Famílias Mbyá Guarani retomam território ancestral no Lami e recebem apoio de instituições e organizações civis

No dia 3 de maio, duas famílias Mbyá Guarani retomaram uma área por elas reconhecida como território ancestral, localizada na Estrada São Caetano, no bairro Lami, em Porto Alegre (RS). A retomada foi nomeada pelos Mbyá como Ka’aguy Mirim, que em tradução livre significa “Mata Sagrada”.

Na quarta-feira (14/05), a retomada Ka’aguy Mirim recebeu a visita de representantes de instituições que atuam na defesa dos direitos dos povos indígenas. Estiveram presentes o Ministério Público Federal, representado pelo procurador Ricardo Gralha Massia; a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), por meio de Kaio Domingues Hoffmann; e o Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS (CEDH/RS), com Silvio Jardim. A visita teve como objetivo ouvir a comunidade e a cacica Yvá Mônica, diante das ameaças que os indígenas relatam estar sofrendo por parte de não indígenas que reivindicam a posse da área.

Empreendimentos imobiliários e posseiros colocam em risco de extinção as matas e ambientes nativos. Com essa expansão urbana e imobiliária, os indígenas, como os Mbyá da retomada, vão perdendo seus espaços de sobrevivência. É preciso garantir esses territórios de vida. 

Durante a visita, foram discutidos encaminhamentos importantes relacionados à segurança da comunidade Mbyá Guarani, ao fornecimento de água e alimentos e à garantia de livre trânsito para apoiadores da aldeia e para os próprios parentes indígenas.

Além das instituições federais e estaduais, também estiveram presentes representantes da Prefeitura de Porto Alegre, por meio do CRAS (assistência social), e diversas organizações da sociedade civil que vêm oferecendo apoio contínuo à retomada. Entre elas, destacam-se o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Amigas da Terra Brasil (ATBr) e Madre Tierra, que acompanham de perto o processo de retomada e os desafios enfrentados pela comunidade indígena no território. 

A Amigas da Terra Brasil se coloca contra o racismo ambiental e os projetos de morte. Garantir a segurança dos Mbyá da retomada e seu modo de viver é fundamental. Em apoio aos projetos de vida, seguimos na luta em defesa das retomadas!

Crédito da foto: Maí Yandara/ ATBR

Galeria de fotos no Flickr da Amigas da Terra Brasil

Retomada Tekoa Ka’aguy Mirim - 14/05/25 - Porto Alegre


Amigas da Terra Brasil

Um ano após a enchente no RS

Há cerca de um ano, o RS viveu a maior enchente de sua história. Das 497 cidades do estado, 478 foram atingidas por alagamentos, inundações e deslizamentos. Mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas, 184 perderam suas vidas e 25 estão desaparecidas. A maior parte da população segue na luta para se reerguer dos escombros, especialmente a empobrecida, indígena, negra e periférica.

O avanço do capital nos territórios de vida foi motor dessa tragédia, tão anunciada por ambientalistas, movimentos sociais e populares que pautam a emergência climática, produto do capitalismo. Grande parte dos impactos poderiam ter sido evitados, mas alertas foram ignorados em nome do lucro da especulação imobiliária, agronegócio e mineração, que no caos climático navegam com seus projeto$ de morte, por vezes fantasiados em coletes salva-vidas.

Hoje, notícias da economia se recuperando não refletem a realidade dos programas habitacionais que não saíram do papel. Tampouco das multidões que seguem em áreas de risco, ou das 400 pessoas que ainda vivem em abrigos. Medidas efetivas não foram tomadas, fato evidente em qualquer chuva, que faz alagamentos na maior parte das cidades, trazendo riscos, destruição, falta de luz, de acesso à água potável e ao transporte. Enquanto Porto Alegre recebeu a South Summit, em que se falou em resiliência nos termos dos negócios privados, o estado segue sem construção de sistemas de proteção contra cheias (8 projetos foram prometidos, nenhum está em execução). A proposta dos governos é de mais privatização. De data centers em cidades que ficaram submersas, às consultorias de empresas estrangeiras, corporações seguem concentrando poder e aquecendo o planeta.

Organizações populares e movimentos sociais atuaram com fôlego durante a enchente para garantir direitos, e seguem se articulando para amparar a população e construir respostas reais, como as cozinhas solidárias. Os que antes negavam as mudanças climáticas hoje se aproveitam da pauta para vender ainda mais nossas cidades. O negacionismo virou oportunismo, mas seguiremos firmes com a certeza de que é na convergência dos movimentos sociais e na solidariedade que enfrentaremos as crises sistêmicas.

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Fim dos riscos Mina Guaíba e UTE Nova Seival?

Nota Pública do Comitê de Combate à Megamineração do Rio Grande do Sul (CCM):

Fim dos riscos Mina Guaíba e UTE Nova Seival?

O Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM/RS), articulação formada por diversas entidades ecológicas, socioambientais, sindicais, associativas, movimentos sociais, assim como por grupos de pesquisadores/as das principais universidades do estado, vêm a público esclarecer algumas informações publicadas nos últimos dias na imprensa.

Segundo foi noticiado, a empresa Copelmi teria desistido do empreendimento minerário denominado Mina Guaíba (que seria a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil e faria parte de todo um complexo carboquímico na região do Delta do Jacuí), assim como da Usina Termelétrica Nova Seival (maior termelétrica a carvão mineral nacional, que queimaria 12.600 toneladas de carvão por dia para a produção de 726 MW, na região da campanha). Segundo seu diretor Cristiano Weber “não existe ambiente” e a empresa estaria iniciando um processo de “transição energética”.

