Fazenda Arado Velho: aprovada alteração do regime urbanístico para construir megacondomínio privado em Porto Alegre (RS)

Nesta segunda-feira (20/12), a Câmara de Vereadores da Capital gaúcha aprovou, por 24 votos a favor e 12 contra, o PLCE 024/21 do Executivo, que altera o regime urbanístico da região da Fazenda do Arado Velho, localizada no bairro Belém Novo, extremo sul da cidade.

O PLCE foi votado numa sessão extraordinária, com pouca participação popular e da comunidade local, sendo tocado às pressas e meio à pandemia do Coronavírus pelo governo do prefeito Sebastião Melo para atender aos interesses da empresa Arado Empreendimentos e demais beneficiados pela especulação imobiliária.

Vereadores apresentaram 9 emendas ao projeto, mas apenas 1 foi aprovada. Todas as demais, que tratavam de responsabilizar a empreendedora pelos danos ambientais causados pela construção, ampliavam as contrapartidas à comunidade local, buscavam maior salvaguarda ao meio ambiente e respeitar os direitos dos indígenas Mbya Guarani que habitam uma parte da fazenda foram REJEITADAS pela bancada governista.

Os projetos do condomínio ainda deverão passar por licenciamentos do município e do Estado, mas sabemos que esses governos atendem aos interesses do poder econômico. Precisamos seguir na luta em defesa do Arado Velho e de uma cidade para todos e todas!
#PreservaArado #PreservaBelemNovo

O que é o PLCE 024/2021 e seus impactos

A aprovação do PLCE 024/2021 viabiliza o loteamento de um número maior de terrenos do que o plano diretor permitia para ser construído no local, aumentando assim os lucros da empreendedora. O projeto da Arado Empreendimentos prevê mais de 2,3 mil lotes de média e alta renda, aumentando em 70% a população do bairro Belém Novo e colocando em risco a preservação de banhados importantes na Fazenda do Arado Velho que ajudam a evitar alagamentos na região.

Conheça mais sobre o Arado Velho neste especial da Amigos da Terra Brasil

Para implementar seu projeto de megacondomínio, a Arado Empreendimentos ameaçou e criminalizou integrantes de organizações ambientalistas e de moradores da região, que denunciaram ilegalidades no processo e os impactos ambientais e sociais. A empresa também usou de ameaças e de violência para expulsar indígenas Mbya Guarani que retomaram terras ancestrais em uma parte da fazenda, a Ponta do Arado.

Relembre:
Arado Velho: Violência contra indígenas e ameaças a ambientalistas para garantir projeto imobiliário

Arado Velho: confira nota do Movimento Preserva Belém Novo sobre agressão e intimidações sofridas em reunião que debateu projeto

Para conseguir o apoio da comunidade, prefeitura e empreendedora negociaram “contrapartidas” com custo bem aquém dos ganhos econômicos que os empresários terão, além de não impactar em melhorias significativas à população. A ampliação de água pelo DMAE na região não depende do empreendimento, como já assumiu o órgão em Arado Velho: DMAE esclarece que estação de tratamento de água NÃO depende de viabilização do condomínio fechado

Junto ao projeto de loteamento da Fazenda do Arado Velho avança a construção do Sistema de Abastecimento de Água (SAA) da Ponta do Arado pelo DMAE e prefeitura de Porto Alegre. Com estudos de impacto ambiental considerados falsos e sem diálogo com a população, a ampliação do fornecimento de água tão desejada pela comunidade, se seguir o atual projeto do Governo Melo, irá fechar o acesso público à Prainha de Copacabana na região e inviabilizar o sustento de pescadores locais:

Prainha de Copacabana em risco: obra de abastecimento de água avança sem diálogo com pescadores e comunidade de Belém Novo (Porto Alegre/RS)

Prainha de Copacabana em risco: uma nova estação de Tratamento de Água para Porto Alegre (RS) parece bom, mas não é!

Imagem da matéria: Regime urbanístico da área será modificado no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental/ Crédito: Câmara de Vereadores de Porto Alegre (CMPA)

Há 3 meses, retomada Karanda’ty Mbya Guarani reivindica território em Cachoeirinha (RS)

A retomada ao território ancestral defende a área conhecida como “Mato do Júlio” contra projeto de especulação imobiliária

Quem acessa o município de Cachoeirinha (RS) vindo da BR-290 identifica uma área de mata fechada que pode ser vista já da estrada. A área de quase 300 hectares de floresta e banhados, berços da fauna e flora remanescentes do bioma Mata Atlântica, é moradia de famílias Mbya Guarani que retomam a terra ancestral localizada próxima à região central do município. As terras abrigam uma mata nativa que inclui vegetação em estágio inicial de regeneração, próximo à BR-290, e em estágio médio e avançado ao norte, onde é delimitada pela Av. Flores da Cunha, na região central da cidade, e torna-se abrigo também das famílias Guarani com a chegada da primeira “mitã”, neném, nascida na retomada Karanda’ty. O nome foi dado por Alexandre Kuaray, o xeramoi da retomada, ou seja o mais velho e sábio.

O retorno ao território ancestral ocorreu em 15 de setembro e, desde então, as famílias seguem ocupando e protegendo a área, que está em disputa entre município e os 13 supostos herdeiros da região, que mantêm uma dívida de IPTU com o município. A ocupação da área pelas famílias Guarani dá função social à propriedade, como define a Constituição Federal.

É importante sublinhar que a região metropolitana de Porto Alegre, seguida das missões e da região litorânea, são as áreas com a maior concentração de populações Guarani (sendo Mbya no sul  do Brasil, Ava-Katu-Eté no Mato Grosso e Nhandeva-Xiripa em São Paulo), como apontam os dados publicados pela Comissão de Cidadania e Direito Humanos da Assembleia Legislativa do RS (ALRS) no material “Coletivos Guarani no Rio Grande do Sul — Territorialidade, Interetnicidade, Sobreposições e Direitos Específicos”. Tanto hoje como no passado, o comportamento territorial dos povos originários tem sido mal compreendido pelos juruá (termo Guarani em referência aos não-indígenas) que invadiram seus territórios. Estes basearam sua conquista na expulsão das populações locais e defendem, com isso, o direito à posse da propriedade, sem levar em consideração o fenômeno conhecido como “itinerância” pelos povos originários. 

“Os povos autóctones platinos viviam, assim como quase todos os nativos das Terras Baixas sul-americanas, em regime de circulação sazonal entre aldeias e acampamentos. Conforme a época do ano, havia o deslocamento dos núcleos domésticos de produção por todo o vasto território tribal, independente da existência de aldeias e assentamentos “mais” permanentes ao estilo do que passaram a praticar os colonizadores”, descreve o pesquisador José Otávio Catafesto de Souza na obra Povos Indígenas na Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba, lançada em 2008 pela prefeitura de Porto Alegre.

O debate é antigo, afinal os povos originários das Américas lutam há pelo menos quinhentos anos pelo direito de existir em comunhão com a natureza. Depois de expulsão, assassinatos e séculos de violência, a luta por ter seus modos de vida respeitados permanece. A disputa pelos territórios ancestrais é uma luta presente no país: está em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF) a decisão sobre a tese do Marco Temporal. A presença desse debate e do trâmite de Projetos de Lei que visam retirar os direitos indígenas com o PL 490 na Câmara Federal provam que nem mesmo os direitos adquiridos na Constituição Federal são permanentes. A tese do marco temporal é uma tese ruralista e que segundo esta interpretação, já considerada inconstitucional, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese é defendida por empresas e setores econômicos do agronegócio que têm interesse em explorar as terras indígenas. 

A defesa da permanência dos Mbya Guarani na retomada de Cachoeirinha reafirma o direito secular sobre essas terras, além do resguardo da área de mata, fundamental para manutenção dos modos de vida dos povos tradicionais e para dar qualidade de vida aos próprios moradores do município de Cachoeirinha, uma vez que as áreas verdes mantêm o equilíbrio da umidade do ar e mitigam a poluição emitida pela urbanização. 

Segundo os Mbya Guarani, a retomada ocorre como forma de lutar pela preservação da área de mata. Seguindo o entendimento de que todos os seres têm direito à vida e precisam ser respeitados, tendo a retomada a finalidade de proteger fauna e flora em um ambiente de harmonia, diante do contexto de acelerado avanço da destruição sobre as áreas de preservação. Em especial quanto à especulação imobiliária, como os fatos levam a compreender o caso. 

Em uma live no Facebook, no dia 29 de setembro, promovida pelo Coletivo Sementes, em que participou o pesquisador José Catafesto, ele esclareceu que o conceito de cidadania não é algo que os indígenas almejam, pois remete à cidade e a um ideal de urbanização. O que os indígenas realmente almejam, explicou, é a “florestania” — conceito criado pelo historiador. A neologia apresenta uma relação com a terra e a sua “tekoá” (aldeia, na linguagem Mbya Guarani).

