Site da Amigas da Terra Brasil, organização ambiental anticapitalista, em defesa da soberania e dos direitos coletivos dos povos
Categoria: Soberania alimentar
Há mais de 860 milhões de pessoas que passam fome no mundo. A produção tradicional de alimentos, como a agricultura em pequena escala, que se destina a alimentar as populações locais, está sendo destruída e, em seu lugar, está sendo imposta uma agricultura de grande escala, criada por agroempresas transnacionais. Somado a isso, as crises climáticas representam uma ameaça adicional à produção de alimentos. É necessário construirmos sistemas mundiais de alimentação baseados em soluções agrícolas diversas e locais. Deveria ser permitido ao povo decidir e controlar seus próprios sistemas de alimentação. Esta forma de agricultura também ajuda as comunidades a ter mais resiliência às mudanças climáticas. O Amigos da Terra apoia os pequenos agricultores, resistências ao poder empresarial que destrói os sustentos autônomos e traz às comunidades fome e conflitos. Ajudamos a construir pontes entre os povos e seus alimentos, entre aqueles que produzem e consomem os alimentos.
No final de março aconteceu o Ayvu’ Porã: 2º Fórum das Retomadas do Povo Guarani no Rio Grande do Sul, na Retomada Mbya-Guarani da Tekoa Karanda-ty, no Mato do Júlio, em Cachoeirinha (RS), na região metropolitana. Os caciques se encontraram novamente com a intenção de potencializar as retomadas territoriais indígenas mbya em busca de seu bem viver.
Representando seus territórios de vida, os mbya discutiram temas que envolvem suas comunidades, dignidade e direitos, que precisam ser assegurados urgentemente. Foram explicitadas questões que os levam a esses movimentos de organização política e suas dificuldades perante à sociedade não indígena, tanto junto às instituições dos governos quanto na sociedade civil.
Realizar este encontro na retomada indígena que ocupa parte do Mato do Júlio também foi bastante simbólico, pois essa área de mata na cidade, que ajudou na contenção das fortes chuvas e inundações que alagaram a região em maio passado, é alvo da sanha da especulação imobiliária por lucro. A presença dos mbya é força e resistência na defesa da natureza e da VIDA indígena e dos não-indígenas, dos animais, plantas e toda diversidade que habita o local.
Os caciques encaminharam a data do 3º Fórum das Retomadas, que será aberto à sociedade em geral e contará com a presença de instituições convidadas. Será no dia 14 de abril, na Retomada Nhe’engatu, na cidade de Viamão (RS).
Esses encontros fazem parte de uma articulação da Amigas da Terra Brasil com esses territórios pelo seu direito de ser e existir.
Álbum de fotos no Flickr da ATBR:
📸 2º Fórum das Retomadas do Povo Guarani no RS, realizado em 21/03/25, em Cachoeirinha. Retomadas presentes: Yyjere (Porto Alegre), Nhe’engatu (Viamão), Karanda’ty (Cachoeirinha), Yyrupa (Terra de Areia), Ka’aguy porã (Maquiné), Jakupé (São Gabriel), Pekuri’ty (Canela) e Pará rokê (Rio Grande)/ Crédito: Carolina C. | ATBR
Evento inspirado na Rio+20 e com pauta independente à da COP 30 deve reunir até 30 mil na capital paraense durante o encontro. Espaço terá debates e reivindicações com críticas às ações de governos, do mercado e de grandes corporações.
DANIELA CHIARETTI* brasil@oglobo.com.br SÃO PAULO
Em paralelo à COP 30, enquanto representantes de mais de 190 governos se reunirem em Belém, em novembro, entre 20 mil e 30 mil pessoas devem se reunir durante 15 dias na Cúpula dos Povos, um espaço de debates e reivindicações independente. São as agendas críticas às ações de governos nacionais, subnacionais,o mercado financeiro e grandes corporações.
Mais de 400 movimentos sociais e ambientalistas, nacionais e internacionais, de lideranças de coletivos de mulheres, indígenas, quilombolas, camponeses, antirracistas, juventude, pela diversidade sexual e de defesa dos direitos humanos vêm se organizando em torno dos eixos de debate da cúpula. Embora cada uma dessas organizações tenha a sua própria pauta, buscam convergência na pauta climática.
— A janela para atingirmos a meta de limitar o aquecimento da temperatura em 1,5 grau está se fechando, e embora muitos dos grandes países poluidores falem sobre isso, o que vemos é a queima de combustíveis fósseis crescendo — diz Keerthana Chandrasekaran, da Friends of the Earth International, organização global que tem milhões de apoiadores no mundo. —Temos cada vez mais extração e soluções falsas, e há poucos países que estão realmente tomando as medidas necessárias para a crise climática. Estamos nos unindo porque sabemos que precisamos de uma mudança de agenda transformadora.
Keerthana diz que para alcançar justiça climática é preciso garantir direitos à terra e manter as pessoas nos territórios: — Sabemos que quase 54% das áreas de alta biodiversidade no mundo são cuidadas por povos indígenas e comunidades locais. E também sabemos que o desmatamento ocorre por empresas madeireiras, extração de minérios, combustíveis fósseis e o agronegócio.
FALSAS SOLUÇÕES
Nas demandas da Cúpula dos Povos está solicitar à Convenção do Clima, a UNFCCC e à presidência brasileira da COP 30 que os lobistas dos combustíveis fósseis fiquem fora da conferência.
— Precisamos que eles não tenham voz nas negociações — continua a ativista. — Também queremos um fim para as falsas soluções: os mercados de carbono, a geoengenharia, o sequestro e armazenamento de carbono. São fantasias que não irão nos ajudar.
A Cúpula dos Povos Rumo à COP 30 inspira-se na Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental que aconteceu no Rio, durante a Rio+20, em 2012. A mobilização de movimentos sociais nacionais e internacionais reuniu cerca de 20 mil pessoas no Aterro do Flamengo. Os ativistas procuraram fazer contraponto às discussões dos governos nacionais. O esforço foi reeditado durante o processo da presidência brasileira do G20.
— A questão ambiental é um tema de todos, e é necessária a participação popular — cobra Pablo Neri, do Movimento Sem Terra e da comissão de política internacional da Cúpula dos Povos. — Buscamos a mensagem de um novo multilateralismo, o internacionalismo, feito pelos povos e buscando abordar a questão essencial que é a crise climática.
Nas discussões que vêm ocorrendo pelos movimentos na preparação da Cúpula foram estabelecidos seis eixos temáticos de articulação. O primeiro, dos territórios vivos e da soberania popular e alimentar, busca, entre outras frentes, viabilizar o direito aos territórios, águas, rios, mares, mangues e florestas, promover a reforma agrária e construir territórios agroecológicos. — Queremos promover a dieta dos alimentos da própria região e clima — explica Neri.
O segundo eixo, da “reparação histórica e combate ao racismo ambiental e ao poder corporativo”, é o que entende “o crédito de carbono e a bioeconomia como financeirização da natureza. É mais do mesmo. Mais daquilo que leva a humanidade ao colapso climático”, segue Neri.
O terceiro eixo é o da transição justa, popular e inclusiva. Aqui o foco é reconhecer o valor dos conhecimentos tradicionais e, entre outros temas, promover a transição energética de forma “justa e popular com diversificação de fontes, descentralização e distribuição equitativa”, diz a nota. — Precisamos de uma transição que não abandone o trabalho e se apegue só à tecnologia — sugere Neri.
O quarto vetor é pela democracia e contra as opressões — com itens como combater a extrema direita no mundo e “todos os acordos de livre comércio que reforcem o domínio do Norte sobre o Sul Global”, segundo o texto. As cidades justas e as periferias urbanas são o foco do quinto vetor e aí há desde a demanda por políticas públicas com moradias adequadas aos diversos climas e modais de transporte à democratização e acesso ao saneamento, água potável e energia.
O sexto eixo é o que busca defender os direitos “das mulheres e meninas e seu protagonismo nas lutas socioambientais”, com políticas de cuidados às mulheres, participação social na formulação de políticas públicas, combate à violência e outros tópicos. — As alternativas que o povo propõe não são alternativas que vamos inaugurar em Belém — diz o líder do MST. — São lutas históricas, direitos inegociáveis. Estamos construindo a cúpula da rua. Assumimos a construção do que fica fora da COP.
Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria e que representa o Observatório do Clima (maior rede de organizações com foco em clima do Brasil) na Cúpula dos Povos, diz que os movimentos sabem que têm limite para incidir na agenda global da COP.
— Estamos buscando como a sociedade civil pode aproveitar a janela de oportunidade de o Brasil sediar o G20, a reunião dos Brics e a COP 30 para colocar as demandas. Sabemos que são agendas globais e que temos um limite para incidir, mas como chegar a esse limite?, coloca Scannavino. — Para sair da inação e da letargia, é interessante ter uma COP no coração da Amazônia.
FOCO NA NEGOCIAÇÃO
Scannavino critica o foco da discussão da COP 30 estar muito centrado nos desafios logísticos e de hospedagem que Belém tem.
— Mas o sucesso de uma COP depende do que podemos avançar em termos de acordo e negociação. Existe, é claro, o desafio logístico, mas o Brasil, como presidente da conferência, na atual conjuntura, tem um desafio gigantesco, continua. — O único consenso que temos hoje é o fato de o planeta estar aquecendo.
A eleição de Donald Trump representa um grande retrocesso nessa agenda e na luta contra o colapso climático. — Movimentos ultranacionalistas são tudo o que a questão climática não precisa. Precisamos mais do que nunca de cooperação e multilateralismo — diz Scannavino.
