhadores (PT), emergindo valores conservadores e violentos na sociedade que, agora,  desafiam a democracia.  

Os bolsonaristas estão nas famílias, nas escolas, nos condomínios, nas empresas que compramos produtos e, como cada vez mais sinalizam as investigações, possuem ligações com o agronegócio, o garimpo e as madeireiras. As revelações da quebra do sigilo de 100 anos mostram que, ao invés de combater a corrupção – uma das principais pautas do governo anterior – estes grupos estão inteiramente ligados a ela, e pior, foram eleitos ao Congresso. 

Como enfrentar este desafio e unir o Brasil? Certamente, as saídas que apresentaremos a esses fascistas dirão muito sobre que tipo de democracia iremos construir, sobretudo, como política de governo. Questões estruturais históricas que antes vinham sendo negligenciadas estão colocadas na mesa por alguns dos novos ministros. A decisão pela existência de um Ministério dos Povos Indígenas (MPI), as indicações para cargos que envolvem população negra e LGBTQI+, a preocupação com o aumento da representatividade de mulheres, situam um outro lado da disputa.

“Nunca mais, um Brasil sem nós!”

Ministra Sônia Guajajara participa de ritual indígena do povo Terena durante sua posse / Sérgio Lima / AFP

A frase de Sônia Guajajara, proferida em seu discurso de posse como ministra dos Povos Indígenas, ecoou durante a semana, demarcando que um grupo historicamente excluído do poder chegou a ele.  Disse ela: “Estamos aqui, de pé! Para mostrar que não iremos nos render. A nossa posse aqui hoje, minha e de Anielle Franco (Ministério da Igualdade Racial), é o mais legítimo símbolo dessa resistência secular preta e indígena no Brasil!”. Será que os donos do poder, com seus bárbaros bolsominions, irão aceitar? 

Sônia, e toda a simbologia de sua posse, relembra os muitos indígenas e seus aliados que perderam a vida diante de toda a violência do colonialismo, convidando todos a caminhar, a partir da cosmologia indígena, para repensar o uso da terra e coabitarem junto a outros seres. Em suas palavras, define um sentido para a democracia que quer construir, a “democracia do bem-viver”.

A democracia também esteve marcada na fala de Anielle Franco que, recordando a memória de sua irmã, comprometeu-se a pôr fim à política de morte e construir justiça, reparação e democracia. Assim, enunciou: “Precisamos identificar e responsabilizar quem insiste em manter esta política de morte e encarceramento da nossa juventude negra, comprovadamente falida. Assim como estamos identificando e responsabilizando quem executou, provocou e financiou a barbárie que assistimos no último domingo”. 

Brazilian new Minister for Racial Equality, Anielle Franco, gestures during her swearing-in ceremony at the Planalto Palace in Brasilia on January 11, 2023. (Photo by Sergio Lima / AFP)

Para construir o “verdadeiro Brasil que tomou posse”, “juntas”, Anielle destacou que será necessário enfrentar as dívidas do passado “até que os sonhos de nossos ancestrais se tornem realidade”. Em sua posse, a ministra convidou os demais ministros, o governo e o povo brasileiro a revisitar nosso passado para responsabilizar os atores e, assim, construir equidade. 

Duas mulheres, uma negra e uma indígena, que chegam à posição de ministras neste país inundado de contradições sociais, aguerridas e determinadas a mudar o sentido da democracia, que até agora as elites dominantes proveram. Diferentemente daquelas que usam da violência, as imagens movidas são da reciprocidade, da coletividade, da solidariedade, das relações de afeto com a terra. Oposto ao Brasil da barbárie, Sônia diz: “o Brasil é plural, é alegria, é colorido e solidário!”.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2023/01/17/um-pais-com-a-democracia-em-disputa 

Nota de repudio contra los actos terroristas que destruyeron el patrimonio público del pueblo brasileño en un intento fracasado de golpe. En defensa de la democracia: ¡el pueblo que ha elegido a Lula va a garantizar su gobierno!

Amigos de la Tierra Brasil, organización social con más de 50 años de actuación nacional por Justicia Ambiental, viene a público, en ese momento vil de la historia de Brasil, repudiar vehementemente los actos golpistas practicados por bolsonaristas de destrucción del Congreso Nacional, del Supremo Tribunal Federal y del Palacio del Planalto (predio de la administración central del gobierno federal). Tales actos son antidemocráticos y se configuran como prácticas terroristas. Las intenciones violentas de estos grupos han sido claramente expuestas a la sociedad brasileña.

Con enorme pesar e indignación, asistimos los actos violentos y de depredación, con connivencia de la seguridad pública e inacción insubordinada de las Fuerzas Armadas, en la Plaza de los Tres Poderes. El mismo lugar en que, hace algunos días, en el 1° de enero de 2023, vivenciamos, con más de 40 mil personas delante de la rampa del Palacio del Planalto, y más de 300 mil en total en las celebraciones en el Eje Monumental en Brasilia, la mayor fiesta popular y democrática de todos los tiempos: la toma de posesión del presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recibiendo la banda presidencial de las manos de representantes del pueblo brasileño.

Delante de la barbarie, la Policía Militar del Distrito Federal no actuó, siendo no solamente negligente, sino connivente. También es condenable la postura del gobernador del distrito ahora alejado, Ibaneis Rocha, quien solo después de presión política exoneró el jefe de seguridad pública, exministro de la Justicia de Bolsonaro. Por eso, es necesario pesquisar y punir a los responsables por la gobernabilidad, por la seguridad pública y por no haber ejercido sus mandatos y compromisos con el Estado Democrático de Derecho, ni haber resguardado, como responsables según la ley, los marcos civilizatorios y democráticos de una nación.

Todos los involucrados, desde los que estuvieron presentes en los actos hasta los financiadores de tales movilizaciones, deben ser severamente pesquisados y punidos por la destrucción, pero sobre todo por el atentado contra la democracia. ¡No podrá haber cualquier tipo de amnistía a esta barbarie fascista y golpista! Es necesario cambiar la historia y responsabilizar a aquellos que usan la violencia contra las elecciones y las instituciones democráticas. ¡Que episodios como este, de avance fascista, no vuelvan a existir en Brasil, en América Latina y en el mundo! ¡Basta de tentativas de golpes contra gobiernos democráticamente elegidos por el pueblo! 

