Crises sistêmicas e o Estado que queremos

O respeito ao outro, ao meio ambiente e modos de produção que não gerem crises estruturais são soluções para as crises

As tempestades, os ciclones, os desmoronamentos, as enchentes, as secas estão por todos os lados no Brasil. As crises desencadeadas por esses eventos mostram o completo colapso das relações de produção, como consequência delas as relações sociais, e nossa interação com a natureza, no sistema capitalista. O desequilíbrio entre as chuvas e as secas é resultado das mudanças climáticas, que como podemos ver no Brasil já não são eventuais, começam a se tornar contínuas.

Em julho deste ano, a cidade de Maquiné, dentre outras da região no estado do Rio Grande do Sul, sofreu com as fortes chuvas, deixando populações desabrigadas, isoladas, com problemas de acesso à energia e alimentos. No mês passado, novamente o estado enfrentou a mesma problemática. A tempestade deixou, pelo menos, 51 mortos; causou enchentes, destruição de casas e quebra de pontes. Os efeitos atingiram o estado de Santa Catarina. Segundo os meteorologistas, a intensidade desses eventos aumenta porque as águas dos oceanos estão mais quentes.

Na região Norte do país, o evento extremo oposto, as secas. As cidades amazônicas registram as maiores temperaturas. Oito estados enfrentam a mais severa seca dos últimos 40 anos. O voluptuoso Rio Amazonas está baixando, em média, 13 a 14 centímetros por dia. Os estados decretaram emergência ambiental pela escassez da água. Os animais morrem. As populações ribeirinhas perdem o rio, seu meio de transporte, e ficam isoladas. Os fatores para tais alterações são atribuídos ao El Niño, mas também às intensas modificações no meio ambiente do bioma, sobretudo o desmatamento.

Nos últimos anos, várias cidades brasileiras sofreram os impactos dos desastres climáticos. Apesar disso, os estados não modificaram suas escolhas econômicas. As opções políticas pelos subsídios ao agronegócio, à mineração, aos grandes empreendimentos e a políticas desiguais de ordenação territorial afetam diretamente na produção das catástrofes climáticas, assim como nas sequelas deixadas por elas. As políticas climáticas reduzem-se ao conservacionismo ambiental, da criação de  áreas de proteção, e às metas de redução de carbono, insuficientes para dar respostas à crise socioambiental.

O clima não é um assunto apenas físico, é profundamente social, histórico e cultural. Enquanto as soluções à crise climática forem pensadas sem envolver mudanças estruturais, notadamente a de sistema, seguiremos produzindo desencontros. A questão é que as altas classes não enfrentam os males do clima da mesma forma. Sua condição econômica lhes permite viver em zonas privilegiadas ou ter recursos para atendimento emergencial. Por isso, é no Sul Global, assim como na periferia, que as repercussões climáticas produzem maiores danos. Nessa história, comunidades e sujeitos, que pouco ou nada contribuem para as mudanças climáticas, são os que mais pagam sua conta.

Os estados, além das opções equivocadas de política econômica, não investem na estruturação da atenção da Defesa Civil, da assistência social emergencial e nem na provisão de apoio adequado às vítimas dos desastres naturais. Mesmo que os fatos estejam se repetindo ano a ano, mês a mês, governantes não conseguiram estruturar políticas públicas. Muitos dos recursos destinados às calamidades não são adequadamente empregados no atendimento às vítimas e na adoção de medidas de prevenção de desastres.

Isso porque o Estado assume uma percepção de que a vulnerabilidade social é um problema do indivíduo. Assim, pessoas que vivem em casas precárias, em barrancos, morros, próximas de rios, são responsáveis individualmente por desenvolver capacidades para lidar com essas situações. Isso ocorre da mesma forma nas situações trágicas. Os Estados não consideram que a situação econômica, de moradia, é resultado do acesso desigual, dos problemas de distribuição de renda, próprios da economia capitalista. O desfecho é que as vítimas estão completamente desamparadas pelo Estado.

Contra essa lógica, movimentos populares e organizações da sociedade civil, em sua luta anticapitalista, exercem valores solidários de apoio às vítimas, demonstrando uma prática de ser distinta. No Vale do Taquari, a região mais atingida com as enchentes de setembro no Rio Grande do Sul, criou-se a Campanha “Sementes da Solidariedade”.

Cozinha Solidária no Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul – Victor Frainer | Levante Popular da Juventude

Composta pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Consea/RS (Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), CPT (Comissão Pastoral da Terra), MAB (Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens), Cáritas, Sindicato de Trabalhadores Rurais e Instituto Cultural Padre Josimo, visitou a região atingida levantando informações sobre as perdas, fornecendo apoio emergencial, inclusive da entrega de sementes para plantarem lavouras perdidas. Também foi construída uma cozinha solidária para apoiar na alimentação das famílias.

A experiência da militância do MAB, com o cenário de calamidade que se instaura aos rompimentos da barragem, contribuiu no apoio para as vítimas poderem se organizar em grupos, reivindicar indenizações, articularem-se para acessar moradias. Experiência apreendida na luta popular, que se constitui como um saber partilhado entre o povo. “Além da entrega das quentinhas, nós do MAB, fomos fazendo contato com pessoas, lideranças e referências, e percebemos que tinham demandas de casas, acesso a informações e direitos”, comenta Alexania Rossato, do MAB/RS. “Mais que levar comida, é preciso levar organização para as famílias”, “de serem sujeitos do processo histórico”, descreveu Alexania. Segundo a militante do MAB, a solidariedade “é parte do princípio do movimento, na situação delicada, gravíssima, que as pessoas passaram”.

Na esteira do acúmulo da experiência histórica da luta popular, a Cozinha Solidária do MTST serviu de referência para a construção da solidariedade no Vale do Taquari. Caio Belloli de Almeida, militante do MTST que esteve na região, destacou ser “muito importante a participação do MTST na Cozinha Solidária, nesta iniciativa, porque como movimento social que proveu a alimentação para as pessoas assistidas, a Prefeitura apenas entregava, não ajudava a construir. Inclusive, em alguns momentos, a Prefeitura ameaçou interromper o processo, foi muito importante o MTST estar lá para conseguir incidir na política”.

Lucas Gertz, do Levante Popular da Juventude, participou deste processo da cozinha. Para ele, os aprendizados da solidariedade da pandemia na produção de alimentos ajudaram a construir a experiência histórica para organizar as cozinhas emergenciais. Lucas caracteriza que vivemos “um processo de aquecimento, de ebulição global, o que torna muito mais importante e urgente as nossas organizações e a sociedade se voltarem ao debate ambiental”. Todo o processo vivenciado nas enchentes está relacionado à forma como estabelecemos as relações de produção, o fenômeno da privatização e a falta de prioridade para a vida na Terra, destaca Lucas.

De forma semelhante, o MST montou uma cozinha solidária no município de Encantado, também no Vale do Taquari, fornecendo marmitas diárias aos desabrigados. A cozinha, organizada com apoio do Levante Popular da Juventude, distribuiu marmitas produzidas com produtos da reforma agrária, orgânicos, vindos de cooperativas do movimento. Marildo Mulinari, militante do MST, conta que a cozinha foi instalada logo no dia seguinte à tragédia. A vivência tem sido rica com a comunidade: “O pessoal vem nos agradecer, dizer que se não fosse nós, não teriam o que comer porque foi a casa, foi tudo embora, as pessoas não tinham mais as coisas”.

Segundo Marildo, mais de 500 militantes estiveram envolvidos em toda a produção das marmitas, uma força tarefa mobilizada para o apoio às pessoas afetadas. Salete Carollo, uma das militantes do MST que foi à região em solidariedade, nos descreveu que foi uma experiência muito forte “para a gente que vem da agricultura, e principalmente, olhando para essa dimensão. É de como o ser humano se move, é pelo amor, pela terra, pela ternura; e se move com o coração para ajudar aqueles que mais precisam”. A fala de Salete é tocante do espírito, dos valores da militância que movem a ajuda humanitária, que são o valor da vida em sua integralidade. A comida que os assentados produzem, da terra que conquistaram, foi o que alimentou os atingidos. As mesmas mãos que trabalharam na produção do alimento trabalharam para o transformar em comida, para servir ao outro. É essa lógica de orientação do trabalho vivo, a da produção de mais vida, a que o mundo deveria estar orientado.

Cedenir de Oliveira, coordenador do MST, também esteve na Cozinha Solidária de Encantado e nos contou que todos que participaram da solidariedade ficaram impactados com a tragédia. “Nós do MST entendemos que poderíamos contribuir na confecção de alimentos, com o aprendizado ao longo de nossos 40 anos de existência, de produzir alimentos em condições adversas, nas estradas, nas marchas, então nós já adquirimos uma expertise”. Cedenir ressalta que o MST recebeu muita solidariedade até se consolidar nos assentamentos, produzir, ter cooperativas. Hoje, conquistou sua dignidade e encontra-se em condições de retribuir. Nas palavras do militante do MST, a solidariedade é um “valor importante para desenvolver não só na tragédia, mas no dia a dia, para romper a cultura do ódio e ignorância para construir uma sociedade mais justa e igualitária”.

A solidariedade militante aos efeitos trágicos das enchentes semeia os valores da sociedade que estamos construindo, centrada na vida humana e na natureza como maiores riquezas do universo. O respeito ao outro, a reciprocidade, o cuidado como política, a construção de outras relações com o meio ambiente, o fim do modo de produção que dá origem estrutural a essas crises são os caminhos para uma real transformação da sociedade, e o horizonte de solução da nossa crise.

Coluna originalmente publicada no Jornal Brasil de Fato, em 11 de outubro de 2023, na página: www.brasildefato.com.br/2023/10/11/crises-sistemicas-e-o-estado-que-queremos 

PL do Genocídio: Apib convoca mobilizações para que Lula vete na íntegra o PL do Marco Temporal

Entenda os motivos pelos quais Lula precisa vetar totalmente o PL 2903. Movimento indígena alerta que além do Marco Temporal, proposta pretende legalizar crimes e por isso é considerado o PL do Genocídio indígena.