Na visão dos organizadores da Cúpula dos Povos, a luta pela democracia, igualdade de gênero, antirracismo e pelo fim da violência contra as mulheres deve se somar à pauta climática. — O desafio não é apenas carbono e emissão, mas o debate sobre o sistema que nos leva ao fim da vida. A discussão da Cúpula não termina no fim da COP 30. A união da pauta social com a ambiental é fundamental, acrescenta Scannavino.
A COP 30 no Brasil “é realmente uma oportunidade para a gente virar a chave e ver como a organização popular, dos territórios, dos movimentos, são capazes de responder a esforços de mitigação e adaptação que são urgentes”, diz Lucia Ortiz, da Amigos da Terra América Latina e Caribe e também da Comissão Política da Cúpula dos Povos.
Osver Polo, coordenador de mobilização da Climate Action Network (CAN), diz que a COP 30 é o momento de ação para enfrentar os desafios climáticos. Nas COPs anteriores, a 28, nos Emirados Árabes Unidos, e a 29, no Azerbaijão, “não houve mobilização nem espaço para que a sociedade civil se manifeste, se enriqueça das trocas com os outros movimentos que lutam contra a crise climática e nem espaço para pensar em propostas além da COP”, continua. — Nossa tarefa é gerar este pensamento e colocar nossas demandas e propostas e ver como podem se articular com as agendas da COP 30.
O evento acontecerá em Belém entre 12 a 21 de novembro, com uma grande marcha no dia 15 de novembro.
* Do Valor
# Matéria publicada no jornal O Globo em 28 de março de 2025. Publicamos, abaixo, print da matéria. Clique na imagem para abrir a matéria em PDF
Na quinta-feira (13/03), Mulheres Sem Terra realizaram ato em frente a fábrica de produção de celulose da CMPC, em Guaíba (RS). A Amigas da Terra Brasil e o Levante Popular da Juventude somaram ao momento, protagonizado por mulheres e pessoas LGBTQIAP+. Entoando que “Eucalipto não é floresta” e que “os mesmos que destroem a natureza são aqueles que destroem a vida das mulheres”, presentes denunciavam o avanço dos monocultivos no bioma Pampa, a responsabilidade das grandes empresas por crimes ambientais e a necessidade da luta por dignidade, terra, território e em defesa de direitos e da natureza.
Com falas, cartazes e cantos, expuseram que o agronegócio e os megaprojetos causam o envenenamento da natureza e das pessoas, e que os créditos de carbono dos monocultivos (como o de eucalipto, caso da CMPC) são sujos – uma falsa solução para a crise climática. Outra denúncia foi quanto ao anúncio da CMPC sobre nova fábrica em Barra do Ribeiro, ainda maior que a de Guaíba, ressaltando os impactos socioambientais de atividades do ramo. O momento também foi de solidariedade às pessoas trabalhadoras e moradoras do entorno, que no dia 23 de fevereiro deste ano foram afetadas por vazamento de dióxido de cloro da fábrica.
Neste encontro entre MST, juventudes e mulheres organizadas, a expansão dosmonocultivos de árvores (desertos verdes) da CMPC foi abordado como crime ambiental e projeto de morte do capital. Durante a ação em frente à fábrica de celulose da CMPC, mulheres e aliades entoavam: “Eucalipto não é floresta, CMPC devolve o pampa já. As mulheres da reforma agrária querem terra para trabalhar”.
Quem não pode com as mulheres, não atice o formigueiro
“Estamos aqui para denunciar essa empresa criminosa que acaba com a vida das mulheres. Nós, mulheres sem terra, mulheres da cidade, mulheres acampadas, seguiremos denunciando o capital e a destruição que o agronegócio provoca nos nossos corpos e nos nossos territórios. Nós lutamos pela vida, pela biodiversidade e pela defesa da produção de alimentos saudáveis. Nós ainda estamos aqui, e faremos a luta contra todas as formas de violência”. Fala coletiva durante ato em frente à CMPC.
Na data, foram realizadas ações em diversos pontos do Rio Grande do Sul para denunciar o avanço da silvicultura, em especial do eucalipto, e o risco que traz para a vegetação nativa e vida da população, sobretudo para o Bioma Pampa, ameaçado de extinção. A ação também ocorreu em Porto Alegre, Pelotas, Santana do Livramento e Tupanciretã, com marchas, intervenções culturais, debates, entrega e plantio de mudas. Sob o lema “Agronegócio é violência e crime ambiental, a luta das mulheres é contra o capital!”, a ação faz parte da mobilização do Movimento Sem Terra (MST) para marcar o 8 de março, por meio da Jornada Nacional de Lutas de 2025. Entre 11 e 14 de março, o MST realizou encontros, formações, plantios, marchas e protestos por todo o Brasil para denunciar as violências do agronegócio, das corporações e dos monocultivos – que expropriam corpos e territórios, envenenam povos e terras, mercantilizam alimentos e a natureza, secam rios, aprofundam desigualdades e agravam a crise ambiental.
Confira o vídeo de cobertura do ato e relatos das mulheres organizadas:
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“Nós, mulheres do movimento, nos sentimos nesse compromisso com a sociedade brasileira e principalmente com o nosso bioma Pampa. Queremos alertar que um avanço desses do agronegócio e ainda hoje liberado por lei sem um zoneamento ambiental, ele pode ser uma catástrofe, ainda mais no Rio Grande do Sul que sofre drasticamente com as mudanças climáticas”, diz Lara Rodrigues, dirigente nacional do MST no RS. Lara também destacou que o avanço da soja, e a substituição por eucalipto, além de trazer impactos ambientais, tem impactos no modo de vida da população, das mulheres e na paisagem do bioma Pampa. O principal alvo da mobilização é a empresa CMPC, que está dominando a silvicultura no estado. “Ela tem um milhão de hectares plantados de eucalipto e a previsão de avanço de quatro milhões, principalmente no bioma Pampa. Estamos denunciando que essa empresa e esse avanço da silvicultura no Rio Grande do Sul não vão passar limpo”, afirmou Lara. O Bioma Pampa equivale a cerca de 64% do território do RS, mas mais de 30% de áreas nativas foram perdidas entre 1995 e 2023. A denúncia do MST é de que o principal motivo para a devastação é a silvicultura, por meio da produção industrial de árvores exóticas como eucalipto, pinus e acácia.
Durante o ato frente à CMPC, Letícia Paranhos, presidenta da Amigas da Terra Brasil, falou sobre a impunidade corporativa, a relação da CMPC com a ditadura chilena e a importância da mobilização popular e das mulheres em defesa da terra: “Essa empresa vazou cloro, afetou mais uma vez a vida das pessoas e das mulheres. Todas essas casas foram cobertas, não houve alerta, não houve cuidado, não vai haver fiscalização e muito provavelmente vai seguir impune. A CMPC é criminosa desde sempre, no Chile estava junto com a ditadura e aqui segue violando os nossos direitos”. Ao contextualizar sobre a nova fábrica da empresa, questionou se a mulherada deixaria barato. A resposta, em uníssono, foi que não, que quem mexe com as mulheres se coloca para correr. “A ampliação da fábrica só serve para o lucro deles. Para a gente fica o custo das nossas vidas, da nossa saúde, da nossa terra”, expôs Letícia.
Após o ato, uma moradora da comunidade que presenciou a ação abordou manifestantes. Em relato, solicitando não ser identificada, contou que quando houve vazamento de dióxido de cloro na empresa ela, que mora perto, foi acometida com mal estar, enjoo e vômito. A moradora comentou que tentou contatar a CMPC algumas vezes e acabou indo ao hospital, onde atestaram contaminação. Também comunicou que ao sair de casa viu fumaça por todo entorno, e após o contato começou a passar mal, o que reforça relato de outros moradores e até mesmo materiais em vídeo que comprovam que a fumaça saiu dos muros da CMPC, situação que a empresa contrapõe, alegando que sensores localizados em seus muros não identificavam a presença de dióxido de cloro na ocasião. “Eles afirmaram que sensores não identificaram dióxido de cloro, que a pluma de dispersão ficou dentro da empresa. Informaram num relatório oficial que foi para a Fepam que não extrapolou os limites da empresa, sendo que tem vídeos, tem muitos depoimentos que indicam que não foi o caso”, expôs o engenheiro ambiental Eduardo Raguse, da Amigas da Terra Brasil.
A atividade em Guaíba teve continuidade no Assentamento 19 de Setembro. Contou com mística, partilha de refeições, acolhida e debate sobre a importância do cuidado e acolhimento na luta. “Faremos uma linda formação com irmã num momento de acolhimento, que pra nós também é luta. Estarmos saudáveis também é uma ferramenta de fortalecimento e de enfrentamento contra o capital, porque nós precisamos estar vivas, precisamos estar fortes para lutar pelo que vem pela frente”, expôs Lara. De acordo com seu relato, a presença física em Guaíba se conectava com a presença de mulheres em luta por todo Brasil: “Estamos sincronizadas em todo estado. Vamos somar aqui no RS mais de mil mulheres, e nacionalmente estamos com várias companheiras em luta, no Espirito Santo dentro da área da Suzano, que companheiras ocuparam, na Paraíba, Mato Grosso, Sudeste, muitas mulheres estão mobilizadas. É um grande dia, ficará marcado por esse nosso retorno do enfrentamento contra o capital, que sempre fizemos, mas é dada a largada que nosso 8M seguirá na denuncia e no autocuidado”.
