Nota pela passagem de Sérgio Fidélix, liderança do Quilombo Fidélix

Neste domingo (29/09), mais um grande guerreiro encerrou a sua última batalha aqui na Terra.  Nosso vizinho, conselheiro e companheiro de luta, Sérgio Fidélix, liderança do Quilombo Fidélix.

O quilombola, que muito nos inspirou, acolheu no território urbano, em 2013, a Assembleia dos de Baixo. Também, foi parceiro da nossa Feira Frutos da Resistência, trazendo alegria e questões incontornáveis para nossa luta.

As ações deste guerreiro foram extremamente importantes no contexto local, nacional e internacional, revelando a força da articulação territorial e nossa potência e responsabilidade na defesa da vida contra os projetos de morte.
Fidélix era um admirador da vida e viveu com toda intensidade e coragem que o viver nos exige.

A sua alegria, tranquilidade e papo reto, nos embates dialógicos, continuarão inspirando as gerações em resistência.

Agradecemos o seu existir entre nós e por tudo que compartilhou conosco.
Toda a força para esta passagem!

Com sinceros sentimentos,
Amigas da Terra Brasil

O violento avanço do capital sobre os territórios de vida é o motor da emergência climática. Na luta dos movimentos sociais e na organização dos povos está o freio desta tragédia anunciada

Em entrevista para o Grupo Carta de Belém, Fernando Campos abordou a relação das enchentes no Rio Grande do Sul e seus consequentes impactos na vida cotidiana da população com os processos de privatização, captura corporativa do Estado, desmontes na legislação ambiental e avanço das lógicas de mercado nos territórios de vida. Evidenciando o que nos trouxe até a recente calamidade em solo gaúcho, expôs a fragilidade a qual boa parte da população ainda está submetida, meses após as enchentes. Propôs, ainda, quais caminhos e soluções apontam para que o futuro não seja inundado por um passado que traz a marca de uma tragédia há muito anunciada. 

Fernando faz parte do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Amigas da Terra Brasil (ATBr), uma organização internacionalista de base que luta por justiça socioambiental e constrói a soberania alimentar, territorial e dos povos, que integra o Grupo Carta de Belém (GCB).

Confira a entrevista na íntegra:  

Grupo Carta de Belém (GCB): Qual é a situação?
Fernando Campos: A situação é de calamidade em função da enchente, que atingiu grande parte do Rio Grande do Sul de diversas formas, e que trouxe de cara a situação dos ambientes degradados no caminho dessas águas. Mas há toda uma flexibilização ambiental que permitiu o desmatamento, há o não respeito às Áreas de Proteção Permanente (APPs) e toda legislação ambiental. O grande responsável é o agronegócio, de forma direta, com a produção de soja e eucalipto, e até mesmo de outras culturas que são desenvolvidas em locais que deveriam ser preservados. Com isso ocorre a grande invasão de água dentro dos rios, assoreados, com barragens que não garantem a pressão da água, que foram destruídas no caminho, que foram enchendo e gerando ondas de alagamento, numa velocidade maior que a das chuvas, fazendo com que as pessoas fossem pegas desprevenidas, pois nível da água subiu muito rápido. 

O contexto geral é a resposta da degradação ambiental que de forma sólida existe nos territórios. Há muitos lugares onde essa realidade é gritante. Se olhar fotos aparecem todos esses caminhos das águas, e é possível ver que não foram respeitadas as legislações ambientais. Os grandes projetos de morte acabaram gerando mortes, seja os da mineração, do agronegócio ou da especulação imobiliária, jogando moradias em locais de risco. As águas vindo pelos rios Caí e Jacuí, todos esses rios que chegam em Porto Alegre (RS), encontraram um sistema de preservação, de contenção das cheias sem manutenção, com portas que não fechavam, sistemas de esgotos que deveriam ser lacrados para evitar o refluxo mas não estavam, várias condições que não estavam com manutenção. Isso vem de governos de direita negacionistas, que nesse processo não estabeleceram essas manutenções, numa logica de estado mínimo, de privatização de serviços, de desestruturação de políticas e ações que garantiriam esse tipo de manutenção. O Departamento de Esgoto (DEP) foi desmanchado e assimilado a outras estruturas que teriam o mesmo foco. Seja no campo, na zona rural ou na zona urbana, o negacionismo toma conta, não há manutenção nos sistemas de proteção. E essa situação continua quando essa água sai do Guaíba e vai para a Lagoa dos Patos, então começa o alagamento em outras regiões. O Litoral Sul, que pega todas as cidades que estão em torno da Lagoa, que não tinham proteção, aí se gerou essa situação inevitável com a subida das águas. 

Então, a princípio, o maior motivador é o negacionismo, a falta de ciência, de técnica em relação a essas situações e ao mesmo tempo essa situação toda em que alguns são atingidos diretamente e uns mais que os outros. Pessoas da periferia, de locais onde não há nenhum tipo de investimento do Estado, acabaram sofrendo consequências bem maiores. E aí a gente tem pessoas que perderam tudo, cidades inteiras devastadas, a agricultura familiar totalmente destruída nos territórios, áreas de produção agroecológicas destruídas também. Então o impacto vem dessa visão negacionista e sua origem nos setores corporativos que trabalham lobbys para flexibilização da legislação e lucro dessas empresas (seja da mineração, do agro…), de forma a ampliar seus lucros explorando ao máximo a natureza e bens comuns.

 

Grupo Carta de Belém (GCB): Quais são os desafios?
Fernando Campos: Devemos indicar os responsáveis, para que isso não fique impune. São eles: as grandes corporações, o poder corporativo, os Estados capturados de forma direta com políticas que fazem uso de empresas e setores para avançar no processo eleitoral, e com isso eles fazem lobby para ganhar mais recurso, e financiamento para essas empresas, seja na flexibilização das legislações ambientais, por exemplo, onde o Estado favorece esses setores. Precisamos indicar os responsáveis, seja no setor do agronegócio, da construção civil, da mineração. Outro desafio foi estabelecer uma ação rápida. Há quase 40 dias da enchente ainda tem pessoas desabrigadas, pessoas que ainda não tem uma solução de moradia, vivendo em abrigos precários, sem mínima estrutura, muitos deles sem alimentação para as pessoas, e muitas vezes eles tem que escolher alimentar só a família, ou só as crianças. Situação caótica, e as pessoas continuam em risco, em insegurança alimentar. E para além disso tem toda a questão da saúde, da educação, que estão prejudicadas, as famílias sem poder voltar a trabalhar, sem poder voltar a ter sua renda, entregues a um Estado que deveria garantir direitos e este Estado está em colapso total, pois é um estado mínimo que não tem capacidade de incorporar essas situações. E aí a gente vê uma lógica voluntarista, onde parece que só a ação da sociedade vai resolver os problemas. Então a gente precisa, nesse momento, mostrar que essa lógica do estado mínimo gera violações diretas, crise ambiental, e para isso a gente precisa de um estado forte, que garanta direitos, que faça esse diálogo com a sociedade. Isso também é uma outra questão que a gente vê a cada momento, esse estado negacionista de extrema direita, em que não aceitam a participação direta e não aceitam os Conselhos, que são enfraquecidos, que não agregam na construção das soluções. São de faz de conta, não constroem uma participação da sociedade. Prefeituras e governo do estado priorizando reuniões com empresas e empresários, como se eles fossem a solução, e na verdade foram eles que nos trouxeram até aqui, a essa situação caótica, de crise. Então, de alguma forma a gente acredita que o desafio neste momento é indicar os responsáveis e buscar as possibilidades de construção e participação priorizando os movimentos sociais que estão nos territórios, que estão atuando, têm expertise. Exemplos como a produção agroecológica, em que o pessoal se organiza e garante alimentação, o processo do Minha Casa Minha Vida Entidades, que produzem moradia, e as melhores moradias a disposição, onde o lucro das empresas é transformado em qualidade e dignidade de moradia, seja no tamanho da casa, número de quartos, com horta, equipamentos para horta, construção e sentir de comunidade, e não um teto como moradia de forma precária. 