A área conta, há anos, com mobilizações da população em apoio à preservação da área, além de movimentos articulados como a Associação de Preservação da Natureza — Vale do Gravataí (APN-VG) e do grupo Salve o Mato do Júlio, que defendem o local como uma reserva ecológica e entendem que o local é fundamental para a qualidade do ar da cidade, como recurso hídrico e também para o controle de espécies animais.

Até agora, a prefeitura de Cachoeirinha não entrou em contato com as famílias e parece ignorar a existência da Retomada. A Secretaria Especial de Saúde Indígena se comprometeu em abastecer a retomada com água, porém nada fez até agora. Já a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) levou algumas cestas básicas em uma visita à retomada nesses 3 meses.

Confira a fala de Luiz Karaí sobre o que representa a retomada:


A disputa pela área

A área conhecida como “Mato do Júlio” é uma antiga fazenda que vai da Avenida Flores da Cunha até depois da BR 290. O único imóvel na área é a casa construída em 1815 pela família Baptista Soares da Silveira e Souza e é popularmente conhecida dessa forma, pois o último herdeiro a morar na casa foi Júlio, falecido no início dos anos 2000. A área que data do período colonial inclui uma antiga senzala. Como patrimônio histórico dessa região, casarão e senzala, ambos em estados de avançada deterioração, estão em processo de tombamento histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 

Um projeto capitaneado pelos herdeiros da área propunha a construção de um loteamento na região, incluindo duas ruas cortando o “Mato do Júlio”, ligando a Avenida Papa João XXIII ao Parque da Matriz e uma outra ligando a Flores da Cunha até a Perimetral Sul, que seria construída junto à BR 290. Além de vias secundárias loteadas e um parque no entorno da Casa dos Baptistas. Sem políticas públicas de habitação popular, a prefeitura construiu em 2020 o Projeto de Lei 4463. O PL foi questionado pela falta de debate público para uma pauta que pretendia alterar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e culminou na recomendação do Ministério Público Estadual (MP), à Câmara Municipal, pela suspensão do processo de alteração do plano diretor.

Em entrevista ao site Seguinte, o vice-prefeito de Cachoeirinha, Maurício Medeiros, afirmou que esteve reunido com os herdeiros da área conhecida como “Mato do Júlio” no início de novembro. Segundo o vice-prefeito, os herdeiros da região estariam preocupados com a letargia do processo que define o destino da área. Contudo, estes nunca pagaram o IPTU sobre a área e a dívida soma o valor de mais de R$ 25 milhões. Segundo Medeiros, o Ministério Público orientou a prefeitura a contratar um estudo técnico para definir o que pode ser desenvolvido na região. A área está avaliada pela prefeitura em R$ 200 milhões. Segundo o mesmo site, um acordo foi firmado pelo governo Miki Breier com os herdeiros da área, em que o município receberia 10 dos 256 hectares da área privada, em troca de uma dívida judicializada de IPTU.

Maurício, agora, comanda o município após o afastamento do prefeito Miki Breier por processo do Ministério Público que o acusa de receber propina de empresas terceirizadas que prestam serviços no município. Ele afirma que pretende dar seguimento à política implementada por Miki para a área.

Abandono gera insegurança

Um dos motivos para a defesa de destruição da área de preservação foi um recente caso de tentativa de estupro a uma professora que passava pelo Parcão, em Cachoeirinha, região próxima ao chamado “Mato do Júlio”. A notícia reacendeu a discussão e motivou uma nota da prefeitura reiterando que reenviará o PL com proposta de alteração do plano diretor para incluir o projeto imobiliário na área de mata à Câmara do município: “A Prefeitura informa que irá reenviar o projeto à atual legislatura na esperança de que compreendam toda sua extensão e importância para a segurança da população de Cachoeirinha”.

O caminho adotado pela prefeitura para o problema estrutural de insegurança das mulheres para exercerem seu direito de ir e vir poderia ser trabalhado de forma transversal: com campanhas de conscientização, com educação nas escolas, trazendo o debate para a sociedade e capilarizando uma transformação real e a longo prazo junto à população. Ao contrário, escolhe-se utilizar deste motivo para apoiar a especulação imobiliária e destruir uma área que tem um papel fundamental de controle do clima do município, além de ser local de moradia de toda uma sociobiodiversidade.
Vale destacar que há um batalhão da Brigada Militar há uma quadra de distância do Parcão de Cachoeirinha, divisa com a área preservada. Além disso, ainda em 2016, o MP municipal já indicava a necessidade de cercamento da área: “O cercamento consta, inclusive, no Plano Diretor do Município e existe uma dívida ativa de R$ 10 milhões em IPTU”, afirmou a Procuradora-Geral do Município, Maria Loreny Bitencourt da Silva, citando os valores da época. Na referida reunião, foi o primeiro momento em que o município teve acesso aos dados dos 13 herdeiros para direcionar a execução dos tributos e a responsabilidade pela segurança e preservação ambiental no local.

#PreservaArado Justiça Estadual suspende votação do PLCE 024/2021 na Câmara de Vereadores de Porto Alegre (RS)

É uma pequena vitória frente  à luta que temos em defesa da Fazenda do Arado Velho no Extremo Sul da Capital, do meio ambiente e dos indígenas Guarani contra os interesses da  especulação imobiliária. Junte-se com a gente! 

Esperado para ser votado na última segunda-feira (6/12), o projeto da Fazenda do Arado Velho (PLCE 024/2021), que prevê alterações  no Plano Diretor  da cidade a fim de  viabilizar a urbanização massiva da área no bairro Belém Novo pela empresa Arado Empreendimentos,  teve seu trâmite suspenso pela juíza Nadja Mara Zanella, da 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre. . A decisão  cautelar  é uma resposta à ação civil pública ingressada pelo Ministério Público Estadual (MPE), que pede que o prefeito não apresente o projeto  e que este deixe de tramitar na Câmara Municipal até que sejam elaborados todos os estudos, diagnósticos técnicos e debates sobre a alteração do perímetro e do regime urbanístico por ocasião da Revisão do PDDUA (Plano Diretor). No despacho, a magistrada convocou uma audiência de conciliação entre as partes no dia 13 de dezembro, às 15h, antes de decidir sobre o pedido do MPE. Não há mais detalhes sobre qual seria a conciliação possível entre indígenas que sofrem por milícias armadas, impedindo-os de usar um território que é seu por direito previsto na Constituição de 1988, e os milicianos. 

O megaempreendimento imobiliário não tem estudo de impacto ambiental verdadeiro. O estudo que a construtora tentou usar já foi considerado falso pelo Instituto Geral de Perícias pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul, conforme noticiado pelo jornal Sul21. Além disso, um Sistema de Tratamento de Água (SSA), que já estava previsto desde 2010 pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), foi usado como propaganda para promover o condomínio de média e alta classe planejado para a área da Fazenda do Arado  e colocá-lo a serviço da comunidade, obtendo o apoio dos moradores da região. O DMAE escreveu nota pública ratificando que a implementação da SSA sairá do papel porque é uma demanda antiga da região e arredores, que sofre com falta d’água constantes, e não depende da tentativa de construção do  bairro privado.

Esse ciclo vicioso de informações de difícil acesso à população e bastante confusas, que muitas vezes são desmentidas depois, geram uma enorme “cortina de fumaça” em cima do condomínio. Em processos anteriores já observados com os condomínios de luxo Terraville, também em Belém Novo, e no Alphaville I e II, no bairro Vila Nova, o poder público junta-se  a empresários em prol do lucro. Sobram  argumentos para que não se realize o empreendimento na Fazenda do Arado Velho: tentativas de aprovar mudanças  no Plano Diretor da cidade na surdina, sem consulta com à população; crimes nos estudos ambientais;  violência infringida  contra os indígenas que habitam o local; coloca em risco a preservação de banhados importantes que ajudam a evitar alagamentos na região; aumenta em 70% a população do bairro Belém Novo, sem prever investimento em infraestrutura pública para além da duplicação de trechos de ruas e de avenidas a fim de fazer o trânsito fluir .aso seja construído, não está prevista há nenhuma contrapartida que melhore, de forma concreta, a vida da comunidade como construção de escolas e mais postos de saúde, melhoria no saneamento, aumento na frota de ônibus, como se toda a população do condomínio e do entorno não precisasse desses serviços e fosse toda composta de pessoas que conseguem pagar pelos serviços que são direitos – ou a classe média. Na prática, é mais uma tentativa de higienização da cidade. 