Ora, a sociedade gaúcha fica extremamente feliz com a desistência da empresa! Contudo, é importante ressaltar e deixar claro que tal posicionamento não decorre de uma conscientização ambiental ou eventual percepção de que os empreendimentos a serem instalados trariam graves e severos prejuízos à natureza e aos modos de vida das comunidades que seriam atingidas por esses empreendimentos. As comunidades indígenas Mbya-Guarani e camponesas dos assentamentos da reforma agrária, cabalmente ignoradas pela empresa durante os licenciamentos ambientais, foram centrais no processo de resistência a esses dois grandes empreendimentos poluidores. Ou seja, em verdade trata-se de uma importante vitória que é o resultado de um amplo processo de mobilização e articulação popular. Esse movimento foi conduzido pelas diversas entidades que compõem o CCM/RS para combater a destruição da natureza e as agressões aos modos de vida da população gaúcha, que se via ameaçada por projetos de geração de energia  extremamente poluente e pouco eficiente.

Cabe ressaltar que a criação do CCM/RS e toda a mobilização em torno da questão, que atraiu atores sociais de fora do RS, inclusive, foi fundamental para a elaboração de todas as estratégias, pesquisas, seminários, repercussão social na imprensa e ações judiciais que pressionaram a empresa e o poder público, que já estava em vias de licenciar os projetos, alinhados a interesses de governantes do Estado.

Além disso, a empresa “esquece” que esses empreendimentos foram barrados por duas importantes sentenças judiciais, frutos da aliança entre a produção de pareceres técnicos qualificados e a litigância climática estratégica, que mostrou-se, nesses casos, uma importante ferramenta na luta da sociedade civil para buscar impedir e repelir os ataques e violações a direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que os empreendimentos acarretariam.

Ainda, o posicionamento da empresa deixa clara a intenção de esquivar-se de responsabilização pelas diversas inobservâncias à legislação climática, em âmbitos nacional e internacional, já que foram cabalmente ignoradas a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC, Lei nº 12.187/09) e a Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (PGMC, Lei Estadual 13.594/09), assim como as diretrizes da Convenção 169 da OIT, que garante o direitos à consulta e consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas. Demonstra também a impossibilidade de comprovar a viabilidade ambiental destes empreendimentos, não tendo sido capaz de preencher as inúmeras lacunas e omissões presentes em seus Estudos de Impacto Ambiental, apontados pelo conjunto de pesquisadores e técnicos do CCM/RS.

Por fim, importante mencionar que a Copelmi requereu a extinção dos processos sem a análise do mérito, mesmo já havendo duas sentenças condenando a empresa pelas práticas irregulares no decorrer do licenciamento ambiental da UTE Nova Seival e da Mina Guaíba.

Em síntese, a empresa pretende eximir-se de suas responsabilidades pelas violações e pelos danos causados ao meio ambiente, conforme já reconhecido em sentenças proferidas pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre. A Copelmi busca, ao fim e ao cabo, evitar que os seus recursos de apelação sejam devidamente analisados e que as decisões contrárias já existentes contra si não se tornem jurisprudência do TRF4 para, futuramente, talvez viabilizar o licenciamento de outras atividades tão poluentes e agressivas ao meio ambiente quanto estas, o que é inadmissível.

Vale sempre relembrar que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma garantia constitucional, prevista no art. 225 da Constituição Federal, sendo, portanto, um direito de todos usufruir do ambiente natural, assim como é um dever de toda a sociedade protegê-lo. Em defesa dele, portanto, o CCM/RS reafirma seu compromisso com o povo gaúcho de lutar para que não sejam mais abertos projetos de megamineração e termelétricas movidas a carvão mineral em nosso estado.

A mobilização/articulação popular, a comunicação e disputa do debate público, a construção de análises e pareceres científicos e a litigância climática estratégica nesses casos foram – e ainda são – um importante mecanismo de controle e fiscalização social acerca das potenciais violações a esse direito fundamental.

É importante ressaltar que o momento de atuação da sociedade organizada foi preciso e estratégico, para além da proteção dos territórios de vida ameaçados. Dentro do debate global pela redução do uso de combustíveis fósseis, garantimos a não expansão da cadeia do carvão no Brasil, em um contexto de emergência climática que se agudizou profundamente desde que começamos estas lutas, e que teve sua expressão máxima, até o momento, nas enchentes de maio de 2024 que atingiram todo o estado do Rio Grande do Sul. Caso a Mina Guaíba tivesse sido instalada, a cava da mina teria sido inundada, e a água, além de ter destruído centenas de casas e exposto a população à contaminantes sanitários, teria carreado a drenagem ácida da mina, junto com seus metais pesados, para dentro das casas das pessoas, para as captações de água de abastecimento, para o solo agrícola da região, e para o Parque Delta do Jacuí, causando contaminação e impactos ao ambiente e à saúde de difícil mensuração.

O setor carvoeiro, ignorando os limites climáticos do planeta, segue com um forte lobby para manter as operações das termelétricas de Candiota (as mais poluentes do Brasil, altamente subsidiadas e que são responsáveis pelo encarecimento da nossa conta de luz, pelo consumo de milhares de litros da água da região e pela emissão de altas quantidades diárias de GEE). O setor recebeu, recentemente, inclusive o apoio do governador Eduardo Leite, que havia tentado pintar uma imagem verde, mas parece que agora volta atrás. Sua narrativa usa como desculpa que a região precisa passar por uma transição “justa” antes de encerrar a operação das usinas, cooptando e esvaziando o termo da luta dos trabalhadores. Claro que apoiamos e queremos construir uma transição justa e que esse processo não deixe os trabalhadores para trás. Porém, entendemos que a transição deve ser justa para todos, para os trabalhadores, mas também para as comunidades locais impactadas pela poluição e para a humanidade e a natureza cada vez mais ameaçada pelos imprevisíveis efeitos do clima. Além disso, o que se vê, na prática, não é uma transição para uma economia mais ecológica e justa na região, mas uma tentativa de postergar a queima do carvão no RS até 2040 ou 2050.

Diante disso, seguimos atentos e vigilantes para todas as formas de degradação e poluição ambiental, como meio de garantir e preservar a natureza e os modos de vida das comunidades indígenas, camponesas e tradicionais. Proteger e lutar contra a exploração do carvão significa defender direitos ambientais, econômicos, sociais, culturais e, em primeiro lugar, a vida para esta e as futuras gerações do planeta.