A ameaça do Marco Temporal voltou a estar vigente, agora com formato de projeto de lei (PL 2903). A tese do agronegócio, que viola direitos dos povos indígenas e dos territórios, precisa urgentemente ser barrada. Por isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e uma série de organizações, movimentos sociais e coletivos convidam a todes, todas e todos para somarem na  Convocatória #VetaTudoLulaPL2903

É evidente que quem votou a seu favor legisla com as mãos cheias de sangue indígena.  Considerado o PL do Genocídio, o PL 2903, aprovado pelo Senado no dia 27 de setembro de 2023, faz com que o Marco Temporal se transforme em lei. O resultado, na prática, é o ataque a inúmeras formas de  vida dos povos indígenas. Com a legalização de diversos crimes, o PL abre  as terras para exploração, para empreendimentos que geram o extermínio, como a mineração, e representa o pensamento mais retrógrado e colonial do século XXI.   

O retrocesso é imenso, afetando direitos humanos, dos povos e das comunidades, além de impactar negativamente todos os biomas, territórios e a biodiversidade brasileira. Além disso, o  PL 2903, votado por um senado racista e colonial, intensifica ainda mais a emergência climática, colocando todas as formas de vida na terra em risco. 

No momento, o  PL 2903 é analisado pelo presidente Lula, que tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar (total ou parcialmente) o projeto. É preciso pressionar o governo federal, a partir das bases, para que a lei seja barrada em sua totalidade. A nossa mobilização é fundamental. 

PL 2903 é inconstitucional

O Marco Temporal é uma tese política patrocinada pelo Agronegócio. Os ruralistas pretendem mudar o rumo da história dos povos indígenas e agravar a crise climática. O STF julgou e decidiu por maioria de 9×2 anular o Marco Temporal.  O resultado do julgamento selou uma importante vitória na luta por direitos dos povos indígenas, travada nas ruas, nos territórios, nas redes e no judiciário durante dois anos. Mas o Senado tenciona uma afronta ao Supremo para atender aos interesses do agronegócio.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ressalta que as atitudes do Senado e da Câmara dos deputados são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso Nacional e do Executivo, possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Além disso, após a derrubada do marco temporal no STF, o senador Dr.Hiran (PP-RR) protocolou, no dia 21 de setembro, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede a instituição do marco temporal. Nomeada como PEC 048/2023, a emenda quer alterar a Constituição Federal de 1988 que prevê o direito originário dos povos indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas.

O projeto de lei do genocídio foi apresentado pelo deputado Homero Pereira do PR de Mato Grosso, no dia 20 de março de 2007. A proposta inicialmente recebeu o número de PL 490/2007. A Câmara dos Deputados aprovou o PL 490, no dia 30 de maio de 2023. A proposta seguiu para o Senado e recebeu novo número: PL 2903.

No mesmo dia em que o STF finalizou o julgamento do Marco Temporal, 27 de setembro, o Senado aprovou o projeto de forma atropelada. A votação foi marcada por mentiras da bancada do Agronegócio e pelo descumprimento da promessa do presidente do Senado Rodrigo Pacheco de não pautar o projeto antes da conclusão do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), sabendo que se tratava da mesma tese.

 Por que Lula precisa vetar TODO o projeto?

Além do Marco Temporal, o PL 2903 pretende legalizar crimes cometidos contra os povos indígenas e por isso é considerado o PL do Genocídio. Entre as violações e violências que ele reproduz e intensifica, estão pontos como:

1) o PL 2903 quer definir critérios racistas de quem é ou não indígena;

2) quer autorizar a construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em Terras Indígenas, sem consulta prévia, livre e informada, conforme prevê a OIT 169;

3) o PL quer permitir a plantação de soja, criação de gado, promoção de garimpo e mineração em Terras Indígenas;

4) propõe que qualquer pessoa questione os processos de demarcação dos territórios, inclusive os já demarcados;

5) busca reconhecer a legitimidade da posse de terra de invasores de Terras Indígenas;

6) quer flexibilizar a política de não-contato com povos indígenas em isolamento voluntário; 

7) quer mudar conceitos constitucionais da política indigenista como: a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos seus territórios.

No Congresso Nacional, quando um projeto de lei é aprovado tanto pela Câmara dos Deputados, quanto pelo Senado, a proposta segue para a análise do presidente, que vai ter 15 dias para dar uma posição. Nesse processo, o presidente pode vetar, total ou parcialmente a proposta, e também pode aprovar o projeto sem modificar nada da proposta avaliada pelo Congresso.

Quando acontece do presidente aprovar sem vetar nenhuma parte do projeto, o projeto é sancionado e na sequência a proposta deixa de ser projeto e passa a ser Lei. Quando o presidente propõe vetos no projeto, sejam eles totais ou parciais, os pontos vetados voltam para o Congresso. Em uma sessão conjunta entre Câmara e Senado, parlamentares vão decidir se acatam os vetos ou não.

Caso os vetos sejam mantidos, a lei será aprovada retirando as partes apontadas no veto. Caso os vetos sejam derrubados, os trechos antes vetados serão desconsiderados e a lei será aprovada sem as considerações de mudanças do presidente. Ou seja, mesmo com o veto total do presidente, o Congresso Nacional pode aprovar a lei mesmo assim.

Crédito: APIB

🏹 Como participar das mobilizações

Apoie o movimento indígena e some nas lutas em seu território.  Pressione o presidente Lula pelo #VetaTudoLulaPL2903. Marque Lula nas redes sociais, mobilize ações nas aldeias, cidades e redes .Produza sua arte e poste no seu perfil usando as tags #DesignAtivista #VetaTudoLulaPL2903

A luta segue pela demarcação das terras indígenas, por reparação histórica, pela manutenção da biodiversidade e em defesa da vida

#VetaTudoLulaPL2903 #EmergênciaIndígena #EmergênciaClimática  #MarcoTemporalNÃO #DemarcaçãoJá

Fonte: VETA TUDO: Apib cobra compromisso de Lula para barrar PL do Marco Temporal”, publicada no site da Apib em 03 de outubro de 2023  

Confira a nossa série de vídeos “Perspectivas Indígenas: os Guarani e a luta por direitos no RS” e saiba mais sobre as lutas indígenas: 

Confira também o artigo com posicionamento da Amigas da Terra Brasil quanto ao Marco Temporal

 

 

Vitória! STF invalidou a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas

Vitória! Este 21 de setembro é um dia histórico aos indígenas e não indígenas do Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) invalidou a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas.

A Corte do STF começou a analisar o tema em 2021, tendo sido suspenso naquele ano e retomado agora em 2023. Esta decisão é muito importante, pois repercutirá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estão sendo discutidos ou que poderiam ser questionados na Justiça.

Marco Temporal é uma tese jurídica que restringia o direito dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. Atualmente, existem cerca de 300 processos de demarcação, os quais serão influenciados por essa decisão do STF.

A Amigas da Terra Brasil saúda a todos os povos indígenas do Brasil e às suas organizações que, após muita mobilização e pressão, vencem uma grande batalha nesta guerra que perdura desde 1.500. Afinal, o que está em jogo são os territórios de vida e não do capital.

É preciso seguir em alerta para as novas propostas trazidas durante o julgamento no STF e a outras tentativas judiciais, assim como no parlamento, que tentem flexibilizar o Marco Temporal e atacar os direitos dos povos originários e seus territórios. A luta segue pela demarcação das terras indígenas, por reparação histórica, pela manutenção da biodiversidade e em defesa da vida de todos e de todas nós.

Clique aqui e confira a Coletiva de Imprensa

Leia também nosso artigo contra o Marco Temporal

Vitória dos povos contra a tese do Marco Temporal | Crédito: Cimi

Vídeo: André Benites/ Guarani de Maquiné (RS)

Enchente no RS: audiência pública debate emergência climática no estado. Participe!

Atividade acontece em 18 de setembro (2ª feira), das 14h às 18h, no Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre (RS). A Amigas da Terra Brasil estará presente. Entrada franca. Participe!

Os recorrentes eventos climáticos extremos que tem atingindo, nos anos recentes, várias partes do mundo e do Brasil, incluindo o estado do Rio Grande do Sul, alertam que a situação não está normal e que não vai nada bem. As tragédias têm causas naturais, mas estudos e projeções científicas e meteorológicas indicam que a incidência rotineira e cada vez com maior intensidade desses fenômenos estão sendo influenciadas pela ação destruidora de setores (empresariais, corporativos ou agronegócio, mineração, energia e imobiliário) da nossa sociedade.

Para além de lamentarmos as mortes e perdas sociais, econômicas e ambientais e nos esforçarmos à reconstrução das cidades e das vidas, precisamos debater urgentemente, e de forma séria, o desastre recente que assolou o Rio Grande do Sul. No mesmo período, tempestades e enchentes afetaram, além do Sul do Brasil, Hong Kong (na Ásia); a Espanha e a Grécia, na Europa; e, atualmente, a Líbia, na África. Habitamos o mesmo planeta e estamos interligados, portanto, todos e todas somos vulneráveis aos impactos gerados pela nossa civilização.

Na 2ª feira, dia 18 de Setembro, a partir das 14h, acontece a AUDIÊNCIA PÚBLICA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA NO RIO GRANDE DO SUL, em que debateremos o que estado gaúcho, assim como muitas partes do mundo, vem enfrentando. Será no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa, em Porto Alegre (RS). A atividade é promovida pelo gabinete do deputado estadual Matheus Gomes (PSOL), membro titular da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, em parceria com o coletivo Eco pelo Clima.

A Audiência Pública visa debater um RS que coloque as pessoas mais impactadas pelos avanços da crise climática no centro da criação das políticas públicas de mitigação e adaptação e promova uma transição energética para além dos combustíveis fósseis de forma justa.

Nós, da Amigas da Terra Brasil, estaremos presente destacando a necessidade urgente de ações para encarar a situação como emergência climática. A preservação do ambiente e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para reduzir a frequência e a gravidade desses eventos, como as cheias no Rio Grande do Sul. Além disso, medidas de adaptação, mitigação e prevenção também são necessárias para proteger as comunidades vulneráveis. Governos federal, estaduais e municipais precisam dialogar com as populações nos territórios, que são quem conhece e vivenciam a força da natureza. Devemos parar com as alterações e flexibilizações na legislação, licenciamento e monitoramento ambiental, que governos vêm promovendo para atender apenas a interesses econômicos de corporações, imobiliárias, do agronegócio, energia e da mineração, sem proteger o ambiente natural e nem promover políticas sociais às populações mais empobrecidas.

