Justiça determina retirada da cerca junto ao acampamento guarani na Ponta do Arado

Após considerar ilegal a lei que favorecia a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A sobre a alteração do Plano Diretor de Porto Alegre sem participação popular, a Justiça também determinou que a empresa respeite o direito de ir e vir dos guaranis e o acesso à água.

Nova vitória na Justiça para a retomada Mbya Guarani na Ponta do Arado, agora em âmbito federal. Antes, a Justiça Estadual já havia garantido a manutenção da posse da área pelos indígenas, o que contempla entre outros direitos, o de ir e vir, bem como o acesso a recursos diversos (públicos ou privados). Agora, a Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A terá de providenciar a retirada da cerca junto ao acampamento dos guaranis na Ponta do Arado, zona sul da cidade, bem como a liberação dos acessos, a fim de permitir que os indígenas acessem a trilha junto à Orla do Lago Guaíba e o sentido do centro urbano do bairro Belém Novo. Para o TRF4, “tal cercamento gera confinamento desumano”.

Com a decisão da esfera federal, a empresa também deverá remover “a obstrução cimentícia por ela inserida” no poço antigo onde os mbya guaranis tinham acesso à água potável. Em julho de 2018, o acesso por parte das famílias da retomada havia sido proibido pelas empresas que pretendem construir condomínios e hotéis de luxo no local.

A Justiça ainda deferiu que a empresa retire a estrutura de vigilância privada contígua à área ocupada, para evitar intimidações indevidas e conflitos com os indígenas. Desde 2018, os mbya guaranis da Ponta do Arado denunciavam o isolamento involuntário e o monitoramento compulsório que vinham sofrendo por parte da Arado Empreendimentos Imobiliários.

No dia 15 de setembro de 2019, os guarani mbya da Retomada da Ponta do Arado sofreram um ataque por parte dos seguranças da Arado Empreendimentos. Foi o segundo ataque a tiros do ano. 

Confira a decisão aqui.

Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?

Adiantamos, já de início: somente o mercado, os grileiros, o agronegócio. E o PL 2633 (antiga MP 910, a famigerada MP da Grilagem), é a maior evidência disso. E bem… Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, também deixou isso bem claro quando disse que a pandemia do coronavírus é uma grande oportunidade para desmantelar a regulamentação ambiental já que todo mundo está olhando para outro lado.

Frente à urgência e à crescente preocupação da comunidade internacional em relação às queimadas de 2019, a gestão Bolsonaro reagiu com saídas voltadas a interesses financeiros, que de forma alguma abrangem os problemas enfrentados pelos povos da Amazônia. Ao contrário, os colocam em risco ao privilegiar políticas favoráveis aos ruralistas e ao fortalecer medidas de financeirização da natureza. Avançaram no Congresso Nacional projetos que fortalecem medidas como o PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), ao mesmo tempo que o governo aproveitou para avançar na proposta de anistia a grileiros de terra, expressa no PL 2633 – incentivando exatamente a prática que está por trás do aumento das queimadas.

Mesmo em meio à pandemia do coronavírus, o PL 2633 pode ser votada a qualquer momento no Congresso Nacional; se aprovado, facilitará ainda mais a ação de invasores de terras públicas. Para o Grupo Carta de Belém, ” […] a legislação permite liquidação das terras e patrimônio público a preço de banana em favor de médios e grandes grileiros” – lembrando ainda que, enquanto isso, “a reforma agrária e a titulação de territórios coletivos seguem paralisadas”.

Essa é a parte 2 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelo conteúdo voltando à página central ou clicando nos links abaixo:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: [você está aqui] Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E veja também: O cerco explicado em um mapa

Para além da ameaça da grilagem de terras, surgem no horizonte como suposta solução aos problemas climáticos as medidas de “pagamento por serviços ambientais”. Em suma, são uma maneira de monetizar a relação com a natureza; a depender dos fluxos financeiros, pode ser interessante preservá-la em pé ou não. Tais medidas não enfrentam as questões estruturais da problemática do clima e muito menos protegem os povos e seus territórios: ao contrário, deixa-os à mercê das grandes indústrias poluidoras, que invadem a Amazônia para “compensar” suas violações de direitos em outros lugares e a poluição inerente a suas atividades. As comunidades perdem a autonomia sobre seus próprios territórios, transformados em ativos em bolsas de valores e em “fazendas de captura de carbono”, o que leva à criminalização de práticas e culturas ancestrais.

O documentário “Mercado verde: a financeirização da natureza” explica e denuncia as falsas soluções que o capitalismo propõe para os males que ele próprio causa.

A terra, assim, atende somente aos humores do Mercado. A ele que Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, respondem, em detrimento da agro-socio-bio-diversidade amazônica. E vejam como não é acaso a escolha das palavras: o atual governo pensa a Amazônia sob o prisma da “bioeconomia”, ou seja, com o viés da exploração dos bens comuns em nome do lucro de poucos. É explícito: para eles, a Amazônia precisa de “soluções capitalistas”. Em outras palavras: devastação, exploração, privatização.

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Continue lendo a introdução:
parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Lá onde o sol se põe mais longe: o Pampa resiste ao Projeto Fosfato, da empresa Águia Fertilizantes

Planejado entre Lavras do Sul e Dom Pedrito, projeto prevê construção de barragem duas vezes maior que a de Brumadinho (MG). Em caso de ruptura, rejeitos atingiriam Rosário do Sul, inclusive a Praia de Areias Brancas, e poderiam chegar até mesmo ao Uruguai.

