Encontro de atingidos por agrotóxicos debate vitórias conquistadas e próximos passos em defesa dos territórios e da agroecologia

Meio a invasão da fronteira agrícola e a mercantilização da vida, que dilacera o bioma Pampa e traz uma série de violações de direitos, povos e territórios resistem. Organizado por produtores agroecológicos e assentados do Movimento Sem Terra (MST RS) atingidos pela pulverização aérea de agrotóxicos, com a solidariedade de parceiros urbanos, encontro em Nova Santa Rita (RS) pauta estratégias e alianças da luta por agroecologia, direitos humanos e soberania alimentar

O domingo do dia 17 de dezembro foi marcado por confraternização entre famílias gaúchas atingidas pela deriva de agrotóxicos de Nova Santa Rita, Eldorado do Sul e Tapes, e apoiadores. Com o intuito de revisitar o histórico de luta das pessoas atingidas pelo crime de deriva (pulverização aérea de agrotóxicos), a atividade contou com roda de conversa, relatos diversos e levantamento tanto de violações de direitos como das vitórias dos atingidos. Também foram debatidos os caminhos traçados pela resistência ao modelo do agronegócio (de coexistência impossível) além de estratégias e táticas contra a pulverização de veneno, que incide violentamente no cotidiano de indígenas, quilombolas, comunidades periféricas, pessoas assentadas, pequenas produtoras de alimentos e se estende para além do rural, afetando todos ecossistemas e quem vive no meio urbano. Seja no corpo, na água, no ar ou nos alimentos contaminados por agrotóxicos, venenos, pesticidas, fungicidas e defensivos. Nomes tantos que descrevem verdadeiras armas químicas. Nomes que impactam, mas que importam menos do que o seu efeito na realidade: matam uma morte lenta, silenciosa e perversa, que conta com a impunidade corporativa e com a captura do estado, que é conivente com este modelo de aniquilação. 

Para além das articulações da luta, o momento foi importante por ser uma confraternização das famílias que sofrem tantas violências por parte do agronegócio. Um modelo que avança nas vidas carregando uma forma de ação criminosa, que gera impactos para além do envenenamento. “O agronegócio faz todo o contrário do que a reforma agrária faz, e não deixa acontecer o trabalho na terra. Tira e expulsa as pessoas do campo”, salientou Graciela de Almeida, assentada do MST RS,  que produz sem agrotóxicos e de forma agroecológica¹. A assentada contou que por anos as famílias da região vêm sendo afetadas por verdadeiras chuvas de veneno, utilizado pelo agronegócio. Destacou, ainda, a importância de parceiros urbanos e de organizações socioambientais, que também tornam possível que o trabalho de quem vive o rural, assim como as suas lutas, sejam exemplo em outros lugares. 

“Precisamos continuar nessa luta. Resistir para existir, como o povo da Palestina. Não posso deixar de dizer que viva o povo da Palestina”, comentou em solidariedade, trazendo a conexão das lutas para além de fronteiras impostas pelo capital. Graciela defendeu que é preciso disputar espaços e incidir na esfera internacional, como foi realizado em novembro de 2022, quando uma delegação brasileira e a Frente Contra o Acordo Mercosul União Europeia levaram denúncias a cinco países do continente Europeu. “Fomos  para denunciar precisamente a questão dos agrotóxicos no Brasil e como isso impacta nas comunidades, barrando um desenvolvimento realmente sustentável”, explicou.

Jornada na Europa, em 2022.

Na ocasião, a delegação brasileira, composta por representantes da Amigos da Terra Brasil, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), da RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) e do MST realizou uma Jornada pela Europa. Além de denúncias, foram feitas reivindicações em debates que ocorreram com parlamentares, jornalistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil. O foco foi apresentar os impactos do Acordo Mercosul – União Europeia sob os povos indígenas, comunidades camponesas e produtoras agroecológicas, ecossistemas e populações atingidas pela mineração e pelos agrotóxicos no Brasil. Colonial e violento, o acordo comercial daria lastro ao avanço do agronegócio, ampliando a liberação de agrotóxicos (proibidos em seus países de origem) na América Latina. Aprofundaria, ainda, a relação de dependência econômica do sul global em relação ao norte, intensificando a superexploração da natureza, dos povos e dos territórios na periferia do sistema, onde estamos situados. 

Acesse todos os depoimentos da Campanha Parem o Acordo UE-Mercosul na nossa playlist no Youtube: embedar link

Confira o Posicionamento da Frente Brasileira Contra Acordo Mercosul-UE, que foi apresentado no Parlamento Europeu

¹ A produção de alimentos de forma agroecológica vai além de um método de produção de alimentos, e se conecta ao todo. É muito mais do que produzir sem veneno, embora englobe este quesito. É uma forma de produção alimentar, mas é uma forma de ser e agir no mundo, que constrói outros horizontes de mundos, com base em valores éticos centrados na vida, e não na lógica de lucro, dos negócios, do mercado ou da mercantilização de tudo. É uma luta permanente, e uma construção permanente que está enraizada na luta pela terra, na consciência e luta de classes, na luta contra o patriarcado, anticolonialista, anti-imperialista, anticapitalista e contra qualquer forma de exploração e dominação. Saiba mais aqui 

 

A luta por alimentos, pessoas e ambientes saudáveis pulsa da semeadura à colheita nos assentamentos do MST, que resistem ao envenenamento da vida

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

A região de Santa Rita é reconhecida pelos assentamentos da reforma agrária que produzem alimentos sem veneno, onde se concentram algumas das áreas de maior produção de arroz agroecológico da América Latina. Também é marcada por um conflito que compromete as formas de vida e de produção econômica de inúmeras famílias da agricultura agroecológica – a pulverização aérea de agrotóxicos em fazendas das proximidades. 

O veneno, aliado ao monocultivo e a uma forma única de compreender a relação com a terra – a da mercantilização, contamina solos, águas, ar, gentes, e bichos, e causa impactos irreversíveis na saúde ecossistêmica. Quem trabalha na terra de uma forma justa e harmônica, garantindo alimentos saudáveis de verdade, que abastecem diversas cidades, acaba sofrendo na pele os efeitos das pulverizações. Queimaduras, feridas, alergias, enjoos, mal súbito, câncer, depressão e sufocamento são alguns dos sintomas da exposição aos agrotóxicos. Sintomas, também, de um sistema nefasto que entende que mais importante que alimentar o país, é produzir commodities para o capital estrangeiro. O lucro do agronegócio significa  contaminação. É o empobrecimento das famílias, o empobrecimento geral. 

Fernando Campos, da Amigas da Terra Brasil, expôs:Para nós é muito importante essa virada de ano com uma perspectiva de alguma forma positiva. O que acontece aqui acontece, de alguma forma, em vários lugares. A grande diferença é a gente reunir forças para conseguir enfrentar esse grande setor que é o agronegócio, que tem por trás de si empresas, corporações que estão no mundo inteiro tomando territórios. Expulsando pessoas do campo e levando para a cidade, empobrecendo o nosso povo. Seja com as doenças, seja com a ação permanente de uso dos agrotóxicos como arma química na expansão do território,  impossibilitando quem está na sua volta e que tem outra relação com a agricultura (sem veneno, sem transgênico) de sobreviver.  A decisão do uso destas tecnologias de morte não param na cerca, elas vão para o mundo”. 

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

Tendo isso tudo em vista, os presentes no encontro debateram quais foram os desafios e conquistas de 2023, se posicionando contra o modelo de produção do agronegócio e traçando um horizonte de construção para a soberania alimentar. Foram discutidos aspectos como ferramentas de luta, ferramentas legais, com marcos como a assessoria jurídica aos afetados, além da lei que restringe as pulverizações aéreas na região metropolitana, mais especificamente na zona de amortecimento do Parque do Delta do Jacuí. 