Com palavras de ordem que evocavam a construção da reforma agrária popular, mulheres em luta semeavam a resistência. Além de ações orquestradas e postas em prática em todo território nacional, a atuação da mulherada em luta também se deu a partir de seus territórios locais, com incidências em espaços institucionais. No Rio Grande do Sul, uma das estratégias foi a entrega de Notícia de Fato ao Ministério Público Federal.
Notícia de Fato: Denúncia sobre a desregulamentação das normas ambientais relacionadas à silvicultura e seus impactos socioambientais no RS
“Entregaremos uma Notícia de Fato, junto a movimentos ambientalistas. Teremos uma reunião com a Procuradoria Geral da União (PGU) e estamos pedindo a inconstitucionalidade da lei 14.876/2024, que libera a silvicultura (que é plantio de eucalipto, de pinus, dessas árvores exóticas), sem o licenciamento ambiental, que é mais ou menos: pode plantar eucalipto no bioma Pampa que isso é terra de ninguém. Entregaremos essa carta, simultaneamente nossas companheiras de outras três regiões estarão fazendo essas ações nos Ministérios Públicos e Procuradorias Regionais”, explicou Lara. Outro ponto abordado é a flexibilização a nível estadual, marcada pela Resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) do RS, em 2023, quanto à aprovação de novo Zoneamento Ambiental para Atividade da Silvicultura (ZAS). Pontos que representam um retrocesso na proteção ambiental e ameaça aos direitos humanos, em especial, ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Na Procuradoria Geral da República do Ministério Público Federal em Porto Alegre (RS), estiveram presentes para entrega do documento o Movimento Sem Terra (MST), a Amigas da Terra Brasil (ATBr), o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá) e a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). Também assinam o documento o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, Fundação Luterana de Diaconia e Instituto Preservar. “Estamos aqui para ver algum caminho por qual a gente tá lutando, e tentar pelas vias jurídicas algum apoio para a nossa luta. Luta que é feita no dia a dia nos territórios, que não é só a defesa das pessoas, dos nossos corpos, é a defesa do bioma Pampa que somos parte. Nossos territórios de assentamento estão dentro do bioma. A monocultura é uma denuncia que o Movimento Sem Terra faz há um bom tempo, e nesse último período vimos esse agravamento. A gente já vive muito a presença do avanço da soja nos territórios, mas a silvicultura nos assusta muito também, pela destruição que ela faz e também por essa mudança nessa essência que nós somos, na nossa vida, na biodiversidade dos territórios que a gente tá”, falou Lara durante a entrega da Notícia de Fato.
Letícia complementou: “Para nós é muito complicada essa flexibilização, para quem tá no território é ainda mais chocante porque é uma mudança radical da paisagem. Tu chegar no assentamento e ver 7 mil hectares de eucalipto plantado, tu perder o sol, tu ter uma seca devastadora como nunca teve antes, tu ver as crianças com sintomas porque o veneno chegou…Foi feito enfrentamento e depois se viveu na pele os impactos de um milhão de hectares no estado. Agora a proposta é passar para quatro milhões, e a gente sabe que o investimento está sendo muito pesado do setor da celulose aqui no estado, a gente percebe o marketing que está sendo feito para colocar uma outra narrativa para a CMPC, que está patrocinando o Gaúchão, com um projeto que chama Defensores da Natureza, fazendo jogos de futebol e com um poder muito grande da mídia. A gente sabe que mexe no imaginário político da população, até porque se colocam como a solução, com os canudos de papel, ou com financiamento que eles conseguem colocar, só que a contaminação, as violações que acontecem, isso não vem à tona. Vemos de um milhão passar para quatro milhões de hectares, então vão ser quatro vezes maiores as violações que vão ser sofridas. Temos que frear, é muito importante colocar alguma restrição porque depois que a violação acontece ela vai seguir impune”.
Expansão dos desertos verdes em um Pampa em extinção
Após almoço coletivo, no Assentamento, ocorreu a formação “Expansão dos desertos verdes em um Pampa em extinção”, apresentada pela Amigas da Terra Brasil. Nela, foi abordada a impunidade corporativa e a forma de operar de grandes empresas poluidoras, violadoras de direitos humanos e dos territórios. A lógica da CMPC, suas estratégias e ferramentas de cooptação via muita propaganda verde foram expostas, assim como dados sobre o impacto de suas atividades.
A CMPC, do chileno Grupo Matte, anunciou recentemente um investimento bilionário na construção de uma nova fábrica de celulose, no município deBarra do Ribeiro, hipocritamente chamado de “Projeto Natureza”. A empresa investe muito em propaganda buscando construir uma imagem de sustentável, patrocina até mesmo o Campeonato Gaúcho e chegou ao cúmulo de criar um time fictício chamado “Defensores da Natureza”. Seu novo projeto, assim como a fábrica existente, irá despejar seus efluentes industriais no já tão poluído Guaíba, e impactar ainda mais o bioma Pampa com a expansão de seus monocultivos de eucaliptos transgênicos, gerando créditos de carbono sujos commais desertos verdes num Pampa em extinção.
Em apresentação, dados científicos exibiam os impactos socioambientais do avanço dos monocultivos e de desertos verdes no Pampa, dando dimensão ao tamanho da ameaça e como uma nova fábrica de celulose pode causar ainda mais danos aos gaúchos, assim como à natureza. O (falso) discurso de socialmente responsável e ambientalmente sustentável da CMPC foi desmontado, e ponto a ponto de sua propaganda verde esteve em discussão. Além disto, a formação deu um mergulho no contexto histórico da celulose no Brasil e sua relação com a ditadura e opressões foram pauta. A planta de produção de celulose de Guaíba (RS), emblemática em termos de impactos socioambientais, foi inaugurada pela norueguesa Borregaard em 1972, como um dos resultados da política desenvolvimentista da ditadura militar brasileira que convidava os investidores do mundo à “poluírem aqui”. Após diversas trocas acionárias ao longo dos anos, hoje a fábrica e os monocultivos de eucalipto são de propriedade da chilena CMPC, pertencente à família Matte, conhecida por ter sido uma das principais apoiadoras da ditadura de Pinochet.A empresa foi acusada, ainda, de crime de lesa-humanidade, no massacre de 19 de Laja, no Chile, com graves acusações que a apontam como protagonista do “Massacre de Laja”.
Feira Frutos da Resistência: Unindo campo e cidade, encontro celebrou a diversidade e a potência dos territórios de vida
Aromas, sabores, alquimias e artesanias da terra convidavam a quem transitava pela Rua Olavo Bilac, onde está a Casanat- Casa sede da Amigas da Terra Brasil, a um encontro de esperançar. No ritmo de muitas culturas e lutas, o sábado (30/11) contou com mais uma edição da Feira Frutos da Resistência, um espaço de confluência, partilha de saberes e dos enfrentamentos e resistências que se dão no Bioma Pampa, na Mata Atlântica e na metrópole de Porto Alegre.
Difundindo a agroecologia e a economia solidária, o momento teve uma série de debates a partir de falas e exposições dos territórios de vida. “Estamos aqui no compromisso com a vida, com territórios que constroem uma vida saudável e esse bem viver”, expôs Fernando Campos, da Amigas da Terra Brasil e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Eduardo Raguse, do MAM, Comitê de Combate à Megamineração e ATBr evidenciou a importância do momento como forma de resistência, reafirmando o compromisso permanente com a luta dos povos originários, quilombolas e com a reforma agrária. “Seguimos nos organizando e construindo redes, com os pés nos territórios e fazendo a luta do dia a dia”. Em exposição, Eduardo falou sobre o impacto dos monocultivos e do agronegócio no Rio Grande do Sul, salientando a importância de fomentar a agricultura familiar e de assegurar o direito de ser e existir dos seres e territórios de vida.
Marla Kuhn, da Abrasco, aprofundou o tema, trazendo a questão de gênero e como os agrotóxicos afetam a questão reprodutiva e a saúde das mulheres. No momento, apresentou o Almanaque “As mulheres semeiam a vida: os agrotóxicos destroem a saúde reprodutiva humana e o ambiente”, contando sobre o processo de consolidação deste. Evidenciou, ainda, a relação entre a bancada da Bíblia, contra o aborto e que violenta constantemente direitos das mulheres, com o apoio ao PL do Veneno.
Eduardo Raguse e Marla Kuhn abordam a questão dos agrotóxicos no RS
Graciela Almeida, agricultora agroecológica da Família Almeida, assentamento Santa Rita de Cássia II (MST), em Nova Santa Rita, Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), destacou que a Feira Frutos da Resistência é biodiversa como nós. Em fala sobre a realidade de seu território, rememorou a importância de seguir na luta para não normalizar o envenenamento de nossas gentes e possibilitar vidas realmente saudáveis. “Naturalizam algo que está errado, porque o certo é preservar a natureza, o certo é cuidar dos bens comuns. O certo, ou verdadeiro, é pensar no futuro, nas futuras gerações, não no lucro de poucos. A gente continua combatendo e lutando contra o óbvio. Contra o óbvio que está mal, que é a morte. E nós seguimos lutando porque acreditamos que estamos do lado certo da história, e porque temos que lutar igual lutam outros povos, os povos originários, os quilombolas, todas as comunidades e territórios que resistem nesse mundo, e nesse Sul Global, sobretudo”, afirmou.