Como aceitar a audiência de conciliação, então, se é para ouvir os dois lados com o mesmo poder de fala? É justo que quem está na mira da bala fale com o mesmo tempo de quem aperta o gatilho? Por que não há mais políticas habitacionais que compreendam o meio ambiente, a história,  as subjetividades das populações locais e que atendam à necessidade dos moradores da região, em sua maioria composta por trabalhadores e famílias de baixa renda? As respostas destas perguntas são: tudo isso ocorre porque o lucro está acima da vida. Essa lógica está presente em todo o sistema de Estado estruturado. Por isso, é de extrema importância que lutemos CONTRA o projeto da Fazenda do Arado e CONTRA a especulação imobiliária que faz desastres nas cidades. 

#NãoAoPldoAradoVelho #PreservaArado #PreservaBelémNovo

Festival Ambiental 2021: Porto Alegre pela Ecologia e pela Justiça

O Festival Ambiental POA 2021 pela ecologia e justiça social aconteceu no sábado, dia 27 de Novembro em Porto Alegre, no Parque Marinha do Brasil, bairro Praia de Belas. A Associação Mães e Pais pela Democracia, em parceria com os coletivos Amigos da Terra Brasil, MTST, Quilombo Lemos, AGAPAN, Coletivo Ambiente Crítico e Coluna Vermelha, Macacos Urbanos entre outras entidades, foram os responsáveis pelo evento, que se deu das 11h30min da manhã às 19h, pois teve um atraso motivado pelas chuvas constantes. O festival foi marcado por uma série de diálogos abertos, exposições, palestras, oficinas, uma feira de produtos sustentáveis e o lançamento de livros sobre a temática urbana e temas da regularização fundiária. Durante o evento, houve também a coleta de roupas, alimentos, lixo eletrônico, cadernos usados com folhas em branco e guarda-chuvas quebrados. Para fechar o dia, o Rafuagi deixou sua contribuição musical ao vivo para os participantes.

Leia no link: Carta Compromisso com a Porto Alegre ambiental e urbana que queremos

A Amigos da Terra Brasil se fez presente com uma banca montada junto ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A Organização ambientalista recebeu uma homenagem durante o festival por estar na resistência por uma Porto Alegre ecológica e justa socialmente, que foi entregue a Fernando Campos Costa, conselheiro do ATBr. “Existe a necessidade de o Plano Diretor ser feito de forma inteira, participativa, essa discussão da cedência diária das questões do município, a questão ambiental, que vem sendo precarizada desde o licenciamento ao quadro técnico”, explica Costa. Ele analisa  ainda que existe um “processo de exclusão por parte de uma elite, por parte de um setor do mercado imobiliário que se apropria do que é bem comum, que é o patrimônio da cidade, patrimônio imaterial, patrimônio social, cultural, ambiental, e que de uma forma ou de outra, acaba transformando Porto Alegre sem identidade, sem cultura, sem participação, sem envolvimento, principalmente com uma segregação social que nos mostra explicitamente a luta de classes da cidade”. O Festival Ambiental foi pensado com o objetivo de reunir, de forma presencial ao ar livre, militantes e pessoas envolvidas na questão ambiental da cidade de Porto Alegre. Segundo a ativista da ATBr e fotógrafa, Isabelle Rieger, o evento atingiu até mesmo a subjetividade dos participantes: “O pessoal do evento convocou uma meditação de 15 min com um monge com o objetivo de relaxarmos e promover uma conexão ainda maior com a natureza e a ecologia”. 

O foco do evento foi a visibilidade na luta pela moradia digna e por uma cidade ecológica e justa socialmente. Por esse motivo, foram trazidos, para integrar a formulação da carta “Compromisso com a Porto Alegre ambiental que queremos”, o Quilombo Lemos, os coletivos Preserva Belém e Preserva Arado, Vila Cai Cai, Vila dos Papeleiros, indígenas de Porto Alegre, torcedores e torcedoras antifascistas do Inter. O documento foi feito em plenária organizada durante a tarde do evento, com o propósito de colocar em pauta o posicionamento das entidades organizadoras. Este se coloca largamente contrário aos  projetos recentemente propostos para a modificação dos regimes urbanísticos do Centro de Porto Alegre (PLCE 023/2021), da Zona Sul, para viabilizar a construção de torres ao lado do estádio Beira Rio (PLCE 04/2019), da Fazenda Arado Velho em Belém Novo, o qual reduz a Zona Rural para autorizar loteamentos em área ambientalmente sensível (PLCE 024/2021). A carta ressalta ainda a aversão das entidades destacadas a qualquer projeto de lei ou ação governamental que fira direitos humanos, direitos socioambientais e direitos relacionados à participação popular nos processos e discussões que dizem respeito a Porto Alegre, em especial aqueles que afetam os povos originários e quilombolas.

Como resumo do evento e seus melhores momentos, o biólogo e ativista da ATBr, Heitor Jardim, destaca: “Tinha várias organizações presentes no local, várias falas bem importantes de militantes históricos do meio ambientalista e foi um momento de bastante comunhão e encontro entre lutas e frentes de resistência aqui de Porto Alegre”. O gestor Fernando Costa complementa: “Pra além das bancas, o encontro teve um espaço político de fala, a construção de uma carta e terminou com o lançamento dos livros sobre temas urbanos, temas de regularização fundiária e que dialogam com a questão dos sem-teto. Fechou com uma atividade cultural com o Rafuagi, teve um lado cultural legal também, abrindo essa possibilidade de atividades externas com participação e com cuidados de higiene necessários devido a pandemia”.

 
Abaixo, fotos da atividade. Cobertura de Isabelle Rieger:

Projeto das Torres do Inter: futebol ultrapassa limites esportivos

O por trás das câmeras da reivindicação das “Torres do Inter”

Na época em que a prefeitura de Porto Alegre era administrada  por  Leonel Brizola, em 1956, ele cedeu o terreno onde hoje está  localizado o Estádio Beira Rio para que o Sport Club Internacional pudesse construir seu estádio, sob cobertura da Lei nº 1.651. Naquele contrato, foi explicitado que o município concedia o terreno ao Inter para construir um estádio, na época chamado no texto de “praça de esportes”. Segundo a Lei nº 6.150, de julho de 1988, nada além do estádio, de equipamentos e do comércio de apoio ao fortalecimento da área poderiam ser estabelecidos ali. O projeto do clube prevê ainda lojas e restaurantes. Contudo, no presente momento, o Clube está pedindo autorização para que sejam construídas torres residenciais e corporativas, cujos apartamentos e salas poderiam ser vendidos em prol de geração de lucro, e uma delas tem previsão de medir 130 metros de altura. “O Inter está pedindo, na verdade, duas coisas que são proibidas: a primeira é construir ali, com uma finalidade diferente da esportiva. A segunda coisa é a seguinte: eles não querem um simples prédio normal como prevê o plano diretor, mas sim um edifício que hoje está proibido, querem fazer os maiores prédios do Rio Grande do Sul, com o objetivo de vender os apartamentos”, afirma o diretor do Sindicato de Arquitetos do RS, Pedro Araújo. 

A flexibilização é a política para amigos da prefeitura e de parte da Câmara de Vereadores, e é baseado no entendimento de entregar o Estado à iniciativa privada. Hoje, somos acometidos de diversas políticas que empregam esta máxima e comprometem  os bens públicos, que devem ter função pública. É o caso do Pontal do Estaleiro, que tinha função específica e acabou indo para o privado, assim como  o caso do Jóquei Clube, que também foi vendido e cedido à iniciativa privada com a desculpa de pagar as dívidas,  hoje atrofiado entre shopping e torres de luxo. Mas não ficamos aí, temos muitos imóveis nessa condição de estarem cedidos, há muitos anos, para associações de profissionais, times de futebol, enfim, com interesses públicos e que, numa manobra, transformam-se em privados na mão da especulação imobiliária – principalmente as áreas que ficam na  beira do Rio Guaíba, num momento em que o discurso de Porto Alegre de se virar para o rio ganha força e valor no mercado imobiliário.  

Neste esforço de trazer e desvendar essas realidades paralelas de Porto Alegre é que foi realizado o Festival Ambiental POA 2021 no último sábado, dia 27 de novembro, no Parque Marinha do Brasil. Movimentos e organizações sociais deram a cara para dizer que Porto Alegre é mais! É resistência. As organizações estão construindo a unidade na ação para mudar esta realidade, por isso, neste momento, retomamos os espaços de encontro e manifestação. 

