Lula e o Brasil da Esperança

sonho de um Brasil diferente, mais justo e igualitário, manteve-nos vivos e atuantes nos últimos quatro anos. A força da esquerda organizada para conduzir um dos piores processos eleitorais já vivenciados pelo povo brasileiro, enfrentando as forças mais conservadoras e vis do fascismo-bolsonarista, edificou a grandiosidade do dia 1° de janeiro de 2023, uma data para a nossa história, para Abya Ayla, que se converteu na festa do retorno da democracia, o dia da esperança.

No último domingo, assistimos a uma verdadeira refundação do Estado democrático brasileiro. O destaque é a criação do Ministério dos Povos Indígenas, uma pauta defendida ao longo de toda a eleição por Lula, que encontrou muitos desafios para ser efetivada. Sonia Guajajara assumiu a liderança deste, que promete ser um dos ministérios de reformas mais estruturais, na raiz das desigualdades históricas deste país. É importante recordar que os povos indígenas sofreram uma devastação no último governo, o que aprofundou essa dívida histórica com os povos originários. A Funai (Fundação Nacional do Índio), que foi completamente desmantelada, deverá ser reconstituída, com a confirmação de Joênia Wapixana para a presidência do órgão.

A questão indígena vem conectada com o sempre presente discurso de proteção e da justiça ambiental, que estará sob a chefia de Marina Silva. Outros temas estruturantes terão prioridade, como a questão racial, com Anielle Franco sendo ministra da Igualdade Racial  – Anielle é irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em 2018. E, por diversas vezes mencionado ao longo da posse, a desigualdade de gênero ganha novamente um ministério, o das Mulheres, que estará sob a chefia de Cida Gonçalves.

:: Lula garante Bolsa Família de R$ 600 e busca controle de armas com primeiros atos ::

Em discurso no Congresso Nacional, o presidente Lula afirmou: “Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. Esta será a grande marca do nosso governo. Dessa luta fundamental surgirá um país transformado. Um país de todos, por todos e para todos. Um país generoso e solidário, que não deixará ninguém para trás”.

Lula é empossado em cerimônia no Congresso Nacional / CARL DE SOUZA / AFP

Os últimos dois meses de trabalho da equipe de transição, formada por 930 pessoas, em sua maioria voluntários, divididos em 33 grupos temáticos, produziram o relatório de mais de 100 páginas sobre os estragos do governo anterior, que conforme o discurso do presidente Lula, será distribuído em todas as instituições públicas para que se tenha ideia dos problemas encontrados no país e possam ser medidas as ações tomadas pelo novo governo em prol de mudanças. Espera-se, para os próximos dias, a publicação de diversas revogações de decretos, o que já começou no domingo, com a revisão da licença de porte de armas e a retomada das políticas ambientais, bem como a articulação, com o Congresso, para aprovação da PEC da Transição, ampliando o teto dos gastos e dando condições de governabilidade.

O trabalho da equipe de transição do Governo Lula foi fundamental para se ter um diagnóstico das urgências do país e alinhar o programa do governo eleito com a realidade encontrada, especialmente quanto à disponibilidade de orçamento público. Segundo o relatório final, chegamos à beira de um colapso dos serviços públicos. Faltam remédios nas farmácias populares, não há estoques de vacinas para enfrentar novas variantes de covid-19, faltam recursos para compra de merenda escolar, sequer os livros didáticos para o próximo ano letivo começaram a ser impressos, as universidades não têm recursos, assim como a defesa civil para a prevenção de acidentes e desastres. O desmatamento no Brasil cresceu 49% nos últimos 4 anos, o orçamento para cultura foi reduzido em 90%, e 33,1 milhões de brasileiros passam fome.

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Para avançar é preciso destruir todos os parasitas do Estado, toda a disseminação das ideologias de direita, conservadoras, que foram falsamente profetizadas por Messias. Um líder que, desde o pronunciamento após a derrota eleitoral, de pouco mais de 3 minutos, permaneceu em silêncio, o que muitos caracterizam como a melhor fase de seu governo.

Muito embora seus seguidores tenham se juntado em frente a quartéis e em estradas; agarrando-se a caminhão, bandeiras e a ideias patriotas, acabaram tomando chuva, sol e processos judiciais, encontrando aquilo que o bolsonarismo sempre foi: um projeto político sem representatividade, de poder para alguns. Um líder que os deixou na semana passada, em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira), por medo de enfrentar as investigações sobre corrupção das quais ele e seu amigo, Sergio Moro, foram entusiastas. A saída pela porta dos fundos, no mesmo lugar que um dia Bolsonaro entrou para a história do país, um líder criado por robôs e redes sociais, embebido na alienação das massas; um militar medíocre, um parlamentar oportunista e um presidente que só obteve ganho pessoal para si e seus amigos. E como dizia a multidão presente na posse em alto e bom som: sem anistia!

Iniciou-se o tempo de esperançar. O principal desafio dos próximos anos de governo é exterminar as raízes bolsonaristas fincadas no último período no país e educar as massas para continuar o projeto da esperança. Como sempre atual, citamos nosso querido Paulo Freire, que disse que a esperança é o verbo que exige uma ação, construção, ir atrás.

Ônibus da Aliança Feminismo Popular saiu de Porto Alegre (RS) para a posse de Lula / Divulgação

De pé, entendendo nosso passado e construindo nossa própria história

Esse era o clima do ônibus da Aliança Feminismo Popular, que saiu de Porto Alegre (RS) na quinta-feira passada (29/12) rumo à posse do presidente eleito Lula nesse final de semana em Brasília. Estiveram presentes militantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), da MMM (Marcha Mundial de Mulheres) e da Amigos da Terra; integrantes da Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta/CoMPaz, do Sítio Libélula/Grupo Agroecológico Sal da Terra e da ONG Onda Verde, do Litoral Norte gaúcho.

Para a delegação, a virada do ano que antecedeu a posse de Lula foi anunciada com muito asè na Prainha dos Orixás, no som e na raça do Ilê Ayê e Fundo de Quintal. “Sentimos a potência de voltar a celebrar, respirar, sorrir e amar. Foi uma virada simbólica de 2016 a 2023, trazendo de volta a alegria popular na retomada da democracia no Brasil e um sopro de vida e de esperança para toda América Latina”, contou Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra Brasil. Para Isaura Martins, coordenadora da Cozinha Solidária da Azenha e da Cozinha Comunitária do Condomínio Irmãos Maristas em Porto Alegre, esta “foi a melhor virada de toda a minha vida, com essa união do povo que veio junto até aqui e das que vieram antes também”.

Reconhecendo nossas mazelas históricas, o novo governo assumiu, nesse final de semana, o compromisso com o combate ao racismo estrutural; ao reconhecimento e efetivação dos direitos dos povos indígenas; com a redução da violência e da fome e o combate ao crime ambiental como as prioridades de sua agenda. Dentre as medidas assinadas ainda na posse, encontramos a Medida Provisória que mantém o valor de R$ 600 para o programa Bolsa Família, a desoneração dos combustíveis, a devolução do protagonismo ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), medidas para combate ao desmatamento e ao garimpo ilegal em terras indígenas e a retomada do Fundo Amazônia. Determinou-se que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima proponha, em 45 dias, nova regulamentação para o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Foi trazida a centralidade da participação social na construção da estrutura da administração pública, que inclusive foi a metodologia adotada pela equipe de transição. E a recomendação para que seja revista a quebra do sigilo de 100 anos dos processos envolvendo a família Bolsonaro, além da revisão da política de controle de armas e munições e licenças de clubes de tiro. O governo está, desde o primeiro dia, mostrando a que veio.

A diversidade de ministros e de ministras é história para um país marcado pela colonialidade. A reafirmação constante do compromisso com a proteção ambiental, a igualdade de direitos das mulheres, negros e negras, e povos indígenas esteve consolidada em toda a posse do novo governo. O reconhecimento disso é um passo para construir um futuro mais igualitário. Caberá manter ativa a chama para que o meio ambiente não se reduza aos negócios da economia verde e que o significado global do termo “sustentável” seja revisto. Queremos um Brasil em crescimento, e não apenas como exportador de matérias-primas e de commodities.

O dia da esperança 

“Ainda que nos arranquem todas as flores, uma por uma, pétala por pétala, nós sabemos que é sempre tempo de replantio, e que a primavera há de chegar. E a primavera já chegou. Hoje, a alegria toma posse do Brasil, de braços dados com a esperança”, assim sinalizou Lula em seu discurso no Congresso Nacional, convocando a todos e todas parlamentares a assumirem o compromisso com a reconstrução do país, demarcando o diálogo com as casas legislativas e seus presidentes.
E para o povo, que caminhou e marchou ao Planalto Central para receber seu novo presidente, afirmou: “quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês, que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão. Que a esperança de hoje fermente o pão, que há de ser repartido entre todos”. Relembrando valores de solidariedade e de partilha, Lula convoca o Brasil da Esperança a construir união em um novo projeto de país. Nesse domingo, encerrou-se uma era de obscurantismo, e foi iniciado o período de uma árdua caminhada rumo à transformação das profundas raízes injustas de nossa história. Dia de festa; dias que serão seguidos de muito trabalho para lapidar o barro com trabalho concreto com o povo e para o povo, para que a esperança não seja só uma utopia, mas que cada palavra e intenção se torne semente fecunda em nossa terra.

