Animações explicam o que é economia feminista e princípios da sua construção na agenda de movimentos sociais

Está chegando o dia #8M, data que marca globalmente as jornadas de luta do feminismo popular,  construído diariamente nos territórios. De forma propositiva, a @capiremov, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Amigos da Terra Internacional produziram duas animações que abordam a economia feminista, expondo também os princípios para a construção desta na agenda dos movimentos sociais e na construção de uma mudança de sistema. De forma criativa e lúdica, os vídeos se propõe a explicar o conceito e introduzir alguns princípios feministas, sendo recomendados para o uso de movimentos sociais em suas atividades de formação.

O que é a economia feminista?

 A Economia feminista é uma estratégia política para transformar a sociedade e as relações entre pessoas e pessoas e a natureza. Passa por reconhecer e reorganizar o trabalho doméstico e do cuidado, que dentro do patriarcado recaem com força sobre as mulheres. É, ainda, uma resposta à atual crise econômica, ambiental e social. 

As mulheres são sujeitos econômicos e protagonistas na luta contra o modelo econômico dominante. A economia feminista aponta o trabalho que sustenta a vida e a produção econômica, evidenciando todas as pessoas que o fazem – sendo a maioria delas mulheres, pessoas negras e imigrantes.

 É uma economia que se propõe ainda a reorganizar as relações de trabalho, de gênero e raciais na nossa sociedade, fazendo com que o trabalho de cuidado se torne uma responsabilidade compartilhada entre todas as pessoas e o Estado. Ponto que passa tanto por discussões de políticas públicas, retomada de espaços comuns, frear as privatizações e a atransformação de bens comuns como a água e a energia em mercadorias, revogações de medidas de retirada de direitos de pessoas trabalhadoras, mais direitos, qualidade de vida, educação e saúde públicos gratuitos e de qualidade para todas as pessoas. 

Na economia feminista, a sustentabilidade da vida está no centro. Isto significa priorizar as necessidades dos povos e dos territórios ao invés do lucro. Os cuidados são uma necessidade humana fundamental. Todas as pessoas são vulneráveis e interdependentes. Todo mundo precisa de cuidados ao longo da vida, independente da idade ou do estado de saúde.  E para além disso, os trabalhos conectados a essa esfera são de baixa intensidade ecológica, não exigindo extração de recursos da natureza em larga escala e podendo se aliar a uma transição energética, climática e ecológica realmente justa. 

Economia feminista, sociedade sustentável e sociedade do cuidado 

Para transformar nosso atual modelo econômico, precisamos fazer da solidariedade e da reciprocidade uma prática nas nossas vidas, nos nossos movimentos e nos nossos esforços políticos cotidianos. A economia feminista nos lembra que a biodiversidade é fruto da relação com as povos tradicionais e seus modos de vida. Devemos respeitar o ciclo de regeneração da natureza e repensar nossa relação com a alimentação, valorizando práticas agrícolas e culinárias locais e garantindo que as comunidades tenham meios de cultivar alimentos em seus próprios territórios. A economia feminista propõe uma alternativa de sociedade construída a partir da centralidade da sustentabilidade da vida, da interdependência e ecodependência.

Uma sociedade sustentável precisa ser uma sociedade do cuidado, mas um cuidado fora das amarras do capital. Assinalar a importância do trabalho de cuidado, que sustenta a vida de todas, todes e todos é um passo para a valorização deste e para a construção de outras formas de se relacionar.

A economia feminista apresenta ainda atividades compatíveis com a redução da exploração de recursos, o que aponta uma saída para um crescimento econômico clássico, pautado pelo acúmulo infinito de capital em um planeta finito. Processo que se dá por meio da superexploração do trabalho e da natureza, do ecocídio, da criação de zonas de sacrifício, do racismo ambiental e da extinção.

O modelo capitalista divide a nossa sociedade entre as esferas de produção e reprodução da vida, isso faz com que pareça que pareçam coisas independentes. O trabalho que tem relação com o dinheiro é considerado produtivo e a sociedade o valoriza. Já o trabalho doméstico e de cuidados é considerado reprodutivo. E apesar de ser fundamental para sustentar a vida, é invisível para a sociedade e não é considerado parte da economia. A economia tradicional se constrói dentro desse modelo, privilegiando as experiências dos homens e negando as das mulheres. A Economia feminista torna visíveis todos os trabalhos que sustentam a vida, sendo o trabalho reprodutivo fundamental para que o próprio trabalho produtivo aconteça. Não há separação.