Estão convidados para a composição da mesa:
Dra. Rafaela Santos Martins da Rosa – Juíza Federal Substituta da JFRS
Patrícia Morales – Passo dos Negros de Pelotas
Xaina Pitaguary – Liga Acadêmica de Assuntos indígenas – Yandê
Ilan Zugman – 350.org
Pedro, protagonismo infantil
Representação do Eco pelo Clima
Representação da AGAPAN
Representação das Amigas da Terra Brasil

Diante da emergência climática, todos somos responsáveis por tomar medidas para proteger nosso planeta e as pessoas que nele habitam. Participe!

AUDIÊNCIA PÚBLICA EMERGÊNCIA CLIMÁTICA NO RIO GRANDE DO SUL
18 de setembro (2ª feira) – das 14h às 18h
Teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa – em Porto Alegre (RS)

Amigas da Terra Brasil

ENCHENTE NO RS: NOTA DE SOLIDARIEDADE E DE URGÊNCIA PELO AMBIENTE E NOSSAS VIDAS!


Mais um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, provoca enchente histórica, mortes e muita devastação no Sul do Brasil. Precisamos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas e trabalhar em sua recuperação, pressionando por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz.


Pela 3ª vez neste ano, um episódio de instabilidade, com chuvas intensas, vitimizou a população e causou muito estrago material, econômico e ambiental no Rio Grande do Sul. Desta vez, fortes chuvas desde o final de semana passado atingiram, especialmente durante a 2ª e 3ª feiras (4 e 5/09), parte da região Norte, Serra e a chamada “região dos vales” gaúcho, marcada pela presença de rios importantes para a produção e reprodução da vida. Também impactou, com menos intensidade, o estado vizinho Santa Catarina.

Neste momento de muita tristeza e dor, expressamos profunda solidariedade com as vítimas e afetados e afetadas pelas enchentes, popularmente referidas por “cheias”, no Rio Grande do Sul. Este é um momento de união e de apoio às comunidades que estão enfrentando as consequências devastadoras desses eventos climáticos extremos, e é o que garante a existência de uma sociedade que se sensibiliza e se solidariza.

Nós da Amigas da Terra Brasil estamos de luto pelas 48 pessoas encontradas mortas até o momento (47 no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina). Também nos solidarizamos às mais de 25 mil pessoas desalojadas e desabrigadas, e cerca de 97 cidades e comunidades destruídas ou impactadas, utilizando nossa voz para exigir a rápida resposta dos governos estaduais e federal e demais autoridades competentes à emergência que afetados e atingidos enfrentam. Nesses locais, pessoas perderam suas casas, bens materiais, locais de trabalho, e pior: suas vidas, familiares, vizinhança, animais de estimação e para produção de alimentos e subsistência econômica, com dificuldades imensas para reconstruir a esperança e suas vidas.

Cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari (RS), está entre as mais atingidas pela enchente recente na região. Crédito: Maurício Tonetto/ Secom/RS

Impactados por mais uma tragédia, reforçamos a urgência com que todos e todas nós, sociedade, no Brasil e em todo o mundo, precisamos enfrentar esta crise. Especialistas consideram que o Rio Grande do Sul está passando por um dos maiores desastres naturais de sua história. Esta cheia do Rio Taquari é a pior desde 1941, quando atingiu seu pico; é nessa região que fica a cidade de Muçum, que na enchente desta semana ficou com 85% de seu território debaixo d’água e contabilizou o maior número de pessoas mortas até agora (14 pessoas). 

Conforme dados hidrológicos da CERAN (Companhia Energética Rio das Antas), a Usina Hidrelétrica Castro Alves, localizada entre os municípios de Nova Roma do Sul e Antônio Prado (margem direita) e Nova Pádua e Flores da Cunha (margem esquerda), a vazão do Rio das Antas, na tarde do dia 04/09/23, ultrapassou a chamada vazão decamilenar, o que significa uma vazão que se previa ser atingida a cada 10 mil anos! Essa informação acende um alerta quanto à nossa atual capacidade de sequer prever esse tipo de evento daqui para frente, comprometendo, de maneira dramática, a segurança de infraestruturas sensíveis como barragens, estradas e indústrias, mas também de nossas cidades, localidades rurais e áreas agropecuárias.  

A ocorrência de temporais e ciclones extratropicais faz parte do clima do Sul do Brasil, mas a incidência rotineira e cada vez com maior intensidade e danos alerta que a situação está fora do “normal”. Essas enchentes são um sintoma direto da emergência climática e deixa, mais uma vez evidente, que seus efeitos estão acontecendo agora, não são mais projeções de futuro!  Eventos climáticos cada vez mais extremos estão ocorrendo no Brasil e em todo o mundo, como chuvas intensas e inundações, calor e incêndios, chuvas de granizo destruidoras, tempestades de neve e baixas repentinas. O aumento da temperatura global leva a um maior acúmulo de calor nos oceanos, o que, por sua vez, influencia os padrões climáticos, aumentando a probabilidade de eventos climáticos extremos, como as cheias.

Nesse contexto, é importante destacar a necessidade urgente de ações para encarar a situação como emergência climática. A preservação do ambiente e a mitigação das mudanças climáticas são essenciais para reduzir a frequência e a gravidade desses eventos, como as cheias no Rio Grande do Sul. Além disso, medidas de adaptação, mitigação e prevenção também são necessárias para proteger as comunidades vulneráveis. Governos federal, estaduais e municipais precisam dialogar com as populações nos territórios, que são quem conhece e vivenciam a força da natureza. Devemos parar com as alterações e flexibilizações na legislação, licenciamento e monitoramento ambiental, que governos vêm promovendo para atender apenas a interesses econômicos de corporações, imobiliárias, do agronegócio, energia e da mineração, sem proteger o ambiente natural e nem promover políticas sociais às populações mais empobrecidas.

Não podemos mais desrespeitar as margens dos rios, aterrar cursos d’água e banhados; não podemos mais licenciar desmatamento; precisamos de todo mato, toda a floresta, todo campo nativo possível para garantir o ambiente saudável para nós e para todos os seres que dele dependem e que garantem a estabilidade dos ecossistemas. A solução para a crise climática é garantir terra para os povos, demarcar terras indígenas, titular quilombos, proteger territórios tradicionais, fazer a reforma agrária popular, apoiar a agroecologia; identificar, delimitar e respeitar as áreas de risco e garantir a dignidade das comunidades periféricas.

Hoje, a história se repete. Como na enchente provocada no RS em Junho por chuva extrema de mais de 300mm concentrada em pouco tempo, quando a cidade de Maquiné, no Litoral Norte, sofreu com a cheia do rio, que subiu mais que as médias históricas e encontrou os municípios despreparados para esse acontecimento. Esse mesmo episódio também provocou muitos danos na cidade vizinha Caraá e nas regiões dos rios Caí e Sinos, atingindo populosas cidades próximas e na região metropolitana de Porto Alegre. A solidariedade com as vítimas das cheias no Rio Grande do Sul não deve ser apenas um gesto momentâneo, mas sim um compromisso contínuo. Devemos apoiar as iniciativas de ajuda às comunidades afetadas, colaborar com organizações que trabalham na recuperação e, ao mesmo tempo, pressionar por políticas públicas que abordem as mudanças climáticas de forma eficaz e com o caráter de emergência climática.

Lembramos que, diante da emergência climática, todos somos responsáveis por tomar medidas para proteger nosso planeta e as pessoas que nele habitam, mas atentamos que a emergência não deve passar por cima da participação e da escuta da população. A solidariedade é um passo importante nessa jornada, mas também é crucial agir de forma proativa para combater as causas subjacentes desses eventos climáticos extremos. Afinal, a vida vale mais que o lucro, e cuidar do ambiente natural e das pessoas que nele vivem é uma prioridade que não pode ser ignorada!

Amigas da Terra Brasil

Crédito da foto: Maurício Tonetto/ SECOM/RS

* Texto publicado no dia 7 de setembro, às 12h
* Texto alterado em 8 de setembro, às 11h18min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados
* Texto alterado em 12 de setembro, às 12h52min, para atualização do número de vítimas, pessoas desabrigadas e desalojadas e municípios afetados

Cúpula UE-CELAC: mais de 450 organizações pedem que o Acordo Tóxico UE-Mercosul pare

Paralelamente ao início da Cúpula UE-CELAC, ativistas construíram e derrubaram uma “Torre Jenga da ambição UE-Mercosul” frente ao Parlamento Europeu, apoiando os responsáveis ​​políticos que detiveram o acordo comercial UE-Mercosul. Foto: Johanna de Tessieres/Greenpeace

Uma coalizão de mais de 450 organizações da América Latina e da Europa, incluindo sindicatos, agricultores, movimentos sociais, ativistas pelos direitos dos animais e ambientalistas, criticou o anúncio dos líderes dos países da União Europeia (UE) e do Mercosul de que pretendem resolver as questões pendentes e concluir o Acordo UE-Mercosul até o final de 2023.

Lis Cunha, ativista comercial do Greenpeace Alemanha, disse: Este acordo comercial é um desastre para as pessoas, os animais e a natureza. Mais conversas secretas só conduzirão a um resultado que submeterá as florestas, o clima e os direitos humanos a uma pressão insuportável. Em vez de avançar com um acordo destinado à exploração corporativa, os países da UE e do Mercosul deveriam recomeçar e repensar sua relação de forma a colocar o planeta, as pessoas e os animais acima da destruição de nosso planeta para o lucro de curto prazo”. 