Letícia Paranhos, representante da Aliança Feminismo Popular e integrante da organização Amigos da Terra Brasil, esteve presente na posse em Brasília. Ela desabafou que “vivenciar a posse de Lula em presença e poder soltar o grito de alívio que há 6 anos estávamos guardando foi uma experiência única. Merecíamos ver e respirar essa vitória junto ao mar vermelho que se formou em Brasília, vencemos!”. Lula tomou posse reforçando os compromissos com o povo. “A nós, movimentos, cabe manter e ampliar a mobilização  para que Lula tenha força para realizar, e com muita participação popular. Um governo que é porque nós somos. Essas foram as eleições mais importantes das nossas vidas desde a redemocratização. Não só para o povo brasileiro, mas para o mundo. Tentaram calar Lula, tentaram nos matar. Mas nós decidimos seguir vivendo e cantando, porque aqui vimos… o grito só não basta! Ditadura nunca mais, fascismo nunca mais, Bolsonaro nunca mais!”, defendeu.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: www.brasildefato.com.br/2023/01/03/lula-e-o-brasil-da-esperanca

 

Até quando as veias estarão abertas na América Latina?

Integrantes da Amigos da Terra, MST, RENAP (advogados populares) e APIB (indígenas) visitaram países europeus para denunciar os impactos do Acordo UE-Mercosul. Na foto, protesto na Alemanha. Crédito: Amigos da Terra Europa

A história da América Latina é marcada por uma espiral, na qual passado, presente e futuro se encontram e se distanciam em ciclos revisitados de exploração. Nossas independências nunca marcaram rupturas profundas com a hegemonia europeia. Desde que o capitalismo é capitalismo, temos um lugar periférico na divisão internacional do trabalho. Somos os que vivem sob as condições da superexploração do trabalho, dos territórios, para produzir uma riqueza extraordinária constante, que é diretamente transferida às potências globais. Assim, portanto, nosso subdesenvolvimento não é causa do nosso fracasso civilizatório, é estruturante para que outros se creiam desenvolvidos. 

A pilhagem colonial se reinventa nesses ciclos históricos. Antes, a barbárie da escravidão, da destruição da natureza, da violação dos corpos das mulheres, temas ainda cadentes e não resolvidos, que permitiram o acúmulo primitivo da riqueza dos países ditos desenvolvidos para constituírem seu avanço industrial e a estruturação de Estados sociais. Amargam ditaduras sangrentas quando a sombra de ideias revolucionárias perpassa o mundo, para que nos mantivessem presos na subordinação. Nos anos 90, a expansão do neoliberalismo nos prendeu nas dívidas externas, obrigando a vender todo nosso patrimônio nacional, a desregulamentar nossos setores, a sujeitar-nos aos comandos do Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC). Eis a produção e reprodução da dependência.

Uma luz surgiu no final dos anos 90 e anos 2000 em vários países. A Venezuela, sempre na liderança revolucionária na região, Equador, Bolívia, Brasil, Argentina, Uruguai, Honduras e Paraguai tiveram a experiência da chegada de governos progressistas. Ainda que na reprodução de um modelo de desenvolvimento hegemônico, centrado na produção e exportação de commodities, os avanços de setores industriais como o petróleo, a cooperação sul-sul e a efetivação de políticas sociais avançaram e incomodaram muito. Por isso, a contrarrevolução foi brutal, os golpes arquitetados contra nossas democracias, com todo o requinte da guerra híbrida, passaram, mas deixam as forças auxiliares presentes da extrema-direita. Os donos do mundo, as empresas transnacionais, usam alguns fantoches de países desenvolvidos para recolocar as regras do jogo, a lex mercatoria no lugar, e interferem na soberania dos países para assegurar suas melhores posições no mercado internacional.

Hoje, governos progressistas retornam à Abya Yala. À exceção de Equador, Uruguai e Paraguai, vivemos um novo momento da esquerda. Certamente a eleição no Brasil, com a vitória de Lula, deu peso a esta nova onda. Se de um lado a América Latina busca forças para seguir respirando, a Europa encontra uma crise econômica com sua dependência energética com a Rússia, e os Estados Unidos (EUA) tentam uma corrida de hegemonia com a China. Nesse cenário, a pressão por novos tratados e acordos comerciais que sejam favoráveis à recolocação dos países desenvolvidos está crescente.

O desenvolvimento é sempre a chave utilizada para as políticas imperialistas. Como a desigualdade de inserção no mercado internacional nos condiciona a produtores de matérias-primas (commodities), estamos sempre buscando investimento estrangeiro direto e reduzindo nossos padrões de proteção social e ambiental. A onda de acordos que estão em negociação com a região, entre eles o Acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul e o Acordo de Associação Transpacífico, prevê a expansão da exportação de commodities, sem mensurar seus impactos sociais e ambientais e, ainda, a transferência de produtos e tecnologias defasadas para nossa região e a privatização de setores de serviços. Claramente, acordos com vantagens econômicas aos países do Norte e o aprofundamento da dependência para nós. 

O Acordo UE-MERCOSUL e o Brasil

Há mais de 20 anos, a negociação do Acordo UE-Mercosul, a portas fechadas, ficou estagnada. Em 2019, os países anunciaram a conclusão do acordo. No entanto, começaram movimentos da sociedade civil e de parlamentos de países europeus para evitar uma assinatura com o Governo Bolsonaro, com medo de serem associados ao momento crítico do desmatamento no Brasil. O presidente Lula, juntamente com o ex-chanceler Celso Amorim, ainda em campanha, anunciaram a intenção de revisitar o acordo na próxima gestão, com particular preocupação quanto a elementos como restrições à implementação de políticas de reindustrialização, impacto da abertura das compras públicas às transnacionais europeias, maior regulamentação sobre direitos de propriedade intelectual, comércio e privatização de serviços e os impactos do comércio bi-regional sobre o meio ambiente. Por outro lado, a União Europeia tem pressa e faz pressão para garantir suas cadeias de suprimento de energia, agro e minero commodities afetadas pela guerra na Ucrânia, e está propondo um protocolo adicional, com promessas sobre os impactos climáticos, para amenizar as críticas e resistências.

 O acordo tem como eixo central a exportação de matérias-primas pelo Brasil – como grãos, carnes e minérios, cujo modelo de produção gera conhecidos conflitos socioambientais no nosso país, e a importação de produtos industrializados de transnacionais europeias, muitos que já não são mais utilizados ou são até proibidos na Europa – como os agrotóxicos, que tanto afetam a saúde das pessoas e dos animais, a biodiversidade e a qualidade das águas. Em suma, não se trata de um acordo no qual duas partes saem beneficiadas; é mais uma solução neocolonial para a crise europeia. 

Nesta linha, Luana Hanauer, da Amigos da Terra Brasil, destacou que “O que está em jogo nos capítulos dos acordos comerciais com a Europa é perpetuar e aprofundar a agenda de violações e retrocessos dos direitos. O acordo acentua a reprimarização da economia brasileira e atualiza os dispositivos coloniais que mantêm a dependência do país em relação à Europa, além de incentivar a violência racista contra povos indígenas, comunidades negras, camponesas e tradicionais. Isso porque o dano ambiental, associado à expansão do desmatamento e do agronegócio, recai desproporcionalmente sobre os povos negro e indígena e, em particular, sobre as mulheres”.

Inspiradas nas lutas dos anos 2000 contra o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), 120 organizações da sociedade civil e movimentos populares construíram a Frente contra o Acordo UE-Mercosul. Desde 2020, a Frente vem realizando formações e diagnósticos dos impactos do acordo na vida da população brasileira, apresentando documentos de posicionamento, como a Carta à equipe de transição do governo. A Frente reafirma as consequências do aumento da exportação de commodities em troca da importação de carros, agrotóxicos, das privatizações e dos riscos para a economia nacional da restrição das compras governamentais, evidenciando como o texto beneficia a atuação das empresas transnacionais.

