Evento acontece simultaneamente à conferência das Nações Unidas
e critica a baixa eficácia das negociações climáticas
A Cúpula dos Povos quer estabelecer protagonismo
da sociedade civil em espaço autônomo em relação à COP30 (30ª conferência das Nações Unidas sobre mudança do clima). O evento acontece entre os dias 12 e 16 de novembro, na Universidade Federal do Pará, em Belém, e estima público de 15 mil pessoas. Para as organizações envolvidas na cúpula, as decisões tomadas nas conferências da ONU não geram soluções eficazes
para o enfrentamento da crise climática.
A carta política lançada pelo movimento declara que “países
tomadores de decisão têm se omitido ou apresentado soluções
absolutamente ineficientes colocando em risco a meta de 1,5ºC
do Acordo de Paris. “As conferências se concentraram em objetivos ínfimos de
redução de dióxido de carbono e em estratégias a serviço dos interesses das corporações responsáveis por desastres ambientais”, diz Iván González, coordenador político da Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSA).
Outras críticas da articulação pontuam a falta de
transparência nos processos decisivos das COPs e a falta de
participação da sociedade civil nos espaços de negociação.
O objetivo da articulação, composta por mais de 700 entidades
do Brasil e do mundo, é convergir demandas de grupos
afetados pelas mudanças climáticas, mas excluídos de
processos decisivos, como povos indígenas e quilombolas.
Segundo González, sem a união das lutas por justiça ambiental
e social, negociações sobre o clima ficam desconectadas dos problemas reais da sociedade. A cúpula valoriza conhecimentos e iniciativas populares. Políticas públicas bem-sucedidas e experiência de movimentos sociais inspiram a proposição dos guias de atuação. Os seis eixos orientadores são: territórios vivos, soberania popular e alimentar; reparação histórica, combate ao racismo ambiental e ao poder corporativo; transição justa, popular e inclusiva; contra as opressões, pela democracia e pelo internacionalismo dos povos; cidades justas e periferias urbanas vivas; feminismo popular e resistência das mulheres nos territórios.
A escolha por eixos que aliam pautas diferentes é uma tentativa de fugir de caixas temáticas, explica Maureen Santos, coordenadora do Núcleo Políticas e alternativas da Ong FASE – Solidariedade e Educação e membro do comitê político da Cúpula dos Povos. Além de dar espaço para demandas diversas, o objetivo da articulação também é estabelecer ações concretas que serão tomadas após a COP30.
Na agenda oficial da Cúpula, estão incluídos um ato político, denominado “Da Amazônia para o mundo: justiça climática já!”, e uma reunião para divulgar informações sobre a estruturação do evento. Ambos acontecem entre 30 de maio e 2 de junho.
HISTÓRICO E ORGANIZAÇÃO
A Cúpula dos Povos é uma construção popular convocada como resposta a eventos que reúnem líderes globais e chefes de grandes corporações para discutir questões ambientais.A primeira atuação da cúpula foi em 1992, no contexto da
ECO-92—ou Rio-92— da ONU. Já paralelamente às COPs, ela aconteceu frente à COP20 em Lima, no Peru, em 2014, por exemplo. O evento que inspirou a estruturação da Cúpula do Povos rumo à COP30 foi a Cúpula dos Povos pela justiça social e ambiental, que aconteceu em meio à Rio+20 (conferência das
Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável) em 2012,
no Rio de Janeiro. A iniciativa de construir uma contraposição à COP30 partiu de movimentos sociais brasileiros na COP28, em Dubai.
“Percebíamos que várias organizações estavam pensando no que fazer para a COP30 de forma própria. A cúpula foi a forma de juntarmos tudo para discutir a possibilidade de fazer uma construção unitária nesse momento”, afirma Santos. Entre as organizações que se juntaram à ação, estão Observatório do Clima, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Coalizão Negra por Direitos (CND) e Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Das 700 entidades, 84 são internacionais, como a Confederação Sindical dos Trabalhadores da América (CSA); México sem Ecocídio e Centro Para Mudança Social de Joanesburgo, na África do Sul. Para que essa união de muitos grupos funcione, a cúpula é organizada em um Comitê Político, que facilita e coordena o processo, e por grupos de trabalho, explica Santos. Os principais desafios enfrentados pela articulação estão relacionados à captação de recursos e alojamento para os 15 mil participantes do evento
A questão dos alojamentos não é um problema exclusivo da cúpula, Belém já enfrenta problemas de falta de acomodações para o público da COP30.
O evento está previsto para acontecer na Universidade Federal do Pará (UFPA). A meta é garantir acomodações nas imediações do local, o que evitaria a necessidade de deslocamentos à cidade, diz Santos.
A escolha da UFPA como sede da Cúpula é um desafio por si só.
“Passamos por quatro anos de desmonte das universidades federais. Recursos não chegavam para a infraestrutura e isso tem um impacto. Estamos lidando com essa questão e vendo a melhor maneira possível de aproveitar a Cúpula dos Povos como um legado também para a universidade”, afirma Santos.
Segundo Iván González, para os movimentos internacionais, a dificuldade também está em garantir a participação presencial dos seus membros, devido aos custos de deslocamento. Ainda, o momento de crise política em diferentes países é aspecto que dificulta. Para além de lutar pela própria sobrevivência, comunidades tradicionais, povos originários e outros participantes da Cúpula precisam assegurar que suas demandas sejam consideradas nas discussões durante o evento, afirma González.
Reportagem de Débora van Pütten, divulgada no jornal Folha de SP