Alberto Villarreal, da Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) salientou: Nenhum protocolo ambiental adicional será capaz de remover as ameaças a pessoas, territórios e ao planeta que estão embutidas neste acordo de livre comércio neocolonial e perversamente corporativo, impulsionado por lucro. Precisamos de acordos socioambientais multilaterais exequíveis, baseados em responsabilidades e capacidades diferenciadas para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), não falsas soluções baseadas no mercado, promessas líquidas zero ou painéis de disputa em acordos de livre comércio que são totalmente tendenciosos a favor do lucro corporativo.

Morgan Ody, Coordenadora Geral da Via Campesina e membra da Coordenação Europeia da Via Campesina, expõs: Os acordos de livre comércio estão impossibilitando que os médios e pequenos agricultores vivam da agricultura, por isso os camponeses são contra. Os agricultores de ambos os lados não querem produzir para exportar e competir, queremos produzir para alimentar as comunidades locais, priorizando o comércio local, nacional e regional sobre o comércio internacional. Convocamos os parlamentares europeus e os governos dos dois continentes a se unirem como aliados pela soberania alimentar e aumentar a pressão para quebrar o acordo UE-Mercosul.”

Contexto

Nos dias 17 e 18 de julho, os chefes de estado e de governo da União Europeia (UE) e da América Latina e Caribe reuniram-se em Bruxelas para uma cúpula extraordinária pela primeira vez em oito anos.

Paralelamente ao início da cúpula, na segunda-feira, 17 de julho, ativistas de mais de 50 organizações da sociedade civil construíram e demoliram uma gigantesca “Torre Jenga da Ambição do UE-Mercosul”, de três metros de altura, em frente ao Parlamento Europeu, em Bruxelas. Isto em protesto contra a acordo comercial e para pressionar os políticos responsáveis, de ambos os lados do Atlântico, a interromper as negociações para o bem das pessoas, dos animais e do planeta.

Recentemente, no final de maio, a Comissão Europeia havia promovido esta cúpula como um marco importante para as negociações comerciais UE-Mercosul, que duram mais de 20 anos. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva se tornou presidente do Brasil em janeiro de 2023, as negociações a portas fechadas se concentraram em um anexo ao acordo. Um rascunho do adendo vazou em março de 2023.

Fotos: Johanna de Tessieres/Greenpeace

O acordo UE-Mercosul proposto foi criticado por vários governos e parlamentos, bem como por agricultores, sindicatos e sociedade civil de ambos os lados do Atlântico, como um desastre para a agricultura local, a natureza, os trabalhadores, a indústria local, os seres humanos e os animais, direitos, biodiversidade e o clima. Avaliações de várias organizações mostram que tarifas e controles mais baixos sobre produtos como autopeças, pesticidas da Europa e carne bovina e de aves de países da América do Sul aumentarão a já alarmante taxa de destruição da natureza.

Mais de 200 organizações pedem aos formuladores de políticas que mantenham o escrutínio democrático dos acordos comerciais. Pedem também que se oponham às tentativas da Comissão Europeia de aprovar a parte “comercial” do acordo sem o apoio unânime dos estados membros da UE e sem a ratificação dos parlamentos em todos os Estados unidos. Tal movimento seria uma violação do mandato de negociação que os estados membros da UE deram à Comissão, de acordo com uma análise legal recente.

Fotos: Johanna de Tessieres/Greenpeace

Texto originalmente publicado no site da Amigos da Terra Europa, em: https://friendsoftheearth.eu/press-release/eu-celac-450-organisations-call-stop-toxic-eu-mercosur-deal/ 

Ambientalistas voltam a alertar para perigos do acordo UE-Mercosul

Associações ambientalistas alertam para o eventual impacto do acordo UE-Mercosul no ambiente, direitos humanos, trabalhadores, pequenos agricultores e no bem-estar animal.

Na segunda-feira, ativistas montaram na Praça do Luxemburgo, em Bruxelas, uma “torre Jenga da ganância UE-Mercosul”, apelando ao fim do acordo comercial UE-Mercosul | Foto: Johanna de Tessieres, Greenpeace


O acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o bloco Mercosul, que reúne Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, foi um dos tópicos de debate na Cúpula da UE com os países da Comunidade de Estados da América Latina e Caribe (CELAC). Este pacto continua a ser criticado por associações ambientalistas, que convergiram em Bruxelas para alertar para o impacto do acordo no meio-ambiente, direitos humanos, trabalhadores, pequenos agricultores e no bem-estar animal.

A Cúpula UE-CELAC decorreu esta segunda e terça-feira em Bruxelas, após oito anos sem reuniões de alto nível entre os blocos, com a participação de mais de 50 líderes, entre os quais o Presidente brasileiro, Lula da Silva, e o primeiro-ministro português, António Costa.

No final da Cúpula, a coligação Stop EU-Mercosur, que reúne mais de 450 organizações da Europa e da América Latina, lançou um comunicado  que critica o anúncio dos líderes da UE e do Mercosul de que pretendem concluir o tratado até ao fim deste ano.

Na segunda-feira, ativistas montaram na Praça do Luxemburgo, em Bruxelas, uma “torre Jenga da ganância UE-Mercosul”, apelando ao fim do acordo comercial UE-Mercosul | Foto: Johanna de Tessieres, Greenpeace

“Mais conversações secretas apenas conduzirão a um resultado que coloca as florestas, o clima e os direitos humanos sob uma pressão insuportável”, alertou Lis Cunha, da Greenpeace Alemanha, citada num comunicado da coligação Stop EU-Mercosur.

“Em vez de avançar com um acordo concebido para a exploração empresarial, a UE e os países do Mercosul devem começar de novo e repensar a sua relação de uma forma que coloque o planeta, as pessoas e os animais acima da destruição do nosso planeta para obter lucros a curto prazo”, sublinha a ativista.

Na segunda-feira, ativistas de 50 organizações tinham montado na Praça do Luxemburgo, em Bruxelas, uma “torre Jenga da ganância UE-Mercosul”, recriando uma versão gigante do jogo. Os grupos ambientalistas apelam aos decisores políticos de ambos os lados do Atlântico para “pararem o acordo comercial UE-Mercosul e reabrirem as negociações pelas pessoas, animais e o planeta”.

Desmatamento  e sustentabilidade

O acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul, alvo de negociações ao longo de 20 anos, atingiu um compromisso político em 2019, mas a ratificação continua por concluir devido a questões ambientais levantadas pela UE durante o período em que Jair Bolsonaro presidiu ao Brasil.

No ano seguinte ao compromisso alcançado, o Presidente francês, Emmanuel Macron, rejeitou o acordo, depois de um estudo revelar o risco de um aumento de desmatamento com a entrada em vigor. Dentro da UE, também a Áustria apresenta reservas em relação ao acordo da UE-Mercosul por razões comerciais e ambientais.

A Comissão Europeia propôs um adendo sobre desmatamento e sustentabilidade e aguarda neste momento uma resposta do Mercosul ao documento complementar proposto pelo bloco comunitário. Apesar das críticas, a atual presidência espanhola da UE espera que esta Cúpula seja um ponto de partida para desenvolvimentos na conclusão do acordo UE-Mercosul.

Na segunda-feira, o Presidente brasileiro, Lula da Silva, defendeu um acordo UE-Mercosul “baseado na confiança mútua” e não “em ameaças”, argumentando que as exigências ambientais europeias são “desculpa para o protecionismo”.

Lula da Silva afirmou esperar que a UE e o Mercosul finalizem este ano o acordo comercial, para “abrir horizontes” aos blocos regionais, pedindo “um sinal” do compromisso. “Queremos um acordo que preserve a capacidade das partes e que responda a desafios presentes e futuros.”

Para algumas organizações ambientalistas, pelo contrário, o adendo proposto pela UE não é sequer suficiente para sanar as ameaças ambientais que identificam no tratado. Alberto Villarreal, da Amigos de la Tierra América Latina y Caribe (ATALC), defende que “nenhum protocolo ambiental suplementar será alguma vez capaz de eliminar as ameaças às pessoas, aos territórios e ao planeta que estão embutidas neste acordo de comércio livre neocolonial e perversamente orientado para o lucro empresarial”.

Citado no comunicado da coligação Stop EU-Mercosur, o ativista apela a “acordos socio-ambientais multilaterais vinculativos”, que permitam reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, “e não de falsa soluções baseadas no mercado”.

Questionado sobre o acordo comercial que falhou em 2019, o primeiro-ministro português, António Costa, recordou que o quadro político do Brasil era diferente na altura e que o então Presidente Jair Bolsonaro “não tinha nenhum compromisso com as alterações climáticas, cuja existência negava”. “Hoje o Presidente do Brasil é o campeão da defesa da Amazónia, é o campeão da luta contra o desmatamento, o campeão da luta contra as alterações climáticas”, acrescentou.

António Costa reconheceu que “há avanços entre os países do Mercosul” e que, em princípio, já está preparada a resposta que vai ser apresentada à União Europeia.

Emmanuel Macron e Lula da Silva | Foto: REUTERS

Ritmo alarmante de destruição da natureza

Em entrevista ao Azul, no início de Junho, a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Laura Canineu, alertou que “é importante que a UE se mantenha vigilante, para que Lula possa realmente cumprir o que prometeu, em relação aos povos indígenas e a ser um líder na maior crise que a humanidade está vivendo, que é a crise climática”.

“Entendemos que a União Europeia, por exemplo, não pode ratificar o acordo Mercosul-UE se o Brasil não mostrar progresso efetivo na redução do desmatamento e no combate à impunidade por atos de violência e criminalidade contra os defensores da floresta”, acrescentou ainda Laura Canineu.

De acordo com o comunicado da coligação Stop EU-Mercosur, várias análises têm mostrado que “a redução dos direitos aduaneiros e dos controles de produtos como as peças de automóveis, os pesticidas provenientes da UE e a carne bovina e aves de capoeira provenientes de países da América do Sul aumentarão o ritmo já alarmante de destruição da natureza”.

Morgan Ody, da coordenação europeia da organização La Via Campesina, alerta que “os acordos de comércio livre tornam impossível aos agricultores de média e pequena escala viverem da agricultura, e é por isso que os camponeses são contra eles”.

“Os agricultores de ambos os lados não querem produzir para exportar e competir”, defende a ativista francesa, citada no comunicado subscrito por 450 organizações. “Queremos produzir para alimentar as comunidades locais, dando prioridade ao comércio local, nacional e regional acima do comércio internacional.”

