Fim dos riscos Mina Guaíba e UTE Nova Seival?

Nota Pública do Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul (CCM):

Fim dos riscos Mina Guaíba e UTE Nova Seival?

O Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM/RS), articulação formada por diversas entidades ecológicas, socioambientais, sindicais, associativas, movimentos sociais, assim como por grupos de pesquisadores/as das principais universidades do estado, vêm a público esclarecer algumas informações publicadas nos últimos dias na imprensa.

Segundo foi noticiado, a empresa Copelmi teria desistido do empreendimento minerário denominado Mina Guaíba (que seria a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil e faria parte de todo um complexo carboquímico na região do Delta do Jacuí), assim como da Usina Termelétrica Nova Seival (maior termelétrica a carvão mineral nacional, que queimaria 12.600 toneladas de carvão por dia para a produção de 726 MW, na região da campanha). Segundo seu diretor Cristiano Weber “não existe ambiente” e a empresa estaria iniciando um processo de “transição energética”.

Ora, a sociedade gaúcha fica extremamente feliz com a desistência da empresa! Contudo, é importante ressaltar e deixar claro que tal posicionamento não decorre de uma conscientização ambiental ou eventual percepção de que os empreendimentos a serem instalados trariam graves e severos prejuízos à natureza e aos modos de vida das comunidades que seriam atingidas por esses empreendimentos. As comunidades indígenas Mbya-Guarani e camponesas dos assentamentos da reforma agrária, cabalmente ignoradas pela empresa durante os licenciamentos ambientais, foram centrais no processo de resistência a esses dois grandes empreendimentos poluidores. Ou seja, em verdade trata-se de uma importante vitória que é o resultado de um amplo processo de mobilização e articulação popular. Esse movimento foi conduzido pelas diversas entidades que compõem o CCM/RS para combater a destruição da natureza e as agressões aos modos de vida da população gaúcha, que se via ameaçada por projetos de geração de energia  extremamente poluente e pouco eficiente.

Cabe ressaltar que a criação do CCM/RS e toda a mobilização em torno da questão, que atraiu atores sociais de fora do RS, inclusive, foi fundamental para a elaboração de todas as estratégias, pesquisas, seminários, repercussão social na imprensa e ações judiciais que pressionaram a empresa e o poder público, que já estava em vias de licenciar os projetos, alinhados a interesses de governantes do Estado.

Além disso, a empresa “esquece” que esses empreendimentos foram barrados por duas importantes sentenças judiciais, frutos da aliança entre a produção de pareceres técnicos qualificados e a litigância climática estratégica, que mostrou-se, nesses casos, uma importante ferramenta na luta da sociedade civil para buscar impedir e repelir os ataques e violações a direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que os empreendimentos acarretariam.

Ainda, o posicionamento da empresa deixa clara a intenção de esquivar-se de responsabilização pelas diversas inobservâncias à legislação climática, em âmbitos nacional e internacional, já que foram cabalmente ignoradas a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC, Lei nº 12.187/09) e a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (PGMC, Lei Estadual 13.594/09), assim como as diretrizes da Convenção 169 da OIT, que garante o direitos à consulta e consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas. Demonstra também a impossibilidade de comprovar a viabilidade ambiental destes empreendimentos, não tendo sido capaz de preencher as inúmeras lacunas e omissões presentes em seus Estudos de Impacto Ambiental, apontados pelo conjunto de pesquisadores e técnicos do CCM/RS.

Por fim, importante mencionar que a Copelmi requereu a extinção dos processos sem a análise do mérito, mesmo já havendo duas sentenças condenando a empresa pelas práticas irregulares no decorrer do licenciamento ambiental da UTE Nova Seival e da Mina Guaíba.

Em síntese, a empresa pretende eximir-se de suas responsabilidades pelas violações e pelos danos causados ao meio ambiente, conforme já reconhecido em sentenças proferidas pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre. A Copelmi busca, ao fim e ao cabo, evitar que os seus recursos de apelação sejam devidamente analisados e que as decisões contrárias já existentes contra si não se tornem jurisprudência do TRF4 para, futuramente, talvez viabilizar o licenciamento de outras atividades tão poluentes e agressivas ao meio ambiente quanto estas, o que é inadmissível.