Como personas brasileñas y diversas, integrantes de una organización social comprometida con la justicia ambiental, social, económica, de género y en el combate a la opresión de clase, raza o heteronormatividad, no podemos dejar de solidarizarnos delante de este atentado contra el pueblo brasileño. Esperamos que este episodio sirva de lección para la construcción de caminos de superación de tantas heridas, violencias y deudas históricas que el país tiene que enfrentar con las mujeres, los pueblos originarios, quilombolas y negro, para poder convertirse en una sociedad dignamente humana y democrática.

Convocamos, con el conjunto de movimientos populares del campo democrático brasileño, a todas las personas que defienden la democracia, la paz, el amor y el respeto; a todos los pueblos de este país en su grandiosa riqueza y diversidad, a estar en las calles hoy (9/01). Contamos, también, con la solidaridad internacionalista de los movimientos sociales en todo el mundo que actúan en la defensa de la democracia, contra el fascismo y en la construcción de sociedades justas y sustentables, interdependientes y eco dependientes, libres de todas las formas de opresión, en las que los derechos humanos de los pueblos sean respetados y cumplidos, y con la sustentabilidad de la vida en el centro de su acción, construcción social y política. Se hace necesaria toda manifestación pública de apoyo en defensa de esos valores compartidos y ¡en contra los ataques a la democracia y los pueblos de Brasil! 

Rodas de conversa da AFP: enfrentamento à fome, à violência e construção de soberania alimentar

A Aliança Feminismo Popular constrói, junto às mulheres, espaços de diálogos pelo fim da violência contra a mulher, do racismo estrutural, da falta de moradia e da fome. No mês de novembro, as companheiras relembraram a luta contra o racismo com o Dia da Consciência Negra (20) e o Dia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres (25), ressaltando que a luta é diária.
 
A Aliança também denuncia o absoluto descaso do governo federal frente às desigualdades e a falta de políticas públicas, pois a violência ocorre em todos os lugares e atinge mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. E a sua raiz está no sistema capitalista, patriarcal e racista, que exerce controle, apropriação e exploração do corpo, da vida e da sexualidade.
 
Esse debate é permanente na agenda da Aliança Feminismo Popular, que salienta que a violência não é um fenômeno isolado e individual de um homem contra uma mulher. Mas sim um instrumento de controle e de disciplina do corpo, da vida e do trabalho das mulheres.
 

No mês de novembro, para avivar a luta e memorar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta Contra a Violência às Mulheres, a Aliança Feminismo Popular preparou o vídeo abaixo.

A coordenadora da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos, lê um trecho do manifesto publicado pela AFP para marcar a data:

Clique aqui e confira o manifesto preparado pela Aliança Feminismo Popular na íntegra

Em dezembro deste ano, dando continuidade às pautas de novembro, que são cotidianas na vida de todas nós, a AFP realizou atividades com mulheres em Porto Alegre (RS). Marcadas por dois encontros e muita construção coletiva.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No dia 15 aconteceu uma roda de conversa com as mulheres da Cozinha Solidária da Azenha, projeto do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) que desde o início da pandemia de Covid-19 assegurou, em Porto Alegre, de 200 a 250 almoços diários para a população em vulnerabilidade. A Cozinha Solidária da Azenha se soma a outras 31 Cozinhas Solidárias do MTST espalhadas pelo Brasil, e ao longo do ano, com carinho e afeto, distribuiu mais de 1,5 milhões de refeições gratuitamente.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Conheça mais sobre a Cozinha Solidária da Azenha aqui

Cerca de 15 mulheres que tocam o cotidiano da cozinha e são responsáveis pela organização e limpeza do espaço, pelo preparo das refeições e atendimento à população que circula por ali estiveram presentes, além das representantes da AFP. Conversaram sobre a dura condição das mulheres nesta sociedade capitalista e patriarcal e as violências que sofrem.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No encontro, assistiram ao vídeo da Campanha Sem Culpa, Nem Desculpa, lançada pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), em 2017. Ambas são organizações feministas que abordam de forma geral como a violência afeta a vida das mulheres, assim como as formas e formatos de violência que incidem em nossos cotidianos.

Abaixo você confere o vídeo Sem Culpa, Nem Desculpa:

A AFP também fez a entrega de kits de higiene para as companheiras da Cozinha Solidária. Todas ficaram comprometidas em buscar um outro momento para avançar na auto-organização das mulheres.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Dando sequência, o dia 18 de dezembro contou com mais uma roda de conversa, dessa vez com as mulheres envolvidas no projeto da horta comunitária do Morro da Cruz. A horta está completando dois anos de existência, e começou na pandemia devido à necessidade de fazer enfrentamento às situações de fome e insegurança alimentar.

Roda de conversa na Horta Comunitária do Morro da Cruz

Para além da resistência, e como anúncio de novas possibilidades para a alimentação, a Aliança pauta ainda a construção da soberania alimentar. Tendo isso em vista, desde 2020, teve início a construção de uma horta em espaço público da comunidade, que antes era utilizado como estacionamento de carros.

E assim vem se fortalecendo a organização das mulheres no espaço, que em dois anos conta com cerca de vinte companheiras com as suas famílias – entre crianças e companheiros, que também se envolvem nos debates e construções. O dia 18 foi um momento de confraternização e encerramento do ano, e contou também com a roda de conversa sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres, tema que perpassa a vida das mulheres e de suas famílias. Ainda nessa perspectiva, este dia também contou com apresentação e diálogo sobre o filme “Sem culpa nem desculpa”.

Horta Comunitária do Morro da Cruz

Tendo em vista que muitas vezes a falta de dinheiro pressupõe priorizar a comida ao invés de absorventes ou produtos de higiene, que ajudam na vida das companheiras, a Aliança distribuiu novamente kits de higiene neste encontro. Uma ação que também foi voltada a um resgate de processos de autocuidado e de autoestima das companheiras. Em conexão com outra pauta fundamental da horta comunitária, que é a alimentação, também foram distribuídos alimentos do Movimento Sem Terra (MST), que em aliança constante e solidariedade com a AFP constrói momentos assim. Feijão, arroz, leite e farinha láctea compuseram o kit alimentar.