Desinformação e perseguição: assim age a Águia Fertilizantes a respeito do seu Projeto Fosfato, que pretende instalar na região das Três Estradas, entre os municípios de Lavras do Sul e Dom Pedrito, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Em conversas com moradores e pecuaristas da região, muito pouco se sabe sobre os reais impactos da mineração e a dimensão do projeto que, a título de exemplo, prevê a construção de uma barragem de rejeitos duas vezes maior que a de Brumadinho, em Minas Gerais – perto de completar um ano, o crime da Vale matou mais de 300 pessoas. Em 2015, outra barragem já havia rompido, em Mariana (MG), também deixando para trás um rastro de morte e destruição. Em ambos os casos, as mineradoras seguem impunes, enquanto cabe à população atingida pagar o preço pelos crimes ambientais das empresas.

No primeiro vídeo, imagens do rompimento da barragem em Brumadinho; no segundo, pecuarista da região de Três Estradas/Lavras do Sul mostra onde seria instalada a barragem de rejeitos do Projeto Fosfato/Águia.

Pecuária familiar e cultura do Pampa: modos de vida em risco
A região das Três Estradas é ocupada especialmente pela pecuária familiar – dezenas de famílias seriam diretamente atingidas pela instalação da mina. No rastro dos impactos estão ainda toda a população de Dom Pedrito e Rosário do Sul, municípios abaixo da barragem e que, com a implementação do projeto, passariam a viver em permanente estado de alerta. O fluxo do rio Santa Maria que arrastaria os rejeitos até Rosário: no caso de Brumadinho, a lama se espalhou por 270 quilômetros; Rosário está a 220 quilômetros de onde se pretende construir a barragem com o dobro da capacidade da que estourou em janeiro desse ano em Minas Gerais.

Ao atingir a pecuária familiar, a mineração ataca também o modo de vida pampeano, tradicional marca gaúcha: o vasto horizonte dos campos e coxilhas, hoje habitado por cavalos, ovelhas e gentes, seria esburacado por cavas e explosões constantes e, onde hoje se perde o olhar na distância, subiriam pilhas de rejeitos de minérios e poluição. Ar, água, terra: a contaminação impediria qualquer forma de vida na região, gerando uma nova onda de êxodo rural, miséria e desemprego.

No vídeo acima, pecuarista da região fala sobre as ilusões de emprego e riqueza criadas pelas empresas, e como isso não passa de enganação.

Iludidas pelas falsas promessas da Águia, algumas famílias de Lavras do Sul declaram-se favoráveis ao projeto; as enganações, porém, esbarram na realidade – as primeiras desapropriações, por exemplo, ocorreram a preços bem abaixo do esperado: foi o caso de desapropriações relacionadas à construção da barragem de irrigação, quando o valor oferecido pela empresa foi três vezes mais baixo do que o valor avaliado pela terra.

E quem se opõe ao empreendimento sofre com perseguições: lideranças locais, alertas em relação aos prejuízos à vida e à agrobiodiversidade provenientes da mineração, após manifestarem-se contrárias, passaram a ser perseguidas judicialmente pela empresa. Hoje, três famílias enfrentam processos infundados por defenderem seus territórios. A violência repetiu-se em audiência pública, quando quem falava em defesa do Pampa e da vida (ou seja, contra o megaprojeto de mineração) era ameaçado de agressões e proibido de se manifestar.

Águia? Quem está por trás dos ataques aos territórios
A Águia Fertilizantes está ligada ao grupo Forbes & Manhattan, do qual faz parte, entre outros, a Golder Associates, contratada pela Samarco (BHP Billiton e Vale) após o rompimento da barragem em Mariana (MG), e depois substituída pela Fundação Renova; e também Belo Sun e Potássio, que tiveram o licenciamento ambiental suspenso devido à ausência de consulta prévia, livre e informada junto às comunidades tradicionais, além de denúncias de compra ilegal de terras públicas e de falta de transparência. Ação Civil Pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal) menciona que a empresa Potássio revela “um modus operandi inconcebível dentro dos parâmetros da boa-fé” (trecho com informações da FLD).

Sede da Águia Fertilizantes no centro de Lavras do Sul

O fosfato serve especialmente na produção de fertilizantes para o agronegócio, ou seja: o foco está na exportação de commodities e não na produção de alimentos ou geração de riqueza para as famílias da região. Isso fica claro no percurso do fosfato extraído: ele será tratado e transformado em fertilizante em Rio Grande, próximo ao porto e a caminho do exterior. Não haverá benefício para os produtores locais, e sobre isso vale lembrar de outras promessas já feitas e não cumpridas: os monocultivos de eucalipto que surgiram na região na última década não geraram emprego algum, embora as empresas garantissem a criação de vagas. Os eucaliptos dali alimentam a fábrica da CMPC em Guaíba, criando, assim como o fosfato que vai a Rio Grande, um elo entre diferentes violações de direitos e ataques a territórios. Com a chegada da mineração, os problemas ficam, os lucros vão.

Megamineração: após destruir Minas Gerais, Rio Grande do Sul é o novo alvo
Hoje, o Rio Grande do Sul surge como a nova fronteira minerária do Brasil: são mais de 5 mil requerimentos para pesquisa mineral em solo gaúcho. Caso avancem – e contam com todo o apoio dos governos liberais para tanto, vide a tentativa de desmonte do Código Ambiental por parte do governador do RS, Eduardo Leite (PSDB) -, o Estado se tornaria o terceiro maior minerador do país, mudando drasticamente sua vocação. O benefício, como prova o histórico da mineração no Brasil e no mundo, seria para poucos: o capital internacional, verdadeiro investidor por trás das mineradoras, ganha com as políticas extrativistas e neocoloniais dos governos liberais e privatizadores; perdem os povos, que veem atacados seus territórios, seus modos de vida e suas culturas – e ainda pagam a conta quando ocorrem os crimes que alguns insistem em chamar de “acidentes”.