Vale sempre relembrar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma garantia constitucional, prevista no art. 225 da Constituição Federal, sendo, portanto, um direito de todos usufruir do ambiente natural, assim como é um dever de toda a sociedade protegê-lo. Em defesa dele, portanto, o CCM/RS reafirma seu compromisso com o povo gaúcho de lutar para que não sejam mais abertos projetos de megamineração e termelétricas movidas a carvão mineral em nosso estado.

A mobilização/articulação popular, a comunicação e disputa do debate público, a construção de análises e pareceres científicos e a litigância climática estratégica nesses casos foram – e ainda são – um importante mecanismo de controle e fiscalização social acerca das potenciais violações a esse direito fundamental.

É importante ressaltar que o momento de atuação da sociedade organizada foi preciso e estratégico, para além da proteção dos territórios de vida ameaçados. Dentro do debate global pela redução do uso de combustíveis fósseis, garantimos a não expansão da cadeia do carvão no Brasil, em um contexto de emergência climática que se agudizou profundamente desde que começamos estas lutas, e que teve sua expressão máxima, até o momento, nas enchentes de maio de 2024 que atingiram todo o estado do Rio Grande do Sul. Caso a Mina Guaíba tivesse sido instalada, a cava da mina teria sido inundada, e a água, além de ter destruído centenas de casas e exposto a população à contaminantes sanitários, teria carreado a drenagem ácida da mina, junto com seus metais pesados, para dentro das casas das pessoas, para as captações de água de abastecimento, para o solo agrícola da região, e para o Parque Delta do Jacuí, causando contaminação e impactos ao ambiente e à saúde de difícil mensuração.

O setor carvoeiro, ignorando os limites climáticos do planeta, segue com um forte lobby para manter as operações das termelétricas de Candiota (as mais poluentes do Brasil, altamente subsidiadas e que são responsáveis pelo encarecimento da nossa conta de luz, pelo consumo de milhares de litros da água da região e pela emissão de altas quantidades diárias de GEE). O setor recebeu, recentemente, inclusive o apoio do governador Eduardo Leite, que havia tentado pintar uma imagem verde, mas parece que agora volta atrás. Sua narrativa usa como desculpa que a região precisa passar por uma transição “justa” antes de encerrar a operação das usinas, cooptando e esvaziando o termo da luta dos trabalhadores. Claro que apoiamos e queremos construir uma transição justa e que esse processo não deixe os trabalhadores para trás. Porém, entendemos que a transição deve ser justa para todos, para os trabalhadores, mas também para as comunidades locais impactadas pela poluição e para a humanidade e a natureza cada vez mais ameaçada pelos imprevisíveis efeitos do clima. Além disso, o que se vê, na prática, não é uma transição para uma economia mais ecológica e justa na região, mas uma tentativa de postergar a queima do carvão no RS até 2040 ou 2050.

Diante disso, seguimos atentos e vigilantes para todas as formas de degradação e poluição ambiental, como meio de garantir e preservar a natureza e os modos de vida das comunidades indígenas, camponesas e tradicionais. Proteger e lutar contra a exploração do carvão significa defender direitos ambientais, econômicos, sociais, culturais e, em primeiro lugar, a vida para esta e as futuras gerações do planeta.

Por fim, gostaríamos de agradecer a todas e todos que se envolveram nos últimos  anos nessas lutas e que evitaram que o Rio Grande do Sul fosse palco de destruição por esses empreendimentos poluidores! Reafirmamos que estamos e seguiremos atentos e vigilantes às narrativas falaciosas da empresa e que seguiremos resistindo à megamineração e aos projetos que insistem em negar a necessidade de mudanças paradigmáticas para evitar o colapso ambiental e climático que se avizinha!

À sociedade gaúcha, o nosso muito obrigado.

Contem conosco e venham reforçar a nossa luta comum!

#CarvãoAquiNão!

 

Na Assembleia Legislativa do RS, o recado foi dado, mais uma vez: não queremos a Mina Guaíba!