Projeto das torres do Inter é criticado por grupo de torcedores. Crédito da Foto: Isabelle Rieger/ ATBr

Atualmente, tramita um projeto na Câmara Municipal, o qual pode ser votado a qualquer momento, para autorizar a construção das torres do Inter. Em 23 de setembro, o tema foi debatido em audiência pública virtual promovida pela Câmara de Vereadores. A próxima etapa consiste na análise e aprovação do assunto em plenário na Casa Legislativa, por enquanto sem data prevista. “O Inter não tem esse direito, mas à medida que o adquire, vai ganhar muito dinheiro. Supondo que o Sport Club Internacional quisesse comprar um terreno para construir essas torres, se a gente fosse dar um preço para esse espaço, seria de uma estimativa que não existe hoje em Porto Alegre, um valor absurdo. Mas vamos supor que a prefeitura poderia dizer isso: olha, lá naquela época, há 60 anos atrás, eu negociei contigo naqueles termos; agora, se tu quer alteração, nós vamos ter que renegociar. Então, o valor que seria o custo desse imóvel poderia ser repassado para prefeitura e ser investido em bairros como a Restinga, no Rubem Berta, no Sarandi… Seria o mínimo”, explica Araújo. O Clube alega que está em dificuldades financeiras, por isso  pede a liberação para construir  as torres e se recuperar. “Então, pegar um terreno público, que é de toda cidade, construir, vender e ficar com o dinheiro pra si, é absurdo. Então não é mais público, passa a ser privado, e o time embolsa enquanto a prefeitura nem vê a cor do dinheiro”, sublinha o arquiteto.

A constituição do projeto apresentado pelo Inter prevê como contrapartidas o alargamento da Avenida José de Alencar, a construção de um píer na área do Parque Gigante, localizada junto à Orla do Rio Guaíba, e a promoção de reformas no Asilo Padre Cacique e em uma unidade de saúde. Porém, “o valor do terreno chegaria perto de R$ 1 bilhão. Mas isso não está sendo discutido por ninguém, as pessoas discutem se é direito ou não, se é problema ou não, mas não percebem que a população está sendo engambelada. O prefeito diz que vão construir uma escola aqui, colocar uma lombada ali, mas é totalmente desproporcional ao que o time está adquirindo”, finaliza o arquiteto Pedro Araújo.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS:

Jornal Zero Hora: https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/inter/noticia/2021/09/projeto-de-construcao-das-torres-ao-lado-do-beira-rio-e-debatido-em-audiencia-publica-na-camara-de-vereadores-cktxo0j4x003u017lqp20dxvr.html

Porto Alegre: prefeitura e vereadores reduzem direito do Meio Passe para estudantes, funcionários públicos, professores e idosos

Manifestantes criticam o Novo projeto do meio passe em Porto Alegre/RS
Foto: Isabelle Rieger – Amigos da Terra Brasil

Na semana passada (quarta-feira, dia 24/11), foi votado o  Projeto de Lei do Executivo do novo Meio Passe (PLE 043/21) em Porto Alegre/RS, que atinge estudantes, funcionários públicos, professores e outras categorias que antes possuíam direito às isenções, como idosos de 60 a 64 anos e estudantes da região metropolitana. Com várias manifestações contrárias na Câmara de Vereadores, todos os vereadores da Oposição votaram contra o PL. Vale ressaltar que o projeto vincula faixas de renda às categorias que podem usufruir das isenções na passagem do transporte público da Capital gaúcha . 

O novo projeto estabelece  50% de isenção da passagem para quem tem renda per capita de até R$ 1.650,00 e está matriculado no  ensino superior, profissionalizante ou preparatório. Ainda nesta faixa de renda, ganha 75% de isenção na passagem o estudante de Ensino Médio e, 100%, o de Ensino Fundamental. Caso o estudante  ultrapasse esta faixa de renda para até R$ 2.200,00 mensais per capita, ele tem direito a apenas 25% de isenção. Se ultrapassar a faixa de renda per capita ou não conseguir os documentos comprobatórios por motivo de força maior, o estudante não terá direito às isenções. Ele  deverá, obrigatoriamente, ser cadastrado no CadÚnico, programa do governo que reúne os auxílios em um único cadastro, para que consiga a isenção. 

Entende-se este projeto como um retrocesso nas políticas públicas. Além da extinção do antigo Meio Passe, a função de cobrador do ônibus  também está sendo extinta  de forma gradual, acarretando em demissões. Percebe-se, assim, uma clara narrativa de retirada dos direitos e  de privatização dos serviços que, antes, eram oferecidos pelo Estado. Como já disse a vereadora do PSOL, Karen Santos, em suas redes sociais, retrocedemos 10 anos nesta pandemia em relação aos direitos dos cidadãos. Agora, com essa implementação da nova política do Meio Passe, os direitos da classe trabalhadora estão sendo novamente retirados.

É fato de que não é o funcionário público de médio a alto escalão que utiliza o transporte público. Em empresas privadas, ainda, é de praxe que os empregadores paguem a maior parte do custo do transporte dos seus trabalhadores. Essa retirada da categoria dos funcionários públicos como passíveis de receberem a isenção na passagem dialoga diretamente com o direito a ocupar as cidades, que o Legislativo reconhece como apenas da classe média. Empresários do transporte urbano de Porto Alegre, que ganharam as concessões para prestar este serviço à prefeitura e, por consequência à população O ciclo vicioso do aumento da passagem, que começa com a retirada das isenções e termina com um número menor de usuários por conta do alto preço da passagem, fere o direito da população à cidade. Para que seja justo viver em sociedade, é necessário que haja justiça nas cidades – e isso não se faz com a retirada do Meio Passe.

A alternativa possível, na verdade, é a Tarifa Zero, ou o Passe Livre. Para que se consiga garantir o direito às cidades e o direito de ir e vir, com acesso a serviços de educação, saúde e lazer, a passagem sem tarifas é a solução. Desta forma, por mais que se coloque o argumento falacioso de falta de recursos que os governos insistem em usar, pode ser usado o dinheiro proveniente dos setores comerciais e industriais. O próprio Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) pode ser usado como fonte de receita para cobrir as isenções totais na passagem. O que falta, na verdade, é a falta de combate por parte do governo à especulação imobiliária, aos grandes empresários que usam o solo de Porto Alegre única e exclusivamente para seus lucros. 

Contra os retrocessos do governo Melo! Por uma cidade justa, de todes e para todes! Passe Livre para todes já!


Manifestantes na Câmara de Vereadores em Porto Alegre/RS contra a nova proposta do Meio Passe. Estão presentes sindicatos (CPERS), entidades estudantis (DCE UFRGS) e movimentos de juventude vinculados ao PSOL (Afronte e Juntos). 
Fotos: Isabelle Rieger – Amigos da Terra Brasil

Gotas que Transbordam: pia coletiva junto à sede da Amigos da Terra permite acesso público à água

A pia desaparecida

Pia, que havia sido furtada, foi recolocada na frente da CaSAnAT. Foto: arquivo ATBR

“Pra mim, aquela pia é um marco, ela representa essa situação que a gente vive. Colocar uma pia na rua é garantir acesso à água, que é um direito universal para todas, todos e todes. É uma oportunidade bem importante de a gente poder demonstrar isso e fazer com que a sociedade veja, sinta. Muitas vezes essas coisas ficam escondidas, distantes das pessoas, então a gente aproxima, mostra e trabalha isso”, diz Fernando Costa, o Fernandão, membro do conselho diretor da Amigos da Terra Brasil e bioconstrutor. Ele acredita que as cidades brasileiras deveriam garantir o “mínimo pra todo mundo, que de certa forma, a nossa Constituição em 1988 preconizou ali, colocou como questões importantes e muitas delas até hoje o Brasil ainda não conseguiu colocar em dia”. A pandemia da COVID-19 fez crescer ainda mais o visível abismo entre classes sociais, mas não foi só isso. “Houve um grande aumento da população de rua não só na cidade de Porto Alegre, mas na maioria das capitais do Brasil durante a pandemia. Segundo um levantamento feito no Rio, 30% da população de rua de hoje tinha ido parar na rua no último ano”, explica Lúcia Ortiz, presidenta da Amigos da Terra Brasil.

“A água é um problema histórico do Brasil. Vem a pandemia e começa a se discutir, a colocar em cheque nos fóruns internacionais a questão da higiene. Os países da América Latina colocaram que é muito bonito se falar na importância de lavar as mãos, só que não tem acesso à água, tem uma precariedade tremenda no continente”, destaca o arquiteto Leonardo Brawl Márquez, cofundador da TransLabUrb. Tal precariedade de acesso à água gerou, no primeiro semestre de 2020, o projeto idealizado pela ONG Cozinheiros do Bem e realizado em parceria com a TransLabUrb, o qual alocou sete pias espalhadas pela cidade em pontos estratégicos. 

Pia móvel instalada pelo TransLabUrb. Foto: TransLAB.URB

“A gente escolheu esses pontos, que estavam já relacionados com onde já tem uma frequência de pessoas em situação de vulnerabilidade”. Mesmo sendo uma iniciativa que não faria mal a ninguém e que tinha condições de se sustentar financeiramente, a ideia teve permissão negada pela prefeitura de Porto Alegre, mas o bem não poderia ser impedido.“Ele é um sistema autônomo, porque quando o Marchezan [prefeito Nelson Marchezan Jr., cujo mandato encerrou em 2020] retirou até a liberação de colocar, a gente pôr esse negócio na rua já virou uma infração, quem dirá abrir o chão e acessar a rede do DMAE [Departamento Municipal de Água e Esgotos]”. Por incrível que pareça, a parte mais difícil foi conseguir fontes de fornecimento de água, mesmo mediante pagamento, o que fez Brawl se questionar.“Foi ridículo ver que ninguém tem acesso à água, nenhum tipo de pessoa, mesmo nós privilegiados. Dizíamos: bota no meu endereço, bota no meu CPF, eu pago a vista, eu pago como vocês quiserem. Mas não existe como acessar, isso foi bem emblemático”.