Por fim, gostaríamos de agradecer a todas e todos que se envolveram nos últimos  anos nessas lutas e que evitaram que o Rio Grande do Sul fosse palco de destruição por esses empreendimentos poluidores! Reafirmamos que estamos e seguiremos atentos e vigilantes às narrativas falaciosas da empresa e que seguiremos resistindo à megamineração e aos projetos que insistem em negar a necessidade de mudanças paradigmáticas para evitar o colapso ambiental e climático que se avizinha!

À sociedade gaúcha, o nosso muito obrigado.

Contem conosco e venham reforçar a nossa luta comum!

#CarvãoAquiNão!

 

Vazamento de cloro líquido em fábrica de celulose em Guaíba (RS) coloca população em alerta

No último domingo (23), por volta das 11h, houve um grave vazamento de cloro líquido na fábrica de celulose da empresa CMPC, em Guaíba (RS).

Moradores do entorno da fábrica relatam que viveram momentos de pânico devido ao forte odor e nuvem branca e densa que atingiu suas casas, causando sensação de sufocamento, forte ardência e queimação nos olhos e nariz, náusea, salivação e dor de cabeça. Ao tentar contato com o canal de atendimento da empresa, moradores não tiveram retorno ágil, tendo que recorrer ao 192 para buscar informações médicas de emergência.

Há relatos de que o vazamento atingiu também trabalhadores, levando alguns ao desmaio. Parte da empresa foi evacuada e a operação paralisada. Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e Corpo de Bombeiros foram  acionados.

A empresa se limitou a informar à mídia de que houve um vazamento (sem especificar de que substância) e de que a situação estaria sob controle, sem dar quaisquer orientações para as comunidades do entorno, sobre o tipo de vazamento, sua gravidade, extensão ou como agir nesta situação. No passado, já ocorreram outros episódios de vazamento de cloro, incêndios e inclusive a implosão de uma das caldeiras de força. O nível de risco para as comunidades do entorno da empresa é alto, porém não há qualquer tipo de Plano de Ação de Emergência, ou sequer sistema de sirenes e avisos que possam ser acionados em casos como este, para evitar impactos à saúde destas comunidades.

O cloro tem uma taxa de expansão elevada, um litro de cloro líquido vazado gera 457 litros de cloro gasoso na atmosfera. O contato direto da pele com o cloro líquido (altamente corrosivo) pode causar ulcerações e queimaduras graves. Já o gás cloro causa grave irritação ocular e sistema respiratório porque, ao reagir com a umidade do corpo, forma ácidos, a inalação pode causar bronquite crônica, e edema pulmonar e morte por asfixia.

Cabe ressaltar que a fábrica se localiza em zona urbana residencial do município de Guaíba, com residências a poucos metros da unidade industrial que foi quadruplicada em 2015 agravando ainda mais os impactos socioambientais no entorno, tendo sido objeto de processo judicial por crime ambiental e Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual, que obrigou a empresa a realizar investimentos como o aumento do muro de parte do pátio e enclausuramento de equipamentos, bem como a revitalização da Praia da Alegria como forma de compensação ambiental. As melhorias que a empresa realizou por obrigação, e que seu marketing verde batizou de “BioCMPC”, não foram suficientes para conter seus diversos impactos, ainda seguem problemas como forte odor de Compostos Reduzidos de Enxofre (que tem cheiro de ovo podre), ruído e forte trepidação, que em determinados locais ocorrem 24h por dia, causando rachaduras em residências e levando pessoas a transtornos de sono, stress e ansiedade.

A CMPC, do chileno Grupo Matte, anunciou recentemente um investimento bilionário na construção de uma nova fábrica de celulose, no município de Barra do Ribeiro, hipocritamente chamado pela empresa de “Projeto Natureza”. A empresa investe muito em propaganda buscando construir uma imagem de sustentável, patrocina até mesmo o Campeonato Gaúcho e chegou ao cúmulo de criar um time fictício chamado “Defensores da Natureza”.

Seu novo projeto, assim como a fábrica existente, irá despejar seus efluentes industriais no já tão poluído Guaíba, e impactar ainda mais o bioma Pampa com a expansão de seus monocultivos de eucaliptos transgênicos, gerando créditos de carbono sujos com mais desertos verdes num Pampa em extinção.

Conteúdo originalmente publicado no Jornal Brasil de Fato, em: https://www.brasildefato.com.br/2025/02/24/vazamento-de-cloro-liquido-em-fabrica-de-celulose-em-guaiba-rs-coloca-populacao-em-alerta/  

Confira também o conteúdo em vídeo:

 

Oficina de Olho na Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM)

🔍 Na sexta-feira (31), ocorreu a “Oficina de Olho na CFEM”, na Fecosul, em Porto Alegre (RS). O encontro aprofundou o debate sobre o modelo mineral brasileiro. Como pesquisador da De Olho na CFEM, Eduardo Raguse, do @mam, @comite e ATBr, expôs o que é e como se dá a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) em diferentes municípios do Brasil.

🚩 Pontos como minerodependência, finitude dos recursos, falácia do desenvolvimento e injustiça econômica foram abordados. E por meio do acompanhamento e investigações dos impostos gerados no país a partir da atividade, fica evidente: Mineração no Brasil é um saque.

🚨 No atual modelo mineral, a atividade gera impactos devastadores aos povos e territórios de vida, ampliando violência, feminicídio, prostituição infantil, poluição, contaminação, devastação da natureza e adoecimento físico e mental da população. Além disso, apenas migalhas acabam sobrando para os municípios minerados, devido à baixa alíquota à CFEM e das altíssimas taxas de sonegação por parte do setor minerário.

Durante a oficina, aspectos como a falta de transparência dos municípios quanto à utilização dos recursos que vem da mineração, assim como a falta de controle social sobre seu uso, foram discutidos.