Resistências e vitórias contra as mineradoras
Como uma das formas de resistência, formou-se o Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul, iniciativa em defesa da vida que une mais de 120 entidades – desde grupos ambientalistas e centrais sindicais até universidades e associações de trabalhadores dos mais variados campos – e opõe-se ao modelo extrativista neocolonial da megamineração. E a organização social já traz resultados: por meio de análises técnicas e difusão de informações confiáveis, contrapõe os estudos de impactos ambientais elaborados pelas próprias empresas, pressionando as instituições estatais de fiscalização e proteção dos cidadãos, como Fepam e ministérios públicos Estadual e Federal, a confrontar os ataques aos territórios e garantir os direitos das populações atingidas.

É a segurança hídrica e a soberania alimentar de milhões de pessoas, as diversas culturas que compõem o Rio Grande do Sul e o Pampa, a agrobiodiversidade de um bioma que é único no mundo que está em jogo: a luta é pelo futuro. Por isso, o debate deve ser ampliado à população de todo o estado, envolvendo, no caso do Projeto Fosfato, os habitantes de Dom Pedrito e Rosário do Sul, também diretamente atingidos pelo empreendimento. Queremos aprofundar as discussões; a Águia parece fugir ao debate – por isso, joga com desinformações e tenta silenciar seus opositores.

E não será essa a primeira vez que a resistência e a luta contra a mineração de fosfato se fortalece e alcança a vitória. Um exemplo bem próximo está no pequeno município catarinense de Anitápolis. Confere essa história aqui.

E abaixo mais fotos da visita que fizemos à região das Três Estradas e Lavras do Sul, junto com o MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), a AMA Guaíba e o Coletivo Catarse:

Pôr do sol no Pampa: espetáculo posto em risco pela ameaça da mineração. Região de Lavras do Sul é uma das mais preservadas do Pampa gaúcho. Foto: AMA Guaíba
Pôr do sol no Pampa: espetáculo posto em risco pela ameaça da mineração. Região de Lavras do Sul é uma das mais preservadas do Pampa gaúcho [2] Foto: AMA Guaíba
Cenários do Pampa. Foto: Luna Carvalho
Pecuário familiar, prática tradicional e principal fomento da economia local, também está em risco. Foto: Luna Carvalho
Conversa com pecuaristas da região revelou os ataques da mineração. Foto: Amigos da Terra Brasil
Foto: Amigos da Terra Brasil
Região onde Águia pretende instalar barragem de rejeitos duas vezes maior que a de Brumadinho (MG). Foto: Amigos da Terra Brasil

VÍDEOS // Aula pública e ato em frente ao Incra: Frente Quilombola e ANQ exigem direitos das populações quilombolas no Brasil

Aula pública e ato no INCRA marcam mobilização em defesa de territórios quilombolas

Representantes da luta quilombola em Porto Alegre promoveram, no início do mês (5/11), uma manifestação em defesa dos territórios, que contou com uma aula pública no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (SIMPA) e uma ação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) exigindo um encontro com o superintendente do órgão para saber sobre o andamento do processo de titulação de quilombos como o dos Alpes, Fidélix, Areal e também Morro Alto.

O ato fez parte de uma mobilização nacional com ações também na Bahia e no Maranhão. Em Porto Alegre, contou com a presença de representações das comunidades quilombolas urbanas, referências de matriz africana, membros da universidade e integrantes e apoiadores da Frente Quilombola RS. No INCRA, foi entregue um documento de reivindicações e denúncias de violações nos territórios (aqui a íntegra do documento).

E aqui o texto completo, publicado também no Sul21. Abaixo, confira recortes de algumas falas da aula pública e a fala de Onir Araújo, da Frente Quilombola, no ato em frente ao Incra – também estiveram na mesa no Simpa e falaram: Cláudia Pires (NEGA/UFRGS), Marlise Marques (Comitê da Saúde da População negra) e Mestra Janja (Quilombo dos Alpes):

 

Texto: Douglas Freitas // Vídeos e foto de capa: Luiza Dorneles

 

Autonomia energética na retomada Mbya Guarani da Ponta do Arado

Instalação de placas solares é fruto da campanha de arrecadação em favor das famílias da retomada. Após ataques, iluminação representa também maior segurança para os indígenas.

 

Na sexta-feira passada (8/11), foi instalado na retomada Mbya Guarani da Ponta do Arado, zona sul de Porto Alegre (RS), um novo sistema de iluminação e energia, com fonte em placas solares. Estivemos lá junto ao Econsciência e ao LAE-UFRGS (Laboratório de Arqueologia e Etnologia); o trabalho resulta da campanha de arrecadação em prol das famílias indígenas, realizada nos últimos meses e que contou com uma ampla rede de apoiadores. Uma placa já havia sido instalada; agora, o potencial energético foi ampliado, com uma nova placa de maior capacidade.

Com cerca de um ano e meio de retomada de suas terras ancestrais, o grupo já foi alvo de ataques por parte da Arado Empreendimentos, que pretende construir ali condomínios e hotéis de luxo. Os indígenas hoje estão cercados por grades e são vigiados 24 horas por agentes da empresa, em permanente ameaça. O acesso por terra à retomada, mesmo após decisão judicial favorável, segue impedido; por isso, chega-se ao local apenas por barco. Em dias de chuva e de águas agitadas, as famílias ficam ilhadas.

Portanto, a autonomia energética do grupo, com iluminação e tomadas para recarregarem os celulares, serve também para a segurança das famílias e o fortalecimento da defesa do território. Abaixo, veja fotos do dia da instalação e vídeos que aprofundam a situação da retomada da Ponta do Arado:

Homens se dizendo policiais ameaçam Guraranis da retomada em Terra de Areia

Na noite do dia 14 de setembro, quatro homens armados invadiram o território mbya guarani Tekóa Yy Purá, no município de Terra de Areia (RS). Com coletes à prova de balas e se dizendo policiais, intimidaram os indígenas que faziam uma roda de conversa no momento da invasão. Após revirarem as casas, os homens disseram que os indígenas deveriam liberar a área no dia seguinte. Este foi um dos ataques que aconteceram as populações mbya guaranis naquele final de semana no estado do Rio Grande do Sul. A situação faz parte de um aumento de ofensivas contra os povos e seus territórios.