Morgan Ody apela, assim, aos membros do Parlamento Europeu e aos governos “de ambos os continentes” para que se unam como “aliados da soberania alimentar e aumentem a pressão para anular o acordo UE-Mercosul”.

Em Novembro do ano passado, mais de 200 organizações de todo o mundo (incluindo 16 associações portuguesas) apelaram aos decisores políticos para que defendam “o controle democrático dos acordos comerciais” e se oponham às tentativas de aprovar o acordo comercial sem a ratificação pelos parlamentos de todos os Estados-membros. As ONG afirmam, baseadas numa análise jurídica, que esta manobra constitui uma violação do mandato de negociação que os Estados-membros da UE conferiram à Comissão.

No seu todo, a região da América Latina e Caribe é responsável por mais de 50% da biodiversidade do planeta, representando também 14% da produção mundial de alimentos e 45% do comércio agro-alimentar internacional líquido. É ainda uma potência para energias renováveis, com as fontes alternativas a serem responsáveis por cerca de 60% do cabaz energético da região.

Texto  Escrito por  e

Emergência climática e democracia: um problema estrutural

No mês passado, mais uma vez, fortes chuvas no estado do Rio Grande do Sul deixaram um cenário de destruição ambiental, provocando a perda de vidas humanas, isolamento de famílias e agravando a situação de vulnerabilidade social de muitos territórios. A passagem do ciclone, culminando com fortes chuvas, produziu um cenário de caos social, deixando 50 famílias desalojadas no município de Maquiné (RS), 418 mil residências sem energia elétrica, estradas bloqueadas e 13 pessoas mortas. Os efeitos climáticos nos centros urbanos têm sido uma constante no país. Tragédias são vistas em Petrópolis/RJ, São Paulo/SP, alguns anos atrás em Santa Catarina. Todos esses casos se relacionam aos efeitos das mudanças climáticas e à falta de planejamento urbano e territorial.

Para os atingidos e atingidas de Maquiné, as tragédias evocam a necessidade de um repensar das relações entre sociedade e natureza. Segundo o abaixo-assinado da comunidade: “Os rastros da tragédia estão inscritos na paisagem, nos noticiários, na mente e nos corações de todos e todas. As perdas, os danos e as dores são muitas, e, nós como habitantes dessas matas, guardiões desse manancial de biodiversidade, precisamos refletir sobre o presente e o passado para planejarmos um futuro consciente e responsável, visando a reconstrução deste território sagrado, que junto com outros biomas, permite a vida na Terra.”

Os governos e gestores públicos tendem a associar tais fatos como eventos extremos da natureza, sobre os quais precisamos desenvolver soluções técnicas capazes de “controlar” esta força. A comunidade de Maquiné explica em seu abaixo-assinado que “enchentes, ciclones, deslizamentos de terra e inundações são considerados como catástrofes naturais, mas mais do que isso, representam a força da Natureza em restabelecer seu curso, suas leis e impor a necessidade de respeito, fato que precisa ser interpretado e internalizado para a elaboração de planos de recuperação e prevenção”.

Quanto à visão governamental, precisamos primeiro refletir sobre a reprodução da construção moderna que separa “homem” da natureza. Como nos ensina o professor Carlos Marés, dos diálogos do direito socioambiental, essa cisão permite um processo de objetificação da natureza no qual o homem passa a impor sobre ela um modelo de dominação. É assim que, no capitalismo, toda a abundância da natureza, a água, terra, chuvas, ar, vento, vários bens comuns podem ser mercantilizados, tornando-se “recursos naturais”.

O segundo efeito desta apreensão da realidade é supor que a crença de uma tecnicização irá resolver os problemas das mudanças climáticas; acreditamos que não foi por falta de técnica que chegamos até aqui, mas por decisões tecnificadas, visando o lucro. Por isso, as soluções propostas investem em mecanismos da economia verde, dentre eles a metrificação das políticas de compensação do carbono, como as propostas de “netzero” apresentadas na COP 26, e mais antigas como os créditos de “REDD”a proposta do Banco Mundial da “agricultura climaticamente inteligente”;  as cidades climaticamente inteligentes. No entanto, tais proposições ignoram as causas sociais e políticas mais amplas da crise climática, que envolvem as questões estruturais do modelo de produção capitalista.

Ao determinar as mudanças climáticas como um fenômeno recente se desconecta do efeito direto que o modelo de desenvolvimento adotado tem sobre a continuidade da vida no planeta Terra. Ainda que seja evidente uma emergência climática, é preciso cuidar com o uso do termo à medida que não esteja acompanhado de uma reflexão histórico-estrutural do sistema capitalista.

Com isso, queremos afirmar que o debate do clima envolve as reflexões sobre o capitalismo, colonialismo, desenvolvimento, participação e a governança global. Por isso, a construção de soluções que sejam respostas técnicas aos efeitos do clima, constituem-se apenas uma pequena parte do reconhecimento do problema que existe. Assim como as propostas históricas dos povos, em muitos momentos desconsideradas e desqualificadas, sendo que hoje a solução mais eficiente é a existência dos povos nos territórios, esta realidade de resistência foi o que garantiu a proteção ambiental territorial.

Assim, a crise climática é uma consequência das relações desiguais de poder. Não à toa seus efeitos se reproduzem igualmente de maneira desequilibrada. Enquanto países do Sul Global, especialmente regiões marginalizadas, sofrem profundas transformações ecológicas em virtude dos efeitos das mudanças climáticas e das “soluções da economia verde”, países do Norte Global dispõem de recursos para assegurar qualidade de vida a sua população.

Essa distribuição desigual de poderes e consequências compõe o cenário de uma injustiça socioambiental, que se aprofunda com o impacto da ação do Estado e de empresas em uma constante e histórica ação de “passar a boiada” no agro literalmente, mas também na construção civil e na mineração, com grandes obras de infraestrutura que, em sua busca insana de extração de capital do ambiente natural, descumpre, altera e flexibiliza a legislação ambiental, priorizando o interesse corporativo em detrimento do ambiente natural equilibrado e sadio.

Famílias desabrigadas ficaram alojadas no Ginásio Municipal de São Leopoldo, cidade da região do Vale do Rio do Sinos, no RS. Crédito: Gustavo Mansur/Secom

Inclusive, o tema de uma “justiça reparadora” é muito forte entre os povos afetados pelo clima. Países como Bolívia, e mais recentemente, Brasil, vêm afirmando a presença de uma “dívida climática” dos países desenvolvidos para com os subdesenvolvidos. Indo mais além nas questões estruturais, a presença do subdesenvolvimento é um produto direto da divisão internacional do trabalho, da presença intrínseca ao capitalismo mundial de um intercâmbio desigual entre os países, que cria a dependência. Reverter a situação de dependência, reconhecer o processo de silenciamento do colonialismo é tarefa fundamental para pensar a construção de alternativas à crise ecológica que vivemos.

A líder indígena hondurenha e lutadora ambientalista Berta Cáceres, quando recebeu o prêmio Goldman do Meio Ambiente, denunciava que as iniciativas para o clima estavam pensadas “fora do tempo”. Claramente, Berta se referia a uma injustiça histórica e social que vivem os povos da América Latina e Caribe, da África, do Sul Global, sobre os efeitos catastróficos que o colonialismo e o capitalismo impõem. De tal forma que pensar as questões do clima não significa apenas uma análise de seus efeitos físicos, mas conectar ao racismo, às desigualdades de gênero e classe que fazem com que territórios e corpos sejam mais afetados. Retomar a história de negação dos povos do Sul Global é parte fundante das discussões sobre o clima, ou seja não é somente o clima que deve ser visto, mas as causas dessas alterações e a dívida histórica aos povos que esta lógica produziu no campo das violações dos direitos dos povos, as métricas de carbono como estão colocados não respondem à diversidade da natureza e, menos ainda, na reparação dessas violações, este debate tem que estar no centro das soluções.

Desse modo, devemos nos questionar sobre os espaços internacionais promotores das soluções e a responsabilidade que determinados países têm na estruturação da crise. As metas voluntárias de redução das emissões não envolvem qualquer política de questionamento da destruição socioambiental das empresas transnacionais, pelo contrário, afirmam seu protagonismo. São os mesmos países causadores dos problemas estruturais que envolvem o clima, que estão hegemonizando a construção das soluções. Certamente, não serão eles a questionar os seus privilégios. De igual modo, lhes interessa manter as questões histórico-estruturais que lhe permitem seu domínio. Como o presidente Lula falou em Paris, “que os países que fizeram a revolução industrial são os responsáveis pela poluição do planeta, e que eles têm uma dívida histórica com a Terra”.

Importante perceber essa forma de agir das corporações, que querem ser voluntárias e não cumprem regras criadas para a garantia das leis, constituições e princípios da coletividade. Assim, lutamos para garantir regras para as empresas e direitos para os povos, como a campanha por um tratado vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos, instrumento internacional vinculante que responsabiliza diretamente as empresas transnacionais pelas violações de direitos humanos decorrentes de suas atividades, como no PL 572/2022 que cria um marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto.

Retornando aos impactos das enchentes nas cidades brasileiras, os governantes locais, estaduais e federais não são menos responsáveis pela reprodução deste sistema desigual. Os ventos, a chuva, são questões climáticas; agora, a alteração dos leitos dos rios não, o assoreamento dos rios, não; o aterro em banhados e áreas de várzeas, desmatamento, resíduos sólidos sem a implementação das leis, barramentos nos rios, falta de regularização fundiária, moradia, obras de infraestruturas que alteram os caminhos das águas e as cotas nos territórios, colocando essas comunidades de forma cada vez mais expostas a essas situações de alagamento e deslizamentos, expondo famílias e os mais vulneráveis a riscos previsíveis. As elites brasileiras seguem apostando na construção de respostas vindas “de fora”, que promovem um desencontro entre nosso passado, presente e futuro. Não há, por parte de muitos governantes, um compromisso com a construção de transformações sociais profundas em nosso país. A maioria do Congresso Nacional é bastante representativa da completa ignorância da destruição do planeta, e não tem consciência para além da lógica do lucro.