A economia dentro da economia feminista, portanto, é o modo como garantimos a vida. Sem cuidados e sem alimentos, por exemplo, não há economia  e nem  vida possível. Por isso a economia feminista reconhece e valoriza os trabalhos de cuidado como parte da economia. E vai mais além: reorganizando esse trabalho pra que seja de todas pessoas, coletivo, e para que hajam políticas públicas a respeito.

O capitalismo se desenvolveu às custas da exploração da natureza e do tempo das pessoas. Tudo em função do mercado. Na África, Ásia e na América Latina as pessoas foram expulsas de suas terras para dar lugar a monocultivos de alimentos e agrocombustíveis para a exportação. Empresas minerárias contaminam as águas, seguem destruindo a diversidade da natureza e colocam em risco a vida de quem vive em territórios próximos. Não é casualidade que nessas áreas de disputa apareçam conflitos armados e as mulheres enfrentem muita violência.

Nas cidades, grandes empresas construtoras se beneficiam com a especulação imobiliária. Para isso, desalojam pessoas de seus lares e comunidades para construir grandes projetos que afetam sobretudo as populações periféricas, migrantes, negras e indígenas. E quem segura as pontas nas comunidades, garantindo que todo mundo tenha habitação, comida e cuidado, são as mulheres.

Para manter as taxas de lucro das grandes empresas, a exigência é de mais trabalho, com menos direitos e mais vigilância. Na lógica da ganancia transformam os bens comuns em mercadorias e superexploram o trabalho das pessoas. Quando menos esperamos, o que era público vira propriedade privada, o que era de acesso comum passa a ser só para quem pode pagar.

Mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas com o trabalho em casa e fora de casa, da reprodução e produção da vida. E com um olhar para a ecomomia feminista, a partir do cotidiano de quem cuida da vida, é evidente que os tempos e as lógicas de vida, da natureza, são incompatíveis com os ritmos do capital.

Além de ser muito  invisibilizado, muitas vezes o trabalho de cuidado é não renumerado ou mal renumerado, trazendo ainda mais violências para o cotidiano de quem historicamente assume essa responsabilidade. Situações como a da pandemia de covid-19 escancaram o quão imprescindível é uma economia que tenha o cuidado em primeiro plano, pautando um modo de vida solidário, com o fortalecimento dos espaços comuns, de escolas, creches, lavanderias, hortas e cozinhas comunitárias.

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 01”:

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 02”:

Fonte: Capire 

 Leia também a nossa última coluna no Jornal Brasil de Fato, que também aborda o tema.

 

Rodas de conversa da AFP: enfrentamento à fome, à violência e construção de soberania alimentar

A Aliança Feminismo Popular constrói, junto às mulheres, espaços de diálogos pelo fim da violência contra a mulher, do racismo estrutural, da falta de moradia e da fome. No mês de novembro, as companheiras relembraram a luta contra o racismo com o Dia da Consciência Negra (20) e o Dia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres (25), ressaltando que a luta é diária.
 
A Aliança também denuncia o absoluto descaso do governo federal frente às desigualdades e a falta de políticas públicas, pois a violência ocorre em todos os lugares e atinge mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. E a sua raiz está no sistema capitalista, patriarcal e racista, que exerce controle, apropriação e exploração do corpo, da vida e da sexualidade.
 
Esse debate é permanente na agenda da Aliança Feminismo Popular, que salienta que a violência não é um fenômeno isolado e individual de um homem contra uma mulher. Mas sim um instrumento de controle e de disciplina do corpo, da vida e do trabalho das mulheres.
 

No mês de novembro, para avivar a luta e memorar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta Contra a Violência às Mulheres, a Aliança Feminismo Popular preparou o vídeo abaixo.