Cores e sabores da produção agroecológica na Feira Frutos da Resistência
A feira também teve muita poesia com o lançamento do livro Búfalo Antigo, de Charles Trocate, da Direção Nacional do MAM. O companheiro abordou a questão minerária no país e seu impacto na vida dos seres, propondo a perspectiva da soberania, controle social da mineração e de outro modelo de produção. “A mineração goza do privilégio de seu desenvolvimento e progresso. Talvez a gente tenha nascido tardiamente dentro da configuração do modelo mineral, mas talvez seja o momento exato pra gente poder levantar essa perspectiva de que nós somos um país minerado e portanto rivalizar, exigir um outro modelo, o controle social da mineração pertence a essa geração que sim, está se preocupando com isso, afinal estamos vivendo sobre uma ruptura metabólica, sobre uma emergência climática”, frisou.
Lançamento do livro Búfalo Antigo, de Charles Trocate, da Direção Nacional do MAM
Meio aos aromas e debates da feira, os ritmos sonoros de Orun Muzunguê, da Comunidade Kilombola Morada da Paz, Mariana Stedele e Duo Irmãs Vidal anunciavam as histórias de luta há tanto presentes, e deram mais pulsão de vida ao encontro. A eles, se somou a exposição e cantos da Cacica Florência Quevedo, da comunidade indígena Warao venezuelana. Artesanias Guarani, Kaingang e Warao encheram a feira de cores e entrelaços, que além de alimentos agroecológicos, teve quitutes cheios de sabor, alquimias, brechó e a exposição diversa do trabalho cooperado no campo.
“Viemos de uma reconstrução do espaço que está permanentemente em transformação, para acolher essa feira”, comentou Lúcia Órtiz, da Amigas da Terra Brasil. Em fala, ela contextualizou como a pandemia de Covid-19 e o avanço do fascismo sobre os corpos e territórios, durante o governo de Jair Bolsonaro, interrompeu também a Feira. “Esse momento de retomarmos a feira é de grande festa. Também retomamos uma iniciativa que tem longa caminhada, de a gente construir nessa outra economia, com outros valores, essa economia afetiva, feminista, popular, contra os avanços do neoliberalismo e dos acordos de livre comércio” expôs, contando a história dos encontros entre mulheres de várias partes do Brasil que, próximas aos vales e às águas, conflui no início da CSAA Territórios de Vida. Uma aliança entre campo e cidade que constrói a economia feminista e popular.
Confira o álbum de fotos da Feira Frutos da Resistência:
Pré-lançamento da CSAA Territórios de Vida
Um dos momentos de destaque da Feira foi o pré-lançamento da CSAA Territórios de Vida. Os territórios que compõem a Comunidade falaram de suas realidades, das lutas que travam, sobretudo pós a enchente de maio, e destacaram a importância de uma forma de produzir coletiva, enraizada na amorosidade, zelo pela terra e respeito aos ciclos da natureza. A iniciativa une campo e cidade em chamamento para que mais pessoas sejam parte da produção agroecológica cooperada. “A gente conseguiu confluir essas águas mais uma vez, e as águas quando elas confluem elas crescem, e a gente convida a todas e todos na cidade para fazer parte da Comunidade que Sustenta a Agricultura Agroecologia (CSAA Territórios de Vida) em toda a sua diversidade, dos povos originários, dos povos quilombolas, do povo na cidade, das hortas comunitárias, da agroecologia, dos assentamentos da reforma agrária”.
A Amigas da Terra Brasil está retomando a Feira após reforma em sua casa sede, que passou por melhorias. O momento também celebrou a nova casa, que abre as portas para que mais iniciativas como essa sejam construídas em comunidade.“Que a Casanat e o espaço Frutos da Resistência voltem a ser esse ponto de encontro, esse ponto de luta, de convergências, e também de abundâncias, de prosperidade, e de dividir e partilhar esses saberes e sabores. Essa abundância que tem em cada um dos territórios em sua diversidade, megadiversidade”, expôs Lúcia.
A Feira é uma forma de expressar e compartilhar com a população sobre as lutas em defesa da vida. Estas são travadas por uma série de territórios gaúchos que estiveram presentes, salientando o quanto se faz necessária a construção de soberania popular, alimentar e dos territórios, via o combate aos grandes projetos de morte da especulação imobiliária, da mineração, do agronegócio e de seus venenos.
O Projeto de Lei 442/2023, que tramita na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, quer declarar a aviação agrícola como de Relevante Interesse Social, Público e Econômico no estado. Em seu artigo 2º, o projeto diz que essa técnica é fundamental para a garantia da eficiência produtiva, abastecimento, segurança alimentar e proteção ambiental, e lista como atividades a semeadura, aplicação de fertilizantes e defensivos, repovoamento de águas, combate a pragas e incêndios. E ainda declara que a aviação agrícola seria livre, autorizada e garantida em todo o território gaúcho. Pode parecer um projeto para valorizar uma atividade econômica, mas representa, na verdade, a pressão do agronegócio para continuar e expandir a pulverização aérea de agrotóxicos no RS. Essa prática vem sendo denunciada por seus impactos a comunidades e produções agrícolas próximas às fazendas que utilizam essa técnica de aplicação de venenos em lavouras. Em 2020, a mídia mostrou a contaminação por deriva de agrotóxico em parreirais de uva na região da Campanha. Acompanhamos produtores agroecológicos de assentamentos da Reforma Agrária em Nova Santa Rita, Eldorado do Sul e Tapes, cidades próximas de Porto Alegre, que há 4 anos registram prejuízos econômicos e ambientais com as derivas pelo agronegócio na região. Também denunciam problemas na saúde e temem a contaminação de fontes de água, usadas para consumo humano e na criação de animais para alimentação.
A pressão popular conseguiu alguns avanços na regulação da pulverização aérea de agrotóxico, mas são localizados e não garantem uma proteção efetiva às pessoas e à natureza. Também não viabilizam a produção agroecológica, sem respeitar o direito dos que querem produzir e de quem quer consumir comida sem veneno.
No Ceará, a mobilização popular resultou numa lei estadual de 2019 que proíbe a pulverização aérea de agrotóxico. O agronegócio tentou derrubar, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) manteve a lei devido aos riscos do veneno para a saúde humana e o meio ambiente. Em defesa da vida, a Amigas da Terra Brasil se soma à luta pelo arquivamento do PL 442/2023 e exige o fim da pulverização aérea de agrotóxicos no RS!
DIVULGAMOS, EM PDF, A NOTA TÉCNICA DA AMIGAS DA TERRA BRASIL QUE SUSTENTA O PEDIDO DO ARQUIVAMENTO DO PL 442/2023 E O FIM DA PULVERIZAÇÃO AÉREA.
Na segunda-feira (16/09), a Amigas da Terra Brasil esteve junto a movimentos sociais e construções de base levando demandas dos territórios de vida à Plenária do Bioma Pampa, que integra o Plano Clima Participativo, iniciativa do Governo Federal. No vídeo, Eduardo Raguse fala sobre o encontro, falsas soluções na emergência climática e a relação dos monocultivos de árvores (que avançam de Norte a Sul do Brasil) com a pauta. Aborda, ainda, quais são as reais soluções e caminhos para frear tragédias anunciadas.
Levando em consideração que não há justiça climática sem justiça para os povos, defendemos que o Plano Clima deverá servir de instrumento para promover a reparação histórica, centrada em soluções climáticas baseadas no direito dos povos ao território.
🚩 O Grupo Carta de Belém, da qual a Amigas da Terra faz parte, participa do processo com a proposta de que o Plano Clima destine recursos dos fundos de meio ambiente e clima, prioritariamente, para a garantia de soberania e autonomia fundiárias dos povos. Pelo direito dos povos aos territórios de vida e para que estes territórios sigam existindo, assim como toda diversidade que os coabita, a proposta demanda que sejam priorizadas:
👉🏽Demarcação de terras indígenas
👉🏽Titulações de territórios quilombolas
👉🏽Regularização de territórios tradicionais
👉🏽Reforma agrária
👉🏽Reforma urbana
O encontro ocorreu no auditório da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS). As reuniões têm o intuito de engajar a sociedade civil no envio de propostas, tirar dúvidas sobre o processo e informar sobre as etapas da elaboração da estratégia que vai guiar a política climática do país até 2035. A votação para as propostas ocorre até o dia 17/09, e cada pessoa pode votar em até 10 propostas. As mais votadas poderão ou não ser incorporadas ao texto após análise do Governo Federal. Participe!
Mineração: Projeto Retiro, iniciativa da empresa Rio Grande Mineração S.A. (RGM) para mineração de titânio, segue colocando em risco territórios de vida em São José do Norte (RS). A comunidade local segue mobilizada pela preservação da agricultura familiar, da pesca artesanal, da qualidade da água, do território quilombola, e pela garantia de seus direitos.
Em abril deste ano, o Movimento Mineração Aqui Não organizou um ato histórico, narrado no vídeo acima. No momento, uma das pautas defendidas pelo povo em luta era que o Ibama, responsável pelo licenciamento do Projeto Retiro, não sentasse na mesa de negociações com a empresa sem ouvir a população. A organização e pressão popular garantiram uma primeira reunião e a abertura de um diálogo com o órgão federal.
Apesar da chuva intensa a carreata realizada contou com mais de duas centenas de carros, caminhões e veículos agrícolas, percorrendo cerca de 100 km de extensão (área do município que seria impactada pela mineração em todas as suas fases), chegando na cidade foi realizada uma caminhada e um ato público no centro, onde as vozes da população e de organizações aliadas como Amigas da Terra, MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração e Comitê de Combate à Megamineração no RS ecoaram em defesa da região e de sua diversidade de vida, dizendo não à mineração. O projeto representa forte ameaça à saúde das pessoas, águas, ar, solo, fauna e flora, para produção de alimentos, pesca e cultura local. Além disso, impacta diretamente comunidades tradicionais de pesca artesanal e o Quilombo Vila Nova.