Repensar o problema dos danos causados pelas mudanças climáticas, da reparação das comunidades, famílias e territórios envolve, portanto, um profundo questionamento sobre o modelo de desenvolvimento, a organização do sistema produtivo e um giro ético político de relações sociais e com a natureza. É necessário construir outras respostas governamentais para além da prestação de serviços emergenciais, pensar a construção de alternativas fora dos espaços hegemônicos, desde as lutas e resistências populares locais, da organização política popular. É fundamental que nos casos, sobretudo de emergências climáticas, a reconstrução dos modos de vida seja feita mediante a escuta das comunidades locais e com processos de verdadeira participação popular, oportunizando-se da troca de saberes locais.

Edificar um projeto político de sociedade, territórios, cidades, que garanta essas profundas transformações, não serão reais e verdadeiras se não forem construídas com a participação efetiva de cada território, com seus povos e seus conhecimentos e cultura.

Esta ética-política renovada do reconhecimento de que o problema do clima é um problema civilizatório é de um tempo presente. Ou nos organizamos e mobilizamos para uma mudança da correlação de forças desta agenda, ou estaremos reféns de um futuro incerto. Um futuro que poderá não existir quando destruirmos as condições de vida concreta.

Texto originalmente publicado no Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/07/05/emergencia-climatica-e-democracia-um-problema-estrutural 

As políticas ambientais e climáticas no Brasil

Uma das promessas de campanha de Lula foi a preservação do ambiente natural. Ainda antes da posse, durante a COP27 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), no Egito, afirmou compromissos com o combate ao desmatamento, aos crimes ambientais, à desigualdade social e à violência na Amazônia. Ao se diferenciar dos anos de negacionismo climático do Governo Bolsonaro, afirmou: “Essa devastação ficará no passado. Os crimes ambientais que cresceram no governo passado estão chegando ao fim. Serão agora combatidos sem trégua”.

Cumprindo com sua promessa, no dia 1º de janeiro assinou o decreto 11373/2023, que extinguiu o Núcleo de Conciliação das multas ambientais. O núcleo havia sido criado por Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, por meio do decreto 9.760/2019, que suspendia a cobrança das multas até que fosse realizada audiência de conciliação. Contudo, quase não se estruturou o órgão, levando a uma fila de conciliações que resultaram, na prática, na anistia de multas ambientais no governo Bolsonaro.

Ainda nos primeiros meses de governo, a ministra Marina Silva retomou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O plano havia sido uma das prioridades apontadas pelo Grupo de Trabalho da Transição do governo Lula. Sua aplicação vem sendo conduzida por meio de processos de abertura à participação da sociedade civil, de consultas públicas e de um Conselho Participativo. As metas previstas são bem concretas, com medidas a serem adotadas até os anos de 2025-2027.

Como já temos destacado em colunas anteriores, a preservação ambiental caminha lado a lado com a garantia dos direitos territoriais e à terra, dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais. Por isso, atribui-se também ao bom resultado dos dados a força tarefa organizada pelo governo de combate ao garimpo ilegal dentro dos territórios indígenas, em especial à questão da invasão do território Yanomami. As operações da Polícia Federal já destruíram 10 garimpos ilegais e aplicaram mais de R$ 4,5 milhões em multas.

A retomada da agenda progressista ambiental pelo governo, porém, sofre com alguns entraves, além dos problemas tão suscitados no orçamento. O primeiro deles é a composição conservadora do Congresso Nacional. Nas últimas semanas, assistimos a uma pressão exercida por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, sobre o governo. As ameaças vieram com a necessidade do governo de aprovação da Medida Provisória dos Ministérios (MP 1154/23), enfrentada pela proposta de modificações ao texto apresentadas pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL). As alterações do deputado incidiram diretamente sobre o Ministério do Meio Ambiente e Clima (MMA) e sobre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Diante das pressões, o governo cedeu às proposições, apresentando parecer favorável à proposta.

As modificações aprovadas incidem sobre a agenda socioambiental. Isso porque retiram do MPI a competência para a demarcação das terras indígenas, retornando à política anterior dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A medida afeta a autonomia dos povos indígenas; contudo, segundo a ministra Sônia Guajajara, há o entendimento que o governo seguirá mantendo o compromisso com a continuidade do processo demarcatório.

Mas já prevendo que outros mecanismos seriam necessários para barrar as pautas indígenas, a ala conservadora do Congresso partiu para a aprovação do PL 490/2007 na Câmara. O PL trata da tese do marco temporal, defendida por ruralistas; determina que os indígenas só terão direito às suas terras se estivessem na posse das mesmas na data de 5 de outubro de 1988, dia promulgação da Constituição. O texto ignora completamente a expulsão violenta dos territórios a que os povos indígenas foram submetidos historicamente e, também, antes e depois de 1988.  Além disso, libera mineração e exploração econômica em terras indígenas e, na prática, viola o direito dos Povos Indígenas à Consulta Livre Prévia, Informada e de Boa Fé garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Dentre as mudanças aprovadas, impactos na política de proteção ambiental são sentidos. O MMA perde a competência para controlar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que irá para o Ministério da Gestão. O CAR é o registro obrigatório para imóveis rurais e um dos instrumentos utilizados para mapear áreas griladas e desmatadas, além de oferecer um diagnóstico das disputas por terras a partir das inúmeras sobreposições de informações prestadas por grileiros de terra para tentar legitimar sua posse. Ainda, a gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) vai para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, e os sistemas de informação sobre saneamento básico e gestão de resíduos sólidos, para o Ministério das Cidades. A manobra é idêntica à utilizada pelo Governo Bolsonaro para esvaziar as competências fiscalizatórias do MMA e fortalecer, política e economicamente, outros ministérios com áreas com orçamento relevante. Preocupa, ainda, o fato de que temas que estão sendo alvo de processos de privatização, como o saneamento básico, e de um modo geral, as águas, fiquem sob ministérios de indicação da direita.

Na agenda ambiental, vale destacar ainda a queda de braço entre Marina Silva e o governo pela exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas pela Petrobras. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) negou o pedido com base no risco à biodiversidade, tendo em vista que a área é composta por manguezais e mamíferos aquáticos. No entanto, o Ministério de Minas e Energia e parlamentares da base do governo, ignorando o compromisso com a consulta e participação social dos povos amazônidas diretamente atingidos pelo megaprojeto de exploração petrolífera, reivindicam um melhor equilíbrio entre a produção de petróleo e a preservação da biodiversidade.

Também na Amazônia, povos têm se reunido para denunciar a continuidade dos impactos dos projetos e programas de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que visam compensar as emissões de gases do efeito estufa, utilizando-se de áreas preservadas, compondo o mercado de carbono e as chamadas “soluções baseadas na natureza”. Esses projetos e políticas, mais recentemente reapresentados como uma estratégia de “bioeconomia”, com a simpatia da base do Governo Federal, além de falsas soluções à crise climática representam, na prática, a emissão de créditos de poluição – da queima de petróleo, do desmatamento e contaminação do agronegócio e da mineração -, enquanto restringem o uso da terra pelos povos que de fato preservam a floresta, seguindo o modelo de “desenvolvimento” baseado na compensação dos danos ambientais sob o viés do mercado.

No Acre, têm sido registradas violações de direitos dos povos pelas políticas de financeirização da natureza há mais de uma década. Assim mesmo, projetos privados e políticas jurisdicionais seguem avançando na Amazônia em geral, em especial nos estados do ParáTocantins e Mato Grosso. Tanto o caso da exploração de petróleo como as soluções da economia verde turvam o campo progressista do governo, reproduzindo um pensamento social que entende a superação das mazelas da realidade brasileira investindo no avanço das forças produtivas sem aprender com e integrar, de fato, a economia dos povos da floresta, respeitando seus direitos, como estratégias para inserção do país no mercado internacional.

Para esse discurso, a Natureza e suas gentes são passíveis de serem compensados numa redistribuição econômica dos lucros dos projetos. Contudo, a questão é muito mais complexa; em geral, as injustiças ambientais permanecem afetando as populações menos responsáveis pela crise climática, cada vez mais presente e emergente. Como os exemplos sugerem, a solução vai muito além de um problema de clima e carbono, pois é sobretudo um problema de modelo de produção, o capitalismo, e as relações sociais que dele decorrem, para as quais os povos originários já apresentam soluções reais e, por isso, seguem sendo atacados.

Assim, a corda do governo, nas questões socioambientais, está esticada entre sua própria base, entre os desafios de uma governabilidade em uma composição de frente ampla e na presença majoritária de conservadores no Congresso Nacional. A bancada ruralista e os conservadores parecem querer seguir consolidando retrocessos socioambientais do governo Bolsonaro, negociando agendas com o governo. Os conservadores no governo pretendem seguir com suas fatias de benefícios às elites brasileiras. E os nossos, parecem ignorar a reprodução da dependência, numa corrida pela repetição do desempenho econômico do primeiro ano do governo Lula.

Porém, depois de tanto aprendizado, nessa nova fase do jogo político, é o povo quem sustentou e segue sustentando a democracia, a mudança dos ares no Brasil, a reconstrução do país, os discursos e narrativas que incluem e valorizam todos os povos e que precisam se concretizar, na prática, também nas políticas por justiça ambiental e climática do governo Lula.

Em meio a todas as disputas, os povos organizados encontram sabedoria para explorar as conjunturas e correlações de forças e seguir na defesa da democracia e na luta por seus direitos. Inclusive nos espaços internacionais que terão a Amazônia como centro, como a reunião dos Presidentes dos países Amazônicos em Agosto deste ano e a COP 30 do Clima em 2025, em Belém do Pará.

Texto publicado originalmente no Jornal Brasil de Fato, no link: https://www.brasildefato.com.br/2023/06/22/as-politicas-ambientais-e-climaticas-no-brasil 

Pulverização de agrotóxicos é debatida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre

Famílias assentadas, organizações e movimentos sociais debatem problemáticas da pulverização de agrotóxicos no Fórum Social Mundial de Porto Alegre e constroem aliança para garantir a produção de alimentos sem veneno

Importância da solidariedade internacionalista e da articulação entre países da América Latina para combater o avanço dos agrotóxicos é enfatizada nos debates. Foto: Maiara Rauber

Nos dias 23 e 24 de janeiro, as famílias Sem Terra participaram do Fórum Social Mundial de Porto Alegre e debateram sobre as problemáticas da pulverização aérea de agrotóxicos na mesa ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’.