Os guaranis desceram de Torres e retomaram, no dia 25 de maio de 2018, às sete da noite, a área da Fepagro, no município de Terra de Areia, à beira da Lagoa Itapeva. Reconheceram o território. Entraram na mata para buscar lenha. Na volta de uma grande fogueira, fizeram o primeiro papo onde se pretendia nova aldeia, hoje Tekoa Yy Rupá (Aldeia olho D’água). Segundo o Cacique Karaí Tatanhandy (ou Leonardo Barbosa), perguntaram a todas e todos, inclusive às crianças, como estavam se sentindo. Estavam todos bem na nova terra. Sentimento que, segundo Leonardo, além de o fazer ter orgulho das famílias que estão ali com a dele, o faz alimentar a coragem para se manter firme. No terceiro dia de retomada, foram intimidados por homens armados, que os mandaram ir embora. Os guaranis permaneceram. Quase um ano e meio depois, um segundo ataque. Depois destes, algumas famílias foram embora por medo. Ao ser questionado se tem medo, o cacique Leonardo responde que não. “Porque não estamos sozinho, pensam que estamos sozinho, mas Nhãnderu está sempre com a gente, nos protegendo”.

Foto: Douglas Freitas

Os quatro homens que invadiram o território em dezembro, armados com pistolas e fuzis, diziam ser policiais, de estarem ali devido a uma denúncia de que os guaranis estariam invadindo a área. Segundo comunicado do dia 15 de setembro do Conselho Missionário Indigenista, o mais curioso é que os homens não possuíam identificação de que eram efetivamente policiais e não portavam mandado judicial para agirem daquela forma. No mesmo dia 15, os guaranis e apoiadores percorreram diversas delegacias do município para averiguar a procedência dos invasores. Tanto no Batalhão da Brigada Militar quanto na Delegacia da Polícia Civil, não havia nenhum registro de diligência policial na noite anterior e nem ordem judicial. Vale destacar que os indígenas retomaram as terras que eram da Fepagro (fundação extinta pelo Governador Ivo Sartori em 2017), uma área pública. Nestes quase dois anos de retomada, não houve nenhum comunicado do governo sobre a presença dos guaranis ali, ou sobre o uso das terras. Os guaranis foram também até o Ministério Público Estadual formalizar uma denúncia e exigir investigação do caso. Para o Conselho Missionário Indigenista, em comunicado, o ataque é uma manifestação de intimidação: “Parece, ao nosso entender, tratar-se de milicianos que prestam serviço aos opositores dos direitos indígenas no Brasil, tendo em vista impor, através da força bruta, ações contra as lutas pela terra. Faz parte, portanto, de uma articulação nacional, pois fatos semelhantes foram denunciados em outras regiões do Brasil”, destaca.

Na noite seguinte, limite do ultimato dado pelos invasores, aconteceu uma vigília no território. Os homens não voltaram naquele dia e nem depois. Mesmo assim, após o ataque, algumas famílias deixaram a retomada. A família do Cacique Leonardo e mais 4 permanecem. “Se queremos permanecer aqui, não podemos interromper o processo pela metade”. Segundo Tatanhandy, a mata do local garante ervas medicinais, inclusive doadas para outros territórios guaranis, junto com mudas e sementes. “Nossa ligação com a Natureza que nos faz escolher o território para retomada”, explica o cacique.

Até o momento, o Ministério Público não instaurou investigação para descobrir quem eram os invasores e quem eram seus mandantes. A Polícia Civil informa haver registro sobre o caso, mas até o momento não há maiores informações sobre os autores das ameaças. Enquanto isso, o milho cresce ao lado da Opy (casa de reza), o feijão ferve na fogueira e a Lagoa Itapeva agracia os guaranis com peixes, como o Muçum. A Tekoá permanece e se fortalece. Com a vigília de Nhãnderu.

Veja mais fotos:

Foto: Douglas Freitas
Foto: Douglas Freitas

Por uma América Latina plurinacional, popular e ecofeminista

As ruas de La Plata (Argentina) foram tomadas pelas milhares de pessoas que estiveram participando do 34º Encontro Plurinacional de Mulheres, lésbicas, intersex, travestis, trans, bissexuais e não binário. Foram mais de 400 mil companheirxs marchando em defesa dos seus direitos e por uma sociedade plurinacional, feminista e popular, formando uma verdadeira maré multicolorida. Durante os dias 12, 13 e 14 de outubro de 2019, entre o clima frio e chuvoso, a cidade de La Plata viveu e sentiu o espírito feminista, de cumplicidade e sororidade entre xs companheirxs, compartilhando e reinventando a luta feminista contra o neoliberalismo e o patriarcado. 

Em seu 34º encontro, as oficinas autogestionadas abordaram temas que vão desde a precariedade do trabalho para as mulheres e os impactos do capitalismo e do neoliberalismo na vida das mulheres até a saúde sexual e reprodutiva, identidades não binárias, maternidade, urbanismo feminista, feminização da pobreza, autodeterminação dos povos e entre outros. O que perpassa estes temas debatidos no encontro é a ofensiva do neoliberalismo, sustentado pelo racismo e o patriarcado.