Em audiência pública na Assembleia Legislativa do RS sobre o projeto Mina Guaíba/Copelmi, população gaúcha demonstrou seu descontentamento com a proposta de instalação da maior mina de carvão a céu aberto do Brasil ao lado do Delta do Jacuí, a apenas 16km do centro de Porto Alegre

Ontem à noite (30/09), o auditório Dante Barone, na Assembleia Legislativa do RS, lotou para que a população gaúcha debatesse um tema de grande impacto: a instalação da maior mina de carvão a céu aberto do país ao lado de Porto Alegre, entre os municípios de Charqueadas e de Eldorado do Sul. Essa é, ao menos, a intenção da mineradora Copelmi.

O megaprojeto traria danos socioambientais nefastos, comprometendo a segurança hídrica dos cerca de 4,5 milhões de habitantes da Região Metropolitana de Porto Alegre, com a possível contaminação das águas do Delta do Jacuí e o rebaixamento de dois lençóis freáticos – ao longo dos anos de extração de carvão, metade do volume de água do Rio Guaíba seria desperdiçado. Além disso, a pilha de carvão e de rejeitos elevaria ao ar substâncias tóxicas, levadas pelo vento para as cidades do entorno, alcançando Porto Alegre: ao todo, 30 mil toneladas de poeira seriam lançadas na atmosfera. O carvão é considerado um “lixão químico”, por conter muitos elementos da tabela periódica, inclusive metais pesados como chumbo, mercúrio e cádmio.

A Copelmi pretende extrair 166 milhões de toneladas de carvão (mineral, que não é o mesmo utilizado em churrascos!). Junto, extrairia 2,4 milhões de toneladas de enxofre: e as reações químicas decorrentes disso podem gerar chuva ácida.

Fim da produção agroecológica e desemprego

Na área onde a Copelmi quer instalar a mina está o assentamento da reforma agrária Apolônio de Carvalho, um dos maiores produtores de arroz orgânico da América Latina e de hortaliças agroecológicas que abastecem as feiras da capital. Somados com o condomínio Guaíba City, mais de uma centena de famílias perderiam suas terras produtivas para dar lugar ao carvão e à poluição. Como que por maldade, os despejos das famílias ainda ocorreriam apenas 7 anos após o início das operações da mina, obrigando as pessoas a conviver com a poluição e os tremores das explosões cotidianas – seriam cerca de mil explosões anuais.

Em 20 minutos de fala na audiência, a Copelmi até tentou, mas os argumentos levantados pela empresa não se sustentam. A promessa de criação de empregos, por exemplo, é ínfima: seriam pouco mais de mil postos criados ao longo dos 23 anos de exploração do solo; nos primeiros três anos, seriam apenas 331 vagas. Considerando-se as centenas de famílias de agricultoras e agricultores que perderiam suas formas de sustento, não é exagero dizer que, com a Mina Guaíba, o que se criaria seria desemprego.

Em um contexto de desmonte das leis trabalhistas, de previdência social e da saúde pública, cabe ainda pensarmos sobre a qualidade dos postos de trabalho que seriam criados na maior mina de carvão do Brasil: historicamente, o trabalho em minas causa diversos malefícios à saúde do trabalhador. Pesquisa da UFBA e do Ministério da Saúde revelam que mineiros estão sujeitos a, em nível muito maior que outros trabalhadores: poeiras que causam doenças respiratórias; substâncias químicas associadas ao câncer; e atuam em condições propícias para acidentes de trabalho, comumente graves e fatais. Em entrevita ao Nonada, um ex-mineiro fala: “Eu me aposentei por invalidez. Eu tive uma lesão no coração; arriou três milímetros e meio. Eu tenho carvão no pulmão; lá no hospital, querem me operar, mas se retirar o carvão, eles me matam”.

Mesmo o argumento econômico não se sustenta: fosse a mineração a salvação das contas do Estado, Minas Gerais não estaria na situação que está. Tais megaprojetos contam com investimentos estrangeiros (no caso da Copelmi, Estados Unidos e China) que, incentivados pelas práticas neoliberais do governo Bolsonaro e de seu ministro Paulo Guedes, julgam de seu direito a apropriação dos bens comuns do povo brasileiro. O lucro é para poucos; para a população, fica um território devastado, os hospitais lotados, a poluição e o desemprego.

Em relação à arrecadação de tributos, há uma forte conexão entre mineração e sonegação de impostos – além de um acordo entre governo estadual e Copelmi para desonerá-la do ICMS.

Quem tem medo da participação popular?