Em turnê realizada na Europa, ativistas brasileiros que compõem a Frente reiteraram oposição ao acordo e demandaram participação social com debate público, após o anúncio do governo eleito no Brasil da intenção de reabrir os diálogos com o Mercosul e, posteriormente, com a Europa, sobre o Acordo, especialmente para que sejam apresentadas as críticas e propostas populares sobre outros modelos de comércio, condizentes com as necessidades do povo brasileiro. Reabrir as negociações e frear seu avanço rumo à ratificação do Acordo pelos parlamentos nacionais, com compromisso de diálogo e participação popular, é também reconhecer a possibilidade de dizer não ao acordo, de ouvir as vozes das populações atingidas diante dos seus impactos sociais, ambientais e econômicos para um projeto popular e democrático de nação. Nas palavras de Graciela Almeida, liderança do MST (Movimento Sem Terra) no Assentamento Santa Rita, afetado pela pulverização de agrotóxicos no Rio Grande do Sul, “no acordo UE – Mercosul se pretende que, países como Brasil, continue sendo exportador de commodities e importador de agrotóxicos, entre outros. Transforma o agronegócio num grande negócio para poucos, submetendo as comunidades dos territórios de reforma agrária, territórios ancestrais, a todo tipo de violação de direitos humanos e da natureza”.

Que projetos de nação nos esperam

Muitas dúvidas pairam sobre os novos governos progressistas da América Latina; as mesmas condições de crescimento, com o boom de commodities de anos anteriores, não estão dadas. Países estão falidos, seja pelo fascismo, pela pandemia de COVID, com populações empobrecidas, especialmente o Brasil. Qual será a resposta de inserção econômica no mercado mundial que irão construir? 

Luis Lacalle, presidente do Uruguai, anunciou na recente cúpula do Mercosul a intenção de assinar o Acordo de Associação Transpacífico, sem qualquer consulta ou diálogo com o Mercosul, fragilizando o bloco. Por isso, recebeu duras críticas de Alberto Fernández, presidente da Argentina, para quem a negociação de acordos comerciais internacionais cada vez envolve menos a solidariedade entre os países. No mesmo momento, o Peru, assim como a Argentina, vivem sob forte pressão da direita para retomar o poder, com o uso da máquina do lawfare. Desse modo, está a pleno as táticas de cooptação de lideranças e do exemplo pedagógico do terror, para engrossar o caldo dos desafios dos novos governos.

Embora os povos de nossa América sejam muito aguerridos, nas lutas e organizações políticas – não à toa a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), essência do projeto imperialista americano, foi derrotada no último ciclo de governos progressistas com base na  força de um referendum popular regional, nossa governabilidade é sempre um caminho de poucas escolhas diante de nossa subordinação ao mercado mundial. Os arranjos políticos que levaram a vitórias eleitorais e as derrotas ao fascismo certamente condicionarão essas escolhas. Resta saber que tipo de semente tais governos irão semear neste novo ciclo. 

Serão os primeiros passos rumo à superação de nossa dependência? Se este for o caminho, as velhas formas de acordos comerciais e tratados de livre comércio, revisitados criticamente e à luz do atual momento histórico e dos compromissos de um novo governo no Brasil, suleado pelo combate à fome e pela qualificação (e não privatização) dos serviços públicos essenciais à garantia de direitos, deverão nele florescer as iniciativas econômicas emancipatórias populares, solidárias e feministas que, na resistência, sustentaram a vida e a política nesses duros anos de obscuridade, abrindo alas para uma reconstrução democrática no país. Se as apostas trilharem outros rumos, norteados por interesses empresariais neocoloniais, a história se repetirá, e o ciclo da espiral novamente estará longe de se quebrar.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2022/12/20/ate-quando-as-veias-estarao-abertas-na-america-latina 

Em apoio e solidariedade internacional com o povo hondurenho

De 25 a 27 de Agosto, aconteceu a Assembleia Anual da ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe) na cidade de Tegucigalpa, capital de Honduras, na América Central. Representantes de organizações e grupos nacionais de 12 países da região estiveram presentes, entre eles a Amigos da Terra Brasil (ATBr). Durante o encontro, foi aprovada uma carta em apoio e solidariedade ao povo hondurenho e ao governo de Xiomara Castro, eleito democraticamente pelas organizações e movimentos sociais de Honduras.

Divulgamos, abaixo, esta carta, também assinada pela Amigos da Terra Brasil (ATBr).

Em apoio e solidariedade internacional com o povo hondurenho

A Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC), uma organização que trabalha em prol da justiça ambiental, social, econômica e de gênero, envia saudações respeitosas e fraternas ao povo hondurenho e à presidente Xiomara Castro, entusiasmada com o processo que a presidente está a desenvolver para a recuperação e reafirmação dos direitos em Honduras.

Sabemos que os desafios são grandes e numerosos, mas também estamos conscientes da qualidade do processo que estão a realizar, sempre com a intenção de melhorar as condições de vida da população hondurenha e de traçar os caminhos para pôr fim à impunidade e às violações dos direitos que o país teve de suportar no passado recente e desde o golpe de Estado de 2009.

Acreditamos que a aliança e a agenda construída em conjunto com organizações e movimentos sociais foram e continuarão a ser fundamentais para a mudança alcançada, e que a vitória obtida em Honduras e as lições aprendidas com ela irão encorajar novas mudanças na região, tais como as que, após as eleições hondurenhas, tiveram lugar no Chile e na Colômbia, e que esperamos que também tenham lugar no Brasil nas eleições de Outubro próximo.

Sabemos que Honduras é um país militarmente ocupado pelos Estados Unidos. E embora não houvesse razões legais ou éticas para justificar o golpe, foi o início e a continuidade da instalação de um Estado militar-policial, prisional, violador dos direitos humanos e corrupto, que veio a ser descrito como um “narco-Estado”, numa situação de exceção permanente. Durante 12 anos após o golpe, o tráfico de drogas, massacres, tortura, deslocação e despossessão, feminicídio, eleições fraudulentas, a venda do país a corporações transnacionais, uma das mais altas taxas de homicídio do mundo e uma taxa de impunidade de mais de 90% proliferaram. Esses absurdos ainda estão, infelizmente, presentes em Honduras, e são mantidos como resultado da captura criminosa do Estado pela oligarquia e pelas forças de ocupação estrangeiras.

Apesar desta realidade inegável, acreditamos que o caminho apontado pelo povo e por suas organizações e movimentos sociais com a eleição de Xiomara Castro, e as mudanças institucionais e políticas que se tornaram evidentes no país desde a sua presidência, criam as condições para a construção de um país que recupera o Estado social de direito e inverte a barbárie imposta há mais de uma década.

Expressamos o nosso apoio sem restrições à presidência de Xiomara Castro, ao novo governo do país e ao povo corajoso e aos seus movimentos sociais que prosseguem enfrentando perseguições políticas, ameaças e vários assédios por parte de estruturas criminosas que continuam a se enraizar em espaços institucionais, e que serão derrotados no processo de reconstrução do país a partir da reafirmação democrática do novo governo. Convidamos a comunidade internacional a expressar a sua solidariedade internacionalista em apoio ao processo em curso no país irmão Mesoamericano.

Pelo amor e solidariedade com o povo hondurenho, e pela defesa da dignidade histórica dos povos da América Latina e do Caribe!

Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC)

Crédito da foto: Luis Méndez

*Esta é a tradução em português da nota da ATALC, publicada originalmente em espanhol neste link: https://atalc.org/2022/09/07/en-respaldo-y-solidaridad-internacionalista-con-el-pueblo-hondureno/

Amigos da Terra Brasil se solidariza com o Assentamento Quilombo Campo Grande

Ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade

[Español abajo // English below]

A Amigos da Terra Brasil expressa solidariedade ao Assentamento Quilombo Campo Grande, localizado no município de Campo do Meio, sul de Minas Gerais, e extremo repúdio às violências sofridas pelas cerca de 450 famílias na sexta-feira, 14 de agosto. A ação de reintegração de posse com uso da força policial comandada pelo governador do estado, Romeu Zema (Partido Novo), e respaldada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, demonstra a mais sórdida face da política de morte do Estado Neoliberal. Além de destruírem a Escola Popular Eduardo Galeano, o barracão coletivo onde moravam três famílias, as plantações de milho, café, pitaia e outros produtos que tornam o assentamento referência em agroecologia na região, a expulsão destas famílias da terra em que vivem há mais de 20 anos os coloca em risco iminente de contaminação pela pandemia de Coronavírus.

Antes da ação de reintegração de posse, nenhum caso de Covid-19 havia sido registrado no assentamento, apesar de o município de Campo do Meio ter 19 confirmações da doença. Como conceber a ideia de que, em meio a uma pandemia que já levou mais de 110 mil vidas no Brasil, o Estado articule uma ação violenta de expulsão de famílias de trabalhadoras/es que vivem nestas terras por não terem sido indenizadas/os com a falência da Usina Ariadnópolis, em 1996, e que por décadas trabalharam sem carteira assinada?