Fernando ressaltou que para avançar na luta contra o veneno é preciso de ferramentas e se instrumentalizar, até mesmo para que seja possível reunir provas e realizar denúncias de forma concisa. A recente garantia de estações climatológicas em cidades que sofrem com a deriva de agrotóxicos foi um dos passos fundamentais nessa direção. “Conseguimos, a partir das conversas e diálogo, garantir para famílias de Nova Santa Rita, do assentamento Santa Rita de Cássia, assim como de Tapes e Eldorado, cada um ter uma estação climatológica para poderem eles mesmos terem seus dados das medições de vento, velocidade, temperatura. Aqui em Santa Rita há uma no parque mesmo, iniciativa muito importante da prefeitura. Mas é importante que as famílias tenham as suas próprias  informações, os seus dados, para bater com os dados do Estado”, analisou. 

A instalação das estações citadas está prevista para janeiro de 2024, junto a um conjunto de iniciativas e ações para fortalecer a luta das famílias afetadas pela deriva. Entre elas, formas para monitorar e documentar violações de direitos. “A gente sabe que ter uma vida, que viver do lado do agronegócio não é possível produzindo agroecologia. A gente precisa de fato mudar essa realidade. Por isso, também, que a ideia da poligonal, de uma área livre de agrotóxicos aqui na região, importa muito”, frisou Fernando. 

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

Emerson José Giacomelli, militante do MST, assentado do Assentamento Capela e Secretário de Agricultura de Nova Santa Rita, destacou a Lei da Deriva e a importância de ferramentas de luta construídas coletivamente.  Mencionou, também, as políticas públicas do município voltadas para a agroecologia, para produtores de melão, pequenos produtores e quanto ao meio ambiente e educação, afirmando que uma diversidade de programas chegam nas propriedades. Citou, ainda, convênio com laboratório de São Paulo, responsável pela análise de amostras para detectar agrotóxicos, que já vem sendo utilizado e será posto à disposição dos assentados. “Começaremos o ano na Secretaria da Agricultura com orçamento de mais de 11 milhões. Poucos municípios têm investimento e prioridade tão fortes para a agricultura familiar como Santa Rita. Mas não podemos nos acomodar, mesmo com novos projetos e parcerias”, destacou, se comprometendo a buscar parceria com o Governo Federal para ampliar o atendimento aos atingidos.

Álvaro Dellatorre, da Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs), definiu a confraternização e o momento trazendo o conceito de agroecologia. “Achávamos que a técnica pela técnica resolvia as questões, mas chegamos no conceito de agroecologia. O que acontece aqui nessa roda de conversa é exatamente essa dimensão, porque percebemos que atrás da técnica há sociologia, antropologia, outras dimensões da vida que explicam a agroecologia, que permitem que entidades e pessoas que não estão produzindo somem nesse processo. Isso é o que vemos aqui”.  

A agroecologia, presente no trabalho do MST e de atingidos pela pulverização de agrotóxicos de Nova Santa Rita, é um exemplo de realização do direito humano à alimentação. Este direito deve tratar da alimentação saudável considerando quantidades adequadas, qualidade dos alimentos, serem livres de substâncias tóxicas e adversas, serem ambientalmente sustentáveis, acessíveis e disponíveis para todos.  A Promotora de Justiça aposentada do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP RS) e  especialista em Direito Humano à Alimentação Adequada, Miriam Balestro, incidiu na conversa destacando que o direito humano à alimentação adequada tem que ser cada vez mais mobilizado e utilizado como instrumento de luta. 

“O que ocorre hoje no Congresso Nacional é que o agronegócio, por suas curvas, está atacando o direito humano à alimentação adequada previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Eles querem trocar a palavra por segurança alimentar. Segurança alimentar não é o direito, é a política. É como dizermos que direito a remédio de hospital é direito à saúde, não é. A construção internacional fala de direito à alimentação”, denunciou. De acordo com Miriam, o Brasil tem a melhor legislação do mundo quanto a direito à alimentação, o problema é que ela é pouco utilizada. 

 

O agro é morte, o agro é emergência climática

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

Para além do agronegócio e da violência do uso de agrotóxicos, assentadas e produtoras rurais enfrentam ainda questões da emergência climática.  Esta, intensificada justamente pela sanha de poder de corporações e empresas, especialmente do setor minerário e do agronegócio, este segundo que impõe o avanço da fronteira agrícola. A consequência é o desmatamento e perda de biomas, para além do extermínio de povos tradicionais e uma série de violações de direitos. No Brasil, sexto maior emissor de dióxido de carbono (CO2), gás poluente que mais tem impacto no aquecimento global, o principal fator de emissão está conectado ao desmatamento, que provém da alteração de uso de solo liderada pelo agronegócio. 

“A questão ambiental é uma questão de direito humano. O que acontece com o problema da deriva, das enchentes, catástrofes ambientais, é problema de direito humano. Estamos vivendo um novo momento histórico. Não existe pensar um mundo diferente se a gente não incorporar a dimensão ambiental no que faz. E o componente carbonero é um componente fundamental da nossa estratégia, a luta só começou”, contextualizou Dellatorre. 

Marina Dermmam, presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), relatou como este vem trabalhando dentro da temática:  “O CNDH começou atividades hoje cedo nos assentamentos para verificar como a emergência climática têm atravessado a realização dos direitos humanos de vocês. A maioria aqui foi vítima, também, das últimas enchentes. Perderam novamente suas produções. Não bastasse o agronegócio e o veneno, agora vem as questões climáticas. Junto com o Conselho viemos com equipe de relatores aqui para monitorar as violações e conhecer a realidade”. 

Leia também a reportagem do Jornal Brasil de Fato:  Missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos visita assentamentos inundados – Objetivo do conselho é elaborar um diagnóstico sobre os impactos das emergências climáticas no direito à alimentação

Fé na luta

Embora a ofensiva do capital e do agronegócio sigam ameaçando a vida, é na organização da luta coletiva que se faz caminho para garantir uma alimentação que considere a potência da sociobiodiversidade, saudável para os povos e para os ecossistemas

“O agronegócio é um setor tóxico, que vive do empobrecimento das pessoas. É muito triste ver pessoas que lutaram pela terra, que buscam os seus direitos, que estão em luta para garantir um ambiente saudável, sendo atacadas permanentemente pelo agronegócio”, expôs Fernando Campos. Apesar de abordar a realidade brutal no campo, Fernando destacou que ao mesmo tempo há muita esperança, e que encontros como este emanam força pois reforçam que não há como defender o indefensável, ou naturalizar o envenenamento massivo. Como retratou: “Estamos do lado certo da história. Não é mais admissível o uso do agrotóxico. O agronegócio é um setor criminoso, formado por pessoas sem escrúpulos, sem ética, que realmente fazem de tudo pelo lucro. A gente lida com questões éticas, ambientais, de cuidado. Eles não” 

Além das iniciativas previstas para 2024, que dão chão para que a luta travada pelos atingidos pela deriva seja mais justa, a sociedade vem se organizando. O próprio PL do Veneno vem sendo acusado. “Todo mundo que tem consciência do mal dos agrotóxicos deve se unir, somar e fazer a sua parte para que a gente possa derrotar esse projeto de morte, que tem matado no meio urbano e no meio rural. Com uma situação muito crítica de contaminação real de químicos”, mencionou Fernando. 

Apesar das dificuldades e do tamanho do inimigo, encoberto em dinheiro marcado à sangue, há uma boa perspectiva de avanços das lutas dos povos. Há um vasto somatório de esforços, de organizações que estão juntas pelo fim da contaminação, para enfrentar o terror. Meio a políticas de morte emergem potências de vida, que vêm dos esforços coletivos, do trabalho árduo no campo e do suor cotidiano de quem produz para alimentar gentes, para correrem livres os rios e os ventos, para crescerem as matas em toda sua diversidade. E neste cuidado com a terra, com os biomas, uns com os outros, que a luta dos assentados contra os agrotóxicos se apresenta também como uma luta pela possibilidade de mundos socialmente justos e ecologicamente equilibrados. 