Grupo Carta de Belém (GCB): Quais são as soluções?
Fernando Campos: A gente acredita muito que o papel do Estado é fundamental, um estado forte na lógica de reconstrução de um estado que possa garantir os direitos, que esteja preparado para este tipo de situação. A gente vê um total despreparo para estabelecer condições, tudo tem levado muito tempo e esse tempo não garante a vida das pessoas, seja no pré, durante ou no pós, a dificuldade é muito grande de garantir a vida das pessoas. 

Ao mesmo tempo vejo que as soluções estão nos movimentos sociais. É preciso encarar os movimentos sociais como forma de atuação junto com o estado. A agilidade dos movimentos sociais é muito maior que a do Estado. Quando começaram  todas as situações, os primeiros a atuarem foram os movimentos sociais, foram as Cozinhas Solidárias de Emergência que foram instauradas, que garantiram de forma rápida a redução de danos em relação ao impacto sofrido. As comunidades que estavam organizadas reduziram seus prejuízos, vulnerabilidades, a partir do apoio. Então tem o papel do movimento social de organizar, seja na construção da soberania alimentar… É importante entender os processos como eles se dão, porque essa relação entre solidariedade, entre Cozinha Solidária, agricultura familiar, isso vai garantir a soberania. Não só a segurança alimentar, mas também a soberania, a garantia de laços entre o urbano e o rural. É importante que isso seja garantido. E que políticas públicas como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) possam garantir essa relação a partir da política pública e novamente, com os movimentos sociais sendo a porta de entrada disso. 

Precisamos de agilidade na solução das moradias. Têm pessoas que perderam tudo, a casa, a vida, é muito importante que as famílias mais atingidas consigam reorganizar suas vidas. As situações de precariedade dos abrigos, de violações de direitos são constantes nesses espaços. Há falta de autonomia, de privacidade, onde isso é fundamental. Muitos imóveis vazios que poderiam estar garantindo essa moradia, sejam imóveis do governo do estado, dos municípios, da União, ou imóveis privados, que estejam a disposição do aluguel social, da compra assistida, mas que consiga garantir a função social da propriedade, e não só em situação de crise. As famílias precisam de moradias, os espaços das escolas precisam ser desocupados, as aulas precisam voltar. Então moradia e manutenção da alimentação, as famílias conseguirem ter acesso a comida, as cozinhas solidárias de emergência, são fundamentais para garantir o mínimo e ao mesmo tempo os agricultores que foram atingidos consigam retornar à situação de produção o mais rápido possível, numa ação conjunta do urbano e do rural.

Ainda no tema das soluções é muito importante que a gente coloque a questão do problema fundiário, primordial nesta discussão. A questão fundiária é a principal violadora de direitos, principal tema. Precisa de uma solução. Nesse momento devemos colocar isso como uma meta de garantir a reforma agrária, de garantir a titulação dos quilombos, garantir a demarcação das terras indígenas. Os problemas gerados a partir da precarização da vida das pessoas, falta de capacidade de resposta em situações de crise, vem por parte das injustiças ambientais nos territórios,  políticas públicas não atendem, não existe uma democracia direta. A principal solução para a questão do clima é a questão fundiária, são os povos nos territórios. Locais preservados são locais onde as comunidades vivem, são locais com ambiente preservado de forma segura. É preciso garantir o território, a comunidade dentro do território para preservação dos impactos à natureza, ao ambiente, que garanta o bem viver nestes territórios.

Grupo Carta de Belém (GCB): Como a questão da agroecologia e soberania alimentar estão inseridas nesse contexto?
Fernando Campos:  A questão da alimentação especificamente: tivemos a Conferência Nacional de Segurança e Soberania Alimentar, em que se falou em comida de verdade. Já vínhamos implementando esses processos da Cozinha Solidária de Emergência do MTST, regulamentando junto ao Ministério de Desenvolvimento Social, junto a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) a compra de alimentos não só da cesta básica, mas também da agricultura familiar, para garantir a comida de verdade. Quando se fala em saúde, imunidade, esses alimentos são fundamentais, garantem a saúde e a alimentação. Vem de produção sem agrotóxicos, que gera uma lógica garantida e apoiada a partir das políticas públicas, e não a lógica do agronegócio que garante commodities e não alimento para as pessoas, além de contaminar diretamente as águas, solo, ar, pessoas e animais. É isso… Como pensar o problema da fome, sem apoiar o agronegócio que gera outros impactos, inclusive do que estamos vivendo hoje? Agronegócio não pode ser a solução, devemos fortalecer a agricultura familiar, que preserva vidas e garante vida.

Conteúdo originalmente publicado no site do Grupo Carta de Belém (GCB), em: https://www.cartadebelem.org.br/o-violento-avanco-do-capital-sob-os-territorios-de-vida-e-o-motor-da-emergencia-climatica-na-luta-dos-movimentos-sociais-e-na-organizacao-dos-povos-esta-o-freio-desta-tragedia-anunciada/ 

Amigas da Terra na Cúpula dos Povos Rumo à COP30: A solução são os povos nos territórios

Pautando soluções reais para atravessar a emergência climática, a Cúpula dos Povos vem se organizando desde as bases da luta para marcar presença, construir espaços e incidir na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30.  O evento está previsto para ocorrer em novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará (Brasil). A Amigas da Terra Brasil participa das reuniões de organização e articulação da Cúpula dos Povos, que traz respostas que propõe uma mudança radical de paradigma para frear a emergência climática e garantir direitos. Como organização, pauta ir à raiz dos problemas que vêm sendo enfrentados pelos povos desde a colonização do Brasil, e que se aprofundam e assumem outras facetas com a emergência climática. A ATBr assina a Carta da Cúpula dos Povos e convida demais organizações, coletivos, construções de base, territórios, movimentos sociais e iniciativas a assinarem e somarem nessa construção.

Leia a carta na íntegra e faça parte desta construção

 “Esse momento é um momento histórico, também, porque a gente começa a sentir em alguns territórios, há alguns anos, os efeitos das mudanças climáticas. E eles vem antes, maiores e mais fortes, atingindo primeiro, quem já sofre violações de direitos nesse sistema que a gente vive – o sistema capitalista neoliberal, que coloca alguns com direitos e outros sem direitos”, ressalta Fernando Campos, da ATBr. Fernando expõe que a principal perspectiva nesse momento é trazer a questão do direito à terra e ao território. Assim como a importância desse processo de reparação histórica e de dívida histórica, o que envolve a garantia dos direitos e da constituição com a titulação de quilombos, demarcação de territórios indígenas, reforma agrária, reforma urbana, produção de moradia, regularização fundiária no meio urbano e rural. “ É fundamental a garantia de que os povos tenham o direito aos seus territórios, o direito de dizer não a remoções, tenham direito de escolher o projeto que garanta o seu modo de vida. O direito de que ele não seja permanentemente colocado em risco em função do mercado, em função das corporações, dos projetos de infraestrutura, da mineração, do agronegócio, da especulação imobiliária e da produção de energia. São temas que hoje fazem com que a disputa da terra gere violações de direitos humanos, violência e mortes”, afirma. 