Urge construirmos outros horizontes, com mecanismos de controle social e acesso à utilização dos recursos, exigindo transparência e priorizando a utilização desses recursos para o bem-estar das comunidades e para a diversificação econômica, superando a dependência da mineração no nosso país.

Seguimos em luta por um novo modelo mineral brasileiro, soberano e popular!

Acesse a apresentação feita durante a Oficina e fique por dentro dos dados: 2025-01-31 – Oficina CFEM RS – Eduardo Raguse

Famílias de Guaíba City lutam pelo direito à sobrevivência e cobram ação das autoridades locais

Com o aumento do fluxo de chuvas, a única rota de fuga do território fica inundada. Habitantes de Guaíba City seguem em mobilização pela construção de ponte que garanta o direito de ir e vir e, consequentemente, a possibilidade de viver em caso de outra enchente 

A enchente de maio de 2024 foi uma tragédia anunciada, que devastou o estado gaúcho e escancarou a realidade da emergência climática. Locais historicamente vulneráveis sofreram, e ainda sofrem, consequências ainda mais drásticas com o desequilíbrio ecológico. O loteamento rural Guaíba City, entre os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul (RS), é habitado por cerca de 280 famílias, algumas com até oito pessoas. Há anos moradores denunciam o abandono por parte do Poder Público.  A comunidade, que já enfrentava a desassistência, assim como uma série de problemas relacionados à questões sanitárias, vivenciou outro nível de desamparo durante a enchente de maio, quando ficou ilhada. Até hoje as famílias sentem os impactos do terror vivenciado naquele período. De acordo com os moradores, não houve aviso sobre a inundação.

Após enchente de maio, entulhos ficaram meses em Guaíba City. Registro feito em julho. | Crédito: Carolina C., ATbr

Em maio, as águas que transbordaram do Arroio Jacaré e do Rio Jacuí alcançaram os telhados de algumas das casas em Guaíba City. O forte fluxo de correnteza em algumas partes, principalmente na única entrada do loteamento, anunciava um perigo iminente para moradores pois impossibilitava a travessia por água, dificultando resgates. Durante visita realizada em Guaíba City, em julho, moradores mostraram vídeos com registros da enchente ao longo das semanas de cheia. Entre as recordações, davam destaque para a população se organizando como possível, transportando pessoas idosas dentro de caixas d’água de telhado para telhado. As águas tomaram conta de todo território. A principal demanda da população, até hoje, é que seja construído um acesso, seja uma ponte ou elevação de estrada, que possibilite a saída dos habitantes do território. “Se chove a gente não consegue sair. Ou a gente tem como sair, ou morremos aqui”, relatou Sirlei de Souza, moradora de Guaíba City. 

Guaíba City ilhada: Os impactos da enchente de maio e a luta das famílias por uma rota de fuga 

Meses após a enchente, moradores seguiam entre escombros e lama. Com o trauma de vivenciarem outra enchente, sem rota de fuga, habitantes de Guaíba City se mobilizam pela construção de uma ponte | Crédito: Carolina C., ATBr

Mapas mostram que só há um acesso para chegar em Guaíba City. Nos fundos do loteamento está o Rio Jacuí.  Entre o rio e o loteamento, se encontra uma extensão de lavouras de arroz. A única entrada para Guaíba City é por uma estrada de chão batido, que é cruzada pelo Arroio Jacaré. Este é um trecho crítico, que inunda com qualquer chuva. O Arroio foi dividido, o que altera o fluxo original das águas que por ali corriam, tornando o ambiente propício para os alagamentos. Antigamente o trecho contava com três pontilhões (pequenas pontes), sendo um e meio responsabilidade de cada município (Eldorado do Sul / Charqueadas). Para diminuir custos, fizeram um pontilhão para cada município, diminuindo a vazão da água. Em maio, quando a água do Jacuí chegou com força , avançando sobre as lavouras de arroz, casas e tomando o loteamento, que ficou submerso, a ponte do Arroio Jacaré, único ponto de fuga possível para os moradores, já estava sem condições de passagem. 

Mapa mostra que só há um acesso para Guaíba City

Relatos de moradores denunciaram a demora no desligamento da rede elétrica, o que colocava todas pessoas em contato com a inundação em risco de eletrocutamento (morte por descarga elétrica).  Quando a água baixou, a população que voltava às suas casas, muitas delas destruídas, encontrava um rastro de devastação, forte odor, lama e animais mortos pelo caminho. Se deparava, ainda, com uma vida de trabalho levada pelas águas. 

Registro de morador durante a enchente de maio de 2024 em Guaíba City

“As coisas nós perdemos tudo e a vida de nossos animais. Nós queremos o direito de termos como sair”, expôs moradora. Registro feito em julho mostra marcas de lama em casas, comércio e nos animais que sobreviveram a enchente. | Crédito: Carolina C., ATBr

Muitos dos habitantes locais vivem da pecuária. Conforme as águas subiam, em maio, os animais lutavam por suas vidas. Poucos foram os que fugiram e sobreviveram.  Muitos morreram no sufoco, sem forças para suportar o avanço das águas antes de encontrar abrigo em telhados. A dor dos habitantes de Guaíba City também foi a perda de seus animais, que em muitos casos representavam a sua fonte de renda e de sobrevivência. 

Moradores expuseram que a falta de limpeza e manutenção dos valões tem um histórico na localidade. E que, nos dias de chuva, essas áreas acabam transbordando e inundando as estradas de chão, deixando moradores ilhados e contaminando as tubulações de água potável. Com a enchente tudo se potencializou. A comunidade segue na luta, pressionando também por melhores condições de vida. 

Abaixo-assinado e representação ao MPRS e Promotoria de Justiça de Charqueadas. Pedido de socorro da comunidade de Guaíba City devido a tragédia climática, realizado em junho de 2024.