 

As mudanças climáticas, os crimes corporativos e a injustiça ambiental

COP28 mantém a hipocrisia dos espaços multilaterais internacionais do clima. Enquanto Estados tentam redesenhar os Acordos de Paris, manipulando a contabilidade das reduções das emissões e a polêmica sobre o financiamento do clima, empresas transnacionais hegemonizam as discussões com as propostas de solução “verde”. Tais propostas envolvem investimentos do capital financeiro no uso de hidrogênio verde, em geração de energia eólica e solar e em eletrificação de carros, todas respostas pensadas nos termos de uma economia extrativa com impactos desproporcionais no Sul Global, aprofundando desigualdades e injustiças ambientais.

Enquanto isso, o Brasil acumula muitas contradições ao seguir mantendo sua subordinação às empresas transnacionais. Na própria COP 28, a tenda Brasil, organizada pelo governo, com o lema “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”, contava com painéis das empresas Vale S.A e Braskem, duas mineradoras responsáveis pelos maiores crimes socioambientais do país. Além delas, o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas),  mecanismo promotor da responsabilidade social corporativa, teve seu espaço na tenda. O que corporações conhecidas nacionalmente pela violação aos direitos humanos e ambientais dos povos, e o instrumento corporativo de “lavagem verde e social” têm para construir e agregar à nossa nação?

A Vale S.A, BHP Billiton Brasil Ltda. e Samarco Mineração S.A são responsáveis pelos rompimentos das barragens de Fundão, na cidade de Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, ambas no estado de Minas Gerais – afora outras diversas barragens de rejeitos em risco de rompimento no país. Por anos, a empresa vinha sendo alertada pelos órgãos de fiscalização da necessidade de reforço da segurança das minas. Inclusive, especialistas apontam para o risco do uso de determinadas tecnologias no manejo do rejeito. Nenhuma das políticas corporativas conseguiu conter a destruição. E vale ressaltar que, nesses oito anos do desastre de Fundão, as vítimas seguem buscando indenização. O que os casos revelam é a reprodução de uma arquitetura da impunidade corporativa.

No caso da Braskem, a história se repete. Desde os anos 80, a sociedade civil e pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) alertam para as consequências da expansão da extração de sal-gema em Maceió, em Alagoas. Por décadas, a empresa extrai sal-gema, transformando o subsolo da cidade em várias crateras. Moradores da região atingidos denunciam rachaduras nas casas, cuja responsabilidade a empresa negava. Em 2018, quando ocorreu o terremoto na cidade, bairros vieram abaixo. A mineradora iniciou sua atividade instalando em um santuário ecológico estuarino; não havia dúvidas de que a destruição ambiental começava ali.

Importante destacar que os setores corporativos do agronegócio, mineração, construção civil, imobiliário e de energia têm flexibilizado a legislação. Temos tido eventos climáticos extremos resultantes das alterações do clima em função dos impactos gerados pelas corporações nos últimos séculos.  A diferença entre os crimes de Brumadinho, Mariana, Maceió e das enchentes na região de Maquiné e do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul; em Teresópolis, no Rio de Janeiro; em Santa Catarina e em Minas Gerais é o tempo. Alguns  demoram centenas de anos para recuperar, ainda que parcialmente, a qualidade de vida das pessoas e a integridade dos ecossistemas e outras dezenas; o certo é a impunidade dessas empresas e a violação dos direitos dos povos, que estão no plano de negócios. Não é acidente, é parte do plano. Sabiam que aconteceria e que o lucro seria maior em não fazer nada do que investir em soluções reais. Assim, a impunidade segue do lado das corporações e dos Estados capturados.

Quanto ao tema da energia, no regresso da COP28, o governo brasileiro, via ANP (Agência Nacional do Petróleo), decidiu disponibilizar em leilão 603 blocos para exploração de petróleo e gás, em regiões que incluem a afetação à Amazônia brasileira. O leilão de poços irá permitir que mais empresas transnacionais venham ao país determinar os rumos de nosso desenvolvimento e reduzindo, também, a capacidade do Estado em construir, com participação popular, uma política necessária de transição energética justa para a classe trabalhadora, incluindo perspectivas da justiça ambiental e do feminismo popular. Ao invés disso, mais destruição e impactos anunciados, na contramão de um movimento de redução dos combustíveis fósseis, que foi a tônica desta COP depois de 28 conferências realizadas desde 1992.

Movimentos populares e organizações feministas têm denunciado o avanço dos aerogeradores para produção de energia eólica no Nordeste e sua relação com a violência de gênero. No polo da Borborema, na Paraíba, a instalação de parques eólicos têm alterado toda a dinâmica de produção camponesa. No litoral do Ceará, a instalação de eólicas em alto mar atrapalha a produção pesqueira, afetando pescadores e ribeirinhos. Evidenciando a contradição entre o uso de soluções tecnológicas e a sua aplicação concreta, que segue causando conflitos socioambientais.

Não podemos deixar de mencionar o papel do Congresso Nacional. O Senado Federal, como alavanca da modernização conservadora no país, aprovou, ao final de novembro, o PL 1459/2022, que flexibiliza, ainda mais, a liberação de agrotóxicos no país. Apesar dos inúmeros estudos científicos, posicionamento de Conselhos e órgãos de classe, como CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), que alertam para as perdas da biodiversidade e do risco de aumento das doenças, como câncer, relacionadas ao uso intensivo de agrotóxicos no país. O Congresso aprova, e a Presidência tem dificuldade de veto.

Nesse cenário, observamos que as soluções para a crise climática são pensadas pelos mesmos agentes causadores delas: as grandes corporações. A história ambiental nos revela como a intensificação da destruição ambiental está relacionada ao avanço da industrialização capitalista, na promoção de um desenvolvimento desigual. No qual, países do Norte Global saíram na frente na corrida imperialista, destruindo comunidades, territórios, escravizando populações e colonizando a natureza, cujos efeitos profundos são sentidos pelas atuais gerações. São os países do Norte Global e organismos multilaterais que promovem a atuação das empresas transnacionais, facilitando seu processo de acumulação por dependência.

Desse modo, qualquer solução pensada nos termos atuais das relações sociais internacionais, e de sua base, as relações sociais de produção capitalista, são mecanismos para seguir mantendo a ordem de destruição socioambiental.

Seguimos nos desencontrando, enquanto promovemos um discurso internacional avançado, e não sabemos transcender as políticas internas desenvolvimentistas apoiadas pela burguesia nacional. Dessa forma, terminamos fazendo um grande pacto de mediocridade, concedendo continuamente nossa soberania às corporações.

É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis

Na construção de um Brasil novo, que seja o país do seu povo, não um país sustentável, mas um país ecológico e com justiça ambiental, é preciso aprender com as nossas práticas cotidianas, povos do campo, águas e florestas e, também, com as periferias das cidades, para manter a terra viva, suas culturas e  biomas,  onde estão as soluções para a crise climática. É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis. São as Terras Indígenas demarcadas, convivendo com outras relações de produção da vida no território, assim como as terras quilombolas, os territórios de povos e comunidades tradicionais.

A nossa história não permite aceitarmos que as corporações sejam soluções, um mundo dirigido pelo crescente poder corporativo que só tem nos levado às múltiplas  crises e aos desastres socioecológicos. Precisamos, com urgência, responsabilizar as corporações pelos seus crimes corporativos. São 37 anos de impunidade do empreendimento de sal-gema em Maceió; são séculos de impunidade das mineradoras e das grandes plantações transnacionais no solo brasileiro. Em face disso, a responsabilização das empresas e a regulação estatal do setor é fundamental. Por isso, a proposta do PL n.º 572/2022 deverá ser uma pauta prioritária dos povos para 2024.

Um Brasil livre e soberano, construindo um projeto político de libertação para si e para os povos da América Latina e Caribe, é a nossa urgência. Chega de falsas soluções! Chega de impunidade corporativa.