Hoje, novas informações surgem para o povo em luta. A empresa australiana Sheffield Resources assinou contrato que permite a compra de 20% do projeto, de parte que não está em licenciamento, cabe lembrar que o Projeto Retiro é apenas uma parte de um projeto maior chamado Atlântico Sul. Este contrato é considerado pela australiana como parte de sua estratégia de “montar um portfólio” de ativos de projetos de areias de metais pesados. “Há tempos moradores relatam pessoas falando inglês andando por São José do Norte. Em geral, empresas juniores do setor atuam prospectando mercado e vendendo para empresas maiores (majors), que entram na parte de execução dos projetos, pois se desgastam menos no processo. No soslaio histórico de como atuam as empresas nos processos minerários, é possível que a RGM, responsável pelo projeto, fique com pequena fatia deste, vendendo a maior parte para corporações estrangeiras”, analisa o pesquisador Caio dos Santos, do Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil. Novas ameaças aos territórios de vida surgem, que podem afetar a autonomia local e intensificar o cenário de dependência econômica vivida no Sul Global.
Enquanto a mineração se entranha em comunidades levando a devastação e a morte, das entranhas destes territórios a mobilização popular segue gritando por suas águas e pela vida. Em São José do Norte, a resistência parte de uma coletividade organizada por meio do Movimento Mineração Aqui Não, e representa a voz da maior parte da população urbana e rural do município. Famílias que vivem das águas e do solo da região, do cultivo e da pesca artesanal. Manter estas formas de vida preservadas, assim como as condições que as sustentam, tem valor para todo conjunto da população. Garantir a produção de alimentos, a qualidade das águas, a saúde, e os territórios tradicionais deve ser uma luta de todas, todes e todos.
A luta contra o Projeto Retiro em São José do Norte representa não apenas a defesa de um território específico, mas também a resistência contra um modelo de desenvolvimento predatório, que coloca em risco a vida e os meios de subsistência de comunidades locais, e que afeta o conjunto da classe trabalhadora brasileira que é saqueada pelo atual modelo mineral do país. A mobilização popular é o recurso dos povos para a proteção dos bens comuns e dos direitos das gerações presentes e futuras. Seguimos!
Em ato histórico, mobilização nortense faz ecoar o grito “não queremos mineração”. A comunidade exige preservação da agricultura familiar, da pesca artesanal, da qualidade da água e a garantia de seus direitos, como o de consulta livre, prévia e informada – que prevê que comunidades afetadas por megaprojetos sejam consultadas conforme suas regras antes que estes empreendimentos se instalem.
Com alto impacto socioambiental negativo, a primeira fase do projeto de iniciativa da empresa Rio Grande Mineração S.A. (RGM) está em fase de análise para emissão da Licença de Instalação pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O órgão de licenciamento ambiental estará em reunião com a empresa nesta semana, visitando áreas que constam no projeto. A agenda do Ibama não prevê um momento de diálogo com a comunidade nortense. Moradores de São José do Norte se mobilizam para que o órgão inclua na agenda conversas com a população.
No dia 16 de abril, em mais um ato histórico, a mobilização popular fez ecoar o grito em defesa da região e de sua diversidade de vida, dizendo não à mineração. O ato contou com carreata composta por mais de duas centenas de carros, caminhões e veículos agrícolas, e percorreu cerca de 100 km de extensão, representando toda a área do município que seria impactada pela mineração em todas as suas fases (da localidade de Capão da Areia até a zona urbana). Após a carreata, a chuva ininterrupta não impediu a mobilização de seguir. A pé, em marcha pelas ruas do centro urbano de São José do Norte, manifestantes reivindicaram os seus direitos, denunciando os riscos do projeto para a saúde das pessoas, águas, ar, solo, fauna e flora, para produção de alimentos, pesca e cultura local.
Moradores de São José do Norte estão mobilizados para barrar projeto Retiro
No dia 16 de abril, moradores de São José do Norte voltaram a sair às ruas para denunciar impactos do projeto | Foto: Carolina Colorio, ATbr
Falas abordaram os impactos da mineração no RS e a devastação que a extração de Ilmenita (óxido de titânio e ferro), Rutilo (óxido de titânio) e Zirconita pode trazer. Também foi pontuada a importância da organização popular para barrar o projeto, assim como a necessidade de o Ibama escutar o posicionamento do povo. Elisete dos Santos Amorim, integrante do Movimento Mineração Aqui Não, vive no interior de São José do Norte, e como ela mesma diz, é agricultora desde o ventre de sua mãe. Ela relata que a luta do Movimento começou em 2011, com marco em 2014 quando os primeiros documentos para barrar o Projeto Retiro foram encaminhados. “Nosso objetivo maior hoje é sensibilizar o Ibama para que ele não dê esse laudo favorável ao projeto de mineração. O povo tá contra. Estamos na defesa da nossa água, do nosso território, da nossa história, do nosso povo, da nossa cultura”, evidenciando a luta pela preservação do território. De acordo com a agricultora, até hoje a RGM não foi capaz de garantir que a água não vai ser contaminada e nem que o oceano não vai entrar. “Como é que a gente vai querer um projeto desses? Mineração para quem? Para nós não é. Nós não precisamos disso daí, a gente é feliz do jeito que é”, expôs.
Eduardo Raguse, da Amigas da Terra Brasil e da Coordenação do Comitê de Combate à Megamineração do RS (CCM), pontuou que o que está acontecendo em São José do Norte faz parte de um projeto de expansão minerária no Rio Grande do Sul . Ele rememorou a importância da organização popular para frear megaprojetos, citando um caso que assolou a capital gaúcha e arredores anos atrás: A Mina Guaíba, que se instalada seria a maior mina de carvão do Brasil. “Assim como vocês, fizemos uma grande luta. Tenho certeza que com essa mobilização vocês vão mostrar para o Ibama e para as autoridades locais que São José do Norte não quer mineração”, mencionou.
Após carreata, ato lotou ruas de São José do Norte, mesmo com chuvas intensas | Foto: Carolina Colorio
O projeto de mineração batizado de Atlântico Sul está dividido em três fases: 1- Projeto Retiro, 2- Projeto Estreito-Capão do Meio e 3- Projeto Bujuru. Os nomes de cada fase correspondem a uma das comunidades diretamente atingidas. Hoje, devido a uma autorização do Ibama, o projeto Atlântico Sul está sendo licenciado de forma “fatiada” por fase, o que mascara as populações diretamente atingidas e a avaliação ambiental dos impactos cumulativos. Em sua primeira fase, em licenciamento, pretende explorar cerca de 600 mil toneladas de minerais pesados como Ilmenita, Rutilo e Zirconita. O impacto desta fase é numa área de aproximadamente 30 quilômetros de extensão e 1,6 quilômetros de largura, localizada entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico.
O ato evidenciou a força do Movimento Mineração Aqui NÃO, composto pelas famílias moradoras das zonas rurais e urbana do município, trabalhadores da agricultura, da pesca e de diferentes setores da economia local. Assim como do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São José do Norte, da Cooperativa dos Agricultores Familiares (Cooafan), do Quilombo Vila Nova, das Colônias de pescadores, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, Grupo de Agroecologia Econorte, Centro Comunitário da Várzea e de várias Associações de moradores, agricultores e pescadores. E tem apoio do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Comitê de Combate à Megamineração do RS (CCM), Amigas da Terra Brasil, Instituto Preservar, Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP), grupos de pesquisa de universidades e entidades da sociedade civil gaúcha. A força da população pode ser evidenciada pelo fato de todas/os vereadoras/es e o executivo municipal se posicionarem atualmente contra a mineração.
Mineração aqui não! População em defesa da vida e da cultura local | Foto: Carolina Colorio, ATBr
“Viemos mostrar nosso repúdio a esse projeto nefasto que quer explorar minerais em São José do Norte para atender interesses externos e interesses da indústria bélica, da indústria aeroespacial e de setores da economia que não dialogam com a vida do povo de São José do Norte. Precisamos fortalecer muito a agricultura familiar, a pesca artesanal, o modo de vida tradicional. Precisamos garantir a soberania popular e garantir o direito e a voz”, contou o atualmente vereador do São José do Norte Luiz Gautério, que se mobiliza com o Movimento Mineração Aqui Não e estava presente no ato.
No dia 16 de abril, moradores de São José do Norte voltaram a sair às ruas para denunciar impactos do projeto |Foto: Carolina Colorio, ATBr
Água para vida! Mineração para morte!
Um dos principais aspectos levantados pelos moradores de São José do Norte na luta contra a mineração é a possibilidade de contaminação da água. Essa preocupação é de extrema importância, visto que o município é totalmente abastecido por água subterrânea e não possui outra alternativa para o consumo humano e para a dessedentação animal. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nos estudos complementares apresentados pela empresa não fica comprovado que a água subterrânea do município terá a sua qualidade para o consumo mantida. Em quase todas as falas durante o ato esse aspecto foi levantado.
A insegurança com relação a qualidade e disponibilidade da água vem sendo apresentada pela população ao longo dessa última década de luta contra a mineração. E, durante todo esse tempo, não conseguem ter uma resposta satisfatória por parte do órgão ambiental licenciador e do empreendedor. A água é uma questão de vida para a população de São José do Norte, e a perda da sua qualidade pode significar a impossibilidade da continuidade em seu território. Fato que é indiferente ao empreendedor, mas que deveria ser ponto central na tomada de decisão do órgão ambiental licenciador.