É neste contexto de modelo desenvolvimentista predador, que as mulheres estão na linha da frente da luta contra as empresas transnacionais extrativistas que colocam a acumulação de capital sempre acima das vidas das pessoas e do respeito pela Natureza. Organizações financeiras mundiais, como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, elaboram reformas estruturais para o avanço do neoliberalismo que historicamente envolveram receitas para privatização, desregulamentação e liberalização do comércio. A precificando dos bens comuns, como as terras, as águas e o ar, ocorre em um contexto de convergência de crises, destacando-se as crises alimentares, energéticas, econômicas e climáticas. Para superar as crises gestionadas e o avanço do neoliberalismo, o capital transnacional atravessa os territórios, as atividades humanas, o próprio corpo das pessoas, especialmente das mulheres.

A América Latina é uma das regiões mais hostis para defensoras e defensores dos territórios e dos direitos dos povos, e nesta resistência contra o avanço do extrativismo que viola e ameaça os povos a luta em defesa da vida muitas vezes não é uma opção: é uma necessidade. As mulheres têm sido protagonistas em defesa da vida: em defesa do corpo-território, da vida comunitária, da vida dos seus territórios e da manutenção de seu modo de vida. É neste sentido que as mulheres passam a ser guardiãs dos territórios, sendo co-criadoras para rexistir e reinventar a luta em defesa das vidas humanas e não-humanas.

É neste sentido que o ecofeminismo tem avançado o seu debate, relacionando a dominação e a exploração da Natureza com a questão de gênero, bem como o avanço do capital sob os territórios e a objetificação dos bens comuns, transformados em mercadoria. As opressões entre a exploração da Natureza e as violências contra as mulheres não é uma causalidade, sendo o reflexo da colonização dos corpos e da Natureza, integrado a este modelo de produção e consumo neoliberal. O patriarcado é o sistema de todas as opressões, todas as explorações, toda violência e discriminação que a humanidade vive (mulheres, homens e pessoas intersexuais) e a Natureza, como um sistema construído e objetificado historicamente no corpo sexualizado das mulheres.

Assim, as mulheres debatem o avanço da monocultura da soja e de árvores exóticas, a extração de petróleo, a construção de megaempreendimentos de barragens, financeirização da natureza, a crise climática, onde violam os corpos e registram-se os impactos dos modelos produtivos dominantes exploração. Da mesma forma, as lutas contra os projetos de modelo extrativistas estão associados à violência patriarcal, por isso se faz necessário enfrentar as opressões que, no cotidiano, atravessam os corpos.

Em meio a crise ecológica, a ecologia neoliberal apresenta falsas soluções para superar a crise e as desigualdades de gênero, soluções com base em interesses econômicos e comerciais, para justificar a exploração massiva de recursos naturais e mercantilizar a natureza. A superação das crises impostas pelo próprio capitalismo neoliberal só será possível se for baseada em resistência territorial e comunitária, através da luta para desmantelar todas estruturas de opressão e pelos direitos dos povos e justiça social, ambiental, econômica e de gênero.

É na luta pela autonomia dos povos e descolonização do pensamento e dos corpos, que avançaremos num projeto por uma América Latina plurinacional, popular e ecofeminista. Sabemos que o patriarcado não tem fronteiras. É por isso que as lutas das mulheres e os feminismos organizados também não devem tê-las.

Nota de repúdio ao desmonte ambiental no Estado do Rio Grande do Sul

Em audiência pública realizada na noite do ontem (21/10) na Assembleia Legislativa do RS, ficou evidente a contrariedade do povo gaúcho em relação ao projeto de lei que visa destruir o Código Ambiental do Estado, flexibilizando-o ao agrado do capital internacional e das grandes empresas mineradoras e do agronegócio. A proposta ataca diretamente pequenas e pequenos agricultores, a agroecologia e a soberania dos povos sobre seus territórios. Sem retirar o regime de urgência imposto por Eduardo Leite (PSDB), deputadas e deputados teriam que votar a matéria até o dia 5/11, sem nenhum tempo para debates e para a participação popular. Abaixo, confira o posicionamento da Amigos da Terra Brasil:

O Núcleo Amigos da Terra Brasil vem tornar público seu repúdio ao Projeto de Lei (PL) 431/2019, de autoria do governo de Eduardo Leite (PSDB), que visa instituir, de maneira sumária e autoritária, um novo Código Estadual de Meio Ambiental, em substituição ao atual código, expresso na Lei 11.520/2000. Exigimos a retirada total do PL 431/2019, pois entendemos que esse projeto visa enfraquecer a legislação ambiental gaúcha e inviabilizar a proteção ao nosso ambiente natural, em um evidente ataque à diversidade dos povos e culturas do RS, na contramão das necessidades atuais da sociedade gaúcha e do próprio planeta Terra. Um código ambiental, por tratar de tema tão complexo e abrangente, não pode ser construído de forma apressada e sigilosa: nesse sentido, exigimos, também, a ampla participação democrática​, popular e cidadã de todos os setores da sociedade gaúcha, desde as organizações que compõem o Movimento Ecológico Gaúcho (MEG), passando por universidades, instituições de pesquisa ambiental e técnicos ambientais do Estado, até o corpo político, a imprensa, os cidadãos e os setores produtivos da economia. Clamamos, ainda, que o Estado cumpra o papel de tutor do meio ambiente atribuído pela Constituição Federal de 1988 e, nesta rodada democrática de construção de um novo Código Ambiental, assuma como premissas basilares os princípios da prevenção, da precaução, do não-retrocesso e da progressividade em termos de direitos (socio)ambientais.