A coordenadora da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos, lê um trecho do manifesto publicado pela AFP para marcar a data:

Clique aqui e confira o manifesto preparado pela Aliança Feminismo Popular na íntegra

Em dezembro deste ano, dando continuidade às pautas de novembro, que são cotidianas na vida de todas nós, a AFP realizou atividades com mulheres em Porto Alegre (RS). Marcadas por dois encontros e muita construção coletiva.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No dia 15 aconteceu uma roda de conversa com as mulheres da Cozinha Solidária da Azenha, projeto do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) que desde o início da pandemia de Covid-19 assegurou, em Porto Alegre, de 200 a 250 almoços diários para a população em vulnerabilidade. A Cozinha Solidária da Azenha se soma a outras 31 Cozinhas Solidárias do MTST espalhadas pelo Brasil, e ao longo do ano, com carinho e afeto, distribuiu mais de 1,5 milhões de refeições gratuitamente.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Conheça mais sobre a Cozinha Solidária da Azenha aqui

Cerca de 15 mulheres que tocam o cotidiano da cozinha e são responsáveis pela organização e limpeza do espaço, pelo preparo das refeições e atendimento à população que circula por ali estiveram presentes, além das representantes da AFP. Conversaram sobre a dura condição das mulheres nesta sociedade capitalista e patriarcal e as violências que sofrem.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No encontro, assistiram ao vídeo da Campanha Sem Culpa, Nem Desculpa, lançada pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), em 2017. Ambas são organizações feministas que abordam de forma geral como a violência afeta a vida das mulheres, assim como as formas e formatos de violência que incidem em nossos cotidianos.

Abaixo você confere o vídeo Sem Culpa, Nem Desculpa:

A AFP também fez a entrega de kits de higiene para as companheiras da Cozinha Solidária. Todas ficaram comprometidas em buscar um outro momento para avançar na auto-organização das mulheres.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Dando sequência, o dia 18 de dezembro contou com mais uma roda de conversa, dessa vez com as mulheres envolvidas no projeto da horta comunitária do Morro da Cruz. A horta está completando dois anos de existência, e começou na pandemia devido à necessidade de fazer enfrentamento às situações de fome e insegurança alimentar.

Roda de conversa na Horta Comunitária do Morro da Cruz

Para além da resistência, e como anúncio de novas possibilidades para a alimentação, a Aliança pauta ainda a construção da soberania alimentar. Tendo isso em vista, desde 2020, teve início a construção de uma horta em espaço público da comunidade, que antes era utilizado como estacionamento de carros.

E assim vem se fortalecendo a organização das mulheres no espaço, que em dois anos conta com cerca de vinte companheiras com as suas famílias – entre crianças e companheiros, que também se envolvem nos debates e construções. O dia 18 foi um momento de confraternização e encerramento do ano, e contou também com a roda de conversa sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres, tema que perpassa a vida das mulheres e de suas famílias. Ainda nessa perspectiva, este dia também contou com apresentação e diálogo sobre o filme “Sem culpa nem desculpa”.

Horta Comunitária do Morro da Cruz

Tendo em vista que muitas vezes a falta de dinheiro pressupõe priorizar a comida ao invés de absorventes ou produtos de higiene, que ajudam na vida das companheiras, a Aliança distribuiu novamente kits de higiene neste encontro. Uma ação que também foi voltada a um resgate de processos de autocuidado e de autoestima das companheiras. Em conexão com outra pauta fundamental da horta comunitária, que é a alimentação, também foram distribuídos alimentos do Movimento Sem Terra (MST), que em aliança constante e solidariedade com a AFP constrói momentos assim. Feijão, arroz, leite e farinha láctea compuseram o kit alimentar.

Entrega de kits na Horta Comunitária do Morro da Cruz

O momento contou com cerca de 15 mulheres. A maioria segue participando dessa construção de luta desde o início: se auto organizando, se sentindo cada vez mais um grupo, e se percebendo em um espaço de segurança para conversar. E, sobretudo, para pensar a alimentação, no caso da horta, como um fomentador para o debate do feminismo e da vida cotidiana das mulheres na periferia de Porto Alegre.

A violência contra a mulher não é o mundo que queremos. O fortalecimento do feminismo popular segue, assim como a luta contra a exploração, as opressões, o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Estamos juntas para transformar o mundo.

