Enchente no RS: desastre gaúcho coincide com chuva extrema no clima ao redor do mundo

Várias partes do planeta sofreram com chuva extraordinária no mesmo momento em que o Rio Grande do Sul sofria com chuva extrema

Texto da MetSul Meteorologia publicado originalmente em https://metsul.com/desastre-gaucho-coincide-com-chuva-extrema-no-clima-ao-redor-do-mundo/

Um dos episódios mais extremos de chuva já registrados no Rio Grande do Sul na última semana deixou saldo de mais de 40 mortos e número também superior de desaparecidos. Em toda a história gaúcha, somente um evento extremo de chuva trouxe mais vítimas e ocorreu no mês de setembro em 1959, quando oficialmente mais de 90 pessoas perderam suas vidas pela chuva nos municípios de Passa Sete e Sobradinho, no Centro gaúcho.

Acumulados de chuva de 200 mm a 400 mm atingiram grande parte da Metade Norte gaúcha no começo deste mês. Estação meteorológica particular chegou a anotar 390 mm na região de Passo Fundo. Várias outras estações da região com registros confiáveis indicaram mais de 300 mm entre o Alto Jacuí, o Planalto Médio e os Campos de Cima da Serra.

A estação oficial do Instituto Nacional de Meteorologia em Passo Fundo anotou o maior volume em 24 horas para o mês de setembro desde o começo das medições em 1913 com 164,4 mm até 9h do dia 4. O mesmo ocorreu com a estação de Cruz Alta, com dados desde 1912, que registrou 160,8 mm em 24 horas até 9h do dia 4.

Os volumes excessivos sobre a Metade Norte do Rio Grande do Sul no começo deste mês foram consequência da influência de uma área de baixa pressão com rio atmosférico que trouxe grande quantidade de umidade. Esse cenário, reforçado pelo avanço de uma frente fria pelo território gaúcho, favoreceu intensa instabilidade com muitas descargas e chuva com volumes excessivos a extremos.

A meteorologista da MetSul Estael Sias observa que o episódio de chuva extrema no Rio Grande do Sul não pode ser observado isoladamente. Na mesma semana em que os gaúchos passavam por um dos maiores desastres de sua história, outras partes do mundo enfrentavam chuva com volumes extraordinários e sem precedentes.

“A atmosfera é única e o planeta está passando neste momento por um processo acelerado de aquecimento, por causas humanas e naturais, que levou o mundo a ter os meses de julho e agosto com as maiores temperaturas globais já registradas até hoje pela ciência”, observa a meteorologista da MetSul.

Espanha, Grécia, Turquia, Líbia e China foram alguns dos países castigados na última semana por episódios extremos de chuva e com acumulados muito mais altos e impressionantes que os observados no Sul do Brasil. “O Rio Grande do Sul não é uma ilha e a mesma atmosfera que aqui deseja água também traz muita água em outras partes do planeta”, destaca.

“Hoje, no mundo, vivemos uma ‘tempestade perfeita’ que favorece o aquecimento do planeta: temos o aquecimento por emissões antropogênicas [seres humanos], o fenômeno natural El Niño com forte intensidade, maior atividade solar e uma quantidade extraordinária de água gerada pela erupção do vulcão de Tonga que alcançou a estratosfera e aquece o planeta”.

Conforme Estael Sias, a forma com que a atmosfera libera a energia extra gerada pelo maior aquecimento é por eventos extremos, como chuva, tempestades e ciclones. Este ano, pela primeira vez na história, houve ciclones tropicais de categoria 5 em todas as regiões em que se dão estes ciclones. O último foi Lee, no superaquecido Atlântico Norte.

“Que todos estes extremos estejam ocorrendo simultaneamente tem uma forte pegada das mudanças no clima agravadas pelo ser humano. São fenômenos que normalmente já ocorrem, com ou sem interferência humana, mas se tornam mais frequentes e intensos à medida que aumentam as concentrações de gases estufa e a temperatura da Terra”, enfatiza.

CHUVA DE 158 MM EM UMA HORA EM HONG KONG

Hong Kong, na China, teve chuva recorde na última semana com imagens chocantes das ruas do território chinês tomadas por inundação repentina e forte correnteza que mais lembrava a de rios. As chuvas recordes atingiram a cidade entre quinta e sexta-feira, inundando ruas e estações de metrô, causando deslizamentos de terra e deixando pelo menos duas pessoas mortas e mais de 100 feridas.

Reportagens da televisão local e vídeos postados nas redes sociais mostraram água correndo pelas ruas inundadas de Hong Kong e na vizinha Shenzhen, na província de Guangdong. Os metrôs foram inundados, bem como um túnel que ligava a ilha de Hong Kong a Kowloon.


A água da enchente inunda um shopping center em Hong Kong em 8 de setembro de 2023. Chuvas recordes em Hong Kong causaram inundações generalizadas nas primeiras horas de 8 de setembro, interrompendo o tráfego rodoviário e ferroviário poucos dias depois de a cidade ter escapado de grandes danos de um supertufão. | BERTHA WANG/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Observatório de Hong Kong informou que registrou 158,1 mm de chuva em apenas uma hora, no horário entre 23h e 0h, horário de Hong Kong, no final da quinta. Foi o maior registro horário de chuva desde que os registros começaram em 1884. Mais de 20 centímetros caíram em Kowloon e na Ilha de Hong Kong.