A ação movida por Jovane de Souza Moreira e seu filho, Jovane Jr. — que colecionam relatos de ameaças contra os assentados — tenta reativar a usina falida. A ofensiva começou quando o Governo de Minas Gerais publicou um decreto, em 2015, que atestava as terras da usina Ariadnópolis como interesse social para fins de reforma agrária. No ano passado, o governador Zema revogou o decreto. 

Ainda em 2017, Jovane pode quitar as dívidas trabalhistas, após firmar contrato com a empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., prevendo a recuperação judicial da empresa para produção de café. Contudo, ele ainda deve cerca de R$ 400 milhões para a União referentes à contribuições previdenciárias, FGTS e impostos federais. O argumento é de que, se reativada, a usina poderia gerar até 400 empregos. Agora, a decisão judicial favorece os empresários, apesar de o governo do estado negar que a ação fosse ocorrer. Quando expulsam essas pessoas da terra em que vivem sob essa lógica, o Estado fortalece a ideia de que populações campesinas devem ser subordinadas e não autônomas.

Conforme denúncia do MST, a ação violenta extrapola os caminhos legais, uma vez que a área de 26 hectares inicialmente constatadas no processo judicial n. 6105218 78.2015.8.13.0024, que já estavam desocupados, foi ampliada para 52 ha no último despacho da Vara Agrária e a operação policial foi além da determinada pela liminar, destruindo a casa e lavouras de sete famílias.

A política é de morte, pois ceifa vidas, ceifa sonhos, ceifa a possibilidade de outros futuros possíveis para além da lógica coronelista e colonial de concentração de terras histórica no país. Em meio a uma crise de saúde e economia, ao invés de buscar soluções baseadas na solidariedade e na inclusão popular, o governo de Zema comete crime ao comandar a expulsão das famílias com violência, sem nem ao menos preocupar-se com possibilidades de destinos que não sejam a migração para as cidades com a perpetuação e aprofundamento do ciclo de pobreza e desigualdade.

Neste momento as famílias estão se reorganizando. A reconstrução da escola é a prioridade. Para além de um espaço de educação, a importância simbólica de não abrir mão da organização e coletividade se fazem absolutamente necessárias neste momento. Reocupar o espaço, cumprindo a função social da terra e garantindo que a comunidade continue seu caminho de resistência, com organização e produção agroecológica, reafirma a luta pela vida.

Viemos a público reforçar nosso repúdio e responsabilizar o governo do estado de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o que venha a ocorrer com estas famílias. Estamos juntas e juntos na defesa destas famílias e para que outras comunidades não sofram este tipo de violência. A ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade, como medida de apoio em caráter de urgência. Salientamos a importância de mobilização na denúncia nacional e internacional, e no apoio financeiro para que possam reconstruir a escola e estar em segurança neste momento delicado da pandemia que atravessamos.

Apoie a Campanha de Solidariedade para o Assentamento Quilombo Grande!

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Amigos de la Tierra Brasil se solidariza con el Asentamiento “Quilombo Campo Grande”

Acción violenta del Estado impulsa la acción solidaria popular

Amigos de la Tierra Brasil expresa solidaridad con el Asentamiento Quilombo Campo Grande, ubicado en el municipio de Campo do Meio, al sur de Minas Gerais, y rechazo extremo a las violencias sufridas por unas 450 familias en el viernes, 14 de agosto. La acción de recuperación de propriedade con el uso de la fuerza policial comandada por el gobernador del estado, Romeu Zema (Partido Nuevo), y respaldada por el Tribunal de Justicia del estado de Minas Gerais, demuestra la cara más sórdida de la política de muerte del Estado Neoliberal. Además de destruir la “Escola Popular Eduardo Galeano”, la choza colectiva donde vivían tres familias, las plantaciones de maíz, café, pitaya y otros productos que hacen del asentamiento referencia en agroecología en la región, la expulsión de estas familias de la tierra donde han vivido durante más de 20 años los pone en riesgo inminente de contaminación por la pandemia del Coronavirus

Antes de la acción de recuperación de la propiedad, no se había registrado ningún caso de COVID 19 en el asentamiento, aunque el municipio de Campo do Meio tenía 19 confirmaciones de la enfermedad. Cómo concebir la idea que, en medio de una pandemia que ya se ha cobrado más de 110 mil vidas en Brasil, el Estado articule una acción violenta de expulsión de las familias de trabajadores que viven en estas tierras por no haber sido indemnizados con el quiebre de Usina Ariadnópolis, en 1996, y que han trabajado durante décadas sin derechos laborales? 

La acción jurídica interpuesta por Jovane de Souza Moreira y su hijo, Jovane Jr., quienes recopilan denuncias de amenazas contra los campesinos, intenta reactivar la planta fallida. La ofensiva comenzó cuando el Gobierno de Minas Gerais publicó un decreto, en 2015, que certifica las tierras de la planta de Ariadnópolis como de interés social a efectos de la reforma agraria. El año pasado, el gobernador Zema revocó el decreto.

Aún en 2017, Jovane puede saldar deudas laborales, después de firmar un contrato con la empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., con una previción de la recuperación judicial de la empresa para la producción de café. Sin embargo, todavía debe alrededor de 400 millones de reales al Gobierno Federal en concepto de cotizaciones a la seguridad social, derechos laborales e impuestos federales. El argumento es que, de reactivarse, la planta podría generar hasta 400 puestos de trabajo. Ahora, la decisión judicial favorece a los empresarios, a pesar de que el gobierno estatal niega que la acción se lleve a cabo. Al expulsar a estas personas de la tierra donde viven bajo esta lógica, el Estado fortalece la idea de que las poblaciones campesinas deben ser subordinadas y no autónomas.

Según denunció el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST), la acción violenta va más allá de los caminos legales, ya que el área de 26 hectáreas inicialmente encontrada en el proceso judicial núm. 6105218 78.2015.8.13.0024, que ya estaban desocupadas, se amplió a 52 ha en la última orden del Juzgado Agrario y el operativo policial fue más allá de lo determinado por el amparo, destruyendo la casa y cultivos de siete familias.

La política es de muerte, porque extirpa vidas, extirpa sueños, extirpa la posibilidad de otros futuros posibles además de la lógica coronelista y colonial de la concentración histórica de tierras en el país. En medio de una crisis sanitaria y económica, en lugar de buscar soluciones basadas en la solidaridad y la inclusión popular, el gobierno de Zema comete un delito al ordenar la expulsión de familias con violencia, sin siquiera preocuparse por las posibilidades de destinos que no sea la migración a las ciudades con la perpetuación y profundización del ciclo de pobreza y desigualdad.

En este momento, las familias se están reorganizando. La reconstrucción de la escuela es la prioridad. Además de un espacio educativo, la importancia simbólica de no renunciar a la organización y la colectividad es absolutamente necesaria en este momento. Volver a ocupar el espacio, cumplir la función social de la tierra y hacer que la comunidad continúe su camino de resistencia, con organización y producción agroecológica, reafirma la lucha por la vida.

Vinimos a público para reforzar nuestro repudio y responsabilizar al gobierno del estado de Minas Gerais y al Tribunal de Justicia de Minas Gerais por lo que les ocurra a estas familias. Estamos juntas y juntos en la defensa de estas familias y para que otras comunidades no sufran este tipo de violencia. La acción violenta del Estado impulsa la acción popular de solidaridad, como medida de apoyo de forma urgente. Destacamos la importancia de movilizar denuncias nacionales e internacionales, y brindar apoyo económico para que puedan reconstruir la escuela y estar seguros en este delicado momento de la pandemia que atravesamos.

Apoya la Campaña Solidaria para el Assentamento Quilombo Campo Grande! Lea más.

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Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the settlement “Quilombo Campo Grande”

We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to the families. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through. Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement

Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the Landless Workers Settlement “Quilombo Campo Grande”, located in the municipality of Campo do Meio, south of the state of Minas Gerais, and shows extreme repudiation to the violence suffered by about 450 families on August 14th. The eviction of families with use of the police force – commanded by the state governor, Romeu Zema (of the neoliberal “New Party”) – and supported by the Court of Justice of Minas Gerais, demonstrates the most sordid face of the death policy of the Neoliberal State. In addition to destroying the “Eduardo Galeano Popular School”, the collective shack where three families lived, the plantations of corn, coffee, pitaia and other products that make the settlement a reference in agroecology in the region, the expulsion of these families from the land where they have lived for over 20 years puts them at imminent risk of contamination by the Coronavirus pandemic.

Before the evictions, no case of Covid-19 had been registered in the settlement, although the municipality of Campo do Meio had 19 confirmations of the disease. How to conceive the idea that, in the midst of a pandemic that has already taken more than 110 thousand lives in Brazil, the State articulates a violent action to expel families of workers who lived in these lands for not having been compensated with the bankruptcy of Usina Ariadnópolis, in 1996, and who worked for decades without a formal contract?