Coluna originalmente publicada no Jornal Brasil de Fato, em 21 de dezembro de 2022, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/12/21/as-mudancas-climaticas-os-crimes-corporativos-e-a-injustica-ambiental 

A causa Palestina é também de direitos humanos e justiça climática

A Palestina é uma causa de direitos humanos e justiça climática. As lutas contra a ocupação israelense, que se baseia na exploração ilegal das terras e dos recursos naturais palestinos, fazem parte de uma luta de libertação, como PENGON – Amigos da Terra Palestina nos conta nesta entrevista. Nos reunimos com Rasha Abu Dayyeh e Abeer Butmeh, representantes da organização, que compartilharam conosco qual é a realidade na Palestina hoje.

Como ativista ambiental, como você relaciona suas lutas na Palestina com a justiça climática e os direitos humanos?

É imperativo reconhecer que a abordagem das questões ambientais não pode ser separada do reconhecimento do direito dos povos à soberania nacional em suas próprias terras. Nossa luta pela libertação está interconectada com os movimentos globais que defendem os direitos indígenas, os direitos à terra e a luta contra a indústria dos combustíveis fósseis e o colonialismo climático. Isso é parte integrante da luta coletiva por um mundo onde todos tenham o direito de viver com dignidade, livres da opressão.

Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, os palestinos são impedidos de acessar, utilizar e se beneficiar dos recursos naturais. A ocupação israelense controla ilegalmente mais de 65% da Cisjordânia e restringe as práticas agrícolas em 35% das terras agrícolas da Faixa de Gaza (Áreas de Acesso Restrito – ARA), o que impede os palestinos de enfrentar e lidar com as mudanças climáticas. Sem o fim da ocupação e do bloqueio, as estratégias de adaptação terão um impacto limitado.

Quais são os impactos ambientais da guerra em Gaza e da ocupação das terras palestinas?

A comunidade global está testemunhando atualmente uma série de ataques realizados pelas forças de ocupação de Israel contra a população palestina, suas terras e a infraestrutura civil em Gaza. O genocídio ambiental é praticado na Faixa de Gaza, seguidos quase dois meses de ataques das forças aéreas israelenses e combates terrestres. Grandes áreas de Gaza foram arrasadas, terras agrícolas foram destruídas, oliveiras que permaneceram por gerações foram queimadas e os recursos hídricos cada vez mais escassos estão agora contaminados.

O bombardeio contínuo deixou para trás materiais perigosos que contaminam o solo e as águas subterrâneas, representando uma ameaça significativa ao ecossistema. Além disso, Israel pulveriza periodicamente pesticidas químicos altamente tóxicos em áreas próximas ao perímetro do muro, agravando ainda mais os danos ambientais e o apartheid hídrico*.

“A ocupação israelense controla ilegalmente mais de 65% da Cisjordânia e restringe as práticas agrícolas em 35% das terras agrícolas da Faixa de Gaza, o que impede os palestinos de lidar com as mudanças climáticas.” – Abeer Butmeh

O bloqueio de Israel à entrada de combustível e equipamentos necessários para a sustentabilidade do setor de energia em Gaza criou imensos desafios para atender às necessidades energéticas da população. É preocupante o fato de que até mesmo infraestruturas essenciais, como hospitais, com painéis solares instalados em seus telhados, tenham sido alvo das forças israelenses durante a guerra em curso em Gaza.

Isso tem consequências ambientais diretas, como a contaminação de fontes de água, derramamentos de esgoto e interrupção de serviços essenciais, com severas implicações ambientais e de saúde a longo prazo.

” Para aqueles que foram despojados de sua terra natal, de seus recursos e do direito básico de existir, é impossível trabalhar nos desafios ambientais enquanto lhes é negada a oportunidade de construir resiliência e alcançar a soberania coletiva sobre recursos essenciais, como alimentos, energia e água.” – Rasha Abu Dayyeh

Como vocês respondem como organização pela Justiça Ambiental a todos esses desafios?

PENGON, que reúne 15 organizações ambientais na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, sempre lutou para resistir e se unir a comunidades além das fronteiras para expor como é resistir às injustiças.

Sempre encontramos alternativas nas comunidades marginalizadas com as quais trabalhamos. Em cooperação com nossos membros, fortalecemos as capacidades de comunidades a aumentar sua firmeza e permanência em suas terras, implementando projetos ambientais de desenvolvimento, energia solar, redes de água, reabilitação de terras etc.

Empoderamos as comunidades palestinas para que possam defender seus direitos ambientais. Nossa organização está mobilizando ativamente nossos aliados e apoiadores nas organizações ambientais internacionais para defender um cessar-fogo imediato. Além disso, estamos atualmente utilizando fundos de emergência para fornecer apoio crucial à população de Gaza, especialmente às mulheres, para atender às suas necessidades urgentes.

Como nossa federação e seus apoiadores podem ajudar a luta palestina?

1. Entre em contato membros do Congresso em seu país e solicite um cessar-fogo imediato;

2. Ajude a chamar a atenção para o que está acontecendo em Gaza, levantando as vozes palestinas, compartilhando as realidades de diferentes maneiras para apoiar a luta;

3. Participar de protestos, marchas ou mensagens na mídia é uma forma poderosa de demonstrar publicamente solidariedade com Gaza e apoiar as lutas palestinas;

4. Reunir-se prontamente para refutar a desinformação israelense, seja ela disseminada pela mídia ou propagada pelo governo;

5. Demandem aos seus governos que endossem o apelo palestino para a imediata reativação do Comitê Especial da ONU contra o Apartheid.

Lançamento do curta-documentário “Opy’i – fortalecimento do karai”, na Casanat, em Porto Alegre (RS)

Nenhum Guarani está sozinho. Quando se reza pedindo proteção para as crianças, para os mais velhos, não está pedindo só para a aldeia em que vivem, mas sim para os irmãos Guarani que habitam o Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Argentina. Essas fronteiras existem apenas para o homem branco, o “juruá”; os Guarani são um só povo!

Esse conhecimento foi dividido pelos caciques Timóteo, da retomada do Arado Velho, na zona sul de Porto Alegre, e Jaime, do Cantagalo em Viamão (RS), com quem esteve no lançamento do curta-documentário “Opy’i – fortalecimento do karai”; ou “Opy Nhombaraete Karai”, no idioma Guarani, no sábado à noite (25/11) na CasaNat, sede da Amigas da Terra Brasil.

Em pouco mais de 15 minutos, o curta registra a construção da OPY’I, casa de reza Guarani no Arado Velho, em meio ao modo Mbyá de viver, como a alimentação coletiva, a música e a relação com a natureza. Durante a conversa, Timóteo explicou que pela reza os Guarani se comunicam com os seus deuses e ancestrais, e por isso todas as aldeias têm uma OPY’I. A do Arado Velho vem para reforçar ainda mais este elo e a proteção do Povo Guarani.

Outro assunto comentado foi a violência sofrida por Timóteo e seus parentes na Ponta do Arado, área habitada por eles nas margens do Guaíba, que integra uma grande fazenda no bairro Belém Novo, a qual foi vendida e será loteada para construção de condomínios residenciais. Os indígenas já foram ameaçados, e apoiadores chegaram a ser criminalizados na Justiça pelo empreendimento, mas os Guarani resistem no local. Atualmente, aguarda-se a formação de um GT (grupo de trabalho) pela FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) para prosseguir com o pedido de determinação da terra indígena.

A cine conversa foi regada por pipoca e batata doce e milho assados ali na hora, como os Guarani fazem. As pessoas participantes puderam, ainda, apreciar o artesanato dos indígenas e ver uma amostra de fotografia dos bastidores do curta-documentário.

Agradecemos, de coração, a participação de quem esteve presente na CasaNat compartilhando o seu tempo com as sabedorias e as conquistas dos Guarani. Seguimos na luta!