Não deixe de acompanhar o blog da Aliança Feminismo Popular, onde é possível conhecer as construções coletivas e de luta das companheiras

 

A violência contra a mulher não é o mundo que a gente quer

A Aliança Feminismo Popular desde seu início tem se pautado na luta pela autonomia das mulheres em seus territórios, o enfrentamento às múltiplas crises sistêmicas ao mesmo tempo em que tem construído junto às mulheres espaços de diálogos para um olhar coletivo para a problemática da violência e do racismo estrutural.

Nestes dias de ativismo que vão desde o 20 de novembro – Dia da Consciência Negra e passa pelo 25 de novembro – Dia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres – denunciamos a misoginia, o racismo estrutural, o feminicídio também como uma forma de mostrar o absoluto descaso do governo federal frente às desigualdades e a falta de politicas públicas que respondam a tudo isto. E o que é ainda mais grave, o avanço da extrema direita, com o aval do Governo Federal, trouxe ainda mais insegurança e violência para a vida das mulheres, das mulheres pobres, das mulheres jovens e sobretudo das mulheres negras.

Ao mesmo tempo que chegamos ao final de 2022 renovadas de esperanças, depois de enfrentar nas urnas a necropolítica misógina da extrema direita, as fake news, a compra de votos – saímos vitoriosas elegendo Lula novamente presidente do Brasil e dando sobrevida a nossa recente democracia.

Somos um coletivo forte, irmanadas nesta esperança e com muita vontade de seguirmos na construção de um mundo mais justo e mais igual para todas nós. Com esta força precisamos retomar a agenda de políticas públicas para as mulheres, em especial às de enfrentamento da violência e reconstrução de toda uma rede de apoio necessária para que as mulheres não só rompam o ciclo da violência, como também consigam retomar suas histórias de vida.

 A violência ocorre em todos os lugares da sociedade, seja em casa, nas ruas, no transporte, no ambiente de trabalho, escola, faculdade, clubes, sindicatos, partidos políticos ou nas redes sociais. E atinge as mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. É a maior expressão das desigualdades vividas entre homens e mulheres na sociedade, e a raiz disto tudo está neste sistema capitalista, patriarcal e racista que exerce controle, apropriação e exploração do corpo, vida e da sexualidade das mulheres.

A pandemia associada a um governo genocida de extrema direita só fez aumentar a violência contra as mulheres e os casos de feminicídio. É evidente a falta de compromisso e omissão das instituições, dos governos e do sistema judiciário em erradicar a violência contra as mulheres e meninas em nossa sociedade além da compreensão de que as mulheres são sujeitas de direitos e devem assim exercer este direito de forma plena e emancipatória.

Este debate é permanente na agenda da Aliança Feminismo Popular. As denúncias do movimento feminista tem desnaturalizado a violência e a colocado como um tema que deve ser tratado publicamente no âmbito dos direitos das mulheres a uma vida sem violência onde cada vez mais as mulheres reconhecem suas diversas manifestações e denunciam. Outro aspecto muito importante é a compreensão de que a violência não é um fenômeno isolado e individual de um homem contra uma mulher, mas sim um instrumento de controle e disciplina do corpo, da vida e do trabalho das mulheres na sociedade capitalista/patriarcal e racista.

O combate à violência é um compromisso de toda a sociedade, não só das mulheres. Esta luta deve ser de todos os movimentos sociais, todos os dias, numa campanha permanente. Enfrentar a violência contra as mulheres deve ser um compromisso do novo governo e seremos parceiras nesta retomada. Não se trata apenas de punir os homens, mas de mudar toda a sociedade.

🚩 Para avivar a luta e memorar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta Contra a Violência às Mulheres, a Aliança Feminismo Popular preparou o vídeo abaixo e atividades com mulheres em Porto Alegre (RS), que ocorrerão nos próximos dias. Confira o relato das companheiras:

* Conteúdo publicado no blog da Aliança Feminismo Popular (AFP), em: https://afeminismopopular.wixsite.com/site/post/a-viol%C3%AAncia-contra-a-mulher-n%C3%A3o-%C3%A9-o-mundo-que-a-gente-quer 

 

Por uma América Latina plurinacional, popular e ecofeminista

As ruas de La Plata (Argentina) foram tomadas pelas milhares de pessoas que estiveram participando do 34º Encontro Plurinacional de Mulheres, lésbicas, intersex, travestis, trans, bissexuais e não binário. Foram mais de 400 mil companheirxs marchando em defesa dos seus direitos e por uma sociedade plurinacional, feminista e popular, formando uma verdadeira maré multicolorida. Durante os dias 12, 13 e 14 de outubro de 2019, entre o clima frio e chuvoso, a cidade de La Plata viveu e sentiu o espírito feminista, de cumplicidade e sororidade entre xs companheirxs, compartilhando e reinventando a luta feminista contra o neoliberalismo e o patriarcado. 

