No dia 14 de abril ocorreu o terceiro Ayvu’ Porã, o Fórum das Retomadas Guarani do RS. Aberto ao público, o encontro ocorreu na Retomada Nhe’engatu, em Viamão (RS), e alçou vozes mbyá guarani por dignidade, direitos e ancestralidade. Esse foi o último encontro de uma série que reuniu lideranças territoriais desde 2024. Nele, um documento com a síntese dos fóruns anteriores, onde constam demandas dos mbyá guarani, foi entregue aos presentes como convocatória para o fortalecimento das #retomadas.
Estiveram presentes territórios das retomadas do RS, aliades e representantes do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi), Secretaria do Desenvolvimento Rural (SDR), Aepim, Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG RS), Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Observatório Indigenista, Iphan, Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (Iecam) e Cimi-Sul.
📽️ No vídeo, os caciques Eloir Werá Xondaro (Retomada Nhe’engatu) e Timóteo Karai Mirim (Retomada Tekoá Yjere), Arnildo Werá (coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa-CGY), e Fernando Campos (ATBr), falam sobre o Ayvu’ Porã:
No encontro foram relatadas dificuldades do cotidiano, atravessado por violência e falta de acesso a direitos básicos como à água, moradia, saneamento e educação. Perpassando todo debate, foi evocada a importância do guatá (caminhar) mbyá guarani, que gera retomadas. Essas são o retorno para os territórios ancestrais dos antepassados, num ato de resistir e manter viva a cultura. Na tecitura do retomar pulsa o bem viver, e se faz a conservação da natureza e da vida em sua multiplicidade – com a guardiania de sementes ancestrais, no cultivo da terra e das relações comunitárias, no erguer de opys (casas de reza), na feitura de artesanias e na partilha. Como disse o cacique Eloir, é: “Plantar o próprio guarani dentro do território”.
Também foram abordados temas como #demarcação, reintegração de posse, ameaças como a especulação imobiliária, mineração e o agronegócio e a necessidade de juruás (não indígenas) assumirem responsabilidade na aliança em defesa da terra, da vida e dos territórios indígenas.
As formas de organização social e de vida dos povos da terra são uma afronta aos projetos de morte do capitalismo, sistema que promove e se mantém na base da competição, propriedade privada e desigualdade, princípios opostos às cosmologias e valores mbyá guarani. Num planeta ora em chamas, ora submerso devido aos efeitos extremos causados pela emergência climática, a resposta para frear o colapso ecológico está na defesa de #direitosparaospovos. É preciso reparação histórica, numa solidariedade real e radical em apoio às #retomadas e #territóriosdevida. Num mundo atravessado pela lógica da mercadoria, que produz o colapso ecológico e de valores, urge fazer valer o direito de ser e seguir existindo como mbyá guarani.
Leia na íntegra o documento com as reivindicações Mbyá Guarani, formuladas pelos territórios ao longo do Fórum das Retomadas e entregue para as instituições: Ayvu’ Porã Retomadas Mbyá no RS
Ocupar corações e mentes – retomada da percepção da luta em unidade
“Que pessoa eu sou se eu não lutar pelo bem, pelo belo, pelo direito de ser e existir do meu povo?” – Ìyálaṣé Yashodhan Abya Yala
Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 na Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) | Foto: Fabiana Reinholz
Nos dias 17, 18 e 19 de janeiro de 2025, a Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz), convida para atividades da 10ª edição do Okan Ilu, um encontro político, espiritual e cultural para celebrar a vida em toda sua diversidade e potência. Por uma solidariedade real e radical, este é um chamamento para juventudes, povos indígenas, kilombolas, ribeirinhos e tradicionais, assentadas da reforma agrária, ocupações, movimentos sociais, população LGBTQIAP+, coletivos culturais, e defensores da terra para fazerem presença, em comum(u)nidade na luta pelo direito de ser e existir de seus corpos, povos e territórios. O encontro acontecerá nesta sexta-feira (17) em Porto Alegre, no CRIA (Centro de Referência Indígena), e terá continuidade no sábado (18) e no domingo (19), na CoMPaz, em Triunfo (RS).
O Okan Ilu é uma confluência entre povos indígenas, kilombolas, periféricos e juventudes em luta por território, autonomia e dignidade. Um encontro entre povos que fazem viva a ancestralidade no toque com o tambor, no cortejo que traz ao lado a memória das mais velhas e semeia o futuro, no akilombar. Povos das aldeias e retomadas originárias, que insistem em dizer seus nomes e que a terra não é mercadoria. Povos que atravessam a violência produzindo alimentos sem veneno em assentamentos da reforma agrária. Gentes que fazem e são acolhida, arte-resistência nas periferias e ocupações que lutam por moradia. É a convergência e ressonância entre quem faz os enfrentamentos para garantir a paz e o zelo de seus territórios de vida, ameaçados por uma série de projetos de morte do capital.