A Cúpula dos Povos surge como espaço alternativo às COPS da ONU, que são um importante espaço de disputa política mas marcado a cada ano por maior participação do setor privado, corporações e grandes empresas causadoras da emergência climática. Embora tenha relevância na tomada de decisões sobre o clima a nível global, o espaço institucional das COPs acaba limitando o acesso dos povos em luta, de movimentos sociais, sindicatos, organizações por justiça socioambiental e territórios organizados. Situação que leva a confluência destas lutas a construírem um espaço alternativo, onde as suas vozes, demandas, articulações políticas e soluções possam fazer coro por outros projetos de sociedade. Projetos que, ao encarar a tarefa de frear o aquecimento do planeta e o colapso socioambiental,  propõem soluções reais, que passam longe das falácias do mercado. 

“A gente continua desde a invasão do Brasil violando direitos em função do lucro, da ganância do poder corporativo. Então é um pouco desse desafio que a gente coloca pra COP 30 e para o governo brasileiro: do que veremos de soluções. Serão soluções corporativas, mais do mesmo, mais das mesmas empresas que nos trouxeram até aqui, com o aquecimento global, revolução industrial e processos que geraram responsabilidade sobre isso? Com os países e setores que geraram isso e continuam gerando fazendo um negacionismo em cima de todos os acúmulos científicos e os próprios relatos históricos dos territórios e comunidades da forma e o cuidado com o ambiente?”, questiona Fernando. Em nome da ATBR, ele também pauta a necessidade de o debate considerar o ser humano como parte da natureza e de pautar meio ambiente como um ambiente inteiro, que dialoga com todas as necessidades humanas e ao mesmo tempo com a perspectiva de que a preservação da natureza é fundamental para que todas vidas sejam possíveis. 

A garantia de direitos e dos povos nos territórios é o plano de fundo para um debate justo quanto ao clima. E para que este debate não se transforme em práticas que reincidem em desigualdades sociais e ambientais, nos levando ao aprofundamento dos mesmos problemas de sempre e ao colapso. “Não dá para gente pensar em soluções que vêm sendo impostas, como o mercado de carbono, pagamento por serviços ambientais, REED, redução de emissão e desmatamento, soluções baseadas na natureza… Uma infinidade de processos e nomes para coisas que muitas vezes a gente já faz, já trabalha de alguma forma nos territórios, mas que está sendo capturada pela ganância corporativa. E que, dessa forma, vai gerar disputa fundiária, mais gente perdendo os seus territórios em função de projetos de carbono, de redução de emissão, de pagamento por serviços ambientais, projetos por serviços ecossistêmicos. A única solução que nós temos hoje, comprovada historicamente, é essa: São os povos nos territórios. São os territórios coletivos. As comunidades que historicamente estão nesses territórios, ou que foram trazidas de forma violenta, que foram historicamente apropriadas, são as que melhor cuidam e melhor garantem o ambiente equilibrado. A solução dos povos são os povos nos territórios. Essa é a garantia de que teremos soluções reais na nossa discussão de aquecimento global”, explica Fernando.

A participação da Amigas da Terra Brasil na Cúpula dos Povos se dá através do Grupo Carta de Belém, que desde 2009 trabalha de uma perspectiva crítica a partir dos movimentos sociais e organizações. Este realiza debates e atividades abordando as falsas soluções do capital quanto a economia verde e o mercado de carbono, assim como construindo formas de resistência e fortalecendo as bases dos movimentos. Durante a Cúpula dos Povos rumo à COP30, assim como fez na Rio+20, o Grupo Carta de Belém estará atuando com força, articulando e organizando a incidência nestes espaços. Soma nesta construção a Jornada Continental pela Democracia e Contra o Neoliberalismo, ecoando a perspectiva latino-americana e caribenha de resistência e as lutas por terra e território, contra o poder corporativo.

A Amigas da Terra Brasil integra estas articulações. Em 2023, participou do Diálogos Amazônicos, atividade que antecedeu o encontro de chefes de Estado na Cúpula da Amazônia. Como expôs Lúcia Ortiz (ATBr), este grande encontro dos povos amazônicos reverberou “vozes de povos que de fato preservam o bioma e constroem, todo dia, economias que sustentam a vida”. Em fevereiro de 2024, a Amigas da Terra participou da Jornada Latino Americana e Caribenha de Integração dos Povos, em Foz do Iguaçu (tríplice aliança Brasil, Paraguai e Argentina), outro momento importante no caminhar da luta por justiça climática a partir do Sul Global. Nos próximos passos, a organização estará presente na Conferência da Biodiversidade, na Colômbia. Em todos estes espaços, a ATBR se articula e segue construindo o poder popular, para dar forças às pautas e reivindicações dos povos. Com a memória no peito e os pés no agora, a organização e suas alianças miram o futuro, com o objetivo de fazer valer decisões reais durante a COP30.   

Fernando Campos (ATBr) fala sobre soluções dos povos durante a #JornadaFoz:

 A Cúpula incide na COP30, com a força das bases, e resgata um histórico de luta por justiça socioambiental que remonta desde a Eco92 até a Rio+20, onde a articulação já se fazia presente. Naqueles momentos o Brasil foi palco para o debate global frente ao tema das mudanças climáticas. Em plena Amazônia, a COP30 traz outra vez relevância para o país na caminhada deste processo histórico. Evidenciando que a construção do poder popular, da soberania energética, alimentar, territorial e dos povos, é imprescindível, a Cúpula dos Povos segue em articulação e lança carta com suas demandas e chamamento às construções de base para sulear a COP30. 

Leia também a coluna “O Brasil e a agenda de negociações da COP28“, publicada pela Amigas da Terra Brasil no Jornal Brasil de Fato 

 

Marcha pelo Clima responsabiliza culpados pelas enchentes no RS e pauta relação com capitalismo de desastre

Na sexta-feira (31/05), vozes ecoaram pela capital gaúcha alertando que as enchentes que atingem o RS têm causas e culpados. A juventude organizada, partidos políticos, movimentos sociais, organizações ambientalistas e pessoas afetadas estiveram na Marcha pelo Clima, ato organizado pelo Eco Pelo Clima  junto a outras organizações, como a União Estadual dos Estudantes.

Concentração do ato pelo clima na Esquina Democrática, Centro de Porto Alegre (RS) | Crédito: Carolina C., ATBr

Embalado por cantos como “essa chuva não é normal, capitalismo é desastre ambiental” e “Do Lami ao Sarandi, prefeito Melo eu não te vi”, somados a gritos de “Fora Leite” e “Fora Melo”, o ato denunciou o descaso de governantes com o povo e a responsabilidade do sistema capitalista na emergência climática. Destacou, ainda, a relação da devastação da natureza, imposta por projetos políticos que colocam o lucro acima da vida, com o atual cenário de enchentes no RS.

Ato marcha até Palácio do Piratini, mencionando regiões afetadas de Porto Alegre e descaso do governo do estado e municipal com atingides | Crédito: Carolina C., ATBr
Crédito: Carolina C., ATBr
Performance de estudantes de teatro do Levante Popular da Juventude aponta os culpados | Crédito: Carolina C., ATBr

A tragédia também é política. E na receita deste caos anunciado, está a decisão do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), assim como do governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), em ignorar avisos há tanto proferidos por ambientalistas, movimentos sociais, organizações por justiça socioambiental e cientistas. Está, também, a falta de investimento destes em políticas públicas e as ações de desmonte e sucateamento do que é público. Nas privatizações massivas, no desmonte da proteção ambiental e no avanço do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária, que nos trazem a um profundo desequilíbrio ecológico.