Entrega de kits na Horta Comunitária do Morro da Cruz

O momento contou com cerca de 15 mulheres. A maioria segue participando dessa construção de luta desde o início: se auto organizando, se sentindo cada vez mais um grupo, e se percebendo em um espaço de segurança para conversar. E, sobretudo, para pensar a alimentação, no caso da horta, como um fomentador para o debate do feminismo e da vida cotidiana das mulheres na periferia de Porto Alegre.

A violência contra a mulher não é o mundo que queremos. O fortalecimento do feminismo popular segue, assim como a luta contra a exploração, as opressões, o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Estamos juntas para transformar o mundo.

Não deixe de acompanhar o blog da Aliança Feminismo Popular, onde é possível conhecer as construções coletivas e de luta das companheiras

 

A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer

A Aliança Feminismo Popular desde seu início tem se pautado na luta pela autonomia das mulheres em seus territórios, o enfrentamento às múltiplas crises sistêmicas ao mesmo tempo em que tem construído junto às mulheres espaços de diálogos para um olhar coletivo para a problemática da violência e do racismo estrutural.

Nestes dias de ativismo que vão desde o 20 de novembro – Dia da Consciência Negra e passa pelo 25 de novembro – Dia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres – denunciamos a misoginia, o racismo estrutural, o feminicídio também como uma forma de mostrar o absoluto descaso do governo federal frente às desigualdades e a falta de politicas públicas que respondam a tudo isto. E o que é ainda mais grave, o avanço da extrema direita, com o aval do Governo Federal, trouxe ainda mais insegurança e violência para a vida das mulheres, das mulheres pobres, das mulheres jovens e sobretudo das mulheres negras.

Ao mesmo tempo que chegamos ao final de 2022 renovadas de esperanças, depois de enfrentar nas urnas a necropolítica misógina da extrema direita, as fake news, a compra de votos – saímos vitoriosas elegendo Lula novamente presidente do Brasil e dando sobrevida a nossa recente democracia.

Somos um coletivo forte, irmanadas nesta esperança e com muita vontade de seguirmos na construção de um mundo mais justo e mais igual para todas nós. Com esta força precisamos retomar a agenda de políticas públicas para as mulheres, em especial às de enfrentamento da violência e reconstrução de toda uma rede de apoio necessária para que as mulheres não só rompam o ciclo da violência, como também consigam retomar suas histórias de vida.

 A violência ocorre em todos os lugares da sociedade, seja em casa, nas ruas, no transporte, no ambiente de trabalho, escola, faculdade, clubes, sindicatos, partidos políticos ou nas redes sociais. E atinge as mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. É a maior expressão das desigualdades vividas entre homens e mulheres na sociedade, e a raiz disto tudo está neste sistema capitalista, patriarcal e racista que exerce controle, apropriação e exploração do corpo, vida e da sexualidade das mulheres.

A pandemia associada a um governo genocida de extrema direita só fez aumentar a violência contra as mulheres e os casos de feminicídio. É evidente a falta de compromisso e omissão das instituições, dos governos e do sistema judiciário em erradicar a violência contra as mulheres e meninas em nossa sociedade além da compreensão de que as mulheres são sujeitas de direitos e devem assim exercer este direito de forma plena e emancipatória.

Este debate é permanente na agenda da Aliança Feminismo Popular. As denúncias do movimento feminista tem desnaturalizado a violência e a colocado como um tema que deve ser tratado publicamente no âmbito dos direitos das mulheres a uma vida sem violência onde cada vez mais as mulheres reconhecem suas diversas manifestações e denunciam. Outro aspecto muito importante é a compreensão de que a violência não é um fenômeno isolado e individual de um homem contra uma mulher, mas sim um instrumento de controle e disciplina do corpo, da vida e do trabalho das mulheres na sociedade capitalista/patriarcal e racista.

O combate à violência é um compromisso de toda a sociedade, não só das mulheres. Esta luta deve ser de todos os movimentos sociais, todos os dias, numa campanha permanente. Enfrentar a violência contra as mulheres deve ser um compromisso do novo governo e seremos parceiras nesta retomada. Não se trata apenas de punir os homens, mas de mudar toda a sociedade.

🚩 Para avivar a luta e memorar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta Contra a Violência às Mulheres, a Aliança Feminismo Popular preparou o vídeo abaixo e atividades com mulheres em Porto Alegre (RS), que ocorrerão nos próximos dias. Confira o relato das companheiras:

* Conteúdo publicado no blog da Aliança Feminismo Popular (AFP), em: https://afeminismopopular.wixsite.com/site/post/a-viol%C3%AAncia-contra-a-mulher-n%C3%A3o-%C3%A9-o-mundo-que-a-gente-quer 

 

Em meio ao segundo turno e com pouca visibilidade, governo gaúcho tenta avançar com privatização da Corsan

Uma audiência pública online foi anunciada para o próximo dia 18/10, às 11h

Sem diálogo popular, constrói-se mais um ataque aos direitos básicos da população: um dia após as eleições do primeiro turno , o governo gaúcho tenta avançar com a entrega da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) para a iniciativa privada, lançando a convocação para audiência pública online com objetivo de avançar com o processo. A empresa pública é responsável pelo abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de mais de 6 milhões de usuários em 317 dos 497 municípios gaúchos e existe desde 1965.

Na segunda-feira (3), uma convocação para discutir a privatização foi publicada no Diário Oficial do Estado anunciando a audiência pública a ser realizada no próximo dia 18 de outubro, terça-feira, a partir das 11h, de forma virtual. De acordo com o governo,  a audiência tem por objetivo “garantir a publicidade de todas as condições relevantes da desestatização da Corsan, bem como colher sugestões e contribuições para o aprimoramento do processo”. Processo esse que avança quase sem diálogo social, em meio a um segundo turno das eleições. Vale lembrar que a não privatização da Corsan era uma das promessas do ex-governador Eduardo Leite (PSDB).