Em seu 34º encontro, as oficinas autogestionadas abordaram temas que vão desde a precariedade do trabalho para as mulheres e os impactos do capitalismo e do neoliberalismo na vida das mulheres até a saúde sexual e reprodutiva, identidades não binárias, maternidade, urbanismo feminista, feminização da pobreza, autodeterminação dos povos e entre outros. O que perpassa estes temas debatidos no encontro é a ofensiva do neoliberalismo, sustentado pelo racismo e o patriarcado.

É neste contexto de modelo desenvolvimentista predador, que as mulheres estão na linha da frente da luta contra as empresas transnacionais extrativistas que colocam a acumulação de capital sempre acima das vidas das pessoas e do respeito pela Natureza. Organizações financeiras mundiais, como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, elaboram reformas estruturais para o avanço do neoliberalismo que historicamente envolveram receitas para privatização, desregulamentação e liberalização do comércio. A precificando dos bens comuns, como as terras, as águas e o ar, ocorre em um contexto de convergência de crises, destacando-se as crises alimentares, energéticas, econômicas e climáticas. Para superar as crises gestionadas e o avanço do neoliberalismo, o capital transnacional atravessa os territórios, as atividades humanas, o próprio corpo das pessoas, especialmente das mulheres.

A América Latina é uma das regiões mais hostis para defensoras e defensores dos territórios e dos direitos dos povos, e nesta resistência contra o avanço do extrativismo que viola e ameaça os povos a luta em defesa da vida muitas vezes não é uma opção: é uma necessidade. As mulheres têm sido protagonistas em defesa da vida: em defesa do corpo-território, da vida comunitária, da vida dos seus territórios e da manutenção de seu modo de vida. É neste sentido que as mulheres passam a ser guardiãs dos territórios, sendo co-criadoras para rexistir e reinventar a luta em defesa das vidas humanas e não-humanas.

É neste sentido que o ecofeminismo tem avançado o seu debate, relacionando a dominação e a exploração da Natureza com a questão de gênero, bem como o avanço do capital sob os territórios e a objetificação dos bens comuns, transformados em mercadoria. As opressões entre a exploração da Natureza e as violências contra as mulheres não é uma causalidade, sendo o reflexo da colonização dos corpos e da Natureza, integrado a este modelo de produção e consumo neoliberal. O patriarcado é o sistema de todas as opressões, todas as explorações, toda violência e discriminação que a humanidade vive (mulheres, homens e pessoas intersexuais) e a Natureza, como um sistema construído e objetificado historicamente no corpo sexualizado das mulheres.

Assim, as mulheres debatem o avanço da monocultura da soja e de árvores exóticas, a extração de petróleo, a construção de megaempreendimentos de barragens, financeirização da natureza, a crise climática, onde violam os corpos e registram-se os impactos dos modelos produtivos dominantes exploração. Da mesma forma, as lutas contra os projetos de modelo extrativistas estão associados à violência patriarcal, por isso se faz necessário enfrentar as opressões que, no cotidiano, atravessam os corpos.

Em meio a crise ecológica, a ecologia neoliberal apresenta falsas soluções para superar a crise e as desigualdades de gênero, soluções com base em interesses econômicos e comerciais, para justificar a exploração massiva de recursos naturais e mercantilizar a natureza. A superação das crises impostas pelo próprio capitalismo neoliberal só será possível se for baseada em resistência territorial e comunitária, através da luta para desmantelar todas estruturas de opressão e pelos direitos dos povos e justiça social, ambiental, econômica e de gênero.

É na luta pela autonomia dos povos e descolonização do pensamento e dos corpos, que avançaremos num projeto por uma América Latina plurinacional, popular e ecofeminista. Sabemos que o patriarcado não tem fronteiras. É por isso que as lutas das mulheres e os feminismos organizados também não devem tê-las.

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