Na concentração do ato, na Esquina Democrática, uma faixa anunciava: “Essa enchente é movida a carvão”. O RS concentra 90% das reservas de carvão do Brasil, e é o estado cotado para ser “a nova fronteira minerária do país”. Junto ao petróleo e ao gás, figurando na indústria fossilista, o carvão é um dos principais fatores de emissão de CO2 na atmosfera, gás de efeito estufa que mais acelera o aquecimento global e a emergência climática.

Durante ato, foi memorado o troféu ‘Motosserra de Ouro’, entregue por entidades ambientalistas a Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre durante protesto contra a concessão de parques e praças públicas da capital, em novembro de 2023 | Crédito: Carolina C., ATBr
O avanço do agronegócio e de políticas neste sentido, como a de liberação de agrotóxicos, potencializa a emergência climática, relacionada diretamente ao capitalismo de tragédias | Crédito: Carolina C., ATBr

O governo de Eduardo Leite privatizou serviços complicando o acesso e a qualidade destes, dilacerou o código ambiental do RS, flexibilizou a legislação ambiental e abriu brecha para que grandes empresas e os ricos que lucram com o carvão, com a mineração, cravem suas garras em territórios de vida. O mesmo ocorre quanto ao agronegócio, outra atividade de alto impacto socioambiental negativo e que nos traz a emergência climática – defendida por Leite e em expansão no RS. Ao menos 20% da geografia do estado é monocultivo de soja para exportação, o que além de tudo nos mantém em uma relação de dependência do capital estrangeiro, minando a soberania. Todos estes são fatores que agravam a situação trágica, hoje vivida na pele por mais de dois milhões de gaúchos afetados. De acordo com a última atualização da Defesa Civil (01/06 – 9h), são 475 municípios afetados,
37.812 pessoas em abrigos, 580.111 desalojadas, 806 feridas, 43 desaparecidas e 171 óbitos confirmados.

As mudanças climáticas estão nos matando, decretar emergência climática já | Crédito: Carolina C., ATBr

Em marcha até o Palácio do Piratini, o ato contou com falas salientando que o povo não merece cidades provisórias ou de lona, como as que Sebastião Melo insiste em implementar, em total descaso com o povo, especialmente jovem, negro, ribeirinho, indígena e periférico.  Houve denúncia da cidade provisória que o Prefeito Sebastião Melo insiste em querer criar no Complexo do Porto Seco. Na mesma data do ato, 31 de maio de 2024, Melo anunciou pela manhã plano realizado com apoio da Alvarez & Marsal, especialista em processos de gentrificação social e privatização, além de limpeza de nome dos responsáveis por tragédias. 

A privatização de parques e praças públicas também faz parte de um projeto político contra o povo e a natureza | Crédito: Carolina C., ATBr
Crédito: Carolina C., ATBr

No ato foi abordado o racismo ambiental que eclode em solo gaúcho, e que também existe na Palestina ocupada, que vive um processo de colonização e genocídio pelo Estado de Israel. Pauta presente, que contou também com fala e momento de silêncio em respeito às vítimas palestinas do processo de colonização, apartheid social, violência e limpeza étnica promovida pelo Estado de Israel contra o povo palestino. 

Após segunda concentração do ato pelo clima, no Palácio do Piratini, manifestantes se somaram a outra manifestação, que teve ponto de encontro no Largo do Zumbi dos Palmares e foi organizada por moradores e comerciantes do bairro Cidade Baixa, também afetado pela enchente. A marcha seguiu pelas ruas do bairro, pautando com mais força o Fora Leite e Fora Melo.

Juventude pauta que a natureza não é a culpada e responsabiliza Melo e Leite pela tragédia do RS, durante marcha na Cidade Baixa | Crédito: Carolina C., ATBr

Não há justiça climática sem justiça social. O mesmo sistema capitalista, racista e patriarcal que causa a morte de rios, florestas e biomas, é o que retira direitos da classe trabalhadora, suas casas, sua saúde, as condições de vida digna e os territórios dos povos. Quando um território é afetado, todos são. As fronteiras coloniais impostas pelo mundo capitalista não nos servem, e tampouco as águas que avançam após serem represadas por projetos de morte pedem licença para passarem de uma fronteira a outra.

Que na confluência das lutas, e nesse entendimento, sejamos capazes de somar forças e organizar a revolta. Demandando direitos, a começar pelo investimento em políticas públicas que considerem a emergência climática, construídas a partir das demandas e necessidades dos territórios, e em diálogo permanente com atingides.

É preciso mudar o sistema | Crédito: Carolina C., ATBr
A Amigas da Terra Brasil esteve presente no ato, e em breve relato de Conceição Vidal abordará mais pontos sobre racismo ambiental nas cidades. Acompanhe as redes da ATBr e fique por dentro

Seguimos na luta!

Leia também a nota de posicionamento da Amigas da Terra Brasil  “INUNDAÇÃO NO RS: A emergência é climática, a responsabilidade é política. A solidariedade, a nossa força”

 

Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência!

Queridos companheiros e companheiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

Em nome de todos nós, Amigas da Terra Brasil, é com imensa alegria e gratidão que nos dirigimos a vocês para felicitá-los pelos 40 anos de luta e resistência do MST. Desde a sua fundação, em 1984, vocês têm sido uma inspiração para todos nós, demonstrando que a esperança e a determinação podem mover montanhas, ou melhor, transformar terras improdutivas em espaços de vida, esperança e justiça.

Ao longo dessas quatro décadas, vocês têm sido incansáveis na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, na luta pela reforma agrária, na busca por uma distribuição mais justa e equitativa da terra e na construção de um modelo agrícola mais sustentável e inclusivo. Suas ocupações, marchas, acampamentos e projetos de assentamento não apenas demonstram uma resistência inabalável, mas também apontam para um futuro onde a dignidade e os direitos de todos os trabalhadores rurais são respeitados e garantidos.

O MST não é apenas um movimento social, mas sim uma escola de vida, onde se aprende a importância da solidariedade, da cooperação e da organização popular. Vocês têm sido um farol de esperança em tempos sombrios, mostrando que um mundo melhor é possível quando nos unimos em prol de uma causa maior.

Neste aniversário de 40 anos, queremos expressar nossa profunda admiração e apreço por tudo o que vocês têm realizado. Que este seja apenas o começo de uma jornada ainda mais longa e frutífera, rumo a um Brasil e a um mundo mais justo, igualitário e sustentável.

Parabéns, MST, pelos 40 anos de luta e resistência! Estamos ao seu lado hoje, amanhã e sempre.

Com carinho e solidariedade,

Amigas da Terra Brasil

 

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

O Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, nesta quinta-feira (14/12). Com isso, transformaram a tese ruralista do Marco Temporal em lei e aprovaram outros crimes contra os povos indígenas.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. O protocolo só pode ser feito após a promulgação da lei, que ocorrerá em 48 horas e a ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.

“Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

A Apib protocolou no STF, na tarde desta quinta-feira, uma solicitação de audiência no tribunal para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei (14.701/2023). A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) reforçam que a luta continua e que o movimento indígena segue mobilizado nacionalmente e internacionalmente.