Meses após as enchentes, as cicatrizes permanecem na fachada das casas, indicando até onde as águas chegaram. Permanecem, também, na memória da comunidade, que agora teme as chuvas e é habitada pelo pavor de que a tragédia possa se repetir.  As condições de vida, que antes já eram dificultadas pela ausência de suporte e direitos básicos, como o direito ao saneamento e água potável, pioraram após a enchente. Meio aos escombros, de maio para cá os habitantes de Guaíba City seguem pressionando por auxílio e ação das prefeituras.  

Setembro é marcado por chuvas e medo, o povo segue pressionando as prefeituras pelo direito de sobreviver

Ao final de setembro, fortes chuvas deixaram o povo gaúcho em alerta outra vez. A água subiu novamente em Guaíba City, anunciando outra possível inundação. As previsões apontam que o mês de outubro também será chuvoso. Meses passaram e a comunidade segue sem resposta quanto à reivindicação para que seja construída uma ponte. Esta possibilitaria o trânsito no território, no local que é o único ponto de saída do loteamento, que durante enchentes e chuvas intensas fica ilhado. Não há saída, nem como entrar socorro. O direito de ir e vir é comprometido pela inação do poder municipal. O povo segue pressionando as prefeituras pelo direito de sobreviver.

A comunidade do Guaíba City pede Socorro. Nessa enchente que deu a gente perdeu tudo que tinha, quase perdeu a vida, perdeu a vida dos nossos demais. Agradeça essa baixada aqui ó, onde estava, quando saímos daqui a três metros de profundidade. Se nós perdemos tudo foi porque a água aqui simplesmente invadiu e qualquer chuva que dá nós ficamos ilhados dentro do Guaíba City e nós não temos outra saída. Então estamos pedindo socorro, que amanhã ou depois pode ser a nossa vida que nós acabamos perdendo aqui dentro, por causa da negligência dos dois poderes políticos, tanto de Charqueadas como de Eldorado do Sul”, expõe Sirlei,  em nome da comunidade. 

O que as prefeituras fizeram até agora

Em agosto, após reunião da comunidade na Câmara de Vereadores de Charqueadas, o prefeito recentemente reeleito do município, Ricardo Machado Vargas (Republicanos), se comprometeu a arrumar estradas e a reabrir o posto de saúde de Guaíba City.  Em setembro, a prefeitura retirou entulhos de valas e arrumou a maior parte das estradas. Mas a obra não foi concluída. Após ser questionado pela comunidade, o prefeito alegou que o prazo de licitação para a obra acabou e não seria possível recorrer a outra, apenas no próximo ano. O posto segue sem reabrir. 

A prefeitura de Eldorado do Sul, sob mandato de Ernani de Freitas Gonçalves (PDT), que encerrará ao final deste ano, se comprometeu a limpar as valas que acumulavam entulhos desde a enchente. O trabalho foi realizado, junto à limpeza do Arroio Jacaré. Outra promessa foi cortar a estrada, a elevando nas proximidades das pontes. Conforme relatos da população, até final de setembro não houve movimentação alguma nesse sentido. Com a eleição de outubro, Juliana Carvalho (PSDB) foi eleita nova prefeita da cidade, e assumirá cargo em 1º de janeiro de 2025. Até lá, o compromisso do antigo governo segue em aberto. 

O avanço das chuvas desde setembro faz com que a população de Guaíba City reviva o choque da enchente de maio. As pontes são a principal reivindicação popular, por serem a garantia de uma rota de fuga em caso de alagamento. “Nada foi feito, estamos prestes a ter outra enchente e só Deus sabe o que vai acontecer”,  relatou uma moradora em setembro. O abalo é físico, seja no território cheio de lama e entulhos, seja nos corpos dos moradores, que são engatilhados no trauma e mais do que nunca temem as chuvas. 

“A gente tá pedindo socorro tanto para Eldorado do Sul quanto para Charqueadas. Que nós, de direito, se por ventura vir outra enchente, nós termos como sobreviver. Porque as coisas nós perdemos tudo e a vida de nossos animais. Então nós queremos o direito de nós termos como sair, já que não recebemos ajuda de ninguém, foi voluntário ajudando voluntário. Então eles que deem esse direito de nós, quando vê que vai encher, poder sair. Só isso que nós queremos deles. E para isso acontecer, vazão das pontes que eles diminuíram e o levantamento da parte de Eldorado do Sul ali”, cobrou Sirlei

Registro de julho, com entulhos que ainda não haviam sido retirados do território. | Crédito: Carolina C., ATBr

 

Amigas da Terra Brasil na Plenária do Bioma Pampa – Plano Clima Participativo: Pela soberania e autonomia fundiárias dos povos

Na segunda-feira (16/09), a Amigas da Terra Brasil esteve junto a movimentos sociais e construções de base levando demandas dos territórios de vida à Plenária do Bioma Pampa, que integra o Plano Clima Participativo, iniciativa do Governo Federal. No vídeo, Eduardo Raguse fala sobre o encontro, falsas soluções na emergência climática e a relação dos monocultivos de árvores (que avançam de Norte a Sul do Brasil) com a pauta. Aborda, ainda, quais são as reais soluções e caminhos para frear tragédias anunciadas.

Levando em consideração que não há justiça climática sem justiça para os povos, defendemos que o Plano Clima deverá servir de instrumento para promover a reparação histórica, centrada em soluções climáticas baseadas no direito dos povos ao território.

🚩 O Grupo Carta de Belém, da qual a Amigas da Terra faz parte, participa do processo com a proposta de que o Plano Clima destine recursos dos fundos de meio ambiente e clima, prioritariamente, para a garantia de soberania e autonomia fundiárias dos povos. Pelo direito dos povos aos territórios de vida e para que estes territórios sigam existindo, assim como toda diversidade que os coabita, a proposta demanda que sejam priorizadas:

👉🏽Demarcação de terras indígenas
👉🏽Titulações de territórios quilombolas
👉🏽Regularização de territórios tradicionais
👉🏽Reforma agrária
👉🏽Reforma urbana

Vote para esta proposta se tornar parte do Plano Clima: bit.ly/PovosNosTerritórios 

Conheça e vote em propostas feministas e populares :
bit.ly/4dcgj5x

Foto: ATBr

Foto: ATBr

O encontro ocorreu no auditório da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS). As reuniões têm o intuito de engajar a sociedade civil no envio de propostas, tirar dúvidas sobre o processo e informar sobre as etapas da elaboração da estratégia que vai guiar a política climática do país até 2035. A votação para as propostas ocorre até o dia 17/09, e cada pessoa pode votar em até 10 propostas. As mais votadas poderão ou não ser incorporadas ao texto após análise do Governo Federal. Participe!