The lawsuit filed by Jovane de Souza Moreira and his son, Jovane Jr. – who have several reports of threats against the settlers – tries to reactivate the failed plant of Usina Ariadnópolis. The offensive began when the former Government of Minas Gerais published a decree, in 2015, which attested the lands of the Ariadnópolis plant as a social interest for the purposes of agrarian reform. Last year Governor Zema revoked the decree.

Still in 2017, Jovane could settle labor debts after signing a contract with the company “Jodil Agropecuária e Participações Ltda.”, predicting the judicial recovery of the company for coffee production. However, he still owes around 400 million reais (Brazilian money) to the Federal Government regarding social security contributions and federal taxes. The argument is that, if reactivated, the plant could generate up to 400 jobs. Now, the court decision favors businessmen, despite the state government denying that the eviction would take place. When they expel these people from the land where they live under this logic, the State strengthens the idea that peasant populations should be subordinate and not autonomous.

As denounced by the Landless Workers Movement (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; MST), the violent action goes beyond legal paths, since the area of 26 hectares initially found in the judicial process no. 6105218 78.2015.8.13.0024, which were already unoccupied, was expanded to 52 ha in the last order of the Agrarian Court and the police operation went beyond that determined by the injunction, destroying houses and crops of seven families.

It is a death policy, because it mows lives, mows dreams, mows the possibility of other possible futures besides the colonial logic of historical land concentration in Brazil. In the midst of a health and economic crisis, instead of seeking solutions based on solidarity and popular inclusion, the Zema government commits a crime by commanding the expulsion of families with violence, without even worrying about the possibilities of destinations that let it not be migration to cities with the perpetuation and deepening of the cycle of poverty and inequality.

Right now, families are reorganizing. School reconstruction is the priority. In addition to an educational space, the symbolic importance of not giving up organization and collectivity is absolutely necessary at this time. Reoccupying space, fulfilling the social function of the land and ensuring that the community continues its path of resistance, with organization and agroecological production, reaffirms the struggle for life.

We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to these families. We are together in the defense of these families and so that other communities do not suffer this type of violence. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through.

Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement! Read more.

A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil

Uma rede de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais lança a carta “A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil”, em que denuncia a falsa solidariedade das empresas no contexto de crise sanitária em que o país está imerso.

A carta expõe ações das empresas que aproveitam o momento de crise com a pandemia de Coronavírus para fortalecer a imagem de suas marcas com doações a populações em situação de vulnerabilidade, ao passo que seguem operando em meio a pandemia expondo os próprios trabalhadores ao risco de contaminação, como ocorre em vários municípios ladeados pelas empresas onde se verificou explosão de casos.

A análise feita pelo grupo denuncia que o contexto de crise sanitária e, principalmente, as ações do Governo Federal levam a um fortalecimento das grandes empresas sobre os territórios. As organizações e os movimentos sociais questionam a campanha de marketing empresarial beneficente veiculada pela rede Globo no jornal Nacional, a chamada “Solidariedade S.A.”, em que cita o caso da CMPC, empresa de produção de celulose no estado do Rio Grande do Sul, que doou 70 milhões de reais, o que representa meros 7% do faturamento de 2019. Denuncia, ainda, ação do Governo Federal que permitiu que as empresas de celulose renegociassem suas dívidas e lhes fosse concedido novos empréstimos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que representa um ganho financeiro para as empresas que não aparece para a opinião pública. Verbas que, por outro lado, não foram empregadas para auxílio da população em um momento crucial.

A carta ressalta, ainda, o papel desempenhado pelos movimentos sociais e ONGs que – sem receber o mesmo papel de destaque na imprensa – prestam solidariedade a populações carentes das zonas urbana e rural doando alimentos, produtos de consumo não duráveis e material de limpeza com diversos casos em uma rede de apoio construída de Norte a Sul no país.

AQUI PDF em português

AQUI PDF en español

HERE PDF in English

CHAMADO PARA ASSINATURAS
Além disso, conclamamos todas as organizações e movimentos sociais a assinarem esta carta até 21 de setembro, Dia Internacional da Luta Contra a Monocultura de Árvores, para fortalecer nossa luta e resistência aos impactos das corporações nos territórios.

Formulários para assinatura:
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A história do cerco à Amazônia

Visitamos a região do Tapajós, no Pará, junto à Terra de Direitos e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais dos municípios de Santarém e de Alenquer, para ouvir as histórias das resistências dos povos frente ao cerco imposto pelo capital à Amazônia. E o cenário, que já era assustador, piora no atual contexto de pandemia do Covid-19: desmatadores, grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais não estão preocupados em fazer quarentena; pelo contrário, querem aproveitar a paralisia do governo para avançar ainda mais sobre os territórios. Vale acrescentar que, ao que indicam estudos (aqui, aqui e aqui, este último em espanhol), a expansão do agronegócio e a consequente destruição ambiental está por trás do avanço de diversas pandemias ao redor do mundo, o coronavírus entre elas.

*Nota: este conteúdo foi produzido no final de 2019 e início de 2020,
antes da pandemia do coronavírus tomar a proporção que tomou.

// Vídeo 1 – Grilagem de terras: como territórios amazônicos vão sendo transformados em campos de cultivo

// Vídeo 2 – Soja: Amazônia como fronteira agrícola

// Vídeo 3 – Portos: grandes empreendimentos ameaçam os modos de vida tradicionais amazônicos

// Vídeo 4 (final) – Ameaças, resistência e esperança

A engrenagem do capital esmaga a Amazônia, seus povos, a floresta e seus rios: de um lado, a expansão da soja e da pecuária, unidas à derrubada e comercialização ilegal de madeiras e às queimadas criminosas que “limpam a terra” para o agronegócio; de outro, a mineração e os megaprojetos de infraestrutura necessários ao escoamento de commodities e entrega dos bens comuns brasileiros, como portos e ferrovias. Todos de alto impacto às comunidades locais. Em meio a isso, sob grande pressão e convivendo com ameaças constantes, povos em pé e em luta, ainda firmes. São essas histórias de resistências que contaremos a seguir.

Primeiro, porém, uma breve introdução se faz necessária, para que compreendamos o contexto e a complexidade dessas lutas. A introdução está dividida em quatro partes: a primeira delas segue este parágrafo; as outras podem ser acessas pelos links que aparecem abaixo do texto. E, depois dos links, aparecem pequenos resumos de cada história que contaremos – que podem ser acessadas com um clique em seu título.

Uma breve introdução, dividida em quatro partes, e depois as histórias

1. Contexto
Não à toa as queimadas na Amazônia em 2019 chamaram a atenção do mundo: de janeiro a agosto, na comparação com o mesmo período dos últimos três anos, a alta em focos de queimada foi de 34%; houve 55% mais desmatamento na região; e, ainda assim, 11% mais chuvas, o que demonstra que a causa do fogo não foi o período seco, mas sim a ação humana.

Infelizmente, nenhuma surpresa: em agosto do ano passado, em referência ao Dia do Fogo e ao aumento das queimadas, já dizíamos:

– A mão manchada de sangue que acende a chama é a mão do capital: é à política neoliberal colonialista, tão docilmente acatada pelo governo Bolsonaro, que creditamos o ataque aos povos das florestas e a seus territórios.

Antes ainda, à época da campanha eleitoral de 2018, a completa ausência de políticas voltadas ao meio ambiente já alertava para o que estava por vir (por exemplo, a expressão “meio ambiente” aparecia apenas uma vez no programa de governo do então candidato Jair Bolsonaro). Bom… que representa um imenso retrocesso para a pauta ambiental e agrária no Brasil ele próprio deixou bastante nítido mais tarde, quando disse [aos ruralistas, é claro] – Esse governo é de vocês.

O cerco capitalista se expressa em diferentes formas e estágios: desde o “ciclo da grilagem”, que consiste em invasão de território, extração ilegal de madeira, queimadas para “limpar a terra”, introdução de monoculturas e pecuária; até o consequente uso de agrotóxicos que contaminam áreas vizinhas e fontes de água; e o despejo e expulsão das famílias agricultoras, comunidades tradicionais, quilombolas e povos originários para as periferias das cidades, onde passarão a compor a classe empobrecida da sociedade. Quem decide ficar e lutar por seus territórios e pela natureza, enfrenta ameaças e atentados contra a vida.
Os desenhos são de Paulo H. Lange.

A espreita capitalista sobre a Amazônia, sabemos bem, remete a tempos pré-Bolsonaro. Contudo, é da mesma forma óbvio o agravamento da situação hoje: ela é considerada – ela, a floresta – um imenso estoque de terras, amplo espaço disponível para a expansão do agronegócio que já consumiu quase que a totalidade de outros biomas do país (o cerrado, o pantanal, o pampa). E os números comprovam o efeito nefasto gerado pelas políticas do atual governo brasileiro: pela primeira vez na contagem histórica, que começou em 2002, foi verificado aumento de queimadas em todos os biomas no país – ao todo, a área devastada em 2019 foi 86% maior que no ano anterior. No caso do Pantanal, bioma mais atingido, o número é alarmante: a alta nas queimadas é de 573%. Os dados são do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o qual Bolsonaro – não por acaso – tenta insistentemente deslegitimar e controlar.