Fotos: Carolina Colorio/ ATBr e Roberto Liebgott/ Cimi-Sul

Amigas da Terra Brasil

Cine-conversa sobre a construção da OPY’I no Arado Velho, em Porto Alegre (RS)


A Amigas da Terra Brasil recebe em sua sede, na CasaNat, uma cine-conversa sobre a construção da OPY’I, a casa de reza Mbyá Guarani, recentemente construída no Arado Velho, em Porto Alegre (RS). Este evento será a estreia do curta-documentário “Opy’i – fortalecimento do karai”; ou “Opy Nhombaraete Karai”, no idioma Guarani.


Após a mostra do curta-doc, teremos uma conversa com caciques Guarani presentes, entre eles Timóteo Karay Mirim, da retomada Mbyá Guarani do Arado Velho. Teremos também a participação do cineasta Mbyá Vherá Xunu.

A atividade acontece no dia 25 de novembro (sábado), às 17h, na CasaNat, que fica na rua Olavo Bilac, 192, bairro Azenha, na capital gaúcha. Entrada livre. Apenas pedimos como contribuição, a doação de alimentos para a comunidade indígena (industrializados: farinha de trigo, óleo, feijão, arroz, canjica, amendoim. De vegetais: batata doce, mandioca, abóbora e frutas).

Convidamos ainda, a quem puder e sentir vontade, que traga lanches para fazermos um momento de confraternização coletiva no final da cine-conversa.

Hoje, o Arado é ancestral! O curta-doc nos mostra a comunidade Mbyá Guarani revivendo sua história, sua cosmologia, erguendo a Opy’i. Levantar a casa sagrada de contato com os deuses e ancestrais significa força política, social, espiritual; na cosmologia Mbyá é a Vida Bela, em que força, saúde e espiritualidade são belezas.

Num contexto de disputas territoriais, a grandeza da ancestralidade Mbyá se aterra por Tupã para se transformar em território de VIDA!

Convidamos a todes para participarem deste momento importante para os Mbyá Guarani do Arado Velho! Venham à CasaNat!

Amigas da  Terra Brasil

Comunidade Mbya Guarani do Cantagalo, em Viamão (RS), é contra aterro sanitário que pode contaminar aquífero no RS

Desde 2018, moradores e ambientalistas organizados no movimento “Não ao Aterro, Não ao Lixão”, e a Comunidade Mbya Guarani do Cantagalo, em Viamão, lutam contra a instalação de um aterro sanitário na Fazenda Montes Verdes, no Passo da Areia, zona rural da cidade. Eles têm denunciado os riscos que o empreendimento pode causar na região, já que está localizado em área de nascentes d’água que se conectam com as bacias hidrográficas do rio Gravataí e com o Guaíba.

Atualmente, a FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental), órgão ambiental do governo gaúcho, analisa recurso da empresa ligada ao Grupo Vital Queiroz Galvão, que é responsável pelo projeto e teve o licenciamento prévio indeferido porque não apresentou os estudos no prazo indicado. O processo de licenciamento para a instalação do lixão está em suspenso, mas pode ser retomado a qualquer momento. Por isso, moradores, a comunidade e ambientalistas seguem vigilantes.

No final de outubro, a Comunidade Mbya Guarani do Cantagalo (Tekoá Jatay´ti) publicou uma nota reafirmando ser contra a instalação do aterro sanitário. A aldeia fica a dois quilômetros da área prevista para o lixão, sendo diretamente afetada.

Publicamos abaixo, a nota da comunidade indígena:

Nota de esclarecimento da Comunidade Mbya Guarani do Cantagalo

Nós da comunidade Mbya Guarani, Tekoa Jataity, viemos a público para nos manifestarmos contra o projeto da prefeitura de Viamão que pretende instalar um aterro sanitário – lixão- perto de nossa terra. Esse empreendimento afetará a natureza, nossas fontes de água e toda a população vizinha da região do Cantagalo.

Nossa comunidade tem se manifestado contra o projeto do lixão desde que ele começou a ser discutido no ano de 2018.

Estivemos nas audiências públicas promovidas pela Câmara de Vereadores de Viamão e lá sempre nos posicionamos contra o  lixão.

Denunciamos o projeto junto ao Ministério Público Federal, junto à Funai e ao Ibama. Nós o rejeitamos porque ele é degradante.

Ele vai afetar nossas práticas religiosas, nossas roças, nossas matas e vai contaminar nossas águas.

Nossa comunidade exige que a Funai e o MPF se manifestem contra esse projeto porque ele agride nossos modos de ser e viver.

Esclarecemos que não fomos consultados por nenhum órgão acerca desse projeto de lixão, nem pela prefeitura de Viamão, nem pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul e nem pelo IBAMA.

Os órgãos federais de proteção ambiental e indigenista devem se envolver nessas demandas já que nossas terras serão impactadas e os direitos sobre elas são regidos pelas normas constitucionais e infraconstitucionais federais.

Alertamos aos órgãos públicos que a  Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) também está sendo desrespeitada, porque ela estabelece nossos direitos fundamentais quanto aos empreendimentos que venham a nos afetar e a nos agredir direta ou indiretamente. 

A Convenção 169 da OIT determina que devemos ser consultados de forma livre, prévia e informada, fato que não ocorreu.

Diante disso, requeremos ao Ministério Público Federal que tome medidas no sentido de assegurar que nossos direitos sejam efetivamente garantidos.

Exigimos uma manifestação expressa da FUNAI quanto à garantia do direito ao território livre de esbulho e que se posicione, de forma veemente, contra esse empreendimento porque causará danos irreversíveis.

E, por fim, reafirmamos  nosso posicionamento contra o aterro sanitário – lixão – que pretendem instalar perto de nossa terra.

E, uma vez mais, nos colocamos ao lado dos demais moradores que lutam, de forma permanente, contra esse lixão.

Viamão, 23 de outubro de 2023

Comunidade Mbya Guarani Tekoa Jataity



No domingo, 12 de novembro, o portal de notícias Sul 21 veiculou uma matéria muito interessante, em que especialistas alertam para os danos que o projeto do lixão traz ao meio ambiente e às comunidades da região. Reproduzimos, na íntegra, a seguir:

Especialistas apontam que aterro sanitário em Viamão pode contaminar aquífero do RS

Ao fundo, no alto, a Coxilha das Lombas, onde se localiza a fazenda em que se pretende criar um aterro sanitário. Foto: Maria Luiza C. C. Rosa

“Empreendimento licenciado pela Fepam de acordo com as normas de proteção e conservação ambiental.” Embora tenha um enunciado que busca passar segurança, a placa do governo estadual recentemente colocada na entrada da Fazenda Monte Verde, na Rodovia Acrísio Prates, no Passo da Areia, zona rural de Viamão, voltou a despertar preocupação nos moradores da região.

O licenciamento único nº 1652/2023, em benefício da Bianchini S/A Indústria, Comércio e Agricultura, é o novo capítulo de uma história iniciada em 2019 e que busca instalar na área um aterro sanitário. Nestes quase cinco anos, o projeto tem enfrentado dura resistência de moradores e ambientalistas que, organizados no movimento “Não ao Aterro, Não ao Lixão”, denunciam os riscos que o empreendimento pode causar na região.

Com idas e vindas, a primeira tentativa de criar o aterro sanitário foi pleiteada por uma empresa ligada ao Grupo Vital Queiroz Galvão. A área para fazer o empreendimento na Fazenda Monte Verde foi arrendada do proprietário Arlindo Bianchini. O projeto, na ocasião, não foi adiante. 

O advogado José Renato de Oliveira Barcellos, especialista em Direito Ambiental, recorda que o licenciamento prévio foi indeferido porque a empresa não apresentou os estudos no prazo indicado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Na ocasião, os responsáveis pelo negócio tentaram alegar dificuldades em função da pandemia do novo coronavírus. 

A empresa então recorreu da decisão e a Fepam, agora, após realizar uma vistoria na área em outubro, está analisando o recurso. Enquanto isso, o órgão ambiental emitiu a licença única, com validade até julho de 2028, beneficiando 12 endereços do empresário, incluindo a Fazenda Montes Verdes. A licença autoriza a colocação de resíduos em solo agrícola, tais como lodo da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), cinza de caldeira e resíduo de varredura. 