O andamento da privatização sequer leva em consideração a possibilidade da população dizer não à venda de uma empresa que atende a um setor estratégico como o saneamento. Na proposta, não são lembrados os riscos que essa medida poderá gerar para os municípios mais pobres e para a população em geral. Na mesa, durante a audiência deverão estar representantes da Corsan, do governo do Estado, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco Genial. O link de acesso para participação será divulgado no site da Sema (Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura): www.sema.rs.gov.br/privatizacoes.

Afinal, quem disse que a Corsan precisa ser privatizada? 

A verdade é que não. Em junho deste ano, um estudo da Consultoria GO Associados afirma que a Corsan possui capacidade financeira para cumprir com as metas do chamado Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, aprovado pela Câmara Federal e sancionado em 2020, sob a Lei 14.026. O próprio levantamento indica que a empresa pública gaúcha está entre as 10 companhias que cumprem as 4 exigências econômico-financeiras estabelecidas pela nova legislação: índices de margem líquida, grau de endividamento, retorno sobre patrimônio líquido e suficiência de caixa. A Corsan arrecada mais do que gasta e tem capacidade de realizar os investimentos para cumprir as metas de saneamento que o país precisa atingir, até 2033: 99% da população com acesso à água potável e 90% com saneamento básico. Contraditoriamente, o principal argumento do governo gaúcho para realizar a privatização, é afirmar, sem comprovar através de dados, que por uma questão financeira só seria possível atingir a meta com a venda de ações da empresa gaúcha.

A Corsan teve nos últimos 5 anos um lucro líquido médio de R$ 300 milhões por ano, chegando em 2020, a um faturamento bruto de R$ 3,2 bilhões. Além disso, desde 2019, ganhou na Justiça o direito de não pagar impostos federais, por ser uma empresa pública e lidar com um setor fundamental como o saneamento. Em 2021, isso gerou uma economia de R$ 126 milhões de impostos, na média, até 2033 esse valor poderia chegar a aproximadamente R$ 1,5 bilhão, mais do que o R$1 bilhão que o governo esperava arrecadar com a venda de ações na bolsa de valores. Os dados são do Sindiágua/RS.

Além disso, é importante entendermos porque dizemos que as empresas públicas são estratégicas. A Corsan, através do subsídio cruzado, cumpre com um papel que empresas privadas não cumpririam: de investir recursos em municípios cuja arrecadação das tarifas é mais baixa do que os custos de operação do sistema de tratamento.

Reafirmamos que a água é um bem público e o acesso à água potável deve ser assegurado pelo Estado sem torná-lo uma mercadoria, onerando a população. Sabemos que municípios empobrecidos sofrerão mais com a lógica de mercado e podem ter sua segurança hídrica comprometida, pois a iniciativa privada tende a se interessar somente por cidades grandes e ricas para destinação de recursos. É preciso articulação para barrar esse retrocesso, primeiro enterrar a privatização da Corsan, e em um novo governo, reverter a legislação privatista do Novo Marco Legal do Saneamento,  que visa beneficiar as empresas privadas.

Sempre é tempo de reverter ações que não beneficiam o povo. Seguindo o exemplo de países europeus, como aponta um estudo do Instituto Transnacional (TNI), que entre 2000 a 2019, 312 cidades em 36 países reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto. Entre elas, Paris (França), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia). No país vizinho, Bolívia, nos anos 2000, uma massiva mobilização popular conseguiu expulsar a transnacional norte-americana, Bechtel Holding, que geria o sistema de água e esgoto de Cochabamba, região central do país, após o aumento de até 200% no preço da água, em um episódio que ficou conhecido como a Guerra da Água.

Em carta, Rede Alerta contra os Desertos Verdes denuncia os impactos da expansão das monoculturas

Nesse dia 21 de setembro, dia em que é comemorado o dia da árvore, marcamos Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores. Por isso, a Rede Alerta contra os Desertos Verdes, articulação da qual a Amigos da Terra Brasil integra, denuncia a expansão das monoculturas, sua cadeia logística-industrial e os inúmeros impactos ambientais e sociais, que resultam em perda de biodiversidade e de qualidade de vida, no campo e na cidade.

Enquanto a empresas e a governança pública embarcar na falácia do “manejo florestal sustentável” e do “carbono neutro”, as empresas de celulose e siderurgia intensificam sua propaganda verde e comemoram seus lucros, ao mesmo tempo em que armam seus latifúndios. Não é possível glorificar a importância das árvores, ao passo que se expandem as monoculturas de eucalipto.

Em trecho da carta, a articulação exige que o Estado cumpra seu papel de garantidor da soberania dos povos sobre seus territórios, com medidas urgentes para assegurar integridade física das comunidades indígenas, quilombolas e campesinas. “Que se defenda a vida do povo e não os interesses das empresas”, aponta o documento.

Leia a íntegra da carta abaixo ou acesse aqui o pdf com o arquivo.

Carta do Encontro Nacional da Rede Alerta contra os Desertos Verdes
Alerta! Alerta! 21 de setembro de 2022. Alerta! Alerta!

No dia da árvore, sob a farsa do “manejo florestal sustentável” e do “carbono neutro”, as empresas de  celulose e siderurgia intensificam sua propaganda verde, enquanto comemoram seus lucros e armam seus latifúndios. Enquanto glorificam a árvore, expandem suas monoculturas de eucalipto. Com apoio do
Estado, o agro é cada vez mais tóxico. Monocultura=Monofuturo.

Nós, integrantes da Rede Alerta contra os Desertos Verdes, composta por comunidades indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu e camponesas, ativistas, pesquisadores, advogados populares, sindicatos, organizações e movimentos sociais, nos reunimos entre os dias 16 a 19 de setembro de 2022 na Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, no município de Prado, Extremo Sul da Bahia. Neste encontro percorremos territórios e trocamos experiências acerca dos impactos da monocultura (principalmente de eucalipto) e da indústria de celulose em nossas vidas, assim como de nossas lutas de resistência e construção de outras realidades.

Denunciamos, mais uma vez, que a expansão das monoculturas e sua cadeia logística e industrial produzem inúmeros impactos ambientais e sociais, que resultam em perda de biodiversidade e de qualidade de vida, no campo e na cidade.