“O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas. A principal Conferência, que trata sobre mudanças climáticas, a COP 28, foi encerrada nesta semana e o Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.

Os únicos pontos dos vetos que foram mantidos e portanto foram RETIRADOS da Lei do Genocídio foram:

  • as ameaças aos povos indígenas isolados
  • a proposta que pretendia autorizar o uso de transgênicos nas Terras Indígenas
  • a proposta racista sobre a alteração de traços culturais

Em sessão conjunta, entre deputados e senadores, desta quinta-feira, que derrubou os vetos de Lula terminou com um placar de 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.

Inconstitucionalidades

Além do Marco Temporal, outras inconstitucionalidades da lei já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro.

A participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, são pontos destacados pela Apib como inconstitucionais. De acordo com a articulação, esses pontos da lei podem inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O coordenador também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada algumas vezes, até a votação no dia 14 de dezembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta última semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estiveram em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. A participação indígena foi a maior de todas as conferências e a Apib promoveu uma série de denúncias de violações de direitos e incidências políticas internacionais.

Na COP28, a comitiva reforçou as Emergências Indígenas e exigiu a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.

Fonte: APIB

Texto publicado em 14/12/2023 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em: https://apiboficial.org/2023/12/14/genocidio-legislado-congresso-derruba-vetos-aprova-lei-do-marco-temporal-e-outros-crimes-contra-povos-indigenas/ 

A segunda semana da COP28 começou com fortes bloqueios aos princípios da justiça climática e um texto aberto às falsas soluções

A segunda semana da Conferência do Clima da ONU (COP28), em Dubai,  começou com bloqueio dos países do Norte Global às menções específicas quanto justiça climática e, por tanto, com ataques aos direitos humanos. 

Desde Amigas da Terra denunciamos o apoio de múltiplos países, entre eles da Espanha, às falsas soluções, como os mercados de carbono. A implantação de energias renováveis deve ir de encontro com os objetivos de redução do uso de combustíveis fósseis.  

A segunda semana da Conferência do Clima iniciou com fortes bloqueios por parte de países da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos da América (EUA), entre outros. Os bloqueios foram para evitar a inclusão de princípios básicos sobre justiça climática, como é o caso da Equidade ou Responsabilidade Comum mas Diferenciada. Além disso, denunciamos a intenção destes países de seguir optando por falsas soluções e tecno-otimismos, mediante a linguagem (o já famoso “inabalável”), sem uma aposta firme pela eliminação dos combustíveis fósseis.

Embora o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre a lacuna de emissões alerte que as decisões atuais resultam em um aumento de temperatura de 3 °C, a ausência de medidas e compromissos por parte dos países industrializados, juntamente com o lobby da indústria fóssil, não para de crescer. O lobby de corporações, cada vez mais presente nas COPS e Conferências do Clima, pressionam para que sejam apresentadas medidas afastadas da justiça climática e que evitam qualquer responsabilidade.

Ao longo da primeira semana, as ações e pressões por parte das Amigas da Terra e de outras organizações da sociedade civil, assim como de movimentos sociais, foram  a tônica da COP. A justiça climática não é uma opção nestas negociações, mas sim um pilar fundamental em qualquer acordo climático. O respeito pelos direitos humanos deve ser central e a garantia do bem-estar da população, tanto no Sul como no Norte Global, deve ser o eixo principal para travar a crise climática.

Um dos dois principais objetivos desta COP é orientar e melhorar os compromissos nacionais de redução de emissões (NDCs) de todos os países nos próximos anos. Objetivos que se revelaram inúteis até a data. Apesar disto, as principais regiões historicamente responsáveis, como os EUA, a UE ou o Reino Unido, estão pressionando para incluir soluções baseadas em abordagens de mercado, que beneficiam apenas algumas elites econômicas, como é o caso com sistemas de captura e armazenamento de carbono ou dos mercados de carbono.

As compensações e os mercados de carbono ainda são algumas das falsas ferramentas (ou falsas soluções / lavagem verde), as quais recorrem diferentes setores para ter permissividade de continuar com a poluição e esquentando o planeta,  em vez de cumprirem um objetivo real de redução de emissões.

Desta vez se destacou o Presidente Pedro Sánchez, que fez um apelo na sexta-feira passada (01/12), pedindo aos governos e entidades para promoverem os mercados de carbono, dando o exemplo dos existentes na UE. Da Amigos da Terra, insistimos que estas soluções baseadas em abordagens de mercado são apenas uma cortina de fumaça que permite a continuidade das emissões que nos levam ao aquecimento global, transferindo toda a responsabilidade e os piores impactos desta crise para as comunidades e povos do Sul Global e, também, para as periferias dos países do norte. Na verdade, a atual negociação do Artigo 6º, correspondente aos mercados de carbono, está isenta de qualquer salvaguarda dos direitos humanos.

Por outro lado, salientamos que para que a ação climática seja eficaz, os objetivos de eliminação tanto dos combustíveis fósseis como de implementar energias renováveis ​​devem ser correspondidos, para que as energias renováveis ​​substituam os combustíveis fósseis em declínio, em vez de os aumentarem.

Acordos como triplicar a energia renovável global sem um compromisso global de eliminação dos combustíveis fósseis não fazem sentido em termos de justiça climática e social. Além disso, estamos colocados num cenário irrealista com uma produção superior ao que os limites biofísicos do planeta podem tolerar. Neste sentido, incluir o conceito de “não diminuído” (“unbated”) na eliminação gradual dos combustíveis fósseis abre a porta para uma infinidade de falsas soluções, baseadas em tecnologias não comprovadas e com um elevado custo não só econômico, mas também social.

Da Amigas da Terra, apelamos à necessidade imperiosa de garantir financiamento público adicional para que os países do Sul Global possam realizar uma transição energética de forma justa e sustentável. Por isso, rejeitamos toda tentativa de incluir financiamento privado nesse sentido, incluindo os mercados de carbono derivados, já que seria uma armadilha a mais para seguir apoiando essas falsas soluções, além de evitar a responsabilidade dos países ricos.

Este texto foi originalmente publicado no site da Amigas da Terra Galícia, em: https://amigasdaterra.net/2023/12/07/arrinca-a-segunda-semana-do-cume-do-clima-con-fortes-bloqueos-aos-principios-de-xustiza-climatica-e-un-texto-aberto-as-falsas-solucions/ 

 

O avanço da violência no campo no primeiro ano de Governo Lula

Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou recentemente os dados da violência no campo do primeiro semestre deste ano: foram registrados 973 conflitos, representando o segundo semestre mais violento dos últimos 10 anos, perdendo apenas para o ano de 2020, no qual foram registrados 1.007 conflitos. Em sua maioria, os conflitos envolvem a questão da terra e território. Segundo a CPT, ao todo foram assassinadas 18 lideranças até outubro deste ano, sendo que os números aumentaram exponencialmente neste mês. Apenas entre 10 e 11 de novembro, 8 assassinatos ocorreram num único final de semana: 4 quilombolas vítimas de chacina na Bahia; 3 sem-terra assassinados na Paraíba; 1 indígena assassinado no Pará. E durante a semana seguinte, mais uma morte indígena.

O retorno de um governo progressista e a possibilidade de retomada das políticas públicas para efetivação dos direitos constitucionais, tais como a concretização da reforma agrária, a demarcação das terras indígenas e a titulação dos territórios quilombolas, faz movimentar as forças de direita. Darci Frigo, coordenador-executivo da organização de direitos humanos Terra de Direitos, analisa que “quando o poder central está na mão dos setores mais progressistas, da esquerda, que não são de confiança das oligarquias, elas passam a atuar no âmbito local com a articulação de forças policiais dos governos dos estados ou das milícias privadas.