Segundo a Fepam, esses resíduos “servem para dar ao solo os nutrientes que são necessários, sem a utilização de fertilizantes e adubo”, ação geralmente feita em área de pastagem ou plantação para preparação do solo. O processo, explica o órgão ambiental, é feito com o acompanhamento de engenheiro agrônomo e conta com a anuência do município de Viamão. Foi o suficiente para novamente colocar de sobressalto o movimento contrário ao aterro sanitário. Entre seus integrantes, há a suspeita de que a atual licença possa ser o “primeiro passo” para a concretização do aterro.

Barcellos destaca a existência de oito fontes d’água na área escolhida para criar o aterro, um enorme lençol freático considerado uma das melhores fontes d’água do Rio Grande do Sul. Por isso, alega que a área é sensível ambientalmente e corre risco de contaminação com a eventual criação do aterro sanitário.

“Essa contaminação coloca em risco não só as comunidades que vivem no entorno da região, como também ameaça três comunidades indígenas que vivem nas imediações, além de afetar várias unidades de conservação”, afirma. O advogado explica que os corpos hídricos se conectam com a Área de Preservação Ambiental (APA) do Banhado Grande, incluindo a nascente do rio Gravataí, um das mais importantes do RS, com conexão com o Guaíba e, por sua vez, com a Lagos dos Patos e o oceano Atlântico. “Todo esse sistema hídrico está ameaçado por esse empreendimento.”

O negócio ainda está em análise pela Fepam, podendo não avançar para as etapas seguintes se o órgão ambiental não autorizar. Por enquanto, a Fepam analisa os documentos oferecidos pelo empreendedor em seu recurso, sem juízo final sobre o projeto. Não a prazo determinado para a conclusão do processo. Caso o projeto avance, além da eventual licença prévia, há outras duas licenças que são importantes: as licenças de instalação e de operação. As duas seguintes, estas sim, perigosas de serem concedidas, na avaliação do advogado.

“Se a Fepam entender que há argumentos e há segurança para conceder as próximas licenças, isso não significa também que seja uma decisão final. Estamos acompanhando de perto esse processo”, explica Barcellos.

Milhões de anos

Placa da Fepam diante da entrada da Fazenda Montes Verdes. Foto: Reprodução/Facebook

Professora de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Luiza da Rosa conta que tomou conhecimento do projeto do aterro sanitário em 2020. Em seguida, foi convidada para analisar as características da área e avaliar, técnica e cientificamente, o quanto o local seria ou não adequado para a implementação do empreendimento.

O aterro sanitário se caracteriza por ter, em tese, uma construção específica para proteger o solo. Porém, por mais que tenha todos os cuidados, ela diz que sempre existe risco de contaminação. Por isso, enfatiza que esse tipo de empreendimento tem que ser colocado em áreas onde o terreno não tenha vulnerabilidade natural elevada. Não é o caso do projeto em Viamão, segundo a geóloga.

“O que a gente analisa, do ponto de vista geológico, é exatamente a vulnerabilidade natural. São as características do tipo de terreno e se ele é mais ou menos naturalmente protegido, pensando que vai ser colocado ali um empreendimento que, intrinsecamente, tem risco”, explica Maria Luiza.

Ao estudar a área, a geóloga e sua equipe constataram que o local em que se pretende instalar o aterro sanitário está sobre uma unidade que integra a planície costeira do RS. Esse sistema costeiro é formado por uma base de rochas de granito bem antiga e, acima, há o depósito de dunas também muito antigas, o que significa haver bastante areia na formação do terreno. Por ser arenoso, a área tem a característica de armazenar água. 

“A gente tem exatamente nessa unidade, que a gente chama de Barreira Um ou, geomorfologicamente, de Coxilha das Lombas, um aquífero incrível. É o melhor sistema aquífero de toda a região metropolitana. É uma preciosidade, em termos de reserva de água com grande quantidade e excelente qualidade”, afirma.

Ao olhar a localização da Fazenda Montes Verdes, a geóloga constatou que o projeto do aterro sanitário está exatamente num divisor de águas, numa área alta de recarga do sistema do aquífero. Isso significa que, em caso de qualquer vazamento do aterro sanitário, pode haver a contaminação da água superficial de duas bacias hidrográficas, sendo a primeira delas a Bacia do Rio Gravataí, uma das mais importantes do RS, e a outra a bacia  do Guaíba, com suas duas microbacias na região do Lami e de Itapuã. Além disso, pode haver a contaminação das nascentes que existem no local.

“Estamos colocando um empreendimento de risco numa área que tem todas essas características naturais e, como é muito arenoso, a tendência é não ter barreiras para esse contaminante. Se acontecer ali qualquer vazamento, qualquer problema, esse contaminante vai ter um caminho relativamente livre e rápido para chegar na água subterrânea”, explica a professora de Geologia da UFRGS.

A letra da lei

Como advogado, José Renato de Oliveira Barcellos acredita no sucesso da causa que defende. O sentimento é acrescido da avaliação de que o Poder Judiciário está hoje mais “sensível” ao temas ambientais. “Está melhor sensibilizar e conscientizar os magistrados sobre a importância de se manter as condições ambientais e ecológicas em estado de integridade, sobretudo na época em que vivemos, de colapso climático”, comenta.

A confiança é explicitada com base numa série de legislações. O advogado especialista em Direito Ambiental sustenta haver violações de dispositivos constitucionais e da legislação de Viamão, que não permite a instalação de aterro sanitário no local escolhido. Apesar disso, a Prefeitura emitiu a certidão de habilitação do empreendimento na Fazenda Montes Verdes. “A Prefeitura de Viamão emitiu esse documento e ele tem vícios, então a gente acredita que ele possa ser anulado judicialmente”, afirma.

Barcellos sustenta que o empreendimento desejado pelo dono da área viola importantes preceitos da legislação ambiental que impedem esse tipo de instalação numa área ecológica tão sensível. Entre eles, o princípio constitucional da proteção ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, conforme o Artigo 225 da Constituição Federal. O advogado faz menção também à Lei 6.938, de 1981, a qual estabelece uma série de requisitos para a instalação de aterros sanitários, além de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que disciplinam esse tipo de instalação, assim como a legislação referente à Política Nacional dos Recursos Hídricos, que protege áreas dessa natureza. 

O advogado explica que a empresa é obrigada, por lei, a escolher um dentre três modelos de negócios ao pedir autorização para o órgão ambiental. Na sua avaliação, o empreendedor escolheu a alternativa que lhe é mais favorável, porém, é também a mais sensível e com mais risco de contaminação ambiental. 

“O empreendedor sempre vai tentar justificar dizendo que está adotando todas as precauções, os estudos técnicos mais avançados, uma tecnologia que não vai oferecer risco ao meio ambiente… mas a gente sabe que, em termos de aterro sanitário, não é assim”, avalia, lembrando o caso do Aterro da Extrema, em Porto Alegre, criado com discurso de segurança e que depois causou uma série de danos ambientais. O projeto do aterro sanitário na Fazenda Montes Verdes prevê 160 toneladas por dia de resíduos sólidos depositados na área.

Agora, com a licença única concedida pela Fepam, Barcellos conta que há um movimento para envolver o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal no processo. Os ambientalistas decidiram também envolver a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. 

“Há um preceito maior estabelecido na Constituição Federal que é a proteção do meio ambiente sadio e ecologicamente preservado para o presente e às futuras gerações. Esse é um artigo, um princípio tão importante que ele acaba influenciando todo o ambiente normativo brasileiro, no sentido de que todas as normas infraconstitucionais sejam pensadas para a maior eficácia protetiva desse dispositivo”, explica Barcelos.

O advogado conta ainda haver outra importante alegação jurídica que pretende usar para tentar barrar o projeto do aterro sanitário mas, por enquanto, prefere não revelar. 