Marcela de Avellar Mascarello e outros (2022), em pesquisa realizada, atestam que no “EIA apresentado pela empresa não traz a garantia de que não haverá prejuízo a esse recurso, tampouco houve qualquer interesse e esforço da empresa em cumprir parte do Termo de Referência para a sua elaboração, em que lhe imputava “caracterizar os principais usos na área de influência direta do projeto, suas demandas atuais e futuras em termos quantitativos e qualitativos”. Há, portanto, uma lacuna de informação que expõe a população nortense a riscos de escassez e de diminuição da qualidade do recurso hídrico. Então, perante a incerteza acerca da disponibilidade deste recurso em quantidade e qualidade adequadas ao consumo da população nortense, durante e após a exploração dos recursos minerários, deve-se usar o princípio da precaução e negar a instalação do empreendimento”.
Encontro no Quilombo Vila Nova, antes do ato | Foto: Carolina Colorio, ATBr
Flávio Xavier Machado, coordenador e vice-presidente da Associação da Comunidade Quilombola Vila Nova, também agricultor, contou que ao longo dos anos, na propriedade em que vive com Vanuza, foram produzindo mais variedades, vencendo desafios e que, hoje, vão para além da subsistência, levando alimentos para outras famílias. “A gente tá conseguindo produzir alimento com qualidade e respeitando a natureza, respeitando o meio ambiente. E essa é a nossa grande preocupação. A gente tá nessa luta para que a gente consiga continuar sobrevivendo dessa forma. Que os grandes empreendimentos que chegam aí não nos impactem tão forte. Hoje, olhando esse projeto da RGM, se ele não for alterado de algumas formas ele vai nos deixar sem condições de ter água de consumo humano e animal e por um bom período… A partir do momento que eles passarem pelo território, a gente não vai tá conseguindo produzir alimento”, afirmou.
Produção de alimentos do Quilombo Vila Nova, que será impactada em caso de implementação do Projeto Retiro | Foto: Carolina Colorio, ATBr
Fato que vem sendo entoado desde 2014 pelos moradores de São José do Norte e desprezado até o presente momento pelo órgão ambiental licenciador, que se espera que nesse momento utilize o princípio da precaução e salvaguarde a vida da população nortense ao invés do lucro da empresa.
Territórios de vida e resistência ou uma zona de sacrifício? Os próximos atingidos
A mineração opera historicamente impondo a mudança de paisagem, impactos na produção de alimentos, violação de uma série de direitos, abusos e a constante ameaça às formas de ser e existir dos povos. Caso o Ibama dê a licença para o Projeto Retiro, o que conhecemos como São José do Norte se transformará em outra paisagem. E a gravidade vai além dessa alteração.
Com o projeto vem a contaminação de águas, lençol freático, solo e alimentos. Também são feridos os modos de viver de comunidades tradicionais que coabitam os territórios, conectadas pela vida pesqueira aos fluxos das águas entre o Oceano Pacífico e a Lagoa dos Patos. Ou vinculadas à terra, cultivando sementes que passam de geração em geração e que contam uma história ancestral. Que crescem, no cuidado e trabalho árduo do dia a dia como alimentos saudáveis e sem veneno, que chegam à mesa de diversas famílias.
Vanuza da Silveira Machado é agricultora familiar e quilombola, integrante da Associação e Comunidade Quilombola Vila Nova, localizada em Capão do Meio, terceiro distrito de São José do Norte. Território que será diretamente atingido pela segunda fase do Projeto Atlântico Sul, mas que sofrerá alguns impactos negativos em caso da emissão da licença de instalação da Fase Retiro. “Nós aqui do Quilombo Vila Nova somos todos pequenos agricultores familiares. A gente vive da roça, plantamos um pouco de tudo. Aqui na nossa residência a gente planta arroz, feijão, milho, batata, cebola, tem uma pecuária também. A gente vende esse arroz para merenda escolar. Outros quilombolas também. No mais todo mundo vive da pecuária e da pesca”, contextualizou, explicando a importância da mobilização coletiva para frear a mineração no local, que atinge seu modo de vida, a produção de alimentos e afeta também culturas alimentares da região e o acesso à terra, outro direito que deveria ser assegurado.
Encontro entre Amigas da Terra Brasil, Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e Quilombo Vila Nova, que resiste ao Projeto Retiro | Foto: Carolina Colorio, ATBr
Uma das preocupações dessa e outras comunidades que participaram do ato é de que o licenciamento ambiental das próximas fases se torne apenas um rito meramente protocolar. Sem que sejam escutados, fato que já ocorre no Licenciamento da Fase 1 visto os impactos negativos que serão imputados à comunidade.
Mobilizada na luta contra a mineração, pelo acesso à terra, assim como pelo reconhecimento e titulação de quilombos, Vanuza abordou a importância da população estar cada vez mais unida na luta, sem se desmobilizar. Em suas falas, mais de uma vez resgatou que os quilombolas têm raízes em São José do Norte, e que é preciso lutar com as raízes que se leva consigo. “Nós, quilombolas, queremos ficar aqui. Queremos o nosso lugar. Aqui estão as nossas raízes. Então a gente tá mobilizado, todos quilombolas juntos, para lutar contra a mineração. A gente não quer que essa empresa se instale, a gente tá lutando muito para isso, junto com os pescadores e toda a comunidade do Capão do Meio, todo interior de São José do Norte. Vamos dizer não à mineração. A gente não quer sair daqui. Se a gente sair daqui, o que é que a gente vai fazer? Para onde nós vamos?”, indagou.
A socióloga e dirigente nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Iara Reis, denunciou as falsas promessas das empresas minerárias, tanto quanto à geração de trabalho e desenvolvimento local, quanto à garantia de moradia para quem é desalojado quando o projeto se instala. “Os que querem ir embora, que garantias têm? Lá na nossa região (Pará) a gente tem experiência de comunidades que foram expropriadas, remanejadas de forma cruel para outro território, outro assentamento. E depois tiveram que ser remanejadas de novo. A pessoa já tá ali desde novinha, cresceu e envelheceu ali, e daí foi mandada para outro lugar. Chegando lá não teve garantia que ia ficar”, contou, apontando a insegurança que a mineração traz neste aspecto.
A comunidade quilombola teve seu direito a consulta prévia, livre e informada violada nos processos de licenciamento ambiental dos Complexos de Geração Eólica Bojuru e Ventos do Atlântico, conforme pareceres técnicos e denúncia realizada ao Conselho Estadual dos Direitos Humanos. Ainda, apesar de não estarem na área de lavra da Fase 1 do Projeto Atlântico Sul, vão sofrer alguns dos impactos negativos e vão ser diretamente atingidos durante a Fase 2. Sem consulta livre, prévia e informada a comunidades tradicionais que podem ser impactadas por seu avanço, os projetos ferem a Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Reside aí um dos grandes motivos para que o Ibama considere a população local antes de emitir licença de instalação para a RGM.
Foto: Divulgação
“A gente já preserva. Tá preservando naturalmente esse nosso território. E esses empreendimentos vão alterar e muito, tanto a RGM quanto a eólica. E aí eles não tão respeitando a 169 da OIT, que garante esses direitos de os povos tradicionais serem ouvidos, poderem ser consultados. A gente não foi consultado em nenhum momento, isso é uma das questões mais graves. Mesmo tendo a lei do nosso lado, e aí que a gente vê que a coisa é muito complexa, eles não obedecem. Só por estarmos aqui por muito tempo e termos o título da Fundação Palmares a gente deveria ser consultado e isso também não aconteceu. Então a gente tá reivindicando e questionando esses processos todos, que de uma certa forma não tá sendo feito da maneira correta”, evidenciou Flávio.
Flávio ressaltou a importância da titulação dos quilombos na garantia de direitos e reparação histórica do povo negro brasileiro, que segue sendo afrontado por diversas formas de violência, sobretudo com o avanço de projetos que não consideram os territórios e agem com uma lógica que reproduz o colonialismo. Pontuou como esses megaprojetos interferem na vida cotidiana, e que a titulação, assim como o reconhecimento da história negra é fundamental para barrar a violência desses megaprojetos na sociedade. “Somos descendentes de escravos aqui, e aí a partir disso a gente começa a buscar um pouco da história, das pessoas que passaram bem antes de nós, nossos avós, bisavós… E gente começa a ter esses relatos das pessoas mais velhas, que o nosso bisavô foi descendente de escravo aqui na região, e isso que nos deu a titulação pela Fundação Palmares, essa comprovação. E agora a gente tá buscando que o Estado reconheça isso. Essa é a nossa luta, para poder garantir que esses grandes empreendimentos não interfiram no nosso modo de vida, que é isso que a gente quer fazer, é isso que a gente faz há muito tempo”, sintetizou.
Evidenciando o racismo estrutural, mencionou ainda a injustiça da questão da distribuição de terras em solo brasileiro: “Outros povos chegam no Brasil e têm direito à titulação de terra e nós nunca tivemos isso. Os números por si só já mostram. No Rio Grande do Sul a gente tem quatro comunidades tituladas. Parece que são 160 comunidades quilombolas no RS e só tem quatro tituladas. Isso mostra que o Estado tá ausente. E isso implica em bastante consequência para nós”.
Quilombolas em defesa da vida e contra a mineração | Foto: Carolina Colorio, ATBr
Relacionando a necessidade da titulação de terras ao movimento contra a mineração em São José do Norte, Flávio expôs que o objetivo de ter começado essa luta na comunidade quilombola é para que possam ter direito a viver neste território onde seus antepassados viveram, por mais de cem anos. “Esse empreendimento vai afetar muito a nossa sobrevivência, o nosso modo de viver na verdade. Até hoje a gente não tem nenhum estudo e nenhuma informação técnica que garanta que esse impacto não seja tão forte como o empreendimento vem colocando. E para a gente poder se defender desse processo minerário que tá vindo se instalar em São José do Norte, a gente precisa ter a titulação da nossa área.”