É um momento de denúncia das violações que seguem ocorrendo contra os povos, mas é, sobretudo, o anúncio de que outros horizontes, com base no envolvimento, no cuidado, no coabitar, no respeito à natureza e na coletividade, são possíveis e vêm sendo construídos. É memória viva, e é também um ato de restabelecimento entre territórios, para os seus fortalecimentos mútuos, de suas gentes e seres -assim como do sonho, da aliança, e da preparação para a luta.
Neste ano, durante os dias 17, 18 e 19, as atividades do Okan Ilu estão organizadas abordando temáticas específicas que se conectam. Entre elas, se enraízam as partilhas sobre a ancestralidade, a história, os corpos percussivos, a resistência dos povos, corpos-territórios e a perspectiva de encantamento e diálogo com as juventudes. Por meio da arte e da cultura, conectando todos os momentos, está o tema que rege este Okan Ilu: Ocupar corações e mentes: retomada da percepção da luta em unidade.
Nesse entrelaçar de culturas e saberes, o som será o guia. Ele faz chão para as próximas gerações, ao mesmo tempo que evoca e faz presentes as histórias de luta de quem veio muito antes, vibrando num chamado que nutre, que dá ritmo ao sonho por outros mundos possíveis. É acolhimento, resistência, porta-voz da transformação. “O Okan Ilu começou em 2015. E é o momento em que o território celebra o tambor: Okan, o coração, e Ilu, o tambor, na livre tradução do iorubá. E então começa o momento de celebração, de festejo desse ser que para além de instrumento é um ser vivo, espiritual, que historicamente mantém vivas as tradições ancestrais até hoje. O Okan Ilu é esse momento que lança um clamor, vozes múltiplas que ecoam em uníssono pelo direito de ser e existir de seus povos, de seus territórios. Em 2025, a abordagem do Okan Ilu traz a perspectiva da cultura, da ancestralidade como arte, cultura, música, dança, poesia, educação”, expõe Ogan Ayan N’goma Muzunguê, Alabe Khan da Nação Muzunguê e jovem liderança da CoMPaz.
A cultura como manifestação e ação política também tem como intenção ser uma ferramenta, um chamado às juventudes. “ A juventude se afastou muito da luta e é preciso fazer uma retomada, numa luta interseccional, de contexto racial, de classe, de gênero, sexualidade, identidades diversas. É aquilo que Ailton Krenak fala: o futuro É ancestral. Voltar o olhar para os kilombos, aldeias, retomadas, assentamentos, é a única alternativa viável. Esse Okan Ilu, ocupar o coração e as mentes, é muito pensando nessa juventude e de gerações mais recentes muito cooptadas pelo capitalismo, pelo sistema. É pensado no sentido de como reencantar a juventude, como tocá-la. Como re-convocar as juventudes em defesa da vida e reativar os seus propósitos de lutar por seus territórios”, afirma Ayan.
Ecoa o clamor dos povos, o grito da terra Chamamento às atividades do Okan Ilu e à festa da vida
Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 | Foto: Fabiana Reinholz
No dia 17 (sexta-feira) a CoMPaz estará em Porto Alegre (RS), fazendo um movimento do território para fora. Junto aos povos indígenas, a partir das 16h acontecerá um encontro em frente ao Centro de Referência Indígena do RS (CRIA), localizado na Cidade Baixa, na Travessa Comendador Batista, 26. O momento será de manifestar ação, em um chamamento de vida e para sonhar a vida dos povos. Nele haverá uma ManiFestaAção que tem como lema o Levante dos Povos pelo Bem Viver: organizar a esperança, dançar a resistência e curar a vida, seguido do Cortejo das Maracás ocupando as ruas, em celebração às mais velhas e anciãs dos territórios. Marcado por processos culturais, artísticos e poéticos, de onde emerge luta e a espiritualidade, o encontro contará com uma feira com exposição de produtos dos territórios de vida, partilha de alimentos e com a presença de coletividades que também estarão construindo os outros dias do Okan Ilu e a unidade dos povos.
Nos dias 18 e 19, o movimento será de trazer pessoas para o Território de Mãe Preta, e as atividades acontecerão na Comunidade Kilombola Morada da Paz, na BR 386, KM 410, no Distrito de Vendinha, em Triunfo (RS), das 9h às 18h. Para confirmar presença, contatar Ayan no número (51) 98330-8955.
No sábado (18), será abordada a questão do corpo como território – quem somos e o que situa um corpo, o que comunica. Estarão fazendo presença povos que caminham lado a lado, com enfoque nas retomadas e aldeias indígenas de diversas regiões, seja do Rio Grande do Sul, Brasil e de outros países. O dia pautará a luta dos povos em retomadas, o que é um corpo territorializado e um corpo desterritorializado, entendendo o que e a quem proteger. Também será celebrado um levante matricial nos cacicados indígenas. Com muito fluxo de energia, a data reflete sobre como colocar o corpo no mundo e sinalizar para fora a potência que há nos corpos dos povos indígenas, kilombolas, periféricos, pessoas trans, não binárias, em toda diversidade de formas de ser e expressar.