Cabe ressaltar que vivemos um momento derradeiro para enfrentamento da crise climática que assola o planeta. Essa emergência se faz sentir nos cinco anos mais quentes da Terra seguidos e no mês de julho mais quente da história, nos 17 milhões de refugiados climáticos em 2018 e na perda acelerada de biodiversidade em escala global. Os desafios para manter a temperatura global “apenas” 1,5ºC acima da média global – que foram, inclusive, evocados pelo governo de Eduardo Leite na justificativa do PL 431, de maneira habilmente retórica e praticamente mentirosa – se agigantam na medida em que as causas não são severamente enfrentadas, especialmente pelos Estados, que dispõem de meios administrativos, jurídicos e técnicos para tanto. E, nesse ponto específico, o PL 431 é totalmente omisso: não há qualquer referência no texto do projeto às mudanças climáticas, de maneira geral, ou mesmo à Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas, instituída pela Lei 13.594/2010.

Como se não bastasse a omissão do governo, o projeto de lei flexibiliza controles e regras ambientais e abre caminho para a entrega, de maneira criminosa, dos bens comuns para as grandes corporações, que são o cerne do sistema que causa a emergência climática que vivemos hoje. Isso pode ser verificado pelas proposições, tecnicamente infundadas e injustificadas, de permissão de exploração de unidades de conservação pela iniciativa privada, na praticamente extinção do gerenciamento costeiro, na diminuição da proteção de áreas ambientalmente significativas do estado, como as dunas frontais de nosso litoral e os banhados, a criação de mecanismos de incentivos para “bons empreendedores”, conhecida como a responsabilidade social corporativa, pagamento por serviços ambientais e incentivo às falsas soluções do capitalismo verde, a dispensa de autorização prévia dos órgãos ambientais para programas de iniciativa do Estado – e que serão executados pela iniciativa privada por meio de privatizações ou PPPs, como o Polo Carboquímico do Rio Grande do Sul –, a redução das áreas especiais de proteção ambiental ao redor de unidades de conservação e, sobretudo, as alterações no Código Florestal Estadual para permissão de corte de espécie hoje imunes – e que, por isso, barram a realização de empreendimentos de grande porte – e as mudanças no processo de licenciamento ambiental, como a instituição de Licença Única (LU) e a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) – esta última configurando-se em um verdadeiro autolicenciamento pelas empresas –, ​além de uma série de outras medidas que não se puderam averiguar com a atenção necessária por conta do regime de urgência com que tramita o processo na Assembleia Legislativa.

Se nós perdemos, quem ganha com as mudanças?
É importante salientar que essas alterações têm alguns destinatários bastante visíveis. O setor de mineração – que tem hoje por expoente quatro megaprojetos que ameaçam a sociobiodiversidade gaúcha (Mina Guaíba/Copelmi; Lavras do Sul/Águia; Caçapava do Sul/Nexa-Votorantim; São José do Norte/Rio Grande), mas que avança com 5.192 requerimentos para pesquisa mineral por todo o estado –, o setor de infraestrutura – que tenta construir um porto privado nas proximidades de Torres, em meio a áreas indígenas, em solo, e em rota de migração de inúmeros animais marinhos, como as baleias – e o agronegócio são especialmente beneficiados pelas mudanças propostas. Seja pelas mudanças no licenciamento ambiental, seja pelo aumento do poder discricionário do órgão político nas decisões ambientais, seja ainda por retirar entraves à implementação de projetos e beneficiar infratores e criminosos ambientais, quem realmente vai ganhar com esse código, se aprovado, são as grandes multinacionais das commodities e da infraestrutura, às custas das populações humanas e não humanas que habitam esses territórios e que verão suas vidas frontalmente ameaçadas pela necessidade de lucros altos e rápidos.

O estado do Rio Grande do Sul, que uma vez foi pioneiro na criação de mecanismos de proteção ambiental, com ampla participação democrática e respeito aos critérios técnicos provenientes da prática e da pesquisa, hoje se vê na vanguarda do atraso ao insistir na reprimarização da economia, ao apostar em uma matriz energética suja e ineficiente e em restringir a conservação ambiental no estado. A postura reativa adotada no novo código proposto, de responder somente após o surgimento dos problemas, em vez de preveni-los, acabará por combalir ainda mais o meio ambiente já fragilizado do estado – trazendo consequências negativas da saúde da população até mesmo à economia gaúcha. Se hoje se verifica um tímido aumento na cobertura nativa do estado, especialmente em região de Mata Atlântica, é decorrência direta do atual Código Estadual de Meio Ambiente, bem como do esforço de milhares de pessoas​, diversas organizações e movimentos sociais que lutam todos os dias pela conservação da natureza em nosso estado. Da forma como foi proposto, o novo código ameaça diretamente esses pequenos avanços, colocando em risco concreto a atual e as futuras gerações de humanos, sem mencionar as incontáveis populações de espécies da fauna e flora, além da própria fisionomia do Rio Grande do Sul. Fica ainda uma questão a ser respondida pelo governador Eduardo Leite: se o Estado não tem condições de garantir os prazos de licenciamento por falta de recursos, financeiros e humanos, para exercer a fiscalização, como pode ser lógico, racional ou “moderno” apostar todas as fichas na fiscalização posterior dos empreendimentos?

Pela soberania dos povos sobre seus territórios!
Enfatizamos que há alternativas reais para conservar o meio ambiente garantindo dignidade e soberania para os povos. Investir na agroecologia para a Soberania Alimentar e nas energias renováveis descentralizadas para Soberania Energética; ampliar a cobertura vegetal nativa do Estado, por meio da conservação e restauração ambiental, para estabilizar o clima e recuperar a biodiversidade​, respeitando os modos de vida tradicional dos povos; retirar incentivos fiscais para poluidores ambientais e cobrar as multas e responsabilizar efetivamente os criminosos ambientais pela recuperação dos danos promovidos; recuperar e ampliar o quadro técnico dos órgãos ambientais do Estado. Todas essas são ações que, em médio e longo prazo, trarão retornos significativos em termos de qualidade de vida, saúde e mesmo desenvolvimento econômico para o Estado. É preciso, contudo, ter visão estratégica e debater com todos os setores envolvidos, com participação popular para construirmos uma sociedade com o meio ambiente equilibrado e saudável. E pra isso se necessita tempo. Retire esse PL destrutivo, retire o regime de urgência de sua tramitação e DIALOGA, EDUARDO LEITE!