Também estiveram presentes representantes do Movimento Ciência Cidadã, em colaboração com Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), Red Nacional de Accion Ecologista (Renace – AR), Instituto de Salud Socioambiental da Universidad de Rosario (AR), Famílias do PA Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST RS), Rede Irerê de Proteção à Ciência, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Terra de Direitos, Amigos da Terra Brasil, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), Comissões de Produção Orgânica (CPORG), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (COCEARGS), Instituto Preservar, Jornal Brasil de Fato RS, Rede Soberania e GT-Saúde/Abrasco.

A mesa, dividida entre dois encontros, contou com troca de relatos e experiências entre companheiros de luta do Brasil e da Argentina. A partilha foi de vivências forjadas pelas desigualdades do capitalismo, que avança com um modelo de produção de alimentos primário exportador (o agronegócio) de alto impacto negativo nos biomas, responsável por danos irreversíveis nos territórios além de inúmeras violações de direitos destes e dos povos. Modelo assinalado ainda por uma relação de dependência econômica do Sul Global em relação ao Norte, que incide no cotidiano de pequenos produtores rurais por meio da violência, destruição da sociobiodiversidade, poluição, envenenamento, falta de incentivo via políticas públicas, desestruturação de suas formas de produção e de vida e perseguição política.

Mas para além do descaso do estado e do desamparo presente nos relatos, o otimismo da vontade foi o horizonte das pautas discutidas. De forma propositiva, também foram elencadas estratégias para barrar a deriva de agrotóxicos, a pulverização aérea de veneno e as violências contra pequenos produtores rurais, propondo o direito à terra, trabalho, comida e à produção de alimentos saudáveis. Na confluência de saberes e realidades, os movimentos e coletivos presentes se fortaleceram, dando início a uma aliança latinoamericana para dar um basta às violações dos corpos, territórios e da natureza imposta por uma minoria muito rica que comanda o agronegócio.

Visita a assentamentos conta com troca de experiências entre Argentina e Brasil e proposição de reivindicações coletivas para barrar as violências dos agrotóxicos nos países

No primeiro dia da atividade ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’’, foi realizado um roteiro de reconhecimento dos espaços atingidos pela pulverização aérea nos últimos anos. Inicialmente os participantes reuniram-se no Viveiro Bourscheid, no Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS). O viveiro é o único com certificado orgânico no Rio Grande do Sul. Espaço que resiste às derivas e as ameaças latentes advindas dos agrotóxicos pulverizados nas proximidades, apontando que outros caminhos para a produção de ervas, temperos, hortaliças e medicinas da natureza, assim como o sonho de uma alimentação saudável, são uma realidade não apenas possível, mas que já vem sendo construído na prática. Realidade que também se traduz na segunda visita do dia, realizada em outra propriedade de assentados da região, muito reconhecida pela produção de morangos orgânicos.

Nos locais os visitantes tiveram uma contextualização histórica sobre o processo de produção de alimentos orgânicos e agroecológicos, assim como das lutas cotidianas travadas pelos assentados. Houve a identificação dos problemas enfrentados, das estratégias adotadas e das implicações das pulverizações de agrotóxicos na vida das famílias afetadas. Também foram apresentadas as articulações com comunidades urbanas e laços estabelecidos com a sociedade local e regional.

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita. Foto: Maiara Rauber

As famílias dos assentamentos de Reforma Agrária Itapuí, Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha relembram os momentos que enfrentaram em 2020 e 2021, nas quais foram atingidos pela deriva de agrotóxicos pulverizados por aviões agrícolas utilizados por grandes produtores de arroz convencional do município de Nova Santa Rita. Os herbicidas afetaram a saúde de agricultores, moradores, culturas orgânicas, animais e agroecossistemas locais, como consequência de voos rasantes de aviões com agrotóxicos sobre e nas proximidades das áreas dos assentamentos, onde se concentram também algumas das áreas de maior produção de arroz agroecológico da América Latina.

Entre os diversos sentimentos presentes, esteve a tristeza pelas violações nos territórios, com impactos traduzidos em estiagens prolongadas, como a de 2020, no envenenamento das águas, e nas ameaças constantes das pulverizações. Foram evidenciados casos de câncer devido ao contato com o veneno, doenças de pele, alergias, bolhas na pele, adoecimento e enfermidades tantas.

A partilha de relatos sobre a realidade da vida no campo, com enfoque na produção agroecológica, contou com falas como a da companheira argentina Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona. Ela abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo, que muitas vezes passam por situações como abortos espontâneos pelo contato com o veneno, ou nascimento de crianças com doenças e deformações. Além de um cotidiano evidenciado pela perda de suas crianças, revelou ainda que o câncer alcança índices elevados em seu território, afetando drasticamente as companheiras. Contexto situado dentro da conivência do estado Argentino, que como expôs sua fala, adota políticas que dão as costas aos pequenos agricultores. “E a justiça não nos escuta”, acrescentou. Caso semelhante ao do Brasil, e até mesmo de Santa Rita, com fiscalização que em uma das denúncias feitas demorou 15 dias para ser realizada.

Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona, abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo na Argentina. Foto: Maiara Rauber

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita, comentou: “Em 2015 fomos atingidos pela primeira vez e ninguém dizia que era veneno, era falado que era falta de água. Tinha veneno por cima de tudo, eu denunciei. Chegamos aqui e construímos o que construímos para persistir na terra, persistir em ir contra o veneno. É difícil fazer uma muda orgânica, mas não vamos parar, porque primeiro de tudo vem a saúde”.

Os impactos das derivas também se dão na vida econômica dos produtores, com perdas que podem comprometer a subsistência das famílias, a ida a feiras e o abastecimento com alimentos em regiões inteiras. Adir resgatou ainda a conexão política com a pauta, mencionando a importância do Movimento Sem Terra e das políticas do governo de Lula para que pudessem tocar o projeto do viveiro.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Olympio, além de contar a história de sua propriedade e a importância da produção agroecológica, que garante inclusive a potabilidade das águas e o equilíbrio ecológico dos locais, destacou a importância dessa forma de produção na fertilidade do solo, na diversidade da vida. E o quanto desde que se assentou no local, numa relação afetuosa com o espaço e sem uso de venenos, foi possível perceber melhorias neste.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Foto: Maiara Rauber

A violência permeia os relatos da resistência contra a pulverização de agrotóxicos no Brasil e na Argentina. Mas para além dela, a indignação, na coletividade e construção das lutas, se torna mobilização para seguir. O assentado do MST, João Vitor de Almeida,  insistiu na cooperação, articulação das lutas, e pressão dos de baixo ao poder público e à justiça para garantir o direito à terra, produção, trabalho e vida digna. “A última vez que nós ficamos muito sufocados era cinco horas da manhã e o avião estava passando. E às cinco da manhã é hora que ninguém fiscaliza. E se as famílias não reclamam, elas não se movimentam. O agronegócio vai corrompendo e vai criando mecanismos que tornam tudo possível novamente. Então a lei é importante, mas mais importante é a consciência e a mobilização das famílias, de que não é possível conviver com agroecologia e agronegócio”, relatou. Evidenciando a importância das alianças de luta, João complementou: “ Temos que juntar todas nossas forças possíveis para que a gente possa produzir alimentos saudáveis, cuidar do ambiente, da terra e do nosso trabalho. E é isso que temos feito nos últimos anos, enfrentando todas as dificuldades possíveis. E o que estamos propondo, diante de todas as dificuldades que enfrentamos é que nós precisamos ampliar essa relação para um processo de luta maior a partir das comunidades locais. Porque uma árvore não se planta de cima para baixo, e nós temos que produzir a luta de baixo para cima”.

Encontro na Assembleia Legislativa apresenta reinvindicações das lutas e proposições para frear o agronegócio

No segundo dia (24) do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, o debate da temática, desta vez aberto ao público, teve sequência na Assembleia Legislativa do RS. Lá, trouxe reflexões a nível de América Latina, de Brasil, mas também abordou informações mais específicas dos casos ocorridos em Nova Santa Rita e Eldorado do Sul, assim como em Santa Fé (AR).

Carlos Manessi, da Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), explanou sobre a realidade Argentina. “As condições são as mesmas, temos agora na Argentina  o presidente Alberto Ángel Fernández ,respaldado pelo CEO da Syngenta, principal promotora desse modelo que temos agora em presidência. Falo para que tenham ampla ideia. Manessi acrescentou ainda que em Santa Fé há 20 milhões de hectares cultivados com soja: “Na nossa província, local da qual venho, temos três milhões e meio de hectares, 70% do nosso território está coberto com soja. Isso corresponde a 70% das terras cultivadas. É muitíssimo. É monocultura, monocultivo demais. Demais”, situou.

Em sua fala, abordou os casos de inundações, secas, contaminação de rios e desmontes decorrentes do modelo do agronegócio, diretamente relacionado ao uso de agrotóxicos e transgênicos. “Santa Fé perdeu 50% da colheita. Uma lagoa com 20km de peixes mortos pela seca em grande lagoa que temos. São impactos tremendos que estamos sofrendo”, contou, estabelecendo um paralelo com os impactos na saúde coletiva.  “Os impactos na saúde são muito grandes e não podemos seguir permitindo que nossos vizinhos sofram o que sofrem agora. Então a nossa ideia na Pare de Fumigarnos e esse coletivos de organizações é, para começar, garantir mil metros livres de fumigação… Não podemos permitir mais isso tudo. Vocês no Brasil, nós na Argentina, e paraguaios, uruguaios e bolivianos”.