Professora de geologia da UFRGS explica que características da região ampliam o risco de contaminação se aterro sanitário for instalado. Foto: Maria Luiza C. C. Rosa

Contaminantes

Conhecidos genericamente como chorume, o tipo de contaminação que pode afetar a região onde o aterro sanitário está instalado depende dos materiais nele depositados. 

A geóloga Maria Luiza observa que o projeto do aterro sanitário em Viamão trata de resíduos mais comuns, ainda assim, há uma série de elementos químicos que estarão presentes e, com o tempo, vão sendo liberados e formando o chorume. Isso tudo, ela destaca, se houver um eficiente controle do lixo que será depositado no aterro sanitário. 

“A gente sabe que não existe esse controle, então são infinitas as possibilidades de contaminantes que podem ser colocados nessa área. O sistema do subsolo tem essa característica de porosidade, uma permeabilidade elevada, e é uma área alta, então a tendência da gravidade é levar esses contaminantes. As áreas potencialmente atingidas são sensíveis e importantes do ponto de vista ambiental, além do aquífero”, explica.

Enquanto a placa da Fepam colocada diante da entrada da Fazenda Montes Verdes é o mais recente ato de uma disputa de cinco anos, o próximo lance ainda é uma incógnita. 

Portal Sul 21

URGENTE: AGIR AGORA PELA PALESTINA – Petição internacional da Via Campesina

Abaixo reproduzimos a última declaração emitida pela Vía Campesina para deter a guerra genocida cometida pela ocupação israelense contra o povo palestino e para salvaguardar os civis na Faixa de Gaza. Cada ação conta agora. Pedimos a todos os nossos membros, aliados e amigos que leiam a declaração e a enviem por e-mail aos departamentos relevantes do seu governo, bem como ao Secretário-Geral da ONU, instando todos a agirem no interesse da humanidade. Nós precisamos agir agora. Conheça AQUI a declaração da La Vía Campesina e abaixo confira o apelo por ação urgente:

 

PETIÇÃO INTERNACIONAL

Detenham a guerra genocida cometida pela ocupação israelense contra o povo palestino e protejam os civis na Faixa de Gaza!

Tendo em conta os princípios do direito internacional dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e as Convenções de Genebra, nós, A Vía Campesina (LVC), um movimento camponês global, expressamos a nossa profunda preocupação com a guerra genocida cometida pela ocupação israelense em Gaza.

Desde 7 de Outubro, Israel tem travado uma guerra genocida contra o povo palestino. Esta agressão implacável ceifou tragicamente a vida de quase 4.000 civis palestinos e deixou mais de 13.000 feridos, dos quais surpreendentes 65% são mulheres e crianças. Este ataque causou destruição generalizada, arrasando ou danificando cerca de 70 mil casas e numerosas estruturas públicas e privadas. Como resultado, quase um milhão de palestinos foram deslocados dentro da Faixa de Gaza.

Simultaneamente, a ocupação israelense impôs um bloqueio sem precedentes à Faixa de Gaza, habitada por 2,5 milhões de palestinos. Este embargo inclui a proibição da entrada de alimentos, o corte do fornecimento de água e electricidade e a restrição de circulação em toda a região.

 

Tendo em conta tudo isto, nós, que assinamos o abaixo assinado, exigimos as seguintes ações imediatas:

-Cessação incondicional das hostilidades: Uma cessação imediata e incondicional das hostilidades em curso e dos atos de violência contra civis.

-Passagem segura e abertura de fronteiras: O estabelecimento de corredores seguros e a abertura de todas as passagens de fronteira para facilitar a entrada rápida de ajuda médica e alimentos, e para transportar rapidamente pessoas feridas para receber cuidados médicos urgentes.

– Responsabilização por crimes de guerra: Acusação dos responsáveis ​​por crimes de guerra perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), em conformidade com o seu mandato e o direito internacional.

-Formação de comitês de investigação internacionais: Criação de comitês internacionais para investigar e relatar os crimes sem precedentes cometidos durante este conflito.

Ao defender estas ações, nos solidarizamos com todos os civis apanhados no fogo cruzado e procuramos a justiça, a paz e a defesa dos direitos humanos fundamentais.

Pela 1ª vez, Comissão Guarani Yvy Rupá toma posse no Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS


A Comissão Guarani Yvy Rupá (CGY) tomou posse no Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH/RS) em 18 de outubro, na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. A CGY foi a segunda organização mais votada para assumir a gestão 2023/2026.

Esta é a primeira vez que uma organização indígena compõe o CEDH/RS. A cadeira que será ocupada por um indígena, além de possibilitar a proximidade institucional nas questões que infringem tratados internacionais de direitos humanos, também resultará numa aproximação com o Estado e suas instituições.

A vulnerabilidade dos povos indígenas do Brasil frente aos ataques da sociedade não indígena e a invisibilidade na construção de políticas públicas e institucionais fragilizam, cada vez mais, esses povos perante a sociedade não indígena.

 

Na foto, Guarani Hélio Wherá representando a Comissão Guarani Yvy Rupá na posse da nova gestão.

Mais informações sobre a Gestão 2023/2026 do CEDH/RS em https://bit.ly/3MiEd4v

 

Solidariedade internacionalista com o povo palestino

Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) se solidariza com o povo palestino, que mais uma vez é submetido ao horror, ao mesmo tempo que continua sofrendo com a ocupação, o bloqueio militar ilegal israelense e as políticas de apartheid que já completam 75 anos . Também nos opomos veementemente e condenamos o assassinato e a tomada de reféns israelitas inocentes. O exercício da violência contra a população civil inocente é inaceitável.

A declaração de guerra a Gaza por parte de Israel resultou no assassinato de centenas de palestinos, milhares foram os feridos. Residências, escolas e hospitais foram bombardeados, o bloqueio do abastecimento de alimentos e de água, assim como o corte da eletricidade foram intensificados. O tratamento de guerra que Israel impõe ao povo palestino sitiado em Gaza continuou, mais uma vez abertamente aos olhos do mundo. O que evidencia a desumanização a qual o povo palestino é submetido para que se justifique a ocupação de suas terras, o deslocamento forçado, a combinação de todas formas de opressão e o assassinato de civis inocentes.

Vale a pena recordar que só no último ano, os ataques de Israel contra os palestinos na Cisjordânia causaram a morte de 238 palestinos, incluindo 40 crianças. Estas ações constituem uma violação aberta por parte de Israel do direito humanitário internacional e de diferentes acordos assinados para prevenir o genocídio do povo palestino. Consequentemente, o direito à autodeterminação e à existência da Palestina tem sido negado ao não reconhecer o seu Estado soberano, descumprindo assim a resolução 67/19 da Organização das Nações Unidas (ONU), e mantendo a ocupação ilegal e criminosa desde a guerra de 1967, através da contínua militarização e expropriação de terras para assentamentos israelenses.

Da ATALC, rejeitamos o silêncio cúmplice que se mantém face às práticas criminosas e racistas das forças de ocupação israelenses contra o povo palestino, e apelamos às organizações e movimentos de todo o mundo que trabalham pela justiça, para que condenem a opressão e a brutalidade a que os palestinos estão sujeitos e exigir o cumprimento das leis e acordos internacionais.

A dignidade da Palestina é atacada com propaganda que justifica os bombardeamentos e o agravamento da crise humanitária sem precedentes na história da humanidade, por isso exigimos o fim do ataque criminoso de Israel contra o povo palestino, o fim do cerco a Gaza e do bloqueio atual e histórico. Apelamos aos governos comprometidos com a justiça e a dignidade dos povos para que apoiem o apelo palestino para reativar imediatamente o Comitê Especial da ONU contra o Apartheid. Opomo-nos a qualquer escalada do conflito devido à intervenção de terceiros países que atuam com a intenção de impor a sua política externa, e defendemos o fim da violência e a garantia da autodeterminação e soberania dos povos.