A ideia da instalação da pia na calçada da CaSAnAT em outubro de 2020 foi inspirada na iniciativa da Cozinheiros do Bem.“Quando eu vi a pia pela primeira vez ali, achei bárbara a ideia. Achei uma coisa assim muito legal, porque tirando em alguns parques, tu não tens acesso à água na rua, e ela tinha que estar disponível pra todo mundo. Tu andas em qualquer cidade da Europa, tu vais encontrar pontos públicos de captação de água para beber, para fazer qualquer coisa”, relata o advogado Roberto Rebés Abreu, conselheiro jurídico da Casa ALICE (Agência Livre para Informação Cidadania e Educação), organização vizinha da CaSAnAT no bairro Azenha, em Porto Alegre (RS). Não é apenas o acesso à água que é negado. As pessoas em situação de vulnerabilidade não só tem seus direitos básicos vetados, são tratadas como  lixo: “Um morador de rua ou um preso que está entregue para uma penitenciária cuidar, são caras que as pessoas acham que se pode bater, que se pode violar seus direitos, isso tá um absurdo”. 

Nem quando a Amigos da Terra decide colocar uma pia na calçada da sua própria casa a situação é preenchida por algum tipo de paz. “Percebemos incômodos, acreditamos que justamente a própria pia acaba sendo uma demonstração do quão injusto hoje o mundo se coloca, onde uma pia acaba sendo um privilégio”, coloca Fernandão. Aquele singelo pedaço de ferro soldado a uma parede deveria ser uma fonte de vida e esperança, mas é de difícil compreensão para alguns, afogados por seus privilégios. “Eu sei que isso incomoda os vizinhos, eles não querem ter morador de rua perto. Cheguei a conversar com uma senhora e discuti isso, ela ficava muito brava porque aquilo ali era uma imundice, uma nojeira, uma junção de desocupados. Eu disse para ela: a senhora tem a sua casa, lava as suas mãos, a senhora toma a sua água na sua casa. Onde os moradores de rua vão ficar? Mas eles não ouvem isso né. Foi tão engraçado, porque ela estava puxando um cachorrinho pela coleira, o cachorro fez cocô e ela pisou em cima, ao mesmo tempo que falava mal de morador de rua. Então é uma coisa muito difícil isso”, conta Abreu. 

Morador de rua usando a pia em frente à CaSAnAT
Foto: Arquivo ATBR

Em meio à sociedade, o preconceito é vigente. “O pessoal para com o carrinho pra se lavar na frente da casa, isso gera uma ocupação da calçada, a galera já atravessa a rua. É um preconceito a pobreza, é um medo das pessoas”, relata Fernandão. Apesar das dificuldades, os moradores de rua não têm opção. Ou se submetem a algum tipo de desconforto, ou ficam sem saída. “Nas minhas idas à obra da casa ALICE, mais de uma vez passei por moradores de rua. Tinha uma moça que me disse que lavava todas as roupas dela ali, que era o único lugar que ela tinha”, conta o conselheiro jurídico da ALICE. Devido à dificuldade de se manter vivo em uma sociedade que culturalmente marginaliza aqueles desprovidos de um “padrão de vida”, sobreviver quando se é um morador de rua muitas vezes se trata de sorte e em meio a uma pandemia, a coisa só piora, como sublinha Brawl: “Grande parte da realidade dessas pessoas é acessar a água por meio do favor. Ele chega e pede uma água do estabelecimento que está aberto. Eles são muito táticos, a população de rua tem a sua rede de apoio. Então assim, se fecha o comércio, e foi o que aconteceu, com esse fechamento as pessoas passaram quase a totalidade das horas sem acesso à água potável. Esse foi o grande impacto no município de Porto Alegre”. 

A Amigos da Terra Brasil tem mais de meio século de existência e nunca havia tido uma sede própria. Na década de 2000, iniciou-se uma campanha em busca de uma casa. Foi assim que, no ano de 2005, o sonho se concretizou. A CaSAnAT foi um projeto possibilitado graças a uma cedência do Patrimônio da União à organização. Anteriormente uma construção abandonada e em condições precárias, ela foi transformada em um espaço de trabalho em equipe e solidariedade, em permanente transformação e diálogo, na prática, sobre as políticas públicas urbanas . “A gente foi pro Rincão Gaia, umas 30 pessoas. Passamos o fim de semana desenhando a casa, pensando a água, pensando os espaços, pensando nos fluxos da água, como a gente queria se relacionar com o meio ambiente, com a cidade. Todo o projeto arquitetônico foi feito ali”, conta Lúcia Ortiz. 

Entre as restaurações de cunho sustentável feitas pela equipe, foi desenvolvida uma instalação pioneira em Porto Alegre, de um leito de evapotranspiração: sistema de tratamento dos efluentes feitos no próprio lugar. “Então a gente não joga esgoto na rede de esgoto, a gente não tem esse custo pra cidade, a gente trata o esgoto na Amigos da Terra e a gente devolve a água pura pro fluvial da cidade para ir pro Guaíba”. O principal objetivo da Organização e, posteriormente da casa, é fazer projetos em prol do coletivo, “qualquer coisa que a gente faz é pra ter uma construção coletiva que fique pra cidade, que seja uma tecnologia social que possa ser de baixo custo, apropriada pras pessoas pra poderem usar nas suas realidades, seja na periferia urbana, seja nas aldeias indígenas, onde for”. Mesmo assim, o preconceito social e o Governo Bolsonaro não puderam deixar a propriedade passar “despercebida”. Assim, o Ministério da Economia, regido por Paulo Guedes, criou a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados. Esta tem a função de vender tudo o que é Patrimônio da União e do governo para o mercado. A primeira ação por eles promulgada em cunho regional, pois existe um escritório por região, assim que assumiu um militar na superintendência do Rio Grande do Sul, foi uma visita à CaSAnAT. Lá, ele tirou fotos, alegou que a casa não tinha reboco, que era precária, que as aberturas eram de madeira… “Tudo aquilo que a gente recuperou na casa ele disse que não tava bom. Queria uma casa de luxo? É essa visão classista, sem nenhuma técnica, sem nenhum critério de conhecer o processo”. O processo judicial de reintegração de posse movido pelo governo Bolsonaro pela desocupação da CaSAnAT, no presente momento, tramita normalmente na Justiça Federal.

O descaso do atual governo infelizmente vai ainda mais além. Apesar de a água ser um direito universal, para alguns isso ainda é difícil de compreender.“A água não pode ser um produto que dê lucro, que faça com que alguns setores ganhem com ela. A água tem que ser um bem da vida, um bem da natureza. Nós somos constituídos basicamente de água, precisamos dela. Até passamos algum tempo sem comer, mas não podemos ficar sem beber. O nosso Planeta, apesar do nome Terra, é 70% água. Então ela é um bem fundamental e tinha que estar acessível a todos”, sublinha Roberto Abreu. A falta desse recurso essencial gera uma cultura de falta de higiene para aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade. Multiplicada pelos anos vividos na rua, vagando de marquise em marquise, o corpo, mas principalmente as mãos, ferramenta mais antiga em posse do ser humano, criam uma camada triste de podridão.

No início do projeto, os moradores de rua tinham auxílio no uso da pia. Foto: TransLAB.URB

“A galera sempre chegou podre. Na primeira pia que a gente instalou, eu tive que fazer essa função de ensinar. O cara não tem acesso a nada né, então não entendia. Na hora de lavar a mão, o cara não sabe. Tu aprende a lavar a mão com a família, mas o cara não teve isso, então ele lavava, me olhava e ria. Eu falava: não, lava mais, olha o caldo preto que tá saindo. Umas crostas assim, os caras ficavam muito mais tempo pra lavar a mão, porque já chega podre”, conta Brawl sobre sua experiência no projeto das pias pela cidade. Como se não bastasse a falta de incentivo da sociedade e do próprio governo para a disponibilização pública da água, a CaSAnAT sofreu uma parada forçada no meio do seu projeto.