Ainda no contexto local, outros agravantes: nessa semana, Eduardo Leite, governador do RS, colocou para tramitação em regime de urgência 480 alterações na lei ambiental do estado. Tal tentativa está sendo convenientemente chamada de “Lei Copelmi”, devido às flexibilizações nas licenças ambientais e ao favorecimento de interesses da mineração e do agronegócio. O regime de urgência, medida que prejudica o debate público do tema, já foi utilizado anteriormente para aprovar a criação de um polo carboquímico no estado, exatamente na região onde hoje se discute a instalação da Mina Guaíba. Aliás, Cristiano Weber, diretor da Copelmi, já admitiu que, sem o polo carboquímico, a Mina Guaíba não se mantém, devido à baixa qualidade do carvão dali extraído: “Se o Polo não sair, essa mina não se paga. Para o mercado atual, nós não abrimos essa mina”, disse em entrevista ao ExtraClasse.

Pela óbvia interconexão entre Mina Guaíba e o polo carboquímico, soa absurdo discutir a licença para um sem falar do outro. Contudo, tal absurdo tem passado despercebido pela Fepam, órgão licenciador do estado. Ainda mais: por ter sido aprovado em urgência (ao apagar das luzes de 2017) e sem o devido debate com a sociedade, o Ministério Público entrou com uma ação para suspender a licença do polo.

Ontem, deputadas e deputados trouxeram a possibilidade da realização de um plebiscito sobre o projeto, com  intuito de maximizar a participação popular. Também exige-se a realização de uma audiência pública em Porto Alegre convocada pela Fepam, única forma de que entre oficialmente no processo de licenciamento.

 

RS: nova fronteira minerária

Sobre outros argumentos de cunho ambiental, a Copelmi garante que utilizaria uma tecnologia capaz de extrair o carvão sem causar qualquer dano ao solo, à água, à qualidade do ar… Tal tecnologia jamais foi vista no mundo, simplesmente porque não é possível. Não à toa países do Norte Global estão deixando para trás o carvão, cujos impactos socioambientais são catastróficos em curto e longo prazo. Em meio a explosões e pilhas de carvão a céu aberto, a poucos quilômetros de áreas de preservação ambiental e da Região Metropolitana, os danos são garantidos. Exemplo disso são os IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) nas cidades carboníferas, que situam-se abaixo da média estadual.

Quem corrobora essa visão são os mais de 50 especialistas agrupados no Comitê de Combate à Megamineração no RS, grupo formado por 120 organizações e que aglutina a resistência ao ataque das mineradoras ao Rio Grande do Sul. Hoje, segundo dados do MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), são 5.192 requerimentos para pesquisa mineral no estado, com 166 projetos já avançados. Destes, quatro megaprojetos preocupam por sua urgência, um deles a Mina Guaíba/Copelmi. Os outros são:

– em Lavras do Sul, o projeto Três Estradas, da empresa Águia, quer mineirar fosfato para suprir o agronegócio com fertilizantes – para tanto, vai construir uma imensa barragem de rejeitos logo acima de Dom Pedrito, pondo em risco vidas e a biodiversidade do Pampa;

– também no Pampa, em Caçapava do Sul, a Nexa pretende minerar chumbo e zinco ao lado da Bacia do Camaquã;

– em São José do Norte, entre o Oceano Atlântico e a Lagoa dos Patos, a empresa Rio Grande pretende minerar titânio e zircônio.

Com o avanço da mineração, toda a biodiversidade do estado estará em risco: povos, bacias hidrográficas inteiras, flora, fauna. Após os crimes de Mariana e Brumadinho, será que algum dia aprenderemos?

Comunidades indígenas não foram consultadas

Outro ponto importante ignorado pela Copelmi em seus estudos de impacto – recheado de erros metodológicos e analíticos – é sobre a questão indígena. As comunidades que seriam impactadas pelo projeto não foram consultadas pela empresa, em solene desrespeito aos povos originários e à convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que reconhece a soberania dos povos sobre seus territórios.

