Sair ou ficar, não importa: os direitos de todas as famílias da Nazaré devem ser respeitados. Frente ao descaso da Fraport e da prefeitura de Porto Alegre, MPF, MPE, DPU e DPE levam questão aos tribunais
Nessa sexta-feira (5), o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Estadual (MPRS) e a Defensoria Pública Estadual (DPE) ajuizaram ação civil pública para garantir o direito à moradia digna às famílias que moram na Vila Nazaré, em Porto Alegre, capital mais ao sul do Brasil. Para os órgãos, a Fraport, transnacional alemã, deve assumir suas responsabilidades e apresentar uma nova alternativa de moradia às famílias da comunidade – “arcando, inclusive, com o custo associado de reassentamento, o qual foi estimado nos estudos que precederam a concessão em aproximadamente R$ 146 milhões”, resume o comunicado no site do MPF.
A Fraport é, desde 2018, concessionária do Aeroporto Internacional Salgado Filho e tem planos para expandir a pista de pouso dos aviões, podendo assim receber aerononaves maiores, principalmente de carga. Após forte pressão da comunidade e de organizações que lutam pelo direito à moradia digna, em um processo recheado de violações de direitos por parte da Fraport e da prefeitura de Porto Alegre, a questão será agora resolvida por vias judiciais.
Na semana anterior, uma ofensiva do Demhab (Departamento Municipal de Habitação) havia dado início às remoções das primeiras famílias. Em meio a muita desinformação, mesmo com pessoas já sendo retiradas de suas casas (que eram imediatamente destruídas, deixando para trás apenas escombros e um cenário de guerra), ninguém sabia ao certo para onde iria: a comunidade se opõe à saída para o Loteamento Irmãos Marista, no Timbaúva, local distante de onde construíram suas raízes – a Nazaré está onde está a aproximadamente 60 anos. O outro local destinado pela prefeitura às famílias é o Loteamento Nosso Senhor do Bom Fim, mais próximo: entretanto, ali há espaço para apenas 15% das famílias; todo o resto seria expulso para o Timbaúva.
O MPF, porém, junto aos outros órgãos, é bastante claro: nem Fraport nem prefeitura podem remover famílias à força, e até que o processo ocorra de maneira adequada e transparente (com novo cadastramento, apresentação de alternativa habitacional por parte da Fraport – que deve arcar com os custos -, e a devida discussão junto à comunidade), nenhuma família deverá ser removida. Vale lembrar que existem terrenos – inclusive públicos – ao lado da Nazaré, disponíveis portanto para a realocação da vila. Essa nova “solução habitacional”, como colocado pelos órgãos, resolveria outro grave problema: núcleos familiares estavam sendo separados, indo parte da família para um loteamento, parte para outro. Agora, com um novo plano habitacional que deverá contar com a participação popular, a comunidade não precisa ser dividida em duas, mantendo os laços afetivos e sociais construídos ao longo de seis décadas.
O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), não parece sensibilizado com a situação das famílias da Nazaré. Em entrevista ao Jornal do Comércio em 21 de junho, afirma: “As pessoas estão em uma área de risco, que inunda, é cheia de doenças que se espalham, dominada pelo tráfico e a gente vai questionar se ela mora perto ou longe do parente?”. A tática é velha, utilizada para apressar a saída das famílias – e parece ter falhado, por ora: há anos a prefeitura de Porto Alegre abandonou a região, criando dificuldades para que se viva ali. O posto de saúde foi fechado; a escola infantil, também. Ruas esburacadas, falta de iluminação pública, esgotos entupidos que invadem as casas em dias de chuva: a situação dramática – criada pelo descaso da prefeitura – faz com que as pessoas desejem mesmo sair da vila. Pois sair ou ficar não é a questão: em qualquer circunstância, o direito à moradia digna deve ser respeitado, as famílias tendo parte no processo de decisão sobre seus futuros – o que hoje, graças a organização e a luta da comunidade, parece ser um sonho mais concreto.