Um de seus efeitos mais perversos é a redução das possibilidades de sucessão geracional de famílias quilombolas, indígenas, e camponesas em seus territórios, com a diminuição abrupta das condições de agricultura e extrativismo e, por consequência, de sua segurança alimentar, marginalizando, criminalizando e expulsando comunidades de seus territórios ancestrais.

Como medidas agudas de expulsão das famílias que reivindicam seus territórios em áreas sobrepostas pelos monocultivos de eucalipto e pelo agronegócio são feitas diversas ameaças, que são concretizadas em atentados às vidas das comunidades, a exemplo do caso recente do assassinato do indígena Pataxó Sarã (“raiz” na língua nativa Pataxó) de 14 anos, na Terra Indígena Comexatibá (Prado/BA), do incêndio criminoso no Ponto de Memória Mesa de Santa Bárbara da Comunidade Quilombola do Linharinho (Conceição da Barra/ES), e da prisão política do Professor, Poeta e Produtor Cultural Flávio Prates após ação de despejo ocorrida na área do Acampamento Nova Trancoso (Trancoso/BA).

A pulverização, inclusive aérea e por drones, de agrotóxicos nos monocultivos geram a contaminação do solo, dos cursos de água, da flora e fauna, das plantações e dos moradores do entorno. Esta situação será agravada pela liberação de eucaliptos transgênicos tolerantes ao herbicida Glifosato. Além disto, os grandes maciços de monocultivos são responsáveis por secar nascentes, córregos, lagoas e poços, e empobrecer e degradar a fertilidade dos solos, culminando em sua erosão, pois substitui a diversidade dos biomas por uma única planta replicada em série.

Os efeitos ambientais locais dos monocultivos tornam as comunidades atingidas mais vulneráveis aos desdobramentos da emergência climática, principalmente a crescente ocorrência de longos períodos de estiagem e o aumento da temperatura da superfície terrestre.

O transporte de toras de eucalipto por caminhões desde as plantações até as fábricas de celulose degrada as estradas, produz ruído dia e noite, afeta a qualidade do ar pela geração de poeira e emissão de gases de efeito estufa, aumenta os níveis de atropelamento de fauna silvestre, e aumenta dramaticamente o risco de acidente nas estradas, já tendo ocorrido inúmeros acidentes inclusive com casos de morte de pessoas, em diferentes locais do Brasil.

Os impactos socioambientais das fábricas de celulose também são significativos tendo em vista as grandes quantidades de água utilizadas e grandes quantidades de efluentes industriais despejados nos rios, que podem conter elementos extremamente tóxicos como as dioxinas e furanos,  produzidos em função do branqueamento do papel com Cloro. Estas  industrias produzem altos níveis de ruídos, e emissão atmosférica de materiais particulados, fuligem, serragem e compostos de enxofre (que causam forte odor característico), esta poluição pode causar inúmeros problemas respiratórios como tosse, irritação das vias aéreas, dificuldade de respiração, asma, além de ardência nos olhos, vertigem, dor de cabeça, náusea, falta de apetite, distúrbios emocionais como irritação e depressão, e pode levar à problemas cardiovasculares. Além do permanente risco de acidentes que trabalhadores e populações residentes do entorno das fábricas estão expostos.

Atreladas às ações capitalistas empresariais, estão diferentes esferas do Estado. Esta aliança do setor dos monocultivos de árvores com o Estado brasileiro tem raízes na ditadura militar e segue até os dias de hoje, através de benefícios fiscais e de financiamentos públicos; da proteção do aparato policial/militar; da não execução dos processos de reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas e dos processos de demarcação e titulação coletiva das terras indígenas (o governo Bolsonaro cumpriu sua promessa e foi o primeiro a zerar demarcações em terras indígenas); da aprovação na CTNBio de variedades transgênicas de eucalipto sem o estudo dos possíveis impactos na saúde humana e ambiental, tal como a falta de informações as populações potencialmente atingidas; do desmonte da legislação e dos órgãos de licenciamento e fiscalização ambiental; e da ausência de efetivação das políticas de permanência das populações camponesas, quilombolas e indígenas no campo.

Frente ao exposto conclamamos toda a sociedade civil organizada e exigimos, principalmente do Estado brasileiro, as seguintes medidas com extrema urgência:
– A titulação coletiva dos territórios quilombolas e indígenas, com efetiva garantia da soberania destes
povos sobre seus territórios;
– A implantação de novas terras para uma reforma agrária com princípios agroecológicos;
– O atendimento integral das reivindicações expressas na I Carta das Comunidades Quilombolas do
Extremo Sul da Bahia, de dezembro de 2021;
– A não liberação de novas árvores transgênicas, e o não plantio das árvores transgênicas já liberadas
pela CTNBio;
– Que a CTNBio se atenha a observação do princípio da precaução e da avaliação criteriosa e científica na
liberação de transgênicos, escandalosamente não observados em suas liberações, e rotineiramente
documentados, como no caso do eucalipto transgênico H421;
– A não aprovação do Projeto de Lei 1.366/22 que está tramitando na Câmara dos Deputados e visa
retirar a silvicultura da lista de atividades “potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos
ambientais”, retirando a necessidade de licenciamento ambiental;
– Maior tributação, regulação, e rigor nos processos de licenciamento ambiental e fiscalização dos
monocultivos e das indústrias de celulose;
– A proibição da pulverização aérea de agrotóxicos;
– A garantia da segurança e integridade física das comunidades indígenas, quilombolas e campesinas. Que se defenda a vida do povo e não os interesses das empresas.

Ressaltamos ainda que em função das diversas violações de direitos relatados reconhecemos como legitimas e necessárias as retomadas dos territórios dos povos e comunidades tradicionais invadidos, saqueados e degradados pelas empresas do setor da celulose e demais monocultivos do agronegócio.