Recentemente, a terra Guadjayvi, que fica em Charqueadas, a pouco mais de um quilômetro da área disputada pela Mina Guaíba, foi atacada por homens armados que diziam ser seguranças da Copelmi – coincidentemente ou não, outras duas comunidades indígenas foram atacadas no mesmo período. Na audiência de ontem, Cristiano Weber ainda cometeu um grande disparate ao, em tom de deboche, tirar uma selfie com uma representante indígena que protestava contra a instalação da mina. O deboche foi logo desmascarado no palco:

https://www.instagram.com/p/B3Dpa62Hcke/?utm_source=ig_web_copy_link

Os poucos vereadores da região carbonífera que estiveram presentes à audiência eram vozes solitárias em apoio à mineradora. Em peso, a população gaúcha disse em alto e bom tom que não aceita a instalação de uma mina de carvão ao lado do Delta do Jacuí e a apenas 16km de Porto Alegre. Mostrou ainda a força que possui para combater o ataque do setor minerário que, após destruir Minas Gerais, pretende se enraizar no Rio Grande do Sul. No auditório Dante Barone lotado, frente à uma mesa repleta de autoridades, com deputadas e deputados estaduais e federais, representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública e da Fepam, o recado da sociedade gaúcha foi dado: não queremos a megamineração no estado! Não queremos a extração de carvão à beira do Delta do Jacuí!

A questão é se o recado foi ouvido.

Fotos: heitor jardim // Amigos da Terra Brasil. Mais aqui: https://www.flickr.com/photos/hjardim/sets/72157711153142413/

Mina Guaíba: Copelmi leva crianças e adolescentes de Butiá para apoiar a empresa durante audiência pública em Eldorado

Audiência coordenada pela Fepam encerrou às duas da manhã, sem encaminhamentos. Moradores de Porto Alegre exigiram a realização de uma audiência pública também na capital. Além dos estudos insuficientes sobre os impactos ambientais, chamou a atenção também a presença de adolescentes vindos em ônibus fretados de Butiá, que  vestiam camisetas em apoio à Copelmi.

Após a realização de audiência pública sobre o projeto da Mina Guaíba em Charqueadas, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) realizou na noite de ontem (27/06), a audiência de Eldorado do Sul. A área onde a empresa Copelmi deseja explorar carvão fica entre os dois municípios. No entanto, a mina também estará apenas há 16 km do centro da capital e 4 milhões de  pessoas serão impactadas na Região Metropolitana de Porto Alegre.

Por esse motivo, diversas pessoas se manifestaram defendendo a consulta em outros municípios e a realização de uma audiência pública também em Porto Alegre.

Dezenas de pessoas se manifestaram até às 2h da manhã. A maioria contra o projeto da Copelmi. Mas a empresa contou com a solidariedade corporativa e trouxe ônibus fretados da cidade de Butiá, onde explora carvão. As falas em defesa da mina foram de funcionários da Copelmi, de um vereador e do prefeito de Butiá. Mas, o que foi ainda mais estarrecedor para os presentes na audiência foi a presença de crianças e adolescentes que vestiam camisetas e usavam adesivos em defesa da Copelmi [em respeito aos menores, não publicaremos as imagens].

A área onde pretende-se minerar carvão é muito diferente do terreno de Butiá. É uma região de banhado onde está localizado o Delta de Jacuí, área de preservação ambiental, fato que demonstrou a fragilidade do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Dois lençóis freáticos serão esvaziados, comprometendo a segurança hídrica da Região Metropolitana. O estudo sobre os ventos considerou as médias apenas do ano de 1998, o que causou preocupação nos ambientalistas que se manifestaram, já que para quem conhece as cheias do Guaíba e do Jacuí, fica a incerteza se uma enchente poderia transbordar os rejeitos e contaminar a água que abastece a população.

Além do Loteamento Guaíba City e do assentamento Apolônio de Carvalho, terceiro maior produtor de arroz orgânico do país, terem que ser removidos caso a mina avance, outras 40 comunidades  indígenas serão afetadas. A Copelmi também não soube explicar o porquê de as comunidades guaranis não terem sido consideradas/consultadas.

A audiência acabou sem encaminhamentos da Fepam. Mas a mobilização popular segue para barrar a Mina Guaíba, já que a empresa não possui ainda o  licenciamento ambiental.