O território quilombola Vila Nova vem sendo cercado por megaempreendimentos sem que os seus direitos sejam respeitados. Representando, dessa forma, mais um processo de espoliação do povo quilombola, reforçando o processo de racismo estrutural no processo de licenciamento ambiental, conforme denunciado por suas lideranças.
Impactos Socioambientais do avanço da mineração não são considerados em estudos apresentados pela empresa
Foto: Divulgação
Entre os impactos negativos do projeto de mineração em São José do Norte, Caio dos Santos, Pesquisador do Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil destaca os seguinte: possibilidade na piora da qualidade da água subterrânea que serve para o consumo humano e dessedentação animal; aumento do tráfego de veículos pesados e leves, aumento da poeira nas estradas e da exposição a metais pesados, aumento na pressão sobre os serviços públicos como saúde e educação, impacto nas atividades tradicionais de agricultura e pesca artesanal, risco a espécies endêmicas da fauna e flora, impactos na avifauna migratória, falta de consulta prévia, livre e informada às populações tradicionais, aumento do custo de vida, sobrecarga no na rede de abastecimento elétrico que já é deficitária.
Luiz Gautério, que tem formação em Gestão Ambiental , afirmou que o estudo de Impacto Ambiental apresentado pela RGM apresenta várias falhas. “Diversas delas foram apontadas pelo Ministério Público como inconsistências do licenciamento ambiental. Temos uma fragilidade muito alta da nossa água subterrânea, a água de uso, para as pessoas beberem no campo, para os animais beberem, para a manutenção dessa condição dinâmica do ecossistema que dialoga com o oceano, como o berçário, os corpos d’água que são pequenos estuários de vida marinha, com as aves migratórias que passam por aqui. Mas principalmente, nós temos pessoas que dependem exclusivamente da água subterrânea para viver. Por isso que nós precisamos denunciar que o projeto de licenciamento ambiental da empresa RGM está colocando em risco todo esse modo de vida do campo, porque as pessoas podem ficar de uma hora para outra, num período curto de tempo, com a água contaminada. E pelo simples fato da mistura da estratigrafia do solo. E tem outros aspectos que não foram considerados, entre eles mudanças climáticas, que não está presente no estudo de impacto ambiental”, explicou.
Além disso, como aponta a Ação Civil Pública (ACP n. 5007290-39.2018.4.04.7101) ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), as comunidades de pescadores/as artesanais dentro da área de lavra não constam no Estudo de Impacto Ambiental e tiveram seu direito a consulta prévia, livre e informada violado, assim como os/as cebolicultores/as do município. Viviane Machado, do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), salientou no ato que: “É não para a mineração. É não para as eólicas. É não para qualquer processo que exclua as comunidades tradicionais de São José do Norte”. Em parecer técnico, elaborado no ano de 2017, pesquisadores atestam que “o órgão ambiental se exime de sua responsabilidade sobre o licenciamento ambiental, ignorando bases legais relevantes como a OIT 169, que versa sobre a necessidade de manifestação das populações tradicionais sobre projetos de desenvolvimento em seus territórios, dentre outros”. O que tornaria nula a Licença Prévia emitida pelo órgão ambiental, conforme pedido realizado pelo MPF na ACP e sustentado pelo movimento contra a mineração.
Uma luta coletiva
Nos últimos anos, crimes socioambientais de proporções catastróficas, ligados à expansão minerária, assolam o país. Recentemente, o caso da Braskem, em Maceió (AL), evidencia o descaso das empresas e para quem a mineração serve. O rompimento das barragens em Brumadinho e Mariana (MG), crimes ambientais pela qual a Vale, BHP Billiton e Samarco respondem judicialmente, também são feridas abertas em um povo que ainda não encontrou corpos de familiares, e que segue lutando para ter os seus direitos assegurados.
A mineração tem em sua genealogia a violência, a contaminação e a exploração da classe trabalhadora e da natureza. Diversos são os casos na América Latina em que cidades passaram por um ciclo de aparente riqueza, temporária, concentrada nas mãos de poucos e geradora de miséria para a maioria. Essas cidades, que em alguns casos se transformaram em grandes minas, vivenciaram um rastro de destruição, que ocasionou em perdas irrecuperáveis.
Enquanto a mineração se entranha em comunidades levando a devastação e a morte, das entranhas destes territórios a mobilização popular segue gritando por suas águas e pela vida. Em São José do Norte não é diferente. A resistência ao projeto parte de uma coletividade de gentes, que organizada por meio do Movimento Mineração Aqui Não, representa a voz da maior parte da população urbana e rural do município. Famílias que, sobretudo, vivem das águas e do solo da região, do cultivo e da pesca artesanal. Manter estas formas de vida preservadas, assim como as condições que as sustentam, tem valor para todo conjunto da população, para além das fronteiras em que pode ser instalado o Projeto. Por isto, garantir a produção de alimentos, a qualidade das águas, a saúde, e os territórios tradicionais deve ser uma luta de todas, todes e todos.
A luta contra o Projeto Retiro em São José do Norte representa não apenas a defesa de um território específico, mas também a resistência contra um modelo de desenvolvimento predatório, que coloca em risco a vida e os meios de subsistência de comunidades locais, e que afeta o conjunto da classe trabalhadora brasileira que é saqueada pelo atual modelo mineral do país. A mobilização popular é o recurso dos povos para a proteção dos bens comuns e dos direitos das gerações presentes e futuras.
Nos dias 12 e 13 de março, acontece, em Porto Alegre (RS), o 12º FIMA (Fórum Internacional do Meio Ambiente), com o tema Água e Energias Renováveis, busca possibilitar reflexões sobre as formas de produção de energia e o uso da água. O evento é promovido pela ARI (Associação Riograndense de Imprensa), em conjunto com o Ministério Público do Rio Grande do Sul, PPGCom da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e FAMECOS (Faculdade de Comunicação da PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do RS).
O 12ª FIMA será realizado de forma presencial no auditório da FAMECOS, na PUCRS (Avenida Ipiranga, 6681). No dia 12/03 (3ª feira que vem), no final da tarde, ocorre a abertura do evento e a conferência inicial com a participação de Junior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami no estado de Roraima. É a 1ª vez que Junior vem à capital gaúcha. Ele irá falar sobre os problemas enfrentados pelo Povo Yanomami em suas terras, entre eles o garimpo, e o papel do jornalismo nessas situações de confronto e de crise humanitária.
A 4ª feira (13/03) concentra os painéis de exposição e de debate, iniciando às 8h30min e encerrando às 18h30min, com a leitura da carta produzida pelo 12º FIMA. A Amigas da Terra Brasil participa do 3º painel, às 16h15min, na presença da conselheira e integrante do Comitê Executivo da Federação Internacional Friends of the Earth, Lúcia Ortiz, que irá abordar o tema da Transição Energética Justa.
A programação completa do 12º FIMA pode ser acessada AQUI. Para assistir a conferência de abertura e participar dos debates, basta se inscrever neste link. A inscrição é gratuita. Não haverá transmissão online do evento.
O carvão é uma ameaça aos nossos territórios, aos direitos humanos e dos povos. Meio a emergência climática e a acelerada exploração da natureza, que se dá por meio do avanço de fronteiras como a do agronegócio e da mineração, se faz urgente a justiça climática, assim como as soluções pensadas a partir da realidade dos povos e territórios em luta. Eduardo Raguse, do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (RS), articulação de mais de 100 entidades da sociedade gaúcha, expõe a grande ofensiva da mineração no estado.
“A gente teve que se organizar para fazer frente a essa ofensiva e não permitir que o RS fosse a nova fronteira do atual modelo mineral do país. Dentro dessa luta, nos deparamos com a seguinte situação: 90% do carvão em território nacional existente, das jazidas de carvão, estão no RS. A gente tem essa responsabilidade num debate nacional a respeito do carvão. Entra na pauta energética e na pauta das mudanças climáticas. Parece absurdo a gente ter que falar em carvão ainda hoje, mas a gente tá tendo que fazer esse debate”, revelou.
O carvão é o modo de geração de energia mais poluente, também é uma das fontes de energia que mais gera gases de efeito estufa por unidade de energia gerada. “Comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”, explicou Raguse.
Contexto global
A nível global são mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão operando hoje, que são responsáveis por ⅓ das emissões globais de carbono. A contribuição do carvão a nível global para o aquecimento do planeta terra ainda é muito significativa. Para além disso, é consenso científico que as causas humanas (no caso, de alguns seres humanos que detém poder político, econômico e social – a classe capitalista/burguesia) estão levando o nosso planeta para um colapso iminente e urgente.
Para tentar limitar esse aquecimento planetário em 1,5 ou 2º, como propõe o Acordo de Paris, nenhum novo investimento em carvão poderia ser feito. Também deveria haver uma acelerada desativação das estruturas das minas e das termelétricas em todo mundo. Tudo isto até no máximo 2030. Mas, infelizmente, os dados demonstram que o cenário é justamente o oposto. “A demanda energética e o consumo de combustíveis fósseis tem crescido no mundo todo, a pandemia deu uma pequena retraída e aí a gente teve uma expectativa de que essa tendência fosse seguir. Mas 2021 já voltou com o carvão crescendo 9% no mundo e batendo o recorde histórico da produção, consumo e queima do carvão da nossa história”, evidenciou Raguse.