#demarcaçãojá #titulaçãojá #reformaagráriapopular #reformaurbana #planoclimaparticipativo #povosnosterritórios

O violento avanço do capital sobre os territórios de vida é o motor da emergência climática. Na luta dos movimentos sociais e na organização dos povos está o freio desta tragédia anunciada

Em entrevista para o Grupo Carta de Belém, Fernando Campos abordou a relação das enchentes no Rio Grande do Sul e seus consequentes impactos na vida cotidiana da população com os processos de privatização, captura corporativa do Estado, desmontes na legislação ambiental e avanço das lógicas de mercado nos territórios de vida. Evidenciando o que nos trouxe até a recente calamidade em solo gaúcho, expôs a fragilidade a qual boa parte da população ainda está submetida, meses após as enchentes. Propôs, ainda, quais caminhos e soluções apontam para que o futuro não seja inundado por um passado que traz a marca de uma tragédia há muito anunciada. 

Fernando faz parte do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Amigas da Terra Brasil (ATBr), uma organização internacionalista de base que luta por justiça socioambiental e constrói a soberania alimentar, territorial e dos povos, que integra o Grupo Carta de Belém (GCB).

Confira a entrevista na íntegra:  

Grupo Carta de Belém (GCB): Qual é a situação?
Fernando Campos: A situação é de calamidade em função da enchente, que atingiu grande parte do Rio Grande do Sul de diversas formas, e que trouxe de cara a situação dos ambientes degradados no caminho dessas águas. Mas há toda uma flexibilização ambiental que permitiu o desmatamento, há o não respeito às Áreas de Proteção Permanente (APPs) e toda legislação ambiental. O grande responsável é o agronegócio, de forma direta, com a produção de soja e eucalipto, e até mesmo de outras culturas que são desenvolvidas em locais que deveriam ser preservados. Com isso ocorre a grande invasão de água dentro dos rios, assoreados, com barragens que não garantem a pressão da água, que foram destruídas no caminho, que foram enchendo e gerando ondas de alagamento, numa velocidade maior que a das chuvas, fazendo com que as pessoas fossem pegas desprevenidas, pois nível da água subiu muito rápido. 

O contexto geral é a resposta da degradação ambiental que de forma sólida existe nos territórios. Há muitos lugares onde essa realidade é gritante. Se olhar fotos aparecem todos esses caminhos das águas, e é possível ver que não foram respeitadas as legislações ambientais. Os grandes projetos de morte acabaram gerando mortes, seja os da mineração, do agronegócio ou da especulação imobiliária, jogando moradias em locais de risco. As águas vindo pelos rios Caí e Jacuí, todos esses rios que chegam em Porto Alegre (RS), encontraram um sistema de preservação, de contenção das cheias sem manutenção, com portas que não fechavam, sistemas de esgotos que deveriam ser lacrados para evitar o refluxo mas não estavam, várias condições que não estavam com manutenção. Isso vem de governos de direita negacionistas, que nesse processo não estabeleceram essas manutenções, numa logica de estado mínimo, de privatização de serviços, de desestruturação de políticas e ações que garantiriam esse tipo de manutenção. O Departamento de Esgoto (DEP) foi desmanchado e assimilado a outras estruturas que teriam o mesmo foco. Seja no campo, na zona rural ou na zona urbana, o negacionismo toma conta, não há manutenção nos sistemas de proteção. E essa situação continua quando essa água sai do Guaíba e vai para a Lagoa dos Patos, então começa o alagamento em outras regiões. O Litoral Sul, que pega todas as cidades que estão em torno da Lagoa, que não tinham proteção, aí se gerou essa situação inevitável com a subida das águas. 

Então, a princípio, o maior motivador é o negacionismo, a falta de ciência, de técnica em relação a essas situações e ao mesmo tempo essa situação toda em que alguns são atingidos diretamente e uns mais que os outros. Pessoas da periferia, de locais onde não há nenhum tipo de investimento do Estado, acabaram sofrendo consequências bem maiores. E aí a gente tem pessoas que perderam tudo, cidades inteiras devastadas, a agricultura familiar totalmente destruída nos territórios, áreas de produção agroecológicas destruídas também. Então o impacto vem dessa visão negacionista e sua origem nos setores corporativos que trabalham lobbys para flexibilização da legislação e lucro dessas empresas (seja da mineração, do agro…), de forma a ampliar seus lucros explorando ao máximo a natureza e bens comuns.

 