“Num domingo à luz do dia, passa um carroceiro que trabalha com reciclagem, pega a pia e deixa a água jorrando durante o fim de semana, na calçada”, conta a presidente da Amigos da Terra Brasil. “Acabou sendo levada a pia. Era uma pia de ferro, o que tornava meio lógico ser levada, mas a gente tentou soldar ela ali, então fizemos ela de ferro justamente para poder não quebrar e poder ser uma pia que fosse mais resistente”, relata Fernandão. A situação caótica, ocorrida no dia 27 de junho de 2021, fez a equipe da CaSAnAT questionar se sua iniciativa de fato fazia sentido, se estava atingindo as pessoas realmente, pois em uma sociedade de mentalidade Capitalista, até mesmo o carroceiro que precisa do dinheiro da reciclagem para se sustentar dá fim a uma iniciativa como essa apenas pelo dinheiro fácil. 

Com o furto da pia, o desperdício de água se tornou realidade. Foto: Arquivo ATBR

Vivemos em uma era de questionamentos e de constantes mudanças de rota, porém, quando o espírito de solidariedade e de justiça social correm pelas veias de alguém, mesmo sendo apedrejado, o moinho não para de girar. “A ideia é manter o projeto, colocar a pia de novo, vamos insistir. Estamos nos organizando para estarmos mais presentes na casa. A partir do momento que a pia tá ali e a gente tá na casa, isso gera uma interação como gerou em todas as vezes que a gente tava ali”, conta Costa, e acrescenta que placas já estão instaladas, contendo as instruções de uso da pia, de como limpar as mãos corretamente. O objetivo é apresentar as intenções, mostrar que aquele é um local de diálogo e que a pia está ali apenas para o bem.

Pia coletiva da CaSAnAT recebeu nova sinalização. Foto: Arquivo ATBR

No coração de todo o ativista, a esperança transborda: “Nós não temos a opção de não acreditar em um futuro melhor, se estamos aqui fazendo esse trabalho, temos que acreditar. Esse acreditar é acreditar nas pessoas, nesse poder popular, nesse processo de incidência cotidiana em toda essa questão da cidade, que nos faz acreditar que as pessoas, enxergando um dos problemas estruturais do sistema, essa dificuldade de pensar. Essa participação da cidade, essa interação… Pensar nisso no teu tempo diário é todo um contexto. Qual é a parte que a gente participa, e coisas que às vezes não é nem por opção, é uma necessidade”, pensa Fernando Costa, membro do conselho diretor da Amigos da Terra Brasil.

Prainha de Copacabana em risco: uma nova estação de Tratamento de Água para Porto Alegre (RS) parece bom, mas não é!

Com o custo é o ônus para alguns, mais uma vez a injustiça ambiental encontra solo fértil nas políticas públicas de uma Porto Alegre injusta.

Manifestantes demonstram apoio à Praia de Copacabana 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

“Temos que sair organizados para sair daqui e trazer mais gente, mais atividades, e a gente ocupar este local antes que a iniciativa privada venha, invada este local e expulse os moradores”. – Luís Armando, morador da região

A Praia de Copacabana, no bairro Belém Novo, localizado no Extremo Sul de Porto Alegre, corre o risco de ser inutilizada para que seja realizada a construção do Sistema de Tratamento de Água (SSA) Ponta do Arado. No último domingo (7/11), Copacabana foi inundada de pessoas que não querem ficar sem a praia , em um ato convocado por moradores. O projeto do  Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) prevê o fechamento  do acesso dos moradores à praia, afetando o sustento de 40 pescadores e acabando com um espaço importante de  lazer para as crianças da região, já que  abriga uma das únicas praças do bairro com brinquedos adequados.

Por mais que o SSA seja, de fato, importante para a região, pois a falta d’água é problema recorrente no Extremo Sul e em outros locais, como na Lomba do Pinheiro, a falta de diálogo dos órgãos competentes com a comunidade gera críticas por parte dos coletivos locais. Ainda, não foi realizado em Copacabana o estudo de impacto ambiental previsto por lei para viabilizar a construção. O que estava sendo usado era um relatório feito para o condomínio de luxo que esta proposto para a antiga Fazenda do Arado, que já foi considerado falso pela Polícia Civil, como já noticiou o portal SUL21. 

Durante as falas dos manifestantes no ato de domingo, uma criança comentou que, caso ela não pudesse mais ter acesso à praia, não teria mais onde brincar. Isso se dá porque a pracinha em Copacabana atende a comunidade que mora no entorno. Caso ela seja destruída com a SSA, as crianças terão que caminhar por, pelo menos, 10 minutos até a próxima pracinha disponível, o que não é viável para quem apenas levava os filhos para o quase quintal de casa. 

Como já vimos em outros casos, as obras que vêm para melhorar a infraestrutura do local onde serão localizadas não dialogam com a população local, que, na maioria das vezes, carece de recursos econômicos, além de servir de “desculpa” para a retirada de populações mais humildes ou empobrecidas Sendo assim, permanece a estrutura da cidade para poucos, para uma elite privilegiada. Certamente, este não é o caso dos pescadores que ficarão desassistidos com o fechamento do porto onde atracam seus barcos ou das crianças da comunidade que só têm Copacabana para brincar. Por isso, atos como o de domingo, que pressionam as autoridades para respostas e realizam troca de conversa e de vivências, são tão importantes para que seja feita justiça nas cidades dando visibilidade aos invisíveis. 

Luís Armando, morador do bairro do Lami há 10 anos, fala que é necessário se organizar enquanto coletivo para ocupar o Extremo Sul e trazer mas atividades culturais, econômicas, sociais e ambientais. Desta forma, a iniciativa privada, que tem como objetivo realizar a higienização do bairro, deixando-o apenas para a classe média, não irá prevalecer. A luta para uma cidade mais justa continua. 

Estiveram presentes no ato em defesa da  Prainha de Copacabana moradores do bairro, coletivos locais, como o Preserva Belém Novo, Preserva Arado, no qual Amigos da Terra Brasil e Instituto Econsciencia, Coletivo Ambiente Crítico, Agapam e Representantes do Preserva Belém Novo, lideranças indígenas da retomada da Ponta do Arado, coletivos ambientais e outros movimentos. De agentes políticos, estavam lá a deputada estadual Sofia Cavendon (PT), os vereadores Karen Santos e Matheus Gomes (PSOL), o vereador suplente Giovani Clau (PCdoB) e o ex-vereador Alex Fraga (PSOL). 

A defesa do Extremo Sul não pode parar! Por isso, outras agendas estão sendo organizadas para defender a região. Convidamos todas, todos e todes a realizar uma caminhada socioambiental pelo bairro Belém Novo, no dia 21 de Novembro , às 15h. Junte-se à defesa da cidade! 

Crianças moradoras do bairro brincam em um dos únicos pontos de lazer da região. 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil
Ato foi marcado pela grande presença de moradores de Belém Novo. 
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

Prainha de Copacabana em risco: obra de abastecimento de água avança sem diálogo com pescadores e comunidade de Belém Novo (Porto Alegre/RS)

Moradores realizarão um ato neste domingo (7/11), às 16h, na praia de Copacabana (Avenida do Lami, próximo ao nº 23), em Belém Novo, Extremo Sul da capital gaúcha, para chamar a atenção sobre os impactos da obra da prefeitura no local.

O único lugar com faixa de areia sem pedras, ideal para banho e saída de barcos de pescadores em Belém Novo, no Extremo Sul de Porto Alegre (RS), poderá ser fechado para a construção do novo Sistema de Abastecimento de Água (SAA) Ponta do Arado. Grande parte da  praia, assim, ficará inutilizada para a comunidade local. Como já denunciou o Coletivo Preserva Belém Novo, o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), órgão da prefeitura, não realizou estudos nem relatórios de impactos ambientais. O que foi feito foram estudos para o projeto de  condomínio privado na Fazenda do Arado, que já foram considerados falsos pela Polícia Civil. Vale ressaltar que o empreendimento do Arado estava usando a construção da SAA como propaganda, a fim de convencer a comunidade local e a população da Capital a apoiar as mudanças no Plano Diretor da região necessárias para viabilizar o loteamento de classe média e alta, mas o próprio DMAE já desmentiu, em nota pública, que a estação de tratamento de água não depende do condomínio sair ou não do papel. O terreno já está comprado pela prefeitura de Porto Alegre e, há mais de 10 anos, existe a demanda  de ampliar e melhorar o abastecimento de água para a região do Extremo Sul, já que a população sofre bastante com a falta desta, principalmente no verão. O SSA está programado para atender da Zona Sul até a Lomba do Pinheiro, provocando melhorias, de fato, no abastecimento de água nas regiões distantes do Centro. No entanto, construir o sistema em local sem estudos de impactos ambientais ou consulta prévia é uma violência contra quem mora no bairro – e contra quem depende da estreita faixa de areia para sobreviver. 

É impressionante como, mesmo com uma obra de infraestrutura que vem para qualificar a cidade e bairros periféricos tem por trás uma ação de injustiça ambiental e relação com a higienização da pobreza ou pelo menos o que eles ditam como pobreza, este pouco que garante o modo de vida dos moradores e assim  empobrecendo ainda mais estes povos já criminalizados e excluídos. Assim, além de colocarem uma elite de forma privilegiada em um território que deveria ser preservado como a Ponta do Arado, os empobrecidos do entorno tem sua forma de vida inviabilizada, de forma direta e injusta.