O domingo (19), fará um retorno ao princípio do Okan Ilu. Como explica Ayan N’goma Muzunguê, Alabe Khan da Nação Muzunguê e jovem liderança da CoMPaz, a data: “Pensa o tambor falante, o som que ressoa no coração e passa pelo corpo, que é o porta voz das histórias – histórias de muito antes, histórias do amanhã, num tempo de conexão, comumunidade e resgate. Queremos potencializar a questão do som e todas formas de percussão, o corpo percussivo, a poesia, para além da área temática da música, que está em todas manifestações do nosso coração”. Grupos artísticos, percussivos, que trabalham a questão do som como ferramenta de luta e condutor de vida de diversas partes do Brasil estarão presentes, assim como coletivos de arte educação, comunicação e projetos sociais com crianças e juventudes a partir da arte e da cultura.
As datas marcam esse encontro percussivo entre juventudes e territórios de vida, assim como faz a renovação das alianças que vêm sendo construídas de outras caminhadas que mantém viva a luta negra, indígena e afrobrasileira. A partilha será de conhecimentos sobre instrumentos, do som, do fazer e do toque que ressoa no encontro de percussões. Na partilha dessas experiências e experimentações, vão se construindo alianças das histórias de vida e desses tambores que confluem no Okan Ilu.
“A cultura é acolhimento, é deixar passar pelo corpo, ter a luta e o que precisa ser dito dito em diversidade, lutando uma guerra em várias frentes. A Ya traz que com a questão da BR nos colocamos em sentido de guerra. Ao contrário de quem fala em paz mas quer guerra, falamos de guerra para salvaguarda deste território”, afirma Ayan. O Okan Ilu é: “O poder da continuidade dos conhecimentos ancestrais, para que eles possam nos auxiliar a enfrentar os dias de hoje com dignidade, sabendo de onde viemos e quem somos.”
Solidariedade das lutas na concentração para a Parada da Légua, durante o Okan Ilu 2024 | Foto: Carolina Colorio
A Comunidade Kilombola Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) está localizada no distrito de Vendinha – entre Montenegro e Triunfo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e está sendo diretamente afetada pelo empreendimento de ampliação da BR-386, a menos de 500 metros do seu território. A expansão da BR, assim como do monocultivo de eucaliptos na região, somada a projeto de implementação de um lixão industrial de resíduos tóxicos e a instalação da central de pesagem ameaçam a comunidade, que resiste e se torna uma ilha de vida, um refúgio para onde seres migram quando têm seus territórios devastados. Em articulação com outros territórios de vida, a comunidade traz a conotação política em seus ritos, especialmente após 2020, quando em plena pandemia recebeu a notícia da ampliação da BR e agiu para barrar a légua. Nessa luta, que se irmana com tantas outras, a CoMPaz firma um processo de fortalecimento territorial radical e lembra que ninguém está só. O Okan Ilu reaviva essa memória de enfrentamento e tantas outras, consolidando um apoio mútuo entre territórios em defesa da terra e da natureza.
Esta é uma convocatória à caminhada coletiva, ao rito do tambor que emana o som da vida, para construir caminhos num encontro entre gerações para quem vem num movimento cultural de enfrentamento. Um chamado para retornar às memórias da ancestralidade, a manter aceso o fogo de uma força milenar que está com os povos na construção e busca pela dignidade. A todes, todas e todos que sentem vibrar no coração o ritmo da luta, que são tocados pelo som da vida e trazem no enfrentamento o celebrar, fortalecendo essa potência.
Ecoa o clamor dos povos, o grito da terra. É tempo de combate em Território de Mãe Preta, que se expande onde a festa da vida te convida a ser com, a acontecer. Venha compor em união aos povos, aos guardiões dos territórios, à terra, ao fogo, aos ventos e folhas, serpenteando com as águas que sempre encontram um caminho. Este é um chamado para ser parte nesse movimento de multidiversidade que tem em comum a defesa das vidas. Te esperamos nesse encontro e encaminhamento, para confluirmos, nos fortalecermos e saudarmos o tambor do coração.
Vitória! Este 21 de setembro é um dia histórico aos indígenas e não indígenas do Brasil. O STF (Supremo Tribunal Federal) invalidou a tese do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas.
A Corte do STF começou a analisar o tema em 2021, tendo sido suspenso naquele ano e retomado agora em 2023. Esta decisão é muito importante, pois repercutirá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estão sendo discutidos ou que poderiam ser questionados na Justiça.
Marco Temporal é uma tese jurídica que restringia o direito dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. Atualmente, existem cerca de 300 processos de demarcação, os quais serão influenciados por essa decisão do STF.
A Amigas da Terra Brasil saúda a todos os povos indígenas do Brasil e às suas organizações que, após muita mobilização e pressão, vencem uma grande batalha nesta guerra que perdura desde 1.500. Afinal, o que está em jogo são os territórios de vida e não do capital.
É preciso seguir em alerta para as novas propostas trazidas durante o julgamento no STF e a outras tentativas judiciais, assim como no parlamento, que tentem flexibilizar o Marco Temporal e atacar os direitos dos povos originários e seus territórios. A luta segue pela demarcação das terras indígenas, por reparação histórica, pela manutenção da biodiversidade e em defesa da vida de todos e de todas nós.