Texto originalmente publicado em https://atalc.org/2023/10/16/palestina/ 

A Amigas da Terra Brasil se solidariza aos povos da região que sofrem com toda essa violência e são os reais impactados.  

Denunciamos o atual plano genocida em curso, deflagrado com a guerra em Gaza, e que tem em suas raízes:

  • a negação dos direitos à autodeterminação, existência e autodefesa do povo Palestino, pelo não reconhecimento de um Estado Soberano em convivencia pacífica com o Estado de Israel, e portanto em desacordo à Resolução 67/19 da ONU (2012)
  • sua ocupação ilegal desde a guerra de 1967, com militarização e expropriação contínua de terras para atividades de assentamento de Israel
  • o bloqueio de Gaza, negando por 16 anos a livre circulação de 2 milhões de pessoas, além de mercadorias, alimentos, saúde e acesso serviços básicos, durante os quais o exército do Estado de Israel bombardeou Gaza com impunidade
  • a conivência das grandes potencias ocidentais e empresas que financiam esse regime de aparthaid e militarização por mais de 75 anos, e
  • a recusa da comunidade internacional em colocar em prática uma solução de longo prazo pela paz, com cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança da ONU que exigem o fim permanente da ocupação das terras palestinas.Saiba mais aqui

Seminário virtual do Ministério de Direitos Humanos debate PL 572/2022 e a responsabilização das empresas no Brasil

Em 5 de outubro, aconteceu o Seminário PL 572/22, que debateu a importância desta iniciativa nacional e de articulações internacionais por um Tratado Vinculante. O PL 572/22 cria um Marco sobre Direitos Humanos (DH) e Empresas no Brasil e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. Se for aprovado no Congresso Nacional, será a primeira lei com este teor em todo o mundo. A lei marco avança para a responsabilização de empresas com atuação no país  (nacionais e estrangeiras) que violam direitos humanos. No processo, reconhece as obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelece, ainda, medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.

Durante a abertura, estiveram presentes o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, o deputado federal Helder Salomão (PT-ES)  e o coordenador-geral de Direitos Humanos e Empresa do ministério, Luiz Gustavo Lo-Buono. 

Os impactos socioambientais da impunidade corporativa são alarmantes. Casos emblemáticos da violação de direitos humanos por grandes empresas foram expostos no início do seminário. No resgate histórico, foi citado o afundamento de cinco bairros de Maceió devido à mineração de sal-gema da Braskem, que acarretou em mais de 50 mil pessoas atingidas e milhares em situação de deslocamento obrigatório.  Os crimes da Vale, BHP e Samarco, com inúmeras violações de direitos no rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho (MG) também foram mencionados.

As violações também ocorrem em territórios indígenas, quilombolas e de povos tradicionais em todos os cantos do Brasil. Inúmeras situações que incidem diretamente nos corpos das comunidades, especialmente afetando mulheres, pessoas negras, periféricas e lgbtqia+. Situações que traduzem a falta de responsabilização das empresas, de ação efetiva do Estado, e, principalmente, a violação dos direitos das comunidades atingidas.

Internacionalmente, o cenário de impunidade corporativa avança sobre os direitos humanos. No deserto do Atacama, no Chile, mais de 40 mil toneladas de lixo contaminam as populações e impactam a sociobiodiversidade. Passados dez anos do desabamento da Rana Plaza, que causou a morte de mais de mil trabalhadores do setor têxtil em Savar, Bangladesh, ainda percebemos trabalhadores expostos a condições de trabalho extenuantes, violentas e  perigosas em nome do acúmulo de capital. 

O coordenador-geral de Direitos Humanos e Empresas do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, Luiz Gustavo Lo-Buono, pontuou que “o projeto de lei 572/22 é para nós, da coordenação, um dos marcos normativos mais importantes quando falamos do avanço da agenda de Direitos Humanos e Empresas. Não só por ser uma lei marco brasileira, nossa, nacional, de forma para dirigir aspectos prioritários para o contexto brasileiro,  mas porque tem uma série de instrumentos novos”.

Helder Salomão, deputado federal pelo PT (do Espírito Santo), e um dos autores do projeto, destacou que o processo de elaboração do PL 572/22 é um modelo que deveria ser seguido. “Uma proposta que nasce de um debate com a sociedade civil organizada, brotando de uma construção coletiva, como deveriam ser todas as leis. O Parlamento deveria sempre ouvir, sistematizar e apresentar como propostas as demandas da sociedade”, dimensionou. A construção do PL 572/22  envolveu a sociedade civil, academia e parlamento, tendo ainda um caráter pluripartidário. 

Helder salientou que a proposta do marco legal de DH e empresas é uma oposição à voluntariedade dos princípios orientadores.  É sobre tratado vinculante de DH e empresas, dando primazia aos direitos das pessoas atingidas ao invés do lucro. Estabelece responsabilidade das corporações por toda cadeia produtiva, destacando que precisamos reparação justa e integral e dando centralidade no sofrimento da vítima”, expôs. Propôs, ainda, audiências públicas e estratégias para avançar o debate em diálogo com a sociedade civil. Como relator da comissão externa que trata do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, Helder defendeu que junto ao debate do PL 572/22 haja atenção especial quanto aos desdobramentos do crime de Mariana, que se arrasta há oito anos. “Vejo que por falta de legislação que possa efetivamente responsabilizar empresas que cometem crimes ambientais e outros, ainda temos uma fragilidade grande. Essa lacuna vai ser preenchida com a aprovação deste PL, que é uma construção de todos nós”, finalizou.

Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, afirmou que o PL 572/22 faz parte da agenda do ministério e que debatê-lo no âmbito do poder executivo é um momento histórico. “A importância dessa temática não se limita a normativas das relações empresariais com trabalhadores. Não é só sobre direitos conquistados sobre a pessoa e seu local de trabalho. Tratamos de práticas inaceitáveis, como racismo ambiental, um tema relacionado a justiça climática, falamos da discriminação de pessoas lgbtqi+ e PCDs, pessoas das mais diversas raças, etnias, origens”, evidenciou. De acordo com ele, a ideia é aproximar cada vez mais a noção de direitos humanos a uma perspectiva que olha para a economia como lugar de desenvolvimento, mas sem que esta esteja desassociada ao desenvolvimento humano. Rememorou, ainda, o discurso histórico de Salvador Allende, que colocou em evidência como empresas e entes presentes no sistema nacional são capazes de decidir sobre estruturas econômicas, que impactam a vida cotidiana de toda população. 

Tendo isso em vista, é papel do Estado garantir o respeito aos direitos humanos, assim como contar com instrumentos adequados para responsabilizar as grandes empresas a corporações pelos crimes, genocídio e ecocídio que causam. Para reverter esse cenário, Silvio Almeida ressaltou que é necessária uma política nacional. Como parte de seu plano de ação, evidenciou que fará uma coletiva interministerial, com participação da sociedade civil de maneira ampla (atingidos, trabalhadores, empresas). Pretende institucionalizar a agenda, visando que o Brasil se torne um país guardião dos direitos humanos. “É preciso que se construa um patamar de responsabilização, a fim de que possamos falar de dignidade e respeito efetivo aos direitos humanos. Clamamos por justiça social e de memória”. 

Projeto de Lei 572/2022: por que precisamos de um marco legal para responsabilizar as empresas?

No segundo bloco do seminário, Manoela Carneiro Roland, Professora Associada da Universidade Federal de Juiz de Fora e Pesquisadora do Homa (Instituto de Direitos Humanos e Empresas), diferenciou o PL 572/22 de propostas menos ambiciosas, como as de princípios orientadores da ONU (Organização das  Nações  Unidas), devida diligência e de autorresponsabilização das empresas por seus crimes – o que, comprovadamente, as beneficia e põe em risco povos e territórios. 

Ela destacou o campo de disputa presente entre duas vertentes que debatem DH e Empresas. De um lado, a lógica que traz a prevalência dos direitos humanos sob a lógica empresarial, com o protagonismo de quem