Confira abaixo o fact checking que fizemos nos falsos argumentos da Copelmi:

 

Visita ao assentamento Apolônio de Carvalho e ao loteamento Guaíba City evidencia danos sociais e ambientais do projeto Mina Guaíba, da Copelmi

Visita às comunidades que serão atingidas pelo projeto da Mina Guaíba – que pretende ser a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil -, comprova os impactos socioambientais do empreendimento. Plano é instalar mina a cerca de 15km do centro de Porto Alegre, à beira do Delta do Jacuí. Narrativa que Copelmi, empresa responsável pelo projeto, tenta construir é a de que as pessoas destas comunidades vivem sem “dignidade humana” e que a empresa melhoraria suas vidas. Ora, fomos até lá fazer o que a Copelmi não fez: ouvi-las.

Junto à AMA Guaíba, ao MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), ao grupo de pesquisa TEMAS (Grupo de Pesquisa em Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade), da UFRGS, e a comunicadores do Jornal Sul21 e do Coletivo Catarse, visitamos no último sábado (1/6) o Loteamento Guaíba City e o Assentamento Apolônio de Carvalho, território conquistado por lutadoras e lutadores pela reforma agrária do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 2007. A área fica entre os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul e estas são as comunidades que a empresa Copelmi quer “reassentar involuntariamente” devido a implantação da Mina Guaíba: se for adiante, ela será a maior mina de carvão do Brasil, à beira do Delta do Jacuí, uma das últimas áreas de proteção ambiental da Região Metropolitana e cujas águas abastecem todo o sistema hídrico  da região com mais de 4 milhões de habitantes, que serão atingidas caso o projeto avance – hoje, ainda precisa de licenciamento ambiental fornecido pela Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental). No dia 27 de junho, haverá uma audiência público relativa ao tema.

Sordidamente, a proposta da empresa prevê que as pessoas só seriam retiradas de suas casas e terras após 5 anos de extração do mineral. Ou seja: seriam 5 anos convivendo dia e noite com perfurações, detonações com dinamite, alto fluxo de veículos pesados e ainda a operação das plantas de beneficiamento dos minerais extraídos. Tais atividades trariam impactos como piora da qualidade do ar, ruído e rebaixamento do lençol freático, de onde as comunidades captam sua água para abastecimento. Um dos argumentos que a Copelmi utiliza em seu favor é a geração de empregos. Contudo, a promessa é vazia: serão apenas 331 postos de trabalho criados nestes primeiros anos, durante a fase de implementação; e até 2042, prometem-se outros 823. Deve-se ainda questionar a qualidade dos empregos ofertados; a saúde de trabalhadoras e trabalhadores na extração mineira é extremamente danosa à saúde e uma atividade perigosa: a mineração é a maior responsável por mortes no trabalho ao redor do mundo.

A narrativa que a Copelmi tenta construir é a de que as pessoas destas comunidades vivem sem “dignidade humana” e que a empresa iria melhorar suas vidas. Ora, fomos até estas comunidades fazer o que a Copelmi não fez: ouvi-las. E o que vimos e ouvimos é o oposto do que o engenheiro Cristiano Weber, principal porta-voz da empresa (o nome bonito dado a seu cargo é de gerente de Sustentabilidade Corporativa), declara, com certa arrogância, nos solenes debates em que participa.

É bem verdade que há uma evidente negligência dos poderes públicos municipais, principalmente quanto à qualidade das estradas e ao posto de saúde fechado há mais de dez anos; porém, estes foram os únicos aspectos negativos nas falas de moradoras e moradores. O que vimos foram duas comunidades angustiadas pela incerteza e pela possibilidade de perderem seu “paraíso” (palavra usada por mais de uma das pessoas ouvidas); e indignadas pelas afirmações da empresa, que as trata como indignas, claramente uma mentira. Há muita vontade de lutar pela permanência na área. No dia 11 de junho, haverá uma assembleia popular para tratar do tema; no final do mês, 27 de junho, uma nova audiência pública acontecerá.

O Loteamento Guaíba City é o lar de muitas famílias: algumas já vivem ali há 3 gerações. Há aquelas pessoas que vão somente aos finais de semana pois ainda têm que trabalhar na cidade, mas que pretendem ir para lá definitivamente ao se aposentarem: é seu plano de vida. Outras já conseguiram este feito de “fugir” da cidade. Nos lotes, que são pequenas chácaras, construíram suas casas, perfuraram seus poços, criam galinhas, vacas leiteiras, cavalos, têm pequenas roças e hortas, além de pescarem nos arroios locais (que serão desviados pela mina) e no Rio Jacuí. As crianças vão a pé ou de bicicleta para a escola Osmar Hoff Pacheco, ou de transporte escolar (que, segundo os relatos, funciona bem) para as escolas das cidades do entorno.