21 de setembro de 2022
Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores
Rede Alerta contra os Desertos Verdes

Eleições no Brasil: Por um legislativo pautado na Justiça Ambiental a partir de 2023

No dia de hoje (15/09), Dia Internacional da Democracia para as Nações Unidas, celebramos a possibilidade de retomada da democracia no Brasil e a força da pauta da Justiça Ambiental como fato histórico nas plataformas de candidaturas construídas a partir das bases dos partidos de esquerda, dos movimentos sociais, dos povos do Brasil em sua diversidade e, em especial, das mulheres, que cada vez mais ocupam o espaço público apesar da crescente violência política machista e patriarcal. A duas semanas do pleito que deve eleger novos representantes aos cargos de Presidência, Governos dos 27 estados brasileiros, Senado, Câmara de Deputados e Assembleias legislativas estaduais, essa eleição é chave para a restauração da democracia no Brasil, tão vilipendiada nestes anos desde o Golpe contra a ex-Presidenta Dilma Rousseff em 2016. É o momento para que as forças progressistas do país possam retomar o controle político, capturado de forma geral por pautas conservadoras, do ponto de vista dos costumes, e destruidoras do aspecto social, econômico e ambiental.

Em 3 de outubro, dia seguinte ao das eleições, é o Dia Nacional da Agroecologia. Um bom lembrete para ter em mente na hora do voto. Ouvir o “trililim” da urna não deve se resumir a um breve momento de ação democrática para cada uma e cada um de nós, cidadãos e sujeitos da política brasileira. A decisão do dia 2 de outubro se refletirá pelos próximos 4 anos e, a depender das condições políticas  e das lutas que seguiremos travando, terá impactos para o resto das nossas vidas e das próximas gerações. É preciso estarmos, como povo, atentas/os, fortes e organizadas/os para derrotar o fascismo e reconstruir a nossa própria história.

Esse é um chamado para que esse voto para o Executivo e Legislativo, em nível federal e estadual, seja um momento de ação pelo resgate e fortalecimento das políticas públicas, de valorização da agricultura familiar, dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, de redução das desigualdades sociais nas cidades e no campo, de garantia dos direitos, da autonomia e da vida das mulheres e de barrar o avanço da boiada e das violências.

Nunca antes no Brasil houve tanta articulação e unidade dos movimentos com a representatividade de povos e setores sociais hoje organizados em mais de 182 candidaturas indígenas em 24 estados, 17 candidaturas quilombolas, sendo nove chapas coletivas em ao menos treze estados, além de um aumento de 2,2%, em relação às eleições passadas, das candidaturas de mulheres com  9.415 candidatas, além de cerca de 8.597 candidaturas de partidos do campo da esquerda.

Justiça Ambiental: um desafio que precisa ser incorporada nos programas dos partidos que priorizam a vida e a humanidade acima do lucro

Enfrentamos crises cada vez mais profundas que ameaçam os sistemas ecológicos que sustentam a vida de todos os seres e os direitos humanos e dos povos ao redor do mundo. As crises sistêmicas (do clima, de alimentos, de perda de biodiversidade, de acesso água e socioeconômica) já têm alterado os sistemas naturais, com enormes implicações para os povos e comunidades cujos meios de produção e reprodução da vida estão sendo destruídos, que enfrentam deslocamentos e perda de suas casas e terras, para quem a falta de água, a doença e a fome são realidades cotidianas. Essas profundas crises socioecológicas são exacerbadas pelo aumento da desigualdade e das crises políticas, e o recorte de classe, raça e gênero nos grupos sociais mais atingidos é tão nítido quanto sistêmico, pois está na raiz patriarcal, colonial e exploradora dos corpos, do trabalho e da natureza no sistema capitalista. As decisões políticas e os assaltos à democracia impactam especialmente a classe trabalhadora e a população empobrecida, que frente à desigualdade social vive em condições cada vez mais precárias, chegando ao ponto de se alimentar de ossos e disputar espaço para morar em locais com pouca ou sem infraestrutura, inseguros e sujeitos à violência armada e impune, seja nas cidades, seja no campo.

Para a superação do racismo ambiental, atrelado às desigualdades sociais, a realização da justiça ambiental está baseada  nos direitos dos povos e na soberania popular, que precisa ser construída com organização social e política nas suas mais diversas formas e expressões. Em sua defesa, cabe às/aos candidatas/ organizadas/os em partidos políticos comprometidos com essa pauta, e que serão eleitas/os no mês que vem, atuar para  tornar realidade que todas as pessoas neste país acessem, de forma igualitária, os serviços de saúde, tenham qualidade ambiental, que seus corpos e territórios sejam respeitados no seu alimento, cultura, modo de vida, trabalho, e livres de todas as formas de opressão, seja de classe, raça, crença, gênero ou orientação sexual. É preciso trazer a justiça ambiental para o centro de uma agenda ecológica para o Brasil, atenta às urgências do nosso tempo e ao acúmulo de saberes e fazeres populares, em especial das mulheres, dos povos indígenas e quilombolas, que há séculos vem re-existindo e tecendo o esperançar por um mundo melhor e pela cura da Terra.

Enquanto organização do movimento pela Justiça Ambiental brasileiro, com mais de meio século de atuação, colocamo-nos no diálogo com candidaturas dispostas a avançar em projetos políticos para a soberania alimentar e hídrica, a proteção e o cuidado popular e comunitário dos territórios, para uma transição energética justa e feminista, e para a construção de economias que tenham no centro a  sustentabilidade da vida.

No campo e nas cidades, o desafio é imenso para candidaturas dispostas a encarar os obstáculos na realização do direito à cidade, incluindo a população crescente que precisa escolher entre pagar aluguel ou comprar alimentos e acaba ameaçada de despejo ou ocupando áreas mais inseguras, poluídas ou distantes do trabalho e dos equipamentos sociais de transporte, saúde e educação. A concentração e especulação de terras é obscena e contribui para a destruição da natureza e para a expulsão das pessoas na cidade como no campo.

No combate à fome, é urgente a criação de políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar na produção de alimentos saudáveis, em detrimento dos monocultivos que envenenam e não alimentam, e das iniciativas das cozinhas solidárias que, juntas, desafiam o modelo comercial neoliberal e o lucro das cadeias controladas por empresas transnacionais do agronegócio. Precisamos de candidaturas que apoiem movimentos sociais de reforma agrária e urbana, indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais não somente em relação a projetos a serem votados, mas também em aliança na luta cotidiana, acabando, assim, com o legado de miséria e violência  do governo Bolsonaro.