Ora, também não é acaso o atual governo denominar a Floresta Amazônica uma “região improdutiva e deserta”. É esse o olhar e a compreensão neoliberal sobre a natureza: um negócio a ser explorado, custe o que custar – inclusive vidas.

Nos links abaixo, continua o texto introdutório. Clique em cada um para seguir lendo:

2. As respostas de Bolsonaro às queimadas são em nome do mercado e dos grileiros do agronegócio
3. O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
4. Mas afinal, quem realmente está por trás desses crimes?

E, abaixo, leia as histórias de resistência dos povos da Amazônia ao cerco capitalista contra seus territórios, seus corpos, a floresta e os rios:

// O CERCO, DESENHADO EM UM MAPA
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Manoel Edivaldo Santos Matos, o Peixe, explica o cerco do capital à Amazônia a partir de um mapa da região do Tapajós. Não à toa o Plano Diretor de Santarém, cidade que fica à beira do encontro dos Rio Tapajós e Amazonas, dos mais importantes canais d’água da Amazônia, foi alterado sob medida para a expansão do capital na região – e a mudança se deu ao apagar das luzes de 2018, na última sessão legislativa do ano.

// UM PORTO ENTALADO NA BOCA DO RIO
Projetos de construção de portos no Rio Maicá colocam em risco o modo de vida de 12 comunidades quilombolas, além de povos originários e comunidades pesqueiras. Um dos projetos, que estava mais avançado, teve o processo de licenciamento suspenso na Justiça e a empresa deverá realizar uma consulta prévia, livre e informada junto às comunidades impactadas, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

// ANTES DO PORTO CHEGAR (SE CHEGAR), CHEGARAM JÁ OS IMPACTOS
É assim em todos megaempreendimentos e não está sendo diferente no Maicá: mesmo antes de um projeto se concretizar, seus danos às comunidades locais já podem ser sentidos – desde questões imateriais, como a insegurança por nada se saber do futuro (se as famílias serão removidas ou não, e para onde, ou a tristeza de ver ameaçados seus territórios e modos de vida); até questões bem concretas, como a ameaça de vizinhos e a grilagem de terras.

// POSTO DE SAÚDE E ESCOLA QUILOMBOLA: A LUTA MUDA A VIDA
O processo de titulação da comunidade do Tiningu, após longa demora, está quase pronto: em outubro de 2019, o Incra reconheceu a demarcação da área e, agora, falta apenas a assinatura presidencial – o que, em meio a discursos de ódio e corte de recurso para a pauta quilombola, não é “apenas”. Mas a comunidade do Tiningu tem quase 200 anos, e sabe ter calma.

// CURUAÚNA: DE UM LADO, A SOJA. DO OUTRO, A SOJA TAMBÉM
Nos arredores de Santarém, os campos de soja se estendem até o horizonte se perder de vista. Escolas são cercadas pelas plantações, nas quais há alto uso de agrotóxicos sem que se respeite o horário das aulas; a prática do “puxadinho” alonga os campos de soja pouco a pouco, todo ano, por meio de queimadas na beira dos terrenos; comunidades e culturas inteiras vão sumindo, pois as famílias, cansadas, abandonam suas casas e vidas, indo morar na periferia das cidades. Não há mesmo convivência possível com o avanço destrutivo do capitalismo.

// O ROSTO ESTAMPADO NA CAMISETA
Os assassinatos de Maria do Espírito Santo e Zé Cláudio, defensora e defensor dos direitos dos povos, e o caminho cruzado com Maria Ivete, ex-presidenta do STTR-STM. Ela conviveu por dez anos com escolta policial, parte do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do governo federal.

// A NOITE DAS MOTOS
Em Alenquer, município vizinho a Santarém, dois pistoleiros montaram uma emboscada para assassinar José Marques. Ele é um dos líderes de uma comunidade de pequenas e pequenos agricultores da região, e o local está em disputa após grilagem de terras com o uso de sobreposição de áreas no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Sem qualquer vistoria dos órgãos públicos, as 86 famílias que viviam e trabalhavam ali há cerca de 13 anos foram despejadas pela Justiça, em conluio com os interesses privados dos grileiros.

// SE ORGANIZAR, TODO MUNDO LUTA
O enfrentamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer contra o avanço do agronegócio: as lideranças sofrem constantes ameaças mas, ainda assim, com muita organização e luta – estradas fechadas, pressão a prefeitos, cerco a locais de votação -, direitos são garantidos.

O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza

Foi o Acre o primeiro estado brasileiro a implementar políticas de financeirização da natureza. O que significa isso? Significa que o estado foi uma espécie de laboratório para medidas que transformam a natureza – as árvores, os rios e a terra, tudo isso que não podemos (ou não deveríamos) valorar – em algo quantificável, transformado em produto e, para além disso, em ativos em bolsas de valores que servirão como moeda de troca e de valorização de alguma empresa depois. Daí decorre um mar de problemas:

Essa é a parte 3 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos voltando à página central ou pelos links abaixo:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: [você está aqui] O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Veja também: O cerco explicado em um mapa

Primeiro, a privatização das terras: as empresas precisam ter áreas para a “captura de carbono”; ou seja, áreas verdes para “compensar” a poluição que geram no mundo. Assim, grandes indústrias poluidoras, como as petroleiras, as mineradoras e as empresas da aviação poderiam seguir suas atividades normalmente, com o mesmo ou até com maiores níveis de poluição, contanto que tivessem, em alguma parte do mundo, sua “fazenda de captura de carbono”.

Leia aqui a publicação “10 alertas sobre REDD para as comunidades”, preparada pela WRM (Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais, na sigla em português).

Aí outro problema: a própria “compensação” é, em si, uma violação de direitos. Para seguir poluindo, as empresas se adonam de um território que não é seu, em negociatas que ou não envolvem as comunidades ou são baseadas em mentiras, com promessas de compensações financeiras jamais concretizadas. Os povos originários, as comunidades tradicionais e as trabalhadoras e trabalhadores rurais, que historicamente viviam e se sustentavam da floresta, em equilíbrio, veem-se proibidos de manejar a mata a seu modo, com seus jeitos e culturas. Lhes é roubado o território e, com isso, suas existências são postas em risco: as famílias acabam sendo empurradas para as periferias das cidades, tornando-se parte da camada empobrecida da população. A riqueza fica atrás, na terra que não mais as pertence. Ora, resta-nos a dúvida: quem compensa a “compensação”?

Assim que a situação vai se complexificando: para “compensar” a poluição que emitem, as empresas violam direitos e proíbem os modos de vida tradicionais, em especial no Sul Global, e lucram também com isso ao transformar esses territórios em ativos financeiros; em resumo, quanto mais direitos violarem, mais poderão poluir e expandir seus ganhos: é lucro para poluir e para destruir e lucro pra “compensar” depois.

Veja abaixo, com mais detalhes, o “ganha-ganha” das empresas por trás das queimadas da Amazônia, em material produzido pela Amigos da Terra Brasil junto à regional do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) no Acre:

– Como o agronegócio e o mercado financeiro lucram com a devastação da maior floresta tropical do mundo

– Quanto valem a preservação e as falsas soluções do capitalismo “verde”, e quem compensa as compensações?

Voltar para a página central

Leia também a parte 2 da introdução:
Quem é favorecido pelas respostas de Bolsonaro às queimadas?

Ou avance para a parte final da introdução:
Parte 4: Afinal, quem está por trás desses crimes?

Caminhos da solidariedade: Organizações sociais estão em luta contra a fome aprofundada pela crise do Covid-19

Amigos da Terra Brasil e entidades como Frente Quilombola RS (FQ-RS), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comitê Popular em Defesa do Povo e Contra o Coronavírus e Comitê Gaúcho Emergencial no Combate à Fome do Consea-RS organizam coleta e distribuição de alimentos e itens de higiene a famílias em situação de vulnerabilidade no Rio Grande do Sul.

Amigos da Terra Brasil, articulada com diferentes organizações, realiza a compra e repasse de alimentos e itens de higiene a famílias em situação de vulnerabilidade. Pelo menos 500 kg de alimentos já foram entregues e outros 1800kg estão a caminho para famílias de diferentes localidades gaúchas. A ação é uma medida emergencial para tentar minimizar os reflexos da crise que se aprofunda com a pandemia.