Em um abaixo-assinado que percorre o loteamento, uma derrota acachapante da Copelmi: em 82 assinaturas, 77 são contrárias ao projeto – apenas 5 estão ao lado da empresa, que não se cansa de tentar ludibriar a comunidade (no mesmo dia da nossa visita,  um micro-ônibus alugado pela Copelmi levou alguns moradores para uma “churrascada”; segundo relatos, já não era a primeira vez que isso acontecia). Cada assinatura representa um lote, correspondendo à quase 250 pessoas; nem todos os lotes assinaram ainda. A maioria das pessoas não cogita sair de lá “nem morto”, até por que lá existe um cemitério que guarda muitos de seus entes queridos.

O Assentamento Apolônio de Carvalho, apesar de ser relativamente novo (foi criado em 2007) e de todas as dificuldades para se implantar um assentamento, está em pleno funcionamento. Abriga 72 famílias, com grande sentimento de pertença ao território conquistado (que antes era um “haras” de um poderoso traficante). O carro-chefe do Apolônio é a produção do arroz orgânico, o terceiro maior produtor do país, que em conjunto aos demais assentamentos do RS forma nada menos que a maior produção de arroz orgânico da América Latina. Mas a produção vai além do arroz: o assentamento produz “de tudo” – e sem veneno: hortaliças, tubérculos, frutas, chás, temperos, leite, queijo, ovos, carne, peixes, sementes, compotas. Quase tudo necessário à subsistência, e o excedente é comercializado em dezenas de feiras ecológicas em Porto Alegre e Região Metropolitana (ainda atende locais específicos, como, por exemplo, uma clínica oncológica – e por que será?). Produzem também conhecimento e tecnologia, que tem muitos nomes: agricultura orgânica de base agroecológica, controle biológico de enfermidades nos cultivos, permacultura, agrofloresta, bioconstrução. Enfim, mostram na prática uma alternativa viável, que constrói vidas simples mas abundantes e em harmonia com o ambiente. Não seria esta a verdadeira sustentabilidade?

Após algumas tentativas da Copelmi de fingir que as comunidades, tanto do Guaíba City quanto do Apolônio, estariam dispostas a deixar o local onde vivem, foi necessário demarcar suas posições de maneira clara: “Somos contra, porque somos a favor da vida”. Além do que já conseguiram alcançar (terra para plantar, casa para morar, luz, água, o sustento garantido pelo lote), todos tem ainda muitos sonhos: aumentar a produtividade do arroz, ter demanda mais garantida (além das feiras e clientes específicos, faz falta o fornecimento antes feito a escolas através do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], praticamente acabado no contexto atual), que a cidade valorize mais o alimento produzido sem veneno no campo. Ficam a imaginar o quanto de alimentos sem veneno pode ser produzido e posto na mesa de famílias no campo e na cidade ao longo dos 23 anos que a mina pretende operar…

Em suma, é isto que existe a 30 minutos de Porto Alegre e 100 metros acima de um carvão com alto teor de cinzas e baixo poder calorífico. Há, por trás de tudo, a intenção dos países ricos de se livrarem dos danos causados pelas minas, seus impactos sociais, ambientais e trabalhistas: a contaminação das águas; os riscos de explosões e deslizamentos; o trabalho é exaustivo e arriscado; e há ainda a convivência com uma poeira que corrói os pulmões pouco a pouco. No ano passado, a Alemanha se despediu de sua última mina de carvão e o jornal “Bild” publicou o retrato da “última vítima das minas”, Markus Zedler, um trabalhador de 29 anos que falecera dias antes durante as obras de desmontagem de uma mina em Ibbenbüren. Vale ressaltar que a Copelmi conta com o investimento da norte-americana Air Products e da chinesa Zhejiang Energy Group, que serão também operadoras da planta carboquímica.

(O Sul21 também publicou hoje matéria sobre a visita, com relatos das pessoas que serão atingidas pelo projeto da Copelmi – as vozes se erguem contra o projeto de morte da mineração!)

plugins premium WordPress