Nesse diálogo, ouvimos e apresentamos aqui o que  pensam algumas candidatas e alguns candidatos de diferentes regiões do Brasil sobre a centralidade da pauta da  Justiça Ambiental nas suas plataformas e partidos. Para além das eleições, acreditamos que os frutos dessa construção de narrativas e candidaturas representativas da diversidade dos povos do Brasil já é um avanço histórico na retomada da democracia e para a construção de um Brasil com soberania popular que nos faz esperançar.

Veja, no vídeo, como pensam alguns/algumas candidatos/as comprometidos/as com a pauta da Justiça Ambiental:

Chamado à Solidariedade e apoio a defensores desaparecidos no Vale do Javari/AM Brasil

Na manhã de domingo, 5 de junho, o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, colaborador do jornal The Guardian, desapareceram na Terra Indígena do Vale do Javari, no estado do Amazonas, Brasil. Perdeu-se as informações dos defensores enquanto realizavam o trajeto entre a comunidade Ribeirinha São Rafael (ponto de saída) até a cidade de Atalaia do Norte (ponto onde se esperava por eles). Ambos estavam trabalhando num projeto da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

A Terra Indígena do Vale do Javari foi demarcada em 2001, sendo habitada por 26 povos indígenas, dentre eles povos isolados e de contato recente. Situa-se numa zona de fronteira tensa entre Brasil, Peru e Colômbia, em razão da presença do narcotráfico. O território vem sendo alvo de constantes invasões por madeireiros e garimpeiros, criando um cenário de muita tensão na área, com denúncias de abuso sexual infantil e ameaças a defensores de direitos humanos locais, entre eles Bruno Araújo. Essas invasões têm sufocado os modos de vida tradicionais.

Outro problema é com a gestão da coordenação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), realizada por um militar de carreira. Em 2021, entidades indigenistas denunciaram o coordenador por declarações de incentivo à violência e ao genocídio indígena. Cabe ressaltar que a promoção da violência aos povos indígenas e seus territórios tem sido a tônica da ação do governo bolsonarista no Brasil. A organização indígena UNIVAJA relatou que vem recebendo ameaças nas ações em campo, e que tais denúncias já haviam sido encaminhadas para a Política Federal, Ministério Público Federal e entidades de direitos humanos. Em 6 de setembro de 2019, o indigenista Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado na região.

Nesse sentido, conclamamos a solidariedade internacionalista para que possa pressionar o governo brasileiro, por meio de atos públicos nas embaixadas brasileiras, divulgação e produção de matérias sobre o caso, denúncia das invasões à Terra Indígena do Vale do Javari, para que o Estado Brasileiro:

  1. Continue enviando equipe de buscas e investigação, fornecendo todo o aparato de helicópteros, barcos, contingente de agentes para a localização dos desaparecidos. Segundo relatos locais, as buscas não vêm sendo feitas adequadamente;
  2. Realize investigações e puna responsáveis pela invasão do Território Indígena do Vale do Javari;
  3. Assegure os direitos territoriais e a autodeterminação dos povos indígenas no Brasil.

Amigos da Terra Brasil
7 de Junho de 2022



Da aldeia para o mundo: pesquisadora Balatiponé Umutina é a primeira indígena doutora do seu povo no Brasil

Eliane Monzilar conclui doutorado em antropologia e é exemplo de garra e de luta pelo acesso à educação para  os indígenas

Ixota Ixipana (boa tarde). “Meus pais sempre me incentivaram a estudar.  Vejo que isso foi uma inspiração. Sempre quis aprender o novo, em princípio tenho receio, mas me encanta. Foi o novo que me levou a trilhar estes caminhos, e a oportunidade que meus pais não tiveram serviu de inspiração. Ver a realidade de outras mulheres, de lutar pela sua independência e principalmente por ser mulher e indígena. Essas inspirações fizeram com que eu abdicasse de muitas coisas para eu seguir este processo da academia. Não foi fácil mas foi possível, apesar de todas as dificuldades psicológicas, logísticas e financeiras. Saí da aldeia para estudar em um outro contexto, uma outra vivência e você tem que se adaptar. Mas valeu muito a pena”.  Eliane Monzilar Umutina fala de sua trajetória acadêmica com amor, respeito e valorização. A doutora em antropologia  é parte do povo Balatiponé Umutina e tem contato com o universo da pesquisa desde muito jovem. 

Eliane Monzilar em sua aldeia, no Estado do Mato Grosso. Foto: Edna Monzilar

Ela conta que em sua aldeia natal, Umutina, costumeiramente, vinham acadêmicos para  pesquisar os anciãos, com o objetivo de compreender a história do seu povo. Eliane explica que isso lhe chamou muito a atenção desde a época de sua graduação pois, historicamente, o povo Umutina vem de um processo de colonização muito brutal de violência, não só física, de modo que quase chegara a ponto de ser exterminado, mas também de violência cultural e linguística. Isso a teria despertado para que ela, enquanto indígena, pudesse realizar sua pesquisa, voltada para as narrativas da educação escolar indígena, pois sua tese é uma etnografia do processo da educação escolar e da escola do povo Balatiponé Umutina, de como era antes com os não indígenas e a partir  do momento da conjuntura onde estes novos autores atuam e ficam à frente desta nova escola. “A graduação me motivou para que eu pudesse conhecer minha própria identidade e fortalecer os saberes do povo Balatiponé Umutina. E a antropologia colabora nesse sentido na minha pesquisa. Porém, quando entro me deparo com a questão do espaço, do engessamento, do sistemático, da radicalidade. Eu imaginava que a antropologia era algo, mas me deparei com um pensamento eurocêntrico. Tive que quebrar várias barreiras, com os professores, com os docentes, com os colegas mesmo.”