Manessi também refletiu sobre a importância desse intercâmbio de informações entre organizações e movimentos de luta, inclusive como ação estratégica para frear a emergência climática: “Somos parte do ambiente, a cadeia do sistema agroindustrial é responsável por quase de metade dos gases de efeito estufa de efeito global. A mudança climática que presenciamos e sofremos está fortemente influenciada por esse modelo de produção agroindustrial. Esse sistema de produção agrária com toda cadeia de valor produz mais de 50% por cento dos gases de efeito estufa que nos leva à mudança climática”.

Somando nessa fala, Gabriel Adrian, do Instituto de Saúde Socioambiental da Universidade Nacional de Rosário (AR), elucidou que as articulações de luta reconhecem a necessidade de transformar o modelo do agronegócio, que gera doenças, mortes e consequências socioambientais nefastas. “Nesse século enfrentamos alguns desafios na saúde coletiva que tem a ver com aquecimento global, com surgimento de futuras pandemias. O modelo agroindustrial gera condições para que possam emergir novos microrganismos com potencial pandêmico, com a forma que são criados industrialmente os animais”, explicou, contextualizando que hoje vivemos em ambientes repletos de substâncias tóxicas como nunca ocorreu em outro momento da história. “Frente a todas essas ameaças, o que os companheiros querem reivindicar não se trata de nada mais que uma forma de produzir, um modo de vida.  Entendemos que os modos de vida agroecológicos são reivindicados porque são os modos de vida que nos permitem enfrentar todas essas ameaças e desafios”, sintetizou.

Adrian defendeu ainda que os sistemas agroecológicos são resilientes,  capazes de captar a sociobiodiversidade: “Frente a possibilidade de sofrimento de pandemias, os sistemas agroecológicos são os sistemas que defendem a imunidade coletiva, de toda sociedade. Contra a carga tóxica que há no ambiente, na água, no solo, no ar, os sistema agroecológicos são os que nos permitem recuperar os territórios para vivermos de modo saudável”, demarcou. Em sua exposição, reconheceu a importância da trajetória construída nas lutas, mas questionou quais compromissos  devem ser assumidos desde o setor da saúde para estar à altura histórica do momento em que estamos vivendo. “Por mais que tenhamos ideias e linhas de trabalho, é necessário recuperar desde as vivências que têm as comunidades e povos. É preciso transformar o sistema de saúde atual em um sistema capaz de produzir saúde”, comentou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Evidenciou que o Brasil é o maior consumidor de veneno,  assinalando  que grande proporção dos agrotóxicos consumidos aqui são proibidos em seus países de origem.  “No Brasil, nas nossas lavouras temporárias que deveriam ser produção de alimentos, estão destinados em três cultivos: soja, milho e cana. Falamos de cerca de 40 milhões de hectares de soja, outros 22 milhões de milho, nove milhões de cana..  Isso implica para nós uma imensa concentração de riqueza, uma imensa concentração de terra, uma imensa concentração de insumos, e nesse caso os agrotóxicos saltam aos olhos no caso brasileiro. Nós somos o maior consumidor de veneno do mundo”, anunciou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Foto: Maiara Rauber

A advogada e ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Marina Dermmam destacou em sua fala o descaso do poder público em relação a fiscalização de crimes vinculados à agrotóxicos, mencionando a relevância do trabalho jurídico realizado para ajudar as famílias atingidas por pulverização aérea de agrotóxicos em Nova Santa Rita. “Os agrotóxicos podem violar uma série de direitos humanos, em especial os direitos que chamamos de DHESCAs (Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais). A gente tem uma série de legislações muito protetivas aqui no Brasil, especialmente que surgiram na década de 80 e 90: o nosso plano nacional de meio ambiente, a política nacional de meio ambiente, leis de crimes ambientais, de fato são muito protetivas, mesmo no que teve em desregulamentação no último momento que vivemos. Mas é um grande desafio quando vamos no sistema de justiça procurar responsabilidade”, mencionou. Marina manifestou ainda a importância dos polígonos de exclusão, locais em que a pulverização de agrotóxicos deve ser proibida.

Acordo Mercosul-União Europeia: acordo comercial sem participação dos afetados intensifica projeto neocolonial de superexploração dos povos e territórios no Sul Global

Para além das lutas cotidianas nas bases dos territórios, abordadas nos encontros do “Povos contra agrotóxicos na República Sojeira”, foi dimensionada como estas se travam dentro da geopolítica global. Na correlação de forças entre centro e periferia do sistema capitalista, países embobrecidos por esta economia hegemônica, como os da América Latina, são grifados pela violenta situação de dependência escancarada no modelo primário agroexportador do agronegócio. Modelo que privilegia o desenvolvimento dos países colonizadores, como os membros da União Europeia, a partir do subdesenvolvimento e superexploração do Sul Global.

Na prática, um acordo que intensifica o racismo ambiental, o ecocídio, a mercantilização da natureza e o genocídio dos povos indígenas, quilombolas,  ribeirinhos, tradicionais, campesinos e das periferias, que são os mais afetados pela emergência climática. Emergência essa causada pelo capitalismo e diretamente fomentada pelo agronegócio, ainda mais tendo em vista que o maior motivo de emissões de gases poluentes da atmosfera no Brasil é a alteração de uso de solos, via desmatamento para a ampliação da fronteira agrícola.

Exemplos que escancaram essa realidade são acordos como a Alca, barrado pelas lutas anos atrás. Caso que a assentada do MST e atingida pela pulverização de agrotóxicos, Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula.

Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula. Foto: Maiara Rauber

Logo, na luta contra a exploração dos corpos, territórios e da natureza na América Latina, este acordo é mais um ponto a ser considerado. Ele se relaciona diretamente com o avanço do agronegócio, que traz o uso de agrotóxicos que poluem águas, solos, afetam a saúde e integram um modelo de produção desigual. Graciela abordou essa situação de dependência econômica prolongada pelo Acordo, assim como o uso de agrotóxicos como armas químicas a qual estão submetidas as comunidades. O Acordo Mercosul-União Europeia a maioria das pessoas  desconhece. Quem conhece um pouco, e um pouco porque nem sequer foi traduzido nas línguas dos países que supostamente estão envolvidos, sabe muito bem que é uma nova exploração dos nossos territórios.  É um aprofundamento da exploração do sistema capitalista nos nossos territórios e nos nossos corpos. E isso significa que a fronteira da soja, a república unida da soja como falava a Syngenta, vai querer se expandir muito além. E isso vai acontecer com todas as monoculturas se nós não paramos, não conversamos e dizemos para esse novo governo que não queremos mais exploração nos nossos territórios”, situou Graciela quanto a necessidade de incidência das lutas neste Acordo.

Encontros fortalecem as alianças entre movimentos e organizações que assumem o compromisso no processo de conscientização da sociedade da América Latina

Leonardo Melgarejo, do Movimento Ciência Cidadã, explicou a importância dessa atividade multi-institucional que envolveu ativistas que lutam contra o agrotóxicos na América Latina, e contou com uma comitiva de quatro instituições da Argentina. “Nós discutimos um fato básico, temos doenças que são as mesmas, que afetam as famílias de todos os países da América Latina, que são causadas por agrotóxicos que são os mesmos comercializados com instituições que são as mesmas. Precisamos estabelecer uma forma de defesa conjunta para atuarmos de uma mesma maneira e não isoladamente, para atuarmos conjuntamente contra este problema que se associa aos avanços das lavouras transgênicas, das lavouras geneticamente modificadas tolerantes agrotóxicos que estão inundando os nossos territórios”, declarou.

Foi concluído no final do debate a importância de superar processos de alienação da sociedade de todos os países da América Latina, pois segundo Melgarejo a água que habita, que dá vida aos territórios da América Latina está sendo contaminada de maneira irreversível sendo que essa água faz parte dos organismos, das crianças, idosos, e também nos rios, lagos e aquíferos. “Uma maneira de tirar esse veneno dos espaços é evitando que ele chegue lá. Para isso temos que estabelecer mecanismos de comunicação que ajudem a sociedade a tomar consciência do problema que está em andamento e esses mecanismos exigem que nós pautamos ações em comum em conjunto nos vários espaços ao mesmo tempo”, reforçou o integrante do MCC.

Um dos exemplos citados por Melgarejo é o documento produzido pelas famílias assentadas de Nova Santa Rita, o qual conta a sua história e as estratégias que vem desenvolvendo para estabelecer essas alianças com as populações urbanas. Para fortalecer o documento estão captando assinaturas de adesão para levar adiante a sociedade do que acontece aqui no Rio Grande do Sul e que por extensão é o que acontece em todo o conjunto da América Latina.

Por fim, Melgarejo encarou o encontro positivamente, ao destacar a relação estabelecida com companheiros de lugares diferentes da América Latina. E novas etapas dessa luta conjunta já estão previstas. Segundo Leonardo, em junho deste ano haverá um momento na Universidade de Rosário, na Argentina, durante o Congresso de Saúde Coletiva e Saúde Ambiental. Outro encontro será realizado em novembro na cidade do Rio de Janeiro, no Congresso Brasileiro de Agroecologia (ABA).

“Nesse meio tempo nós temos um compromisso de apoiar as instituições que trabalham nessa linha e ajudar a proteger esses ativistas que estão envolvidos com essas ações de proteção, pois eles são perseguidos, discriminados e ameaçados. Devemos construir gradativamente esse processo de conscientização da sociedade da América Latina, e tomar medidas em conjunto para superar essa crise”, finalizou Leonardo Melgarejo.

Acesse o documento na integra.

Texto por Maiara Rauber e Carolina Colorio Reck

Confira alguns dos registros das atividades na nossa galeria de fotos: 

 

Créditos: Carolina C.

Não foi possível estar presente? Confira a transmissão ao vivo  da atividade na Assembleia Legislativa, que conta com apresentação da Carta dos atingidos pela deriva de agrotóxicos e debate internacionalista, da sociedade civil, movimentos e organizações sobre a pauta

Transmissão ao vivo

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Saiba mais sobre a luta contra o Acordo Mercosul- União Europeia na matéria “Delegação brasileira faz Jornada na Europa para denunciar os impactos do Acordo Mercosul-União Europeia”

E aqui você confere  o posicionamento da Frente Brasileira Contra o Acordo Mercosul-UE, que foi apresentada ano passado no Parlamento Europeu 

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