Esses setores não confiam no governo central, ainda mais com a possibilidade de efetivação de políticas públicas, como a regularização fundiária, reforma agrária, desintrusão e demarcação de terras indígenas, titulação de territórios quilombolas. Muitos assassinatos têm relação com possíveis limites à desenfreada expansão do agronegócio e seus grandes lucros com anos seguidos de altos preços das commodities agrícolas”.

Após derrubada do marco temporal, aumentaram casos de violência onde o agronegócio organizou ofensiva aos territórios indígenas – Luz Dorneles/ Arquivo ATBr

A oligarquia rural brasileira é conhecida pela sua violência. É comum haver uma influência desse setor sobre as forças de segurança pública estaduais e locais para realização de despejos e ameaças. Nesse sentido, o tema da violência no campo encontra o problema da segurança pública no Brasil. Vários dos conflitos agrários estão vinculados às atuações policiais envoltas em abuso de autoridade. Além disso, a oligarquia mobiliza forças de segurança privada, que atuam como verdadeiras milícias rurais, exterminando lideranças capazes de mobilizar a luta por direitos que afetem os interesses econômicos.

As movimentações políticas em Brasília afetam consideravelmente este cenário. Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de derrubar a tese do marco temporal para a demarcação das terras indígenas, explodem conflitos nas regiões, nos quais o agronegócio organizou uma ofensiva aos territórios indígenas. As lideranças indígenas e quilombolas são as mais ameaçadas. A determinação do ministro Barroso para efetivação dos processos de desintrusão das Terras Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá tampouco vem sendo fácil de executar pelo Ministério da Justiça. Inclusive, a possibilidade de avanço das titulações quilombolas gerou uma contra ofensiva, com as vidas ceifadas das lideranças quilombolas na Bahia e no Maranhão.

A violência refletida nos territórios está no Congresso Nacional. A força do agronegócio impõe violações aos direitos constitucionais, como nos questionamentos às decisões do STF, na reabertura do debate do marco temporal e nos projetos de lei de flexibilização do licenciamento ambiental. Sensível a aliança da bancada do boi com a da bala no apoio à proposta de nova lei das Polícias Militares (PL n.º 3045/2022, na mesa da presidência), que permite ainda menor controle e transparência da sua atuação.

Novamente, deparamo-nos com o cenário da violência no campo de 2003, quando a chegada do primeiro Governo Lula e a possibilidade de mudanças concretas na garantia de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais ao povo brasileiro fez insurgir a classe, até então dona do poder. Quando não controla o poder público federal, ainda que com sólidos braços no governo de composição, a oligarquia rural estende suas ações aos poderes locais, estaduais e municipais. Como enfrentaremos essa ofensiva?

Duas discussões centrais do governo para enfrentar o problema

O tema da segurança pública tem sido um desgaste na imagem do Governo Lula. Sem adentrar no vespeiro, interessa-nos refletir sobre as dinâmicas de controle interno e externo da atuação policial. A Polícia Militar no Brasil está mais associada ao militarismo que à segurança pública, assumindo uma inversão de poder; inclusive, algumas PMs sequer respondem aos governos estaduais. Há ausência de punição sobre os casos de infração, com muitos arquivamentos de inquéritos. Outro elemento é a falta de transparência da Instituição, não apenas quanto a sua atuação, mas também quanto ao orçamento. Igualmente, a responsabilização para os gestores que fazem uso político das polícias para efetivação de seus interesses.

A violência, a polícia e a responsabilização pelas infrações, especialmente o abuso de autoridade, precisam ser tratadas no país. A condução da segurança pública, com o aumento da militarização nos territórios, não é a resposta eficiente à crise. É preciso haver coragem para enfrentar uma reforma da organização das polícias Civil e Militar no país, e isso definitivamente não está na proposta atual de lei orgânica das PMs.

Outro tema importante é a política de defensores e defensoras de direitos humanos, dos povos e dos territórios. No país que figura como um dos que mais mata defensores e defensoras no mundo, o tema parece não ser uma prioridade. Desde as discussões do Grupo de Trabalho da Transição, o governo sabia da determinação judicial para formar um Grupo de Trabalho para reformular a política de defensores no país, com a missão de construir o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do meio ambiente e comunicadores e o anteprojeto de lei.

Apesar disso, o Decreto com a criação do GT (Decreto n.º 11.562/2023)  saiu em 13 de junho de 2023. E a primeira reunião do grupo só aconteceu no dia 10 de novembro. Em meio a essa morosidade, vários defensores e defensoras vêm sendo assassinados. As respostas são a investigação criminal dos mandantes e executores, elemento muito importante para cessar a impunidade, contudo insuficiente. Enquanto as políticas de defensores não considerarem os aspectos coletivos da violação, e enfrentarem as questões estruturais que dão causa à ação dos defensores, as tragédias seguirão se repetindo.

A proteção da vida humana e da integridade física é obrigação inegociável do poder público. Não existem expectativas de que o atual governo resolva todos os problemas estruturais que como país enfrentamos; porém, se houver recuos em prol da conciliação com a barbárie da oligarquia agrária brasileira, processos políticos fundamentais na construção de outro país, de um Brasil sem fome e sem violência, não serão possíveis.

É urgente e necessário que os ministérios assumam a orientação de governo de construção popular e participativa de políticas públicas, para que nossos problemas sejam tratados entre nós, com seus limites e potencialidades. Avançar no desenvolvimento de perspectivas regionais e locais também é fundamental. Tanto para gestão da segurança pública como para a efetiva proteção dos defensores de direitos humanos, dos povos e dos territórios.

Esta coluna foi publicada originalmente na página do Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/21/o-avanco-da-violencia-no-campo-no-primeiro-ano-de-governo-lula 

Palestina Livre – Ação de denúncia da Frente Povo Sem Medo e do MTST contra a empresa armamentista israelense AEL/ ELBIT em Porto Alegre (RS)

Você sabia que as armas que matam o povo palestino também são utilizadas no genocídio negro no Brasil? Levando em conta a conexão das lutas, assim como a relação das transnacionais e grandes corporações com a violação de direitos, a Frente Povo Sem Medo e o MTST realizaram, nesta terça-feira (14), uma ação de denúncia em frente à empresa AEL, em Porto Alegre. 

A AEL é uma subsidiária da Elbit Systems, a maior empresa privada militar israelense, que fabrica drones armados amplamente utilizados nos ataques em Gaza. Além de uma das principais fabricantes de drones do mundo, a Elbit Systems foi uma das responsáveis pela construção ilegal do muro israelense e até hoje provê e mantém seus sistemas de vigilância, assim como os sistemas das colônias ilegais na Cisjordânia. A Elbit também produz fósforo branco, cujo uso por Israel durante seus ataques à Palestina tem sido condenado pela Human Rights Watch e pela Anistia Internacional.

Equipamentos, tecnologia e o treinamento militar das truculentas polícias brasileiras vem de Israel.  Como elemento comum há o colonialismo, o racismo, e a violência em chumbo e pólvora que levam em si a insígnia de um estado colonizador e imperialista.  Um estado genocida que enriquece com o complexo industrial prisional militar,  transformando territórios palestinos em verdadeiros campos de teste de armas (que se tornarão produtos comercializáveis em feiras internacionais) e na maior prisão a céu aberto do mundo – Gaza.  