Grupo Carta de Belém (GCB): Quais são os desafios?
Fernando Campos: Devemos indicar os responsáveis, para que isso não fique impune. São eles: as grandes corporações, o poder corporativo, os Estados capturados de forma direta com políticas que fazem uso de empresas e setores para avançar no processo eleitoral, e com isso eles fazem lobby para ganhar mais recurso, e financiamento para essas empresas, seja na flexibilização das legislações ambientais, por exemplo, onde o Estado favorece esses setores. Precisamos indicar os responsáveis, seja no setor do agronegócio, da construção civil, da mineração. Outro desafio foi estabelecer uma ação rápida. Há quase 40 dias da enchente ainda tem pessoas desabrigadas, pessoas que ainda não tem uma solução de moradia, vivendo em abrigos precários, sem mínima estrutura, muitos deles sem alimentação para as pessoas, e muitas vezes eles tem que escolher alimentar só a família, ou só as crianças. Situação caótica, e as pessoas continuam em risco, em insegurança alimentar. E para além disso tem toda a questão da saúde, da educação, que estão prejudicadas, as famílias sem poder voltar a trabalhar, sem poder voltar a ter sua renda, entregues a um Estado que deveria garantir direitos e este Estado está em colapso total, pois é um estado mínimo que não tem capacidade de incorporar essas situações. E aí a gente vê uma lógica voluntarista, onde parece que só a ação da sociedade vai resolver os problemas. Então a gente precisa, nesse momento, mostrar que essa lógica do estado mínimo gera violações diretas, crise ambiental, e para isso a gente precisa de um estado forte, que garanta direitos, que faça esse diálogo com a sociedade. Isso também é uma outra questão que a gente vê a cada momento, esse estado negacionista de extrema direita, em que não aceitam a participação direta e não aceitam os Conselhos, que são enfraquecidos, que não agregam na construção das soluções. São de faz de conta, não constroem uma participação da sociedade. Prefeituras e governo do estado priorizando reuniões com empresas e empresários, como se eles fossem a solução, e na verdade foram eles que nos trouxeram até aqui, a essa situação caótica, de crise. Então, de alguma forma a gente acredita que o desafio neste momento é indicar os responsáveis e buscar as possibilidades de construção e participação priorizando os movimentos sociais que estão nos territórios, que estão atuando, têm expertise. Exemplos como a produção agroecológica, em que o pessoal se organiza e garante alimentação, o processo do Minha Casa Minha Vida Entidades, que produzem moradia, e as melhores moradias a disposição, onde o lucro das empresas é transformado em qualidade e dignidade de moradia, seja no tamanho da casa, número de quartos, com horta, equipamentos para horta, construção e sentir de comunidade, e não um teto como moradia de forma precária. 

Grupo Carta de Belém (GCB): Quais são as soluções?
Fernando Campos: A gente acredita muito que o papel do Estado é fundamental, um estado forte na lógica de reconstrução de um estado que possa garantir os direitos, que esteja preparado para este tipo de situação. A gente vê um total despreparo para estabelecer condições, tudo tem levado muito tempo e esse tempo não garante a vida das pessoas, seja no pré, durante ou no pós, a dificuldade é muito grande de garantir a vida das pessoas. 

Ao mesmo tempo vejo que as soluções estão nos movimentos sociais. É preciso encarar os movimentos sociais como forma de atuação junto com o estado. A agilidade dos movimentos sociais é muito maior que a do Estado. Quando começaram  todas as situações, os primeiros a atuarem foram os movimentos sociais, foram as Cozinhas Solidárias de Emergência que foram instauradas, que garantiram de forma rápida a redução de danos em relação ao impacto sofrido. As comunidades que estavam organizadas reduziram seus prejuízos, vulnerabilidades, a partir do apoio. Então tem o papel do movimento social de organizar, seja na construção da soberania alimentar… É importante entender os processos como eles se dão, porque essa relação entre solidariedade, entre Cozinha Solidária, agricultura familiar, isso vai garantir a soberania. Não só a segurança alimentar, mas também a soberania, a garantia de laços entre o urbano e o rural. É importante que isso seja garantido. E que políticas públicas como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) possam garantir essa relação a partir da política pública e novamente, com os movimentos sociais sendo a porta de entrada disso. 

Precisamos de agilidade na solução das moradias. Têm pessoas que perderam tudo, a casa, a vida, é muito importante que as famílias mais atingidas consigam reorganizar suas vidas. As situações de precariedade dos abrigos, de violações de direitos são constantes nesses espaços. Há falta de autonomia, de privacidade, onde isso é fundamental. Muitos imóveis vazios que poderiam estar garantindo essa moradia, sejam imóveis do governo do estado, dos municípios, da União, ou imóveis privados, que estejam a disposição do aluguel social, da compra assistida, mas que consiga garantir a função social da propriedade, e não só em situação de crise. As famílias precisam de moradias, os espaços das escolas precisam ser desocupados, as aulas precisam voltar. Então moradia e manutenção da alimentação, as famílias conseguirem ter acesso a comida, as cozinhas solidárias de emergência, são fundamentais para garantir o mínimo e ao mesmo tempo os agricultores que foram atingidos consigam retornar à situação de produção o mais rápido possível, numa ação conjunta do urbano e do rural.

Ainda no tema das soluções é muito importante que a gente coloque a questão do problema fundiário, primordial nesta discussão. A questão fundiária é a principal violadora de direitos, principal tema. Precisa de uma solução. Nesse momento devemos colocar isso como uma meta de garantir a reforma agrária, de garantir a titulação dos quilombos, garantir a demarcação das terras indígenas. Os problemas gerados a partir da precarização da vida das pessoas, falta de capacidade de resposta em situações de crise, vem por parte das injustiças ambientais nos territórios,  políticas públicas não atendem, não existe uma democracia direta. A principal solução para a questão do clima é a questão fundiária, são os povos nos territórios. Locais preservados são locais onde as comunidades vivem, são locais com ambiente preservado de forma segura. É preciso garantir o território, a comunidade dentro do território para preservação dos impactos à natureza, ao ambiente, que garanta o bem viver nestes territórios.

Grupo Carta de Belém (GCB): Como a questão da agroecologia e soberania alimentar estão inseridas nesse contexto?
Fernando Campos:  A questão da alimentação especificamente: tivemos a Conferência Nacional de Segurança e Soberania Alimentar, em que se falou em comida de verdade. Já vínhamos implementando esses processos da Cozinha Solidária de Emergência do MTST, regulamentando junto ao Ministério de Desenvolvimento Social, junto a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) a compra de alimentos não só da cesta básica, mas também da agricultura familiar, para garantir a comida de verdade. Quando se fala em saúde, imunidade, esses alimentos são fundamentais, garantem a saúde e a alimentação. Vem de produção sem agrotóxicos, que gera uma lógica garantida e apoiada a partir das políticas públicas, e não a lógica do agronegócio que garante commodities e não alimento para as pessoas, além de contaminar diretamente as águas, solo, ar, pessoas e animais. É isso… Como pensar o problema da fome, sem apoiar o agronegócio que gera outros impactos, inclusive do que estamos vivendo hoje? Agronegócio não pode ser a solução, devemos fortalecer a agricultura familiar, que preserva vidas e garante vida.