Além do não esclarecimento sobre os impactos ambientais, a construção da SAA afeta a população local. Cerca de 40 pescadores, moradores do bairro, obtêm do Rio Guaíba, nas margens da Praia de Copacabana, sua única fonte de renda. De acordo com o pescador Rosemar Soares, conhecido também como Mano, não há o que fazer caso tenham esse porto fechado. Não há outro lugar adequado para deixar os barcos em Belém Novo. Os trabalhadores da pesca já são conhecidos na comunidade  e, há tempos, vendem seu peixe para restaurantes locais e habitantes do bairro. A região  mais próxima, com um local apropriado para pesca e uma cooperativa de pescadores, é em Itapuã, na cidade vizinha de Viamão (RS), que fica a cerca de 20km de distância de carro de Belém Novo. Desta forma, é inviável, realmente, que realizem a pesca em outro local senão em Copacabana. Ainda, já há denúncias de que não há sinalização na água para os canos que estão sendo colocados para a construção da SSA, o que dificulta o trabalho dos pescadores em situações de meia-luz. Assim, os trabalhadores já não conseguem mais entrar no rio quando não há iluminação natural suficiente para a clareza de visão, reduzindo seus ganhos e seu sustento.

O pescador Mano com seu barco na Praia de Copacabana.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr

Há, também, quem pesque somente por lazer, como é o caso dos irmãos aposentados, Paulo Roberto e João Carlos Rodrigues, que afirmam  que a pesca é uma forma de dar sentido à finitude da vida. Eles também não sabem o que farão caso a praia seja inutilizada, sobrando apenas de 10 a 15 metros de sua extensão. Certamente, não será a pesca. Além da água, existem outras áreas de lazer, como a praça com brinquedos infantis, que fica do lado direito da praia de quem vem da Avenida do Lami. De acordo com os moradores do bairro, a pracinha fica lotada de  crianças nos finais de tarde. 

Desta forma, o questionamento dos coletivos de moradores do bairro, como o Preserva Belém Novo, são por que não há estudos ambientais justificando a construção da SSA e por que não há consulta prévia à comunidade sobre onde colocar uma construção que inviabiliza tanto a parte de lazer da comunidade quanto a fonte da renda de parte daquela. As perguntas que mais se ouve em conversas com os moradores de Copacabana são de por que não é possível que a estação de abastecimento  seja construída  no local, mas do lado oposto da Praia de Copacabana, à esquerda de quem vem do bairro, ou à frente da Estação de Bombeamento, localizada na Avenida do Lami, 23. É urgente que a prefeitura dê respostas para a população do bairro.  

Os irmãos Paulo Roberto e João Carlos Rodrigues em Copacabana.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr

Para pressionar pelo posicionamento das autoridades e mobilizar a população local, moradores do bairro, coletivos e outros movimentos sociais estão convocando todos, todas e todes para um ato neste domingo, dia 7/11, em frente à Praia de Copacabana, às 16h. Haverá, além do lindo pôr do sol à margem do Guaíba, roda de conversa para que todas as pessoas presentes fiquem a par da situação do que está ocorrendo no bairro. Contamos com sua presença para ajudar a defender o patrimônio de Belém Novo!

ATO EM DEFESA À PRAIA DE COPACABANA, EM BELÉM NOVO (Porto Alegre/RS)
Neste domingo (7/11) – Às 16h
Na praia de Copacabana (Avenida do Lami, próximo ao nº 23)
Em caso de chuva, será transferido

Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr
A praia serve de porto para os barcos dos cerca de 40 pescadores.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr
O menino brinca no balanço em frente à praia.
Crédito: Isabelle Rieger/ ATBr

#PreservaCopacabana
#PreservaBelémNovo
#PreservaArado

Manifesto do Grupo Carta de Belém rumo à COP 26: em nome do clima, avança a espoliação dos territórios

A 26ª. Conferência das Partes/COP 26 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climática/UNFCCC será realizada no início de novembro de 2021, em Glasgow, no Reino Unido.

Manifest towards COP 26, click here:
https://www.cartadebelem.org.br/manifest-towards-cop-26/

Manifiesto hacia la COP 26, pulse aquí: https://www.cartadebelem.org.br/manifiesto-hacia-la-cop-26/

Essa COP ocorrerá quando o mundo já vive os efeitos da emergência climática. A grande expectativa para Glasgow é a finalização do Livro de Regras do Acordo de Paris. Firmado em 2015, o Acordo aguarda a decisão sobre o famoso ‘Artigo 6’. Este artigo irá regular o papel dos mercados de carbono – e de transações envolvendo ‘resultados de mitigação’ – para atingir os objetivos de estabilização da temperatura do planeta.

No Brasil, os efeitos desta crise se somam às consequências socioambientais resultantes dos ataques aos direitos socioterritoriais de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares e camponeses. Assim como nas cidades, e principalmente nas periferias urbanas, com o povo empobrecido em regiões com infraestruturas precárias e sujeitas a eventos extremos, somada ao fim de políticas públicas de combate à fome, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O desmonte da institucionalidade ambiental é notório, levando a recordes sucessivos de desmatamento e queimadas nos biomas brasileiros. A violência no campo e na floresta é também uma das maiores das últimas décadas.

Para salvar o clima, a obsessão nos mercados de carbono

Apesar dos fracassos dos mecanismos de mercados em produzir reduções reais de emissões em todo mundo, estes seguem sendo promovidos como a grande aposta estrutural para viabilizar a descarbonização e o objetivo de neutralidade climática.

Há duas décadas, a aposta nos mercados de carbono e nos mecanismos de compensação (offset) vêm sendo duramente criticadas pela sociedade civil como falsa solução à crise climática, assim como pelos impactos causados nos territórios do Sul Global que são submetidos à condição de sumidouros de carbono.

O atual contexto da Amazônia brasileira exige especial atenção pela paralisação das demarcações de Terras Indígenas e pela invasão de territórios de comunidades tradicionais, em especial, áreas de uso comum e territórios coletivos. Além disso, incêndios florestais se intensificam desde 2019, colocando em risco de desertificação regiões ecológicas como a Amazônia, Pantanal e Cerrado brasileiro.

Mercado de carbono é licença de poluição. Por isso, entre os efeitos da sua implementação estão a expansão de atividades destrutivas nos campos da mineração, do extrativismo em escala industrial e queima de combustíveis fósseis (que podem ser compensadas/neutralizadas em outro lugar). No Brasil, tal racionalidade encontra-se refletida nos programas Adote um Parque e Floresta+ Carbono.

Portanto, considerando que essa COP 26 conta com as piores condições para a participação democrática na história das negociações climáticas, apoiamos a posição de ampla coalizão da sociedade civil que demanda o seu adiamento, até que se apresentem condições mais equânimes de participação.

Governança ambiental global e retomada verde pós-COVID: corporações e finanças no centro

Na nossa avaliação, esta não será apenas mais uma COP. A COP 26 pretende dar um passo definitivo para cristalizar a complexa arquitetura de governança ambiental global que vem sendo negociada há anos.

O último relatório do IPCC reforçou o tom da emergência climática e há urgência para um horizonte de recuperação econômica global e retomada verde (Green Deal) pós-Covid, no qual a dinâmica motriz do novo ciclo econômico é guiada pelas estratégias combinadas de descarbonização e transformação digital da economia.

À arquitetura do clima se soma a Convenção de Diversidade Biológica (COP 16), que será realizada em Kunming, China, em abril/maio de 2022. Na ocasião, os países irão decidir sobre o Marco Global para Biodiversidade pós-2020, por meio de um plano estratégico até 2030, que conta com o objetivo de ampliar para 30% a superfície terrestre e marinha sob o regime de áreas protegidas/unidades de conservação.

Além disso, vem ganhando tração a problemática e muito criticada agenda movida pelas corporações. Trata-se da Cúpula dos Sistemas Alimentares, que foi organizada no âmbito das Nações Unidas e vem promovendo verdadeira transformação da governança dos sistemas alimentares globais.

Neste mesmo caminho vêm as propostas de Soluções Baseadas na Natureza (NbS, na sigla em inglês). Estas incluem, entre outros, a promoção de monoculturas de eucaliptos, agrocombustíveis e a aposta em transformar a agricultura numa grande oportunidade de mitigação em escala associada ao mercado de carbono de solos.

É nosso entendimento que as NbS fazem com que as ações de mitigação passem a depender prioritariamente do acesso e o controle da terra, em um contexto no qual os mecanismos de governança territorial públicos estão cedendo lugar a lógicas privadas e privatizantes que acirram os conflitos de terra e a violência. A principal ameaça em curso contra territórios coletivos se dá através da implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem promovendo e consolidando a grilagem digital de terras.