Abaixo, algumas imagens de ontem, na audiência “pública” (participação limitada com a distribuição de senhas):

Fotos: Amigos da Terra Brasil / Heitor Jardim (mais aqui: https://www.flickr.com/gp/hjardim/Df9z2b)

Semana contundente de negociações da ONU chega ao fim com ameaças à participação da sociedade civil

Os povos continuam em resistência contra opoder e a impunidade das empresas 

As negociações da ONU terminaram esse ano após uma semana de discussões sobre o conteúdo do texto para a elaboração de um tratado vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos. O processo vai se consolidando ano a ano e, contrariamente ao que ocorreu nos anos anteriores, nenhum Estado questionou sua continuidade.

É encorajador notar que nesta quinta sessão muitas delegações participaram de forma mais ativa e positiva, garantindo maior ambição em termos de texto e o retorno de vários elementos que estavam no centro da Resolução 26/9, mas que haviam desaparecido do projeto rascunho do revisado este ano.”  

Alberto Villarreal, de Amigos da Terra América Latina e Caribe.

No entanto, algumas delegações continuam determinadas a enfraquecer o texto, e a maioria dos países de origem das principais transnacionais não participa. Portanto, encorajamos mais delegações governamentais a participarem de forma construtiva.

O rascunho revisado está longe de se tornar um tratado efetivo. É muito fraco para cumprir com os objetivos do mandato do grupo de trabalho: regular as empresas transnacionais, impedir que violem os direitos humanos e destruam o meio ambiente e garantir acesso à justiça e indenização para os povos afetados.” 

Juliette Renaud, de Amigos da Terra Europa.

O tratado deve tratar do seguinte: enfocar-se nas corporações transnacionais e outras empresas de caráter transnacional; garantir a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de comércio e o investimento; estabelecer obrigações diretas para empresas transnacionais; fixar a responsabilidade das empresas-matrizes sobre suas subsidiárias, as empresas controladas por elas e todas as entidades que formem parte de sua cadeia de valor; garantir sólidos mecanismos de implementação, incluindo um Tribunal Internacional; fortalecer os direitos das comunidades afetadas; e oferecer proteção contra a captura corporativa.

Essas reivindicações são uma síntese da proposta de tratado elaborado pela Campanha Global, juntamente com os movimentos sociais e os povos afetados, que estiveram presentes este ano de maneira massiva.

Mais uma vez, a sociedade civil tem sido crucial na mobilização em nível nacional para garantir que os Estados estejam envolvidos no processo e apresentar propostas concretas a fim de que se aprove o tratado juridicamente vinculante que necessitamos, para que as empresas transnacionais prestem contas e os povos possam ter acesso à justiça.

Na última sessão, alguns Estados tentaram excluir a participação da sociedade civil das próximas etapas da negociação. Ficamos felizes em ver como os outros Estados defenderam o valor das contribuições da sociedade civil e a importância de se ter um processo transparente.” 

Letícia Paranhos, coordenadora do programa de Justiça Econômica de Amigos da Terra Internacional.

As discussões foram muito mais técnicas este ano e focadas no texto do tratado em . De qualquer forma, a voz da sociedade civil é extremamente importante. É o que garantirá que este seja verdadeiramente um tratado dos povos.”

Erika Mendes de Amigos da Terra África.

Continuaremos a impulsionar esse processo. É necessário enfatizar com que urgência esse tratado é necessário e agir em conformidade, especialmente à luz do fato de que as defensoras e os defensores de direitos humanos e ambientais permanecem ameaçados e estão sujeitos a ataques, intimidação, silenciamento e assassinato, enquanto as empresas as transnacionais continuam a gozar de impunidade e seu poder se aprofunda em todo o mundo.”

Pochoy Labog, de Amigos da Terra Ásia-Pacífico.


Não permitiremos que o projeto de tratado perca de vista o mandato ou tente silenciar as vozes dos povos. A partir de agora, as negociações deverão tomar como base o mandato da Resolução 26/9 e o conjunto de propostas de texto apresentadas pelos Estados e pela sociedade civil nesta quinta sessão. 

Continuaremos a lutar por um tratado eficaz, um tratado que acabe com a impunidade das empresas, um tratado de e para os povos. 

Contatos para os meios de comunicação:

Leticia Paranhos, coordenadora do programa de Justiça Econômica, Amigos da Terra Internacional, do Brasil: (português, espanhol)
leticia@foei.org  
+ 55 51 999515663

Alberto Villarreal, campanhista sobre Comercio e Investimentos, Amigos da Terra América Latina e Caribe, do Uruguay (espanhol, inglês):
comerc@redes.org.uy
+598 98 556 360

Erika Mendes, Amigos da Terra África, de Moçambique (inglês, português)
erikasmendes@gmail.com
+258 82 473 6210

Juliette Renaud, Amigos da Terra Europa, da França(inglês, francês, espanhol)
juliette.renaud@amisdelaterre.org
+33 6 37 65 56 40

Pochoy Labog, Amigos da Terra Ásia-Pacífico, de Filipinas (inglês)
pochoylab@gmail.com
+639178691799

Para consultas gerais por parte dos meios de comunicação:
Amelia Collins, coordenadora de comunicações de Amigos da Terra Internacional
press@foei.org

Remoções na Vila Nazaré são forçadas, reafirmam MPF, MPE, DPU e DPE

Em agravo de instrumento à primeira decisão judicial, instituições se dizem “inconformadas” e reafirmam que as remoções das famílias da Nazaré são forçadas. Não há qualquer plano de reassentamento. Além disso, uma nova alternativa deve ser ofertada pela Fraport, frente à recusa das famílias de irem ao Loteamento Irmãos Marista, no Timbaúva.