O aumento do preço do gás, em função da guerra na Ucrânia que temos acompanhado, é um dos fatores que amplia o uso do carvão. Países como China, Indonésia, Tailândia e Japão seguem incrementando as suas unidades de geração de energia a partir do carvão. Alemanha e Áustria estão reativando unidades que já estavam desativadas. A Europa toda está importando muito carvão da África, da América do Sul, da Austrália. Aprofundando, também, o impacto da mineração nesses países exportadores de carvão. “Está bastante claro que a gente está longe de superar a dependência dos combustíveis fósseis e eu não estou falando nem de Petróleo, eu estou falando de carvão, que parece ainda mais possível de a gente avançar em ir acabando com essa indústria. Então a gente percebe que há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares a nível mundial, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes energéticas, mas a nossa demanda energética a nível global só aumenta”, denunciou.
Para além do debate de transição na matriz energética, é imprescindível levar em conta que modelo de sociedade, de produção e de consumo defendemos. De acordo com Eduardo, estes fatores são uma das chaves para puxar o freio de emergência do colapso da emergência climática – realidade que está cada vez mais escancarada no Brasil devido a fenômenos extremos, sejam secas históricas em algumas regiões ou chuvas sem precedentes em outras, que afetam de maneira desproporcional as populações marginalizadas, negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, comunidades pesqueiras e os povos tradicionais, quem menos causa impacto socioambiental. ” Para piorar a situação, ainda por cima, esses novos projetos de geração de energia a partir do vento e do sol têm demonstrado atuar a partir da mesma lógica predatória que os próprios investimentos em carvão, em gás e em petróleo. Atingindo as comunidades tanto em função da demanda dos minérios e dos locais das minas, quanto nos locais em que são instaladas essas estruturas”, expôs. Carvão e o contexto brasileiro
Eduardo Raguse participou da mesa “Transição energética Justa” durante o Seminário Direitos Humanos e Emergência Climática, que ocorreu em dezembro de 2023, em Brasília.
No contexto do Brasil, o Anuário Estatístico da Energia Elétrica de 2023 revela que apenas 1% da nossa geração de energia elétrica veio do carvão. Em contraponto, o carvão foi responsável por 32% das emissões de gás de efeito estufa do setor elétrico brasileiro. Quanto a matriz energética brasileira, mais de 80% já vem das hidrelétricas, da solar e das eólicas. Ou seja, o Brasil tem condições em termos de segurança energética para abrir mão do carvão. Não é feito devido aos interesses das empresas ligadas ao setor, assim como pela ineficiência do governo de conseguir apresentar alternativas económicas para as regiões carboníferas. É preciso pautar a redução da demanda energética.
“Também trazendo os dados de energia do Brasil. A geração eólica já, desde 2015, ultrapassa a geração do carvão. No ano passado, a energia fotovoltaica já passou também o volume de energia gerada do carvão. Gerou o dobro do que o carvão gera. Então essa questão de energia de base, que sempre foi a desculpa do setor carvoeiro para o Brasil, hoje já está caindo por terra em função do efeito portfólio da distribuição das usinas eólicas e solares pelo país, que consegue superar essas variações sazonais que esse tipo de energia tem”, comentou.
A baixa eficiência da geração de energia a partir do carvão, aliada as suas altas taxas de emissão de gás de efeito estufa, já são motivo suficiente para a perspectiva de ir encerrando essas cadeias.
Contexto do carvão no Rio Grande do Sul
Dois projetos emblemáticos foram propostos no Rio Grande do Sul nos dois últimos anos, e os grandes impactos locais que esse tipo de estrutura gera também ficam evidentes. “Analisando do âmbito do Comitê de Combate à Megamineração, os estudos de impacto ambiental de uma grande mina de carvão que foi proposta a 15km de Porto Alegre, um projeto chamado Mina Guaíba, que seria a maior mina de carvão a céu aberto do país, a gente percebeu que os estudos ambientais deixavam muito a desejar. Não traziam nenhum pouco de segurança quanto aos impactos que geraram, bem como, um projeto de uma nova usina termelétrica em uma outra região do Rio Grande do Sul, na região de Candiota, que da mesma maneira, analisando os estudos, a gente percebeu uma série de impactos que estavam subdimensionados, lacunas, uma série de problemas nesses relatórios. Também percebemos nas Audiências Públicas como as empresas vendem esses projetos de uma maneira que é um grande marketing. Há um cerceamento ao direitos das comunidades de entenderem, de fato, como funcionariam esses projetos no futuro. E aí, muitas vezes vendem a ilusão de que os impactos não vão vir, somente o desenvolvimento. E a gente percebe que é justamente o contrário. O desenvolvimento que eles tanto prometem parece que nunca chega, mas os impactos com certeza”, explicou Raguse.
Para além disto, a questão do carvão também tem um outro ponto bastante sensível, que são os problemas relacionados aos impactos à saúde, seja humana, seja ambiental. Há uma série de estudos que correlacionam o carvão a problemas de saúde em rebanhos bovinos, decorrentes do flúor. Também há análises quanto à minação de ovos de galinha com chumbo, cádmio e o flúor. A genotoxicidade em amostras de carqueja, uma planta que existe no Rio Grande do Sul muito utilizada como uma planta medicinal, também são alarmantes. “Se encontrou genotoxicidade em uma planta que a pessoa toma para de repente se curar da dor de barriga. Também se encontrou genotoxicidade em células sanguíneas, fígado e rim de roedores nativos, um pequeno roedor que existe no sul que se chama tuco-tuco. Se identificou em trabalhadores de Candiota significativo aumento de danos em células linfócitas e bucais. Tem estudos que avaliam comunidades que vivem nos municípios da região de Candiota, e já se conseguiu correlacionar a influência do material particulado do carvão a problemas hematológicos entre os residentes, com alterações nos parâmetros hematológicos em 43% da população, e em função do fígado em 30% da população. Sendo que a população mais atingida, segundo esse estudo, é o município de Pedras Altas, que sequer tem a Mina e Termelétrica que geram esse dano para o município, ou seja, que sequer recebem os impostos e tudo mais que deveriam receber”, expôs Raguse.
Visado como novo setor minerário do Brasil, o estado do Rio Grande do Sul segue em mobilização e em luta para barrar as atrocidades minerárias e garantir direitos básicos, para além da preservação ecossistêmica. Através da atuação do Comitê de Combate à Megamineração, projetos como essa termelétrica e essa mina de carvão foram interrompidos até o momento.
“Nós estamos, literalmente, como dizemos no Sul, segurando o carvão a unha. Nesse entendimento de que já que insistem em propor esses projetos, nós vamos fazer um empate. A gente percebe que o lobby carvoeiro segue forte. Existem dois projetos de lei hoje tramitando no Congresso, um deles a gente tem chamado de PL do Carvão, que visa incluir o Rio Grande do Sul nesta lei de Santa Catarina, que se autointitula de Lei de Transição Energética Justa, mas que na nossa leitura está esvaziando esse conceito, porque ela basicamente aumenta a vida útil das termelétricas a carvão subsidiadas até 2040. E não estabelece metas para de fato uma transição, que por exemplo se vincule prazos ao acesso aos subsídios, por exemplo. E existe um outro PL, que é o PL das Eólicas Offshore, que também está buscando ser regulamentado. E tem um jabuti no artigo 23 que justamente inclui também, até lá, a priorização da energia do carvão até 2050 nesse projeto de lei que nós também precisamos debater. E só lembrando, o subsídio anual do carvão tá em 800 milhões por mês e isso quem paga somos nós né, porque encarece a nossa conta de luz”, denunciou Raguse.
Como relata Eduardo: “Não tem saída dessa crise a partir de um sistema que está em crescimento infinito e que também então vai ter uma demanda energética infinita. Sem a redução na demanda, as energias ditas renováveis se tornam apenas mais um elemento de pressão sobre as comunidades. Temos que avançar com uma radicalidade e com um senso de urgência nesses próximos dez anos para buscar a descarbonização de nossa economia, um decrescimento também. Temos que falar sobre isso e superar esse paradigma do desenvolvimento sustentável. E isso tudo facilitado por uma distribuição de riquezas. As mudanças climáticas são inevitáveis, mas temos que atrasar, ou reduzir ao máximo o aquecimento da Terra. E que a gente possa caminhar o máximo possível na superação do capitalismo, afinal de contas, é disso que a gente tá falando: mudar o sistema e não o clima”.
Confira a fala de Eduardo Raguse, do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (RS), sobre o carvão no Brasil e no RS:
Conheça as pautas do Comitê de Combate à Megamineração:
O abandono do carvão como fonte de energia, já na próxima década, com o impedimento de novos empreendimentos de mineração e queima;
Que se estabeleçam prazos claros para a desativação gradual das estruturas existentes;
Que se cumpram tais prazos e que os mesmos sejam vinculantes ao acesso aos subsídios que o setor recebe, que parte desses subsídios bem como recursos desses países que se desenvolveram a partir das energias fósseis que nos colocam nesse colapso, possam ser justamente investidos nessa transição energética justa real que a gente quer ver para esses territórios;
A Política Nacional sobre Mudanças Climáticas precisa ser revista, visando colocar uma data para o fim do carvão;
O arquivamento por esse projeto de lei que quer incluir o Rio Grande do Sul nesta lei de Santa Catarina, bem como, tirar esse jabuti do PL das Offshore
Incluir nos licenciamentos ambientais de todos tipos de atividades que gerem gases de efeito estufa, esse critério de licenciamento, e que isso possa ser considerado para os deferimentos ou indeferimentos desses empreendimentos
Redução da demanda energética. Sem isso não tem saída. Mudar o sistema e não o clima.