Crédito: Comunicação MTST

No Brasil, a subsidiária de nome AEL Sistemas, da Elbit Systems, tem sede em Porto Alegre. Em 2014, em respostas ao chamado do povo palestino pela Campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) às empresas cúmplices das violações do Estado israelenses do direito internacional, organizações e movimentos sociais conquistaram a ruptura de um acordo bilionário da empresa. No entanto, atualmente, o site da AEL ostenta o apoio do governo federal, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e da Agência Espacial Brasileira (AEB) em sua página inicial.

Pedimos que o governo brasileiro rompa com os acordos de cooperação militar assinados pelo ex-presidente Bolsonaro, deixando de importar armas, táticas e tecnologias repressivas de Israel para o Brasil. Exigimos a responsabilização das empresas pelos crimes que cometem contra os direitos humanos, inclusive a nível internacional, sendo o Tratado Vinculante, demandado pela ATBr e mais de 200 organizações, um dos mecanismos para isto. é urgente o boicote dos investimentos e sanções ao Estado de Israel, assim como o fim dos acordos que beneficiam o apartheid e o genocídio contra o povo palestino. 

 Abaixo-assinado que denuncia parceria entre UFRGS e a AEL Sistemas, subsidiária da Elbit

Denunciamos a parceria firmada entre a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a AEL Sistemas, empresa que é subsidiária da gigante da indústria bélica israelense, Elbit Systems. Em 18 de abril de 2018, o então reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann, se reuniu com o presidente da AEL Sistemas para assinar um protocolo para cooperação na realização de atividades de desenvolvimento de produtos, pesquisa, extensão e outras áreas. Desde então, a AEL Sistemas atua dentro da universidade, utilizando-se da estrutura pública financiada pelo Estado brasileiro a fim de garantir interesses privados. A Elbit Systems é denunciada internacionalmente pelo papel que cumpre no genocídio do povo palestino – ela produz drones, tanques de guerra, tecnologia militar e auxiliou na construção do muro que hoje cerca a Faixa de Gaza. Trata-se de uma empresa que lucra com a morte, a limpeza étnica, o genocídio de um povo e o terror que o Estado de Israel promove contra o povo palestino há décadas. Assinamos esse documento para que a UFRGS cancele a parceria firmada em 2018 e rompa todas as relações com a AEL Sistemas ou qualquer outra empresa que contribua para o massacre do povo palestino. Não queremos uma universidade que é cúmplice daquilo que um governo colonial e criminoso como o de Israel está fazendo. Não queremos que a nossa ciência compactue com o massacre do povo palestino

Assine aqui

Leia na íntegra no Jornal Brasil de Fato aqui

Confira a nossa coluna no Jornal Brasil de Fato sobre um Tratado Vinculante para a responsabilização das empresas transnacionais pela violações de direitos humanos 

Confira a manifestação de Andressa Soares, coordenadora para América Latina do Comitê Nacional Palestino do BDS, movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções ao Estado de Israel: 

#palestinalivre 

Entidades pedem arquivamento de projeto que prorroga uso do carvão no RS

Durante reunião plenária realizada na noite desta segunda-feira (6) na sede do Cpers Sindicato, em Porto Alegre, o conjunto de entidades que forma o Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul deliberou, por unanimidade, por solicitar o arquivamento do Projeto de Lei do Senado nº 4.653/2023, que visa incluir “a região carbonífera do Estado do Rio Grande do Sul” na Lei Federal 14.299/2022, que criou o “Programa de Transição Energética Justa (TEJ)”. Na prática, destaca o documento divulgado pelo Comitê, “essa lei esvazia de sentido e utiliza de maneira contraditória o termo Transição Energética Justa para maquiar de verde a continuidade da exploração e queima do carvão mineral”.

Confira, abaixo, a íntegra da manifestação:

O PL 4.653/2023 traz injustiça socioambiental e agrava o problema climático
2023-11-07-posicionamento-ccm-pl-do-carvao-final-com-logo

Recentemente, foi apresentado no Senado Federal o Projeto de Lei 4.653/2023, de iniciativa dos três senadores do Rio Grande do Sul (Paulo Renato Paim – PT, Hamilton Mourão – Republicanos e Luiz Carlos Heinze – PP). O projeto visa incluir “a região carbonífera do Estado do Rio Grande do Sul” na Lei Federal 14.299/2022 (do período Bolsonaro), que criou o “Programa de Transição Energética Justa (TEJ)”. Na prática, essa Lei esvazia de sentido e utiliza de maneira contraditória o termo Transição Energética Justa para maquiar de verde a continuidade da exploração e queima do carvão mineral.

A proposta objetiva, única e exclusivamente, a manutenção da queima subsidiada do carvão mineral, com destaque à Usina Termelétrica de Candiota III – Fase C, como fonte de geração de energia fóssil, “provavelmente” até 2040, momento no qual finalizaria a exploração do carvão da região “para este fim”. Pretendem explorar o carvão até exaurir as jazidas, negando seu papel destrutivo e poluidor nas mudanças climáticas?

O PL 4.653/2023 não aponta nenhuma meta para a transição energética justa e verdadeira, somente empurra com a barriga o incentivo ao uso do pior combustível fóssil por mais uma década e meia e tenta pegar carona na questionável Lei 14.299/2022 (objeto da ADI 7.095 no STF). A referida lei garante subsídios aos combustíveis fósseis até 2040, neste caso os incentivos são ao complexo termelétrico Jorge Lacerda, no município de Capivari de Baixo (SC), obtidos pelo lobby do setor de empresas carboníferas de Santa Catarina. Cabe destacar que os subsídios anuais para o uso do carvão mineral como fonte de energia ultrapassam 700 milhões de reais e são pagos por todos nós através de taxas que encarecem nossa conta de luz.

Sem questionar se os níveis de emprego e desenvolvimento da região são compatíveis com os grandes lucros do setor carvoeiro, a principal justificativa explicitada neste PL seria evitar desempregos e não comprometer a economia no município de Candiota e região, caso a queima do carvão mineral fosse interrompida de forma “abrupta” (sic). Os proponentes ancoram neste ponto a utilização do termo “justa”, ao tratar da necessária transição energética em direção à descarbonização. De fato, um dos pontos para que a transição seja justa é ser inclusiva com os trabalhadores e não contra eles. Entendemos que um dos objetivos deve ser prevenir a perda de empregos, mas não só isso. É preciso um planejamento concreto no sentido de criar novos postos de trabalho de qualidade. Porém, a proposta não apresenta, muito menos vincula a continuidade da queima subsidiada de carvão ao planejamento e desenvolvimento das necessárias, possíveis e diversas mudanças na matriz econômica e produtiva da região. Além disso, a transição deve ser justa com todas e todos, não somente com os empregos locais e com os grupos econômicos que lucram com o carvão.

As mudanças climáticas em curso nos colocam diante da tarefa inadiável de promover, nos próximos dez anos, uma profunda mudança no atual modelo de produção e consumo. Pensar, neste momento, em manter e expandir empreendimentos de megamineração e queima de carvão é comprometer as condições de vida desta e das futuras gerações a nível global, mas também a nível local, pois essas atividades estão diretamente relacionadas a pioras na qualidade ambiental e, consequentemente, de vida da população residente nos territórios onde se localizam tais estruturas.

O PL desconsidera totalmente o contexto da emergência climática e do aumento de contaminação ambiental local e regional decorrente das atividades ligadas a este combustível fóssil altamente poluente.