A remoção forçada dos moradores da Vila Nazaré é ilegal porque viola, além de direitos constitucionais fundamentais, também a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre por “(i) não consultar a população envolvida (ignorar completamente em verdade); (ii) removê-la para área distante em (iii) evidente prejuízo ao acesso da população impactada aos equipamentos públicos; (iv) comprometer a geração de renda de muitos, em especial os que trabalham com reciclagem de resíduos sólidos.”. A decisão consta em recurso exposto na última quarta-feira por Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública do Estado (RS) no processo de remoção enfrentado pelas cerca de 1.300 famílias que ali vivem, trabalham e estudam (acesse aqui a íntegra do documento – a chave de acesso é 6B31A085.89EE77C9.6F3B4320.961F13DD).

Há quase uma década, os moradores da Vila Nazaré não sabem se continuarão vivendo na terra onde muitos nasceram, cresceram, criaram filhos e netos. Hoje, o processo de “reassentamento”, iniciado em 2010, é de responsabilidade da empresa alemã Fraport, que recebeu concessão público-privada de parte do Aeroporto Salgado Filho. Empresa essa que segue omitindo informações dos moradores e da Justiça, em um processo obscuro e de violação de uma série de direitos básicos – à moradia, ao trabalho, à educação, à saúde e à segurança, para citar alguns. Com a pressão e persistência da Amovin (Associação dos Moradores da Vila Nazaré) e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), órgãos como os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas defendem a dignidade humana das famílias que nunca quiseram sair de suas casas.

Segundo o recurso do MPF e demais entidades, a empresa alemã Fraport, bem como o Município de Porto Alegre, não podem realizar qualquer tipo de remoção, realocação ou reassentamento antes de apresentarem um Plano de Reassentamento validado na comunidade adequado em que “publicamente sejam expostos os critérios de seleção utilizados para cada uma das opções habitacionais ofertadas” e antes de concluírem o cadastro integral das famílias residentes na Vila Nazaré. O Demhab (Departamento Municipal de Habitação) inclusive se negou (por meio do ofício 146-2019-GDG) a encaminhar uma cópia do documento que registra os cadastramentos solicitada pelo MPF, demonstrando mais uma vez a obscuridade e falta de transparência não só com a população, mas também com a justiça.

O recurso apresentado ainda solicita que a Fraport “apresente, no prazo de 10 dias, proposta de solução habitacional que abranja a totalidade das famílias componentes da Vila Nazaré, proposta essa que deve ser adequada aos moradores e respeitar seu direito de escolha, garantindo-se a isonomia de tratamento inclusive com relação às opções disponíveis, e com indicação de valores adequados e suficientes, utilizando-se como parâmetro aqueles indicados pelo EVITEA, bem como garantindo a continuidade dos meios de geração de renda das famílias, conforme o exposto, respeitando a adequação e identificação territorial e cultural da comunidade, bem como seu direito a escolha (…)”.

Um dos principais direitos violados nessa tentativa de remoção é o direito ao trabalho. Aproximadamente 30% do total das famílias garantem sua renda com a reciclagem e utilizam o espaço de suas casas, do entorno e das unidades de triagem localizadas na Vila Nazaré para trabalhar. No empreendimento Irmãos Maristas (localizado no Bairro Rubem Berta/Timbaúva), uma das opções de realocamento das famílias oferecidas pela Fraport e Demhab, não há sequer estrutura para a realização dessas atividades, comprometendo o sustento das famílias e, em função disso, sua permanência no local. A opção é insustentável, sua localização é perigosa e a maioria dos moradores da Vila Nazaré já deixou seu recado: “Timbaúva não!”.

A empresa Itazi, contratada pela Fraport para realizar o cadastramento das famílias, desrespeitou acordo extrajudicial com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (de 16 de março de 2018) em que a população deveria ser consultada se gostaria ou não de ser realocada no Timbaúva.

Outros direitos sociais das famílias também podem retroceder com o processo de remoção, como o direito à segurança – o loteamento Timbaúva fica localizado em um território marcado por guerras de facções criminosas; o direito à educação – não houve nenhuma medida para garantir a matrícula de crianças e jovens nas escolas da região; o direito à saúde – não foi construído qualquer unidade de saúde para a comunidade e não há garantia alguma do Poder Público de estrutura mínima para atender a nova demanda de cidadãos no local, aproximadamente 5 mil pessoas.

Como solução parcial e imediata, O MPF, a DPU, a DPE e o MPE solicitam:

– a apresentação de um plano de reassentamento a toda a comunidade remanescente na Vila Nazaré, em reunião pública, que contemple solução alternativa aos empreendimentos Minha Casa, Minha Vida (a título de exemplo, compra assistida ou bônus moradia, em valor compatível com os estudos prévios à concessão);
– a disponibilização, concomitante ao reassentamento, de local e infraestrutura adequada e em quantidade suficiente a todas as atividades de geração de renda, incluída reciclagem (com garantia de entrega permanente de resíduos sólidos, dada a distância do local do empreendimento, a exemplo do estabelecido no TAC da Vila Chocolatão), exercidas pelas famílias que optarem pelos empreendimentos Minha Casa Minha Vida;
– a disponibilização, concomitante ao reassentamento, de serviços públicos de creche, escola e Unidade Básica de Saúde (local, profissionais, equipamentos) suficientes ao porte dos empreendimentos Minha Casa Minha Vida;
– imediata realização do trabalho social junto aos moradores da Vila Nazaré;

A comunidade da Vila Nazaré segue mobilizada na luta por seus direitos: que a Fraport assuma suas obrigações contratuais e respeite a lei brasileira!

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