Eliane trabalha na aldeia Umutina, localizada dentro do território inígena Umutina, no Estado do Mato Grosso, e o município próximo à cidade de Barra dos Bugres. A aldeia Umutina fica a cerca de 120  quilômetros da capital Cuiabá. O território tem cerca de 28.120 hectares e abarca cerca de 14 aldeias, as quais foram se construindo no decorrer dos anos, e ainda hoje algumas estão em processo de construção. O povo Umutina tem cerca de 700 pessoas, sendo a maioria crianças, jovens e adultos. A aldeia é multiétnica e subdividida pelos nove povos que ali residem. O povo originário é o Balatiponé Umutina, Bakairi, Bororo, Parecis, Nambiquara, Terena, Manuke, Chiquitano e recentemente, Suruí. Entre os integrantes do espaço, existem indígenas casados com outras etnias e também com não indígenas.  A organização política do povo é: o cacique, que representa a comunidade, tem as lideranças e as organizações locais, que tem a associação, a organização do povo, a escola, a equipe da escola, a equipe da saúde e a comunidade. As pessoas vivem da seguinte forma: tem os funcionários públicos, que são da área da saúde e tem também os funcionários da educação, divididos entre estado e município. Tem ainda alguns funcionários da FUNAI (Fundação Nacional do Índio)  e a maioria da população vive sobrevivendo com suas roças familiares, fazem seus negócios, o pescado e o artesanato também são formas de sobrevivência. 

A indígena é professora da rede estadual de educação da secretaria SEDUC e está, atualmente, na gestão desde 2021 como diretora à frente da Escola Jula Pare. Esta é assistida pelo município das séries iniciais, da alfabetização ao quinto ano, que são servidos pelo município de Barra dos Bugres. Além desta, existe ainda uma segunda instituição, a escola do Estado, responsável por atender a educação básica do sexto ao nono ano, o ensino médio e a modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos). 

Escola indígena na qual Eliane atua até hoje, em prol da educação para todos. Foto: Arquivo Pessoal

Na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em Porto Alegre, recentemente, estudantes indígenas conquistaram a CEI (Casa do Estudante Indígena). Já na UNB (Universidade de Brasília), o espaço para estudantes indígenas, a “Maloca”, já se consolidava nos anos de 2012/2013. “Entre 2002 e 2005, começam os primeiros ingressos de indígenas na graduação. Quando entrei no mestrado já era uma demanda da graduação na UNB, lutando por um espaço. Em 2012/13, já estava consolidada a ‘Maloca’, espaço próprio dos indígenas. Ela tem toda uma estrutura de apoio de secretaria para este estudante, logística, pedagógica e social também. Apesar do desafio, que hoje ainda tem, esta foi uma conquista positiva”, conta Eliane Monzilar. O cenário de luta também é motivado pelo preconceito que permeia a vida do estudante indígena. A doutora em antropologia destaca que, quando precisou escolher quem a iria orientar no seu TCC (trabalho de conclusão de curso), uma professora queria a orientar.

Contudo, devido à recusa de Eliane, a professora chegou a lhe dizer que “se meu trabalho não fosse com ela, não seria bom. Senti que o ego dela ficou ferido por não ter sido escolhida por uma indígena.”

Por esses e outros motivos, a jornada de Monzilar é considerada motivo de celebração. “É um marco importante, não só na minha história pessoal, mas uma conquista coletiva. Por passar por vários momentos de encantos e desencantos, mas aprendi, tive resistência. Por trás de Eliane não estava só Eliane, estava um povo, uma ancestralidade; meus avós maternos e paternos, e isso me fortaleceu. Esta minha experiência foi a primeira e pode ser uma abertura para que outras experiências, principalmente de mulheres, não só indígenas, mas mulheres que têm limitações de acessar espaços como a universidade.” Formada na área de Ciências Sociais, Monzilar foi da primeira turma do Projeto Terceiro Grau Indígena, iniciativa pioneira a nível local, nacional e até internacional, responsável pela formação de 200 professores indígenas. O projeto foi uma demanda das lideranças da época, principalmente dos caciques do movimento indígena, com destaque para aqueles enraizados no Mato Grosso, onde foi executado esse projeto durante cinco anos. 

Formada em 2005, Eliane participou também da primeira e única turma contemplada com um concurso diferenciado para professores indígenas. “Eu fiz a especialização em Educação Escolar Indígena, e em 2012 eu finalizei e tive a oportunidade de fazer o projeto, fiz o meu mestrado profissional em Desenvolvimento Sustentável e também fui a primeira indígena do povo Balatiponé Umutina a ganhar o título de mestra. Eu o fiz no Departamento de Turismo e de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília. Também foi um momento importante por ter sido uma das primeiras vezes em que o departamento se lançou em um mestrado profissional onde estavam presentes indígenas e indigenistas.”

Monzilar finalizou o mestrado em 2012 e, em 2015, apareceu a oportunidade de fazer doutorado. Esta etapa era um sonho da jovem Umutina, mas ela nunca imaginara que um dia o alcançaria. Ela se superou e, em 2019, defendeu sua tese, o que foi muito importante durante todo esse processo de luta, de busca e de fortalecimento pessoal para a acadêmica. “O doutorado me proporcionou também a estar em vários contextos culturais linguisticamente, pois tive a oportunidade de fazer um doutorado ‘sanduíche’. Fiquei 12 meses em um projeto de intercâmbio cultural de diálogo de saberes entre Brasil e Suriname. Tive a experiência de conviver com os indígenas do Suriname, não somente conhecendo, mas fazendo essa convivência bem próxima e também apresentando a cultura indígena do Brasil, especialmente a do povo Balatiponé Umutina, da qual eu pertenço.” Ela participou também de  um projeto de intercâmbio com os indígenas da Colômbia.

“Foi uma experiência muito significativa de poder interagir em contextos, culturas e línguas diferentes. Tanto Suriname quanto Brasil e Colômbia foram experiências muito marcantes na minha vida, tanto  acadêmica quanto  profissional.”

Eliane tem como sonho para o futuro: trabalhar com indígenas na formação de professores. “Acho que são caminhos que estão se abrindo para, posteriormente,  consolidar-se. Hoje faço parte, fui convidada no ano passado para ser professora na faculdade indígena intercultural.” A etnografia foi um sonho realizado em sua vida pois, como destaca, seu povo e os indígenas, no geral, sempre foram pesquisados, e hoje se abriu então a oportunidade de eles mesmos se pesquisarem e também de o fazer com os não indígenas. “Quem sabe no pós doc eu possa fazer isso!”.