No que se refere aos Gases de Efeito Estufa (GEE), é importante assinalar que os combustíveis fósseis, em especial o carvão, vêm causando o agravamento de eventos climáticos destruidores da natureza e das condições de vida. As usinas térmicas de Candiota foram consideradas, no ramo de termelétricas, as principais responsáveis pelos gases de efeito estufa no ano de 2022 no Brasil, segundo recente estudo do Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA).

É incontestável o quadro de agravamento da crise climática, decorrente do aumento dos gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis que não param de crescer. A quantidade de gás carbônico na atmosfera do planeta já chega a 420 partes por milhão, o que não tem precedentes nos últimos 800 mil anos. Estimativas de recente trabalho científico (Ripple et al. 2023) levantam a possibilidade muito provável de que a quantidade de CO2   na atmosfera possa ultrapassar valores maiores do que nos últimos 100 milhões de anos. O ano de 2023 já é considerado o ano com maior temperatura média já registrada da atmosfera do planeta, segundo a Organização Meteorológica Mundial. Recentemente, tivemos no Rio Grande do Sul eventos climático-ambientais de dimensões dramáticas e inéditas, em decorrência do fenômeno El Niño, nas regiões da bacia do Guaíba, Taquari e Litoral Norte. Em outubro, os rios do Amazonas passaram secas extraordinárias e por níveis até então nunca vistos. O aquecimento global e as mudanças climáticas já estão sem controle e talvez correspondam aos maiores problemas ambientais atualmente.

Quanto aos poluentes do carvão (térmicas ou mineração), a poluição não se dá somente por gases tóxicos (gases de nitrogênio, enxofre, ozônio e monóxido de carbono, etc.), mas também por particulados (poeiras oriundas da mineração, transporte, trituração e beneficiamento). Ambos os processos geram metais pesados (mercúrio, chumbo, cádmio, arsênio, cromo, etc.), que, no conjunto, provocam doenças graves e múltiplas às pessoas, principalmente em crianças. Cabe destacar que as crianças em Candiota apresentam internações por problemas respiratórios elevadíssimos (54%), sendo 6,3 vezes mais do que Esteio, por exemplo, segundo o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (CEVS) da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul. Diversos trabalhos científicos realizados nas regiões carboníferas do RS apontam, também, problemas da saúde (dentição) de bovinos decorrentes do flúor; contaminação de ovos de galinha com chumbo, cádmio e flúor; genotoxicidade em amostras de carqueja; citotoxicidade e fitotoxicidade das águas superficiais; genotoxicidade em células sanguíneas, fígado, rim e pulmão de roedores nativos (Tuco-Tuco). Além de já terem sido identificados efeitos genotóxicos do carvão em trabalhadores de Candiota que foram expostos ao carvão como parte de sua ocupação, com significativo aumento de danos em células linfócitas e bucais, além de outros problemas. Bigliardi et al. (2020) avaliaram parâmetros hematológicos e bioquímicos em residentes (há mais de dez anos) de Candiota, Pedras Altas e Aceguá e sua relação com a qualidade do ar da região. Os resultados sugerem uma possível influência de MP10 (materiais particulados inaláveis menores que 10 micrômetros) na função hematológica, especificamente em hematócrito, entre os residentes. Uma importante percentagem desta população demonstrou alteração nos parâmetros hematológicos (43,1%) e função do fígado (30%). Entre as três cidades, a população de Pedras Altas parece ter um maior comprometimento dos parâmetros sanguíneos avaliados.

Como agravante, a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) admite que o carvão gaúcho é de má qualidade, possuindo muito enxofre (poluente em maior quantidade) e mais de 55 % de cinzas, o que requer custos elevadíssimos de tecnologia na redução de sua poluição.

Destacamos também que a justificativa do PL, bem como os discursos de seus defensores resgatam a Lei Estadual 15.047/2017, que criou aPolítica Estadual do Carvão Mineral e instituiu oPolo Carboquímico do Rio Grande do Sul. A implantação de um Complexo Carboquímico na região e o desenvolvimento de uma indústria de gás sintético derivado do carvão mineral localtêm sua viabilidade econômica e socioambiental altamente questionáveis:

  1. Não há demonstração da viabilidade industrial de uso do carvão gaúcho (de má qualidade) para gaseificacão;
  2. Não há especificação do tipo de planta carboquímica a ser adotada para o carvão gaúcho;
  3. Não há indicação de viabilidade econômica sem os subsídios atuais, nem da fonte de recursos necessários (na casa dos bilhões de dólares) para o desenvolvimento das atividades previstas de incremento do uso diversificado do carvão;
  4. Não há estudo da viabilidade ambiental de uma planta carboquímica em Candiota, que além da liberação ainda maior de poluentes, implicaria em altíssimo consumo de água e energia.

É de conhecimento público que as indústrias carboquímicas dos EUA e China apresentam prejuízos bilionários nos últimos anos, problemas operacionais (como corrosão em gaseificadores e dificuldades para tratar efluentes), denúncias de danos ambientais (como vazamento de sulfato de hidrogênio, fortes emissões de enxofre) e estudos que apontam alta emissão de CO2 e uso elevado de água e energia para a produção do gás sintético. Em fim de ciclo de investimentos nessas tecnologias obsoletas, esses países nada têm a perder ao exportar o que lá já se pode considerar sucata, enquanto aqui brindam como modernidade ilusória.

Cabe destacar que essa Lei Estadual 15.047/2017 foiaprovada em regime de urgência, portanto sem debate com a sociedade, no apagar das luzes do governo deJosé Ivo Sartori (MDB), contrapondo-se à anterior Lei 13.594/2010, que estabelece a Política Gaúcha de Mudanças Climáticas. O atual governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), apesar de ter mudado seu discurso (após a tentativa frustrada de implantação da Mina Guaíba), na prática não apresenta nenhum esforço no sentido de revogar a Lei do Polo Carboquímico, ou de limitar a exploração e queima do carvão mineral no RS, ao contrário, faz movimentos ativos na busca por investidores nestas áreas, através do programa InvestRS.

Portanto, fica evidente que esse desastroso projeto de lei representa um risco ainda maior de expansão da mineração predatória e insustentável no Rio Grande do Sul, correspondendo a um enorme retrocesso nas políticas de redução de uso de combustíveis fósseis, em face da liderança retomada pelo Brasil no que toca aos acordos internacionais (COP). A contradição é explícita quando a proposta dá destaque à “valorização” do carvão, sem prever o resgate das vocações socioeconômicas do Pampa, como a pecuária familiar, seus produtos derivados, a apicultura, a olivicultura, o turismo rural e ecológico, crescentes, ou mesmo o estabelecimento de uma potencial indústria de equipamentos ligados às fontes de energias renováveis necessárias e urgentes (eólica, solar, bioenergia diversificada), importantes desde que desenvolvidas e implantadas a partir de uma lógica socioambiental e não predatória.

Assim, o Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul, que reúne mais de 100 entidades e movimentos organizados do Estado, vem solicitar o arquivamento do Projeto de Lei do Senado nº 4.653/2023, reivindicando um amplo debate sobre uma transição energética justa e verdadeira, que aponte para os modos de vida diversos (sociobiodiversidade) da região e suas vocações econômicas locais, com apoios, inclusive financeiros, de parte dos governos (federal, estadual e municipais), quiçá internacionais, no esforço coletivo para o combate urgente aos gases de efeito estufa e na melhoria da qualidade de vida para todas e todos.

Comitê de Combate à Megamineração no RS

Porto Alegre, 06 de novembro de 2023

 

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