Escolas, empresas e mercados financeiros foram fechados na sexta-feira. O secretário-chefe de Hong Kong, Eric Chan, disse aos jornalistas que as chuvas eram consideradas uma experiência de “uma vez no século” e eram muito difíceis de prever. Meteorologistas do Observatório de Hong Kong disseram que a chuva veio de um sistema de baixa pressão associado aos restos do tufão Haikui, que atingiu a costa da província chinesa de Fujian na terça-feira.

INUNDAÇÕES REPENTINAS NA ESPANHA

A Espanha foi outro país duramente castigado por chuva extrema na última semana. O número de mortos devido às fortes chuvas que atingiram a maior parte da Espanha no fim de semana passado atingiu cinco na sexta-feira, depois que a polícia recuperou os corpos de dois homens que haviam sido dados como desaparecidos.


Carro destruído no meio de um rio na cidade de Aldea del Fresno, na região de Madri, em 4 de setembro de 2023. Afetada há meses por uma seca histórica, a Espanha foi atingida por chuvas torrenciais que deixaram pessoas mortas e desaparecidas. Efeito de fenômeno meteorológico conhecido como “Dana” (“Depressão Isolada de Alto Nível da Atmosfera”, em espanhol). | OSCAR DEL POZO CAÑAS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A tempestade, que varreu todo o país, transformou as ruas em torrentes violentas, jogou carros nos rios e destruiu estradas e pontes. As tempestades interromperam as viagens de dezenas de milhares de pessoas no último fim de semana antes do início do novo ano letivo.

Madri foi duramente castigada, mas o pior ficou nos arredores da cidade. As ligações ferroviárias de alta velocidade entre a capital espanhola e a região Sudoeste da Andaluzia e a região da costa Leste de Valência foram uma das principais vias de comunicação forçadas a encerrar.

CHUVA DE TRÊS ANOS NA GRÉCIA

Um dilúvio de proporções épicas se abateu sobre a Grécia. Após semanas de ondas de calor e incêndios, chuvas torrenciais provocaram inundações generalizadas na Grécia Central no início de setembro. Ao longo da tempestade de quatro dias que começou em 4 de setembro, mesmo dia do desastre no Rio Grande do Sul, as enchentes submergiram casas, transformaram ruas em rios caudalosos e varreram carros para o mar.

As fortes chuvas foram alimentadas por um sistema de tempestade de baixa pressão parado que foi intensificado por uma corrente de jato. Esta tempestade foi de natureza semelhante à que causou chuvas torrenciais na Espanha na véspera e faz parte de um sistema meteorológico incomum, no qual uma zona de alta pressão está imprensada entre duas áreas de baixa pressão. Este bloqueio ômega foi responsabilizado tanto por uma onda de calor fora de época no Reino Unido como pelas inundações catastróficas em Espanha, Grécia, Bulgária e Turquia.


Imagem aérea de 8 de setembro de 2023 de uma estrada parcialmente destruída em uma área inundada perto da vila de Itea, no Centro da Grécia. Na Grécia, Turquia e Bulgária, a chuva matou pelo menos 14 pessoas. | ANGELOS TZORTZINIS/AFP/METSUL METEOROLOGIA

A Grécia Central foi uma das regiões mais atingidas pela tempestade em termos de chuvas, com quantidades recordes caindo na região da Tessália em 5 de setembro. Os níveis mais altos de chuva, 754 milímetros em 24 horas, caíram em Zagora, uma vila perto do Monte Pelion, logo a Nordeste de Volos.

Ao final do episódio, algumas cidades somavam mais de mil milímetros de chuva ou três anos de precipitação média. Para efeito de comparação, a capital Atenas recebe em média cerca de 400 milímetros por ano. O rio Krafsidonas, que nasce no Monte Pelion, transbordou em Volos e destruiu uma ponte em seu caminho.

O mapa abaixo mostra uma estimativa baseada em satélite das taxas de precipitação (em milímetros por hora) sobre a Grécia em 6 de setembro, enquanto as fortes chuvas continuavam. Os vermelhos mais escuros refletem as taxas de precipitação mais elevadas, que atingiram novamente a Grécia Central, bem como áreas ao Sul, incluindo Atenas.

Os dados são estimativas de sensoriamento remoto provenientes do Integrated Multi-Satellite Retrievals for GPM (IMERG), um produto da missão do satélite Global Precipitation Measurement (GPM). Devido à média dos dados de satélite, as taxas de precipitação locais podem ser significativamente mais elevadas quando medidas a partir do solo.

Helicópteros e botes salva-vidas foram enviados para chegar a centenas de moradores retidos no Centro da Grécia, enquanto o número de mortos em enchentes mortais subiu para 10, disseram as autoridades na sexta-feira. Os bombeiros trabalharam ao lado do exército para chegar a aldeias isoladas pela subida do nível das águas, que transformou estradas em rios e deixou casas submersas na região central da Tessália.

Os dez mortos foram todos encontrados na região da Tessália, cerca de 330 quilômetros ao Norte de Atenas, onde caíram chuvas torrenciais desde a noite de segunda-feira passada até quinta-feira. Os bombeiros gregos disseram que mais de 2.500 pessoas foram resgatadas desde terça-feira. “A maioria das casas da aldeia está inundada. Estamos a viver um pesadelo”, disse Vaios Spyropoulos, residente de Itea, que encontrou refúgio num edifício municipal localizado num terreno mais elevado acima da sua aldeia.

Texto da MetSul Meteorologia publicado originalmente em https://metsul.com/desastre-gaucho-coincide-com-chuva-extrema-no-clima-ao-redor-do-mundo/

Foto de destaque: enchente na cidade de Muçum, no RS. Crédito: prefeitura de Muçum

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