Há um abismo de desigualdade que se expõe ainda mais nesse momento. São universos muito distintos: daqueles que têm recursos e podem tomar precauções sanitárias para manter-se em segurança e bem alimentados e dos que já estavam em situação precária antes dessa nova crise e estão longe de ter condições mínimas como saneamento básico e alimentação balanceada para manter a imunidade em equilíbrio. A ONU aponta que a crise do coronavírus poderá fazer com que mais de 135 milhões de pessoas no mundo entrem em situação de fome neste ano. 

A Amigos da Terra Brasil atua, neste momento, na intermediação entre essas doações e a entrega dos alimentos às comunidades, ajudando na distribuição realizada junto à Frente Quilombola, ao CIMI e ao MTST. A CaSaNaT, sede da Amigos da Terra Brasil em Porto Alegre, é onde os alimentos e itens de higiene básica são estocados para distribuição. O espaço, que foi alvo recente do governo Bolsonaro, já tem um histórico de ser referência de articulações para a soberania alimentar com a realização das edições da Feira Frutos da Resistência, que estabelece uma rede de colaboração e trocas mútuas entre atores de diferentes setores do campo e da cidade. 

Neste momento delicado gerado pela pandemia, centenas de famílias em diferentes localidades como nos territórios indígenas, quilombolas e na periferias das cidades têm atravessado forte dificuldade de aquisição de alimentos, seja pelas distâncias, seja pela falta de recursos. Em todo o país, ações de organizações e movimentos sociais vêm tentando minimizar os impactos na alimentação das populações mais vulneráveis. Um papel do Estado, que, seguindo a perspectiva neoliberal, se exime da responsabilidade que é sua. 

Oito toneladas de cebola foram doadas por agricultores familiares e distribuídas para quilombolas, indígenas e pessoas em situação de vulnerabilidade. Foto: Luiza Dorneles/Amigos da Terra Brasil

A necessidade de quarentena também afeta o escoamento da produção da agricultura familiar. A produção corresponde a 70% dos alimentos consumidos no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Essa rede de solidariedade articulada entre as diferentes organizações sociais também apoia os e as pequenas agricultoras conectando campo e cidade na compra, transporte e destino desses alimentos. Produções de arroz, feijão, cebola, banana, entre outros cultivos estão sendo compradas em toneladas. Campanhas de arrecadação, ou doações diretas de movimentos como MST e MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), têm possibilitado que agricultores não fiquem com excedente de produção e prejuízos, enquanto populações passam fome. Agricultores ecologistas das feiras ecológicas de Porto Alegre, do Bonfim e do Menino Deus, se somam a essa ação contribuído com os excedentes de produção. São também parte dessa rede de solidariedade as e os agricultores de São José do Norte (RS) que lutam contra a mineração para permanecer em seus territórios, como é o caso das doações de cebola e abóbora destinadas por agricultores familiares que estão em conflito com o Projeto Retiro da mineradora Rio Grande Mineração (RGM).

Para além das necessidade emergenciais, é imprescindível que se pense a médio e longo prazo a partir da crise que estamos vivendo. Assim como em outros momentos da história, as crises não terminam da noite para o dia e os reflexos da pandemia na economia devem seguir se aprofundando. Tendo em vista esse cenário, é fundamental que se pense formas de construir discussões conscientes sobre o que gera a fome e quais os caminhos para diminuir as desigualdades. A distribuição de alimentos é uma medida pontual. É necessário que se estabeleça um novo paradigma de relação com a produção de nossa comida, criando autonomia e garantindo direitos às populações. Há muitos grupos de solidariedade que se colocam para ação neste momento de maior evidência, essas redes precisam se estabelecer de forma permanente com caráter popular. Agir contra a fome é também lutar por justiça ambiental nos territórios, por autonomia das populações com um Estado que esteja a serviço de seu povo e não das corporações.

Nesse sentido, é preciso que se coloque em pauta de forma emergencial a Renda Básica Universal e Permanente. Um debate que se amplia mundialmente e já vem em construção nas últimas décadas no Brasil frente às desigualdades profundas e as alterações nos modelos de trabalho que a robotização, a economia dos algoritmos e a inteligência artificial apresentam. Enquanto uma família brasileira pode levar até nove gerações para deixar a faixa dos 10% mais pobres e chegar à renda média do país, segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2018, se torna claro que um dos caminhos para diminuir as desigualdades é taxar o 1% super rico. Com a pandemia, a urgência do debate ganha força popular com campanhas como “Taxar Fortunas para Salvar Vidas” e projetos sobre o tema podem entrar em votação no Senado. Ao mesmo tempo, o caminho encontrado pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, é o do endividamento do país estudando a tomada de empréstimo de U$4 bilhões a bancos internacionais para pagar o auxílio emergencial de R$600,00. Medida que poderá ser paga pela população em forma de impostos por 20 anos trocando uma dívida em reais por dólares, enquanto o dólar gira em torno de R$5,50.

Temos, hoje, a pior gestão possível para gerir uma crise como a que atravessamos. Enquanto a curva de contágio se amplia, o governo prioriza as monoculturas e o agronegócio colocando em pauta a MP910/2019, agora como PL 2633/2020, que anistia crimes de grileiros regularizando a invasão de terras públicas até junho de 2008. Um governo que, literalmente, afirma ‘E dai?’ e parece ignorar a morte de dezenas de milhares por Coronavírus não irá resolver o problema da fome. A perspectiva é perversa, mas ao mesmo tempo tem lógica e escancara que está a serviço do Capital. 

A  produção e distribuição de alimentos fazem parte da soberania de um povo. Quando se fala em Soberania Alimentar é sobre isso que se discute: pensar e colocar em prática coletivamente caminhos para que as diferentes populações tenham abastecimento de alimentos de base agroecológica. Hortas comunitárias, trocas de sementes e de aprendizados sobre como cultivar são uma necessidade também urgente. Seguiremos articulados com movimentos sociais e com a luta na defesa da soberania dos povos e de seus territórios construindo caminhos populares para a soberania alimentar. Nos próximos meses, um plano de auxílio nesse sentido está sendo desenvolvido e posto em prática, pensando além da necessidade alimentar atual, estabelecendo formas de subsistência permanentes. Se há algo que essa situação complexa evidencia é que a saída para mais essa crise se dará de forma coletiva.

Agricultores ecologistas das feiras ecológicas de Porto Alegre, do Bonfim e do Menino Deus, contribuem com os excedentes de produção. Foto: Eduardo Osório/Amigos da Terra Brasil

[EN] The win-win situation hidden behind the Amazonia fires – part 2

How much are preservation and “green” capitalism false solutions worth?

Tree burned by the fire alongside BR-367, between Rio Branco and Bujari. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Have you read the first part of the story? Here: The win win

As if these direct strikes against the forest and the Peoples living there were not damaging enough, it is also important to be aware of the initiatives that present themselves as “environmental” solutions in the Amazonia. It may be that they are actually more an expression of capitalism and forestry profiteering. According to a member from the Indigenous Missionary Council (CIMI) and a researcher specialised in the financialisation of Nature, Lindomar Padilha, the fire that glows in the Amazonia constitutes a win-win logic for those who are land speculators. For Lindomar, when starting the fire, if the agribusiness agents are unable to implement the cattle raising and later soybean plantations and other commodities, they still have another possibility to make money, including through international funding, which is the discourse of environmental compensation to reforest that which they, themselves, have destroyed. And with this scheme of winning at all costs is the logic of financial capitalism. Specifically when we are talking about carbon credits and the carbon market, highlights Lindomar. He explains, “The markets linked to the Green Economy, at the heart of it all, work as a type of commodity, called ‘credits’, ‘carbon credits’. As in the case of any type of merchandise, when there is a lot, it is cheap. When it is scarce, the price climbs”. Due to this concept, it is necessary to pressure the territories, and that is where fire starts to play a role. “When the jungle burns, the market linked to the REDD+, that of the ‘carbon credits’ ‘says we are selling, we need to make more of a market for compensation, more of a REDD+ market to compensate for the threats that we see in the Amazonia”. So the fires result in an overvaluation of these credits, or shall we say the right to pollute”.

To begin to understand, REDD+ is a set of economic incentives for those who avoid greenhouse gas emissions resulting from deforestation or forestry degradation. Broadly speaking, corporations that pollute in excess purchase REDD+ carbon credit from communities or institutions that take care of standing forests. These forests, theoretically speaking, capture carbon from the atmosphere and, supposedly, compensate the pollution caused by the polluter.