Neste cenário, vemos, ainda, atores como o FMI e Banco Mundial, com propostas de troca de dívida por ação climática (debt for climate/debt for nature swap). Note-se que dívidas privadas são garantidas pelos tesouros nacionais, gerando, assim, endividamento público. Consequentemente, aprofundam desigualdades sociais e geram transferências massivas de renda dos pobres para os já muito ricos. Ambos os organismos se movimentam para apoiar a nova engenharia financeira que se diz ser necessária para viabilizar um novo pacto social verde (Green Deal), no qual programas de retomada e recuperação passam, entre outras coisas, pela emissão dos títulos verdes (green bonds). Dessa maneira, a terra e outros “ativos” ambientais (carbono, biodiversidade, etc) são transformados em garantias para títulos que são negociados no mercado financeiro.

Por que dizemos não à espoliação em nome do clima?

“Em nome do clima”, uma série de agendas e mecanismos atendem aos interesses de atores nacionais e internacionais e vêm causando impactos avassaladores na expropriação e espoliação de territórios, apropriação de recursos naturais, na violência real e simbólica sobre populações e modos de vida.

Ao mesmo tempo, a expansão do complexo agroindustrial brasileiro e as infraestruturas logísticas a ele associadas colocam na linha de frente os corpos e os territórios (físicos ou imaginados) de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, povos e comunidades tradicionais, camponeses e agricultores familiares, de todos os biomas do Brasil.

Diante deste cenário e considerando o que a COP 26 representa na consolidação do regime de governança climática internacional, nós, organizações da sociedade civil brasileira, movimentos sociais, movimentos sindicais, entidades, fóruns, articulações e redes, ativistas, pesquisadores reunidos no Grupo Carta de Belém e demais organizações signatárias deste manifesto, vimos diante do público nacional e internacional afirmar que:

●    O debate sobre o clima é irredutível a questões técnicas ou a novas oportunidades de financiamento: insere-se na organização da sociedade; nas relações de poder, econômicas e políticas; contextos históricos; relações de classe e em correlações de forças;

Os mecanismos de mercado criados para a redução das emissões de gases de efeito estufa, representam um processo histórico de reconfiguração das formas de acumulação e promovem nova reengenharia global da economia em nome do clima.

Somos contrários à introdução das florestas, ecossistemas e da agricultura em mecanismos de mercado de carbono e rechaçamos a promoção de instrumentos do mercado financeiro como meio prioritário para financiar a ação climática dos países.

●  Denunciamos que o conceito muito popularizado de emissões líquidas zero (Net-zero) encobre mecanismos de compensação (offset) que perpetuam injustiças e atentam contra a integridade ambiental;

Rechaçamos as novas dinâmicas de espoliação promovidas sob a alcunha de Soluções Baseadas na Natureza que criam novas cercas aos espaços de vida, reduzindo a “natureza” à prestadora de serviços para o proveito de empresas e mercados.

Por isso,

● Enfatizamos a defesa de um projeto político para a Amazônia, construído para e com os povos amazônidas, respeitando os seus modos de vida, criar e fazer.

● Afirmamos que soluções efetivas para redução das emissões dos gases de efeito estufa residem na demarcação de terras indígenas e quilombolas; e na defesa das terras coletivas e dos direitos territoriais;

● Defendemos o protagonismo dos povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e camponeses/as para a conservação dos territórios, da biodiversidade e dos bens comuns;

● Trabalhamos para o fortalecimento de iniciativas agroecológicas, que contribuem para a conservação da sociobiodiversidade, encurtamento dos circuitos de comercialização e a soberania alimentar.

● Consideramos que é preciso discutir amplamente o caminho para uma Transição Justa e Popular, conforme a qual uma economia mais integrada e consciente dos limites da natureza não acirre a já dramática situação de desemprego e restrição da renda de famílias da classe trabalhadora;

Por fim, denunciamos o governo genocida de Jair Bolsonaro e questionamos a quem interessa fazer do Brasil um pária internacional, financiando e fortalecendo a destruição de conquistas históricas do Estado brasileiro e seu papel protagonista ao longo de décadas de negociação internacional.

Resistimos e somos contra à transformação da natureza em capital natural e à financeirização e privatização da natureza e dos bens comuns!

Continuaremos em luta, construindo e afirmando alternativas, defendendo nossos modos de vida!

Assinam:

1 Grupo Carta de Belém
2 Central Única dos Trabalhadores (CUT)
3 Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)
4 Conselho Nacional das Populações Extrativista (CNS)
5 Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
6 Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)
7 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
8 Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
9 Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
10 Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
11 Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
12 Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
13 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
14 Abong – Associação Brasileira de ONGs
15 Ágora de Habitantes da Terra (AHT-Brasil)
16 Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras
17 Alternativas para pequena agricultura no Tocantins (APA-TO)
18 Amigos da Terra Brasil (ATBr)
19 Articulação Agro é Fogo (AéF)
20 Articulação de Mulheres Brasileiras Jaú-SP (AMB)
21 Coletivo Raízes do Baobá Jaú-SP
22 Articulação de mulheres do Amapá (AMA)
23 Articulação de Mulheres do Amazonas (AMA)
24 Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
25 Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado (Pacari)
26 Articulação PomerBR
27 Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
28 AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
29 Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Ageoecologia (AGENDHA)
30 Associação Agroecológica Tijupá (Tijupá)
31 Associacao de Favelas de São José dos Campos SP (Afsjc)
32 Associação de Mulheres Agricultoras (AMACAMPO)
33 Associação Maranhense para a Conservação da Natureza (AMAVIDA)
34 Associação Mundial de Comunicação Comunitária – Brasil (AMARC BRASIL)
35 Associação Solidariedade Libertadora área de Codó (ASSOLIB)
36 Campanha Antipetroleira Nem um poço a mais!
37 Cáritas Brasileira (CB)
38 CDDH Dom Tomás Balduíno de MARAPÉ ES
39 Centro Dandara de Promotoras Legais Populares
40 Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária (Ceapac)
41 Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA)
42 Centro de Atividades Culturais Econômicas e Sociais (CACES)
43 Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá (Centro Sabiá)
44 Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo (CPCDDHPJ)
45 Centro Ecológico (CAE Ipê)
46 Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Costeiros e Marinho (CONFREM-Brasil)
47 Comissão Pastoral da Terra (CPT)
48 Comitê de Energia Renovável do Semiárido (CERSA)
49 Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa (CPCTP)
50 Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração
51 Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN)
52 Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
53 Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN)
54 Conselho Nacional de Ssgurança Alimentar e Nutricional (CONSEA -AM)
55 Coordenadoria Ecumênicade Serviço (CESE)
56 Defensores do planeta (DP)
57 Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
58 Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
59 Fundação Luterana de Diaconia (FLD)
60 Federação dos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares do estado do Pará (FETAGRI-PA)
61 Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
62 Fórum de mulheres do Araripe (FMA)
63 Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad)
64 Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS)
65 Fotógrafos pela democracia (FPD)
66 Fundo Dema
67 Greenpeace Brasil (GPBR)
68 Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (GEEMA)
69 Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Estado e Territórios na Fronteira Amazônica (GEPE-Front)
70 Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)
71 Guerreiras da Palhada
72 Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Economicas (Ibase)
73 Instituto de Estudos da Complexidade (IEC)
74 Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
75 Instituto Equit – Gênero, Economía e Cidadania global (I.EQUIT)
76 Instituto Mulheres da Amazônia (IMA)
77 IYALETA Pesquisa, Ciência e Humanidades
78 Justiça nos Trilhos
79 KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
80 Marcha Mundial por Justiça Climática/ Marcha Mundial do Clima
81 Memorial Chico Mendes (MCM)
82 Movimento Baía Viva ( Baía Viva – RJ)
83 Movimento brasileiro de Mulheres cegas e com baixa visão (MBMC)
84 Movimento Ciencia Cidadã (MCC)
85 Movimento Mulheres pela P@Z!
86 Movimento Negro Unificado-Nova Iguaçu (MNU-Nova Iguaçu)
87 Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo/UEG (GWATÁ)
88 Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
89 Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Europeias e Parceiros Brasileiros (PAD)
90 Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (REBRIP)
91 Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama)
92 Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira (Rede Pantaneira)
93 Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)
94 Rede de Educação Ambiental e Políticas Públicas (REAPOP)
95 Rede de Mulheres Ambientalistas da América Latina – Elo Brasil (Red Mujeres)
96 Rede Feminista de Saude, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
97 Rede Jubileu Sul Brasil
98 Sempreviva Organização Feminista (SOF)
99 Sindicato dos Docentes da UNIFESSPA (SINDUNIFESSPA)
100 Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ)
101 Terra de Direitos

* A Amigos da Terra Brasil (ATBr) integra o Grupo Carta de Belém

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