Conteúdo originalmente publicado no site do Grupo Carta de Belém (GCB), em: https://www.cartadebelem.org.br/o-violento-avanco-do-capital-sob-os-territorios-de-vida-e-o-motor-da-emergencia-climatica-na-luta-dos-movimentos-sociais-e-na-organizacao-dos-povos-esta-o-freio-desta-tragedia-anunciada/ 

[Votação Prorrogada] Orientações para votação feminista no Plano Clima Participativo do Governo Federal!

A Amigas da Terra Brasil se soma a Marcha Mundial das Mulheres na mobilização de votos nas propostas dos nossos movimentos, redes e coletivos parceiros no Plano Clima do Governo Federal.  Confira o material produzido pela Marcha Mundial das Mulheres e saiba como votar em propostas reais para atravessarmos a emergência climática:

O Plano Clima definirá as estratégias nacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover a adaptação aos impactos das mudanças climáticas. O Plano Clima Participativo é o espaço de participação dos movimentos neste processo, e tem etapas de encontros presenciais (entre julho e agosto de 2024, uma plenária por cada bioma) e a participação em plataforma online com votação de propostas.

Para entender melhor o processo, clique aqui.

Estamos articuladas em nível nacional com as companheiras do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), do Grupo Carta de Belém, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Vamos votar nas propostas dos povos, das trabalhadoras e das mulheres das águas, florestas, campos, urbanas periféricas e periurbanas! Cada pessoa pode votar em até 10 propostas e o voto é através de acesso ao login do gov.br, no site do Plano Clima Participativo.

A votação se encerra dia 10/9, não deixe para a última hora!

Abaixo listamos as propostas e o link para acessá-las:

  • Grupo Carta de Belém

O Grupo Carta de Belem propõe que o Plano Clima destine recursos dos fundos de meio ambiente e clima prioritariamente para a soberania fundiária

  • Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

Promover a justiça climática através de política pública para estruturação dos quintais produtivos agroecológicos das mulheres rurais e urbanas. 

  • Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG)

Criação de um Plano de Adaptação ESPECÍFICO para a Agricultura Familiar (população do campo, das águas e das florestas amparado pela 11.326/2006)

  • Centro Feminista 8 de março (CF8)

Caatinga Viva pelas mãos das mulheres 

  • Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Criação da Política de Segurança para Populações Atingidas por Desastres Climáticos

  • Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Programa de Empregos de Interesse Público-Comunitário em territórios atingidos por impactos socioambientais

  • Federação Única dos Petroleiros (FUP)

Transição Energética Justa Centrada no Trabalho

  • Movimento Interestadual Das Quebradeiras De Coco Babaçu (MIQCB)

Proteção das florestas nativas de babaçu

Também recomendamos voto nos demais movimentos, redes e organizações territoriais aliadas da MMM:

Mudar o mundo para não mudar mais ainda o clima. Mudar o mundo para mudar a vidas das mulheres!

Conteúdo originalmente publicado em: https://www.marchamundialdasmulheres.org.br/orientacoes-da-mmm-para-votacao-feminista-no-plano-clima-participativo-do-governo-federal/ 

Povos nos territórios: Proposta do Grupo Carta de Belém para o Plano Clima pauta garantia de soberania e autonomia fundiárias dos povos

As enchentes no Rio Grande do Sul, a seca histórica no Pantanal e a fumaça que borra o céu em diversos estados, vinda das queimadas da Amazônia, são anuncio de um modo de vida e de produção que precisa ser freado. No soslaio destas tragédias anunciadas, assim como no cotidiano, é possível sentir cada vez mais os impactos da emergência climática na pele das águas, da terra, do ar, dos bichos e das gentes.

Diante desta realidade, o governo brasileiro iniciou a elaboração do Plano Clima, através do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). Por meio da plataforma Brasil Participativo é possível votar, até o dia 26 de agosto, em dez propostas enviadas por cidadãos e organizações sociais.

O Grupo Carta de Belém incide no processo com a proposta de que o Plano Clima destine recursos dos fundos de meio ambiente e clima, prioritariamente, para a garantia de soberania e autonomia fundiárias dos povos. Pelo direito dos povos aos territórios de vida e para que estes territórios sigam existindo, assim como toda diversidade que os coabita, a proposta demanda que sejam priorizadas as seguintes ações:

👉🏽Demarcação de terras indígenas
👉🏽Titulações de territórios quilombolas
👉🏽Regularização de territórios tradicionais
👉🏽Reforma agrária
👉🏽Reforma urbana

Levando em consideração que não há justiça climática sem justiça para os povos, defendemos que o Plano Clima deverá servir de instrumento para promover a Soberania Alimentar e a reparação histórica, centrada em soluções climáticas baseadas no direito dos povos ao território. #demarcaçãojá #titulaçãojá #planoclima

🌱 Vote para que esta proposta se torne parte do Plano Clima: bit.ly/PovosNosTerritórios 

A solução são os povos nos territórios. Está na reparação histórica para quem há mais de 500 anos faz da preservação da natureza e da luta pela vida ponta de lança para sobreviver e tornar possíveis outros mundos ✊🏽

O Plano Clima será o guia da política climática do Brasil até 2035. A participação da sociedade civil nesse processo é fundamental. Vote, divulgue e participe.

Conteúdo originalmente publicado no Grupo Carta de Belém, em: https://www.cartadebelem.org.br/povos-nos-territorios-proposta-do-grupo-carta-de-belem-para-o-plano-clima-pauta-garantia-de-soberania-e-autonomia-fundiarias-dos-povos/ 

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