Sign found at the Chico Mendes Extractivist Reserve, Xapuri, locality of intense sustainable forestry management. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

REDD is another capitalist mechanism to appropriate and speculate upon the forest. In the Friends of the Earth publication: “REDD+, the Carbon Market and Cooperation California-Acre-Chiapas: legalising dispossession”, we describe the Acre case, which applies REDD+ through the Acre State’s Incentive System and Environmental Services (SISA), and the varied problems that the communities that have implemented the program have experienced and continue to experience. Not only is it a false environmental solution, as it does not provoke an alteration in the modes of production of the companies and countries that pollute. It also transfers to the South the responsibility to compensate for pollution caused by the North. In June 2018, Indigenous Peoples and communities that live in and work the forest came together in Sena Madureira, Acre to denounce these false solutions proposed by Green Capitalism in response to environmental and climatic depredations. You can read the declaration resulting from this encounter, here.

As one of the principal examples of how prejudicial for the communities and the territories is REDD and the carbon credit system, Lindomar highlights the complete loss of tutelage over the territory. To explain this, he compares it to what happens in the real estate market. Through his perspective, the Acre Government is offering the preservation areas as a guarantee for those who will honor the commitments made by the Californian corporations or the German public bank, KFW, owners of the credit in the region. “The State government mortgages the Amazonia forest in the Acre territory. This is a drastic step because you are blocking the process of agrarian regularization, especially for the traditional communities, such as Indigenous Peoples and Extraction reserves. It is as though we are going to say that to demarcate an indigenous territory, we need California and KFW’s authorisation. The market is voracious and there are various, gigantic international entities that are participating in the process of mortgaging off the Acre territories. And without a single explanation to the communities: ‘Look here my good friend, when you accept these REDD and REM mechanisms, you are mortgaging off your life, your own home and your land’. They are going take away your home from underneath you, all we need is a crisis in the financial market and with that they will take away your land, you can be sure”.

And to top it all off, the Federal Chamber of Deputies just approved a project to benefit ‘ruralists’ who “preserve” the primary forest, as a Payment for Environmental Service (PSA). Now does this sound interesting? Well the Apurinãs, the rubber tappers and the quilombolas who have always preserved the forest forever and all they are requesting is just the right to the consolidated land, without being invaded. Where is their valorisation? This proposed decree, made by a ‘ruralist’ deputy, would provide that rural producers will receive financial compensation for preserving primary vegetation. This could boost the number of invasions upon land that still has standing forests.

And it does not stop there, this payment system for environmental services could be paid to those who plant eucalyptus mono-cultures, with the argument that they are reforesting. Sadly, eucalyptus as a possibility for reforestation is still being discussed in the UN. “The mono-culture does not fit within the concept of an ecosystem because an ecosystem responds to a group of elements that are interrelated. So it is a deceptive idea to adopt a discourse regarding a forest where no forest exits. A forest blooms, flowers, flourishes and generates life. Mono-cultures do not generate life”, sustains Lindomar.

To better understand this issue, we continue our trip to the Chico Mendes Extractivist Reserve, in Xapuri, Acre. We went to listen to Dercy Teles, a rubber tapper and retired unionist, an amazing expert on forests and the struggles of these communities. For Dercy, the debate regarding whether the mono-cultures could substitute the forest is not only a lack of knowledge but truly disrespectful of those who live in the forest. “I challenge the human being who has the ability to create a forest equal to that which Nature created. The forest is not one specie, nor two nor three. It is thousands of species, including those invisible beings that contribute to the continuation of this forest”.

The Chico Mendes Reserve is one of the principal sources of timber from sustainably managed forests. We asked Dercy about this governmental service and illegal deforestation in the indigenous territory of the Apurinãs. This proposal will have an immeasurable impact. “there are people who live solely from selling clandestine lumber. They do not stop even at the weekend or holidays. The cattle trucks enter and load what people call the ‘fell bulls’, which refers to the logs”. For her, this proposal is a governmental policy of deforestation.

Grass burned on alongside BR-367. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

And the wrath of ‘ruralists’ does not stop there: there are ranchers and mega-business individuals who are strongly lobbying for soybean, rice and African palm plantations to be considered apt for recognition for PSA linked to the REDD due to their ‘carbon capture’. The argument is that technology such as direct planting, crop rotation and precise farming emit less carbon than other forms of cultivation. In this manner, the ranchers are signing up to sell carbon credits. Lindomar views this ploy with disgust.
“It is ridiculous. It is a criminal discourse because we know that what behind it all is acquisition purely and exclusively for profit. They make money destroying the forest, then they make money saying that we will contribute by planting soybeans, eucalyptus and African palm tree. They are committing a double crime, by destroying the forest and then lying that a mono-culture could replace the forest”. FAO legitimises their argument because according to Lindomar it could be because they do not have ability to differentiate between mono-culture and a forest, or the failure to recognise the necessity of multiple interactions or because it is not interested in this issue. “Our debate is another one, it is life, we are going to eat what Nature can provide us with the most limited impact possible. Brazil is the leader in soybean production. And when all this is calculated in scientific studies, we are increasing the food production in the world. But what importance does this actually have? Genetically altered food with toxic pesticides of all types. This goes against life, it is poison that we are eating. And we need to understand this. In reality we are precluding food production and planting venom. I want to believe that the FAO case is not a case of cruelty, pure and simple; it is so simple to see how mono-cultures are contrary to life itself. Being an erred understanding, it may change its opinion because those who think, can change their ideas. I hope that the FAO changes its opinion and stops classifying mono-cultures as having an environmental impact similar to a forest.

Lindomar and Dercy have demonstrated how vital it is for us to be aware of those proposals that arrive as saviours of the Amazonia forest. They are clear as they emphasise the funding support. Who do they benefit? How are they distributed? Who is it that promotes the discourse and generates the preservation resources for the Amazonia? Probably it could be considered another step in forestry speculation and strategies to land grab the territory. Strategies for maintaining the forest do not historically come from those who exploit it. To save the forest, we need to stop those that destroy it, namely agribusiness, mining and illegal logging agents. We need to avoid that it is “mortgaged” by the financial market, masked as the Green Economy. It is necessary to defend the territories and strengthen indigenous territories and traditional communities, who are the Peoples that have lived in harmony with the forest for generations.

Pajé Isaka Huni Kuin’s family. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

For the Paje Isaka Huni Kuin, the path to save the forest is through friendship. Which is understood as a request of respect for his People. “We are neighbors, we come from the same creator. I live here not to invade anybody else. I want to live also, just as they do…all straight up. I can work on what is mine, but what is not mine is not mine”.

Dercy embraces a rubber tree, which has been a source of sustenance for her and many families in Acre. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Dercy states that for the preservation process of the Amazonia to work it is indispensable that communities are strengthened. “The knowledge that we have is centuries-old”. For this rubber tapper, Amazonia is not just Peru’s or Bolivia’s or Brazil’s, it belongs to humanity. “As a result, it is all of our responsibility to be focused on what happens here”.

In the subterranean amidst discussions between the presidents and giant corporations, running parallel to the fake capitalistic environmental solutions, indigenous peoples, extractivists, farmers, riverside communities and quilombolas are resisting with their bodies, their spirituality and their culture against the devastation of Nature. Our responsibility is to directly strengthen these people, with respect and by focusing on their protagonism. We should contribute to the consolidation and the defense of their territories. It definitely is not through the proposals and initiatives from those who pollute and profit from the devastation of the world’s South that the forest will be saved. But yes with respect of their culture and the right to land and to life, for those who have for generations lived in harmony with the forest.

Buni Huni Kuin wraps a tambaqui (fresh water fish) with banana leaves. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Eart Brazil

In this process, international solidarity is fundamental. For Lindomar, there is no struggle in Amazonia without solidarity. The focus on solidarity is liberation, afforestation, a blossoming, it is promoting a multicultural, multi-ethnic, multi-religious and multilingual Carnival. This idea of mono does not work, no, it has to be plural. Our Carnival needs to be plural, and it will only be this way through solidarity. We are what we are because others contributed so that we are what we are. Our fight here in Amazonia is totally dependent upon solidarity. Solidarity is the sustenance to the struggle”.

Kaxuqui and Antonio Jose play in the Retiro Stream. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Kaxuqui is the older Cacique. According to him, his name means “The rodent monkey who saved the Amazonia”. He tells us that when the forest burned, all the animals took refuge on top of one tree. Kaxuqui gnawed at the tree so that the fire could not climb up it. The sawdust from the trees and the ashes from the fire are a hostile place that dry the tears of Caciques Kaxuqui and Antonio Jose. They transform their desolation into rage and denouncement. They re-vindicate that others should contribute to their fight. For Cacique Apurinã Antonio Jose, as his last words, the indigenous people are Nature, they are the People that preserve the flora and fauna of the Amazonia. “What we want is to have our land legalised. We are going to stay here and resist, we will perpetually preserve. While we are still alive, we are going to fight for these lands. This is not just for the Apurinã People, for Indigenous Peoples. This forest is not only good to us, it is good for the entire community, for the world. We are Nature, we are the People who preserve the Amazonia, the fauna and flora of Brazil. We are here resisting! This is the message that we want to give.”

See below more photos from the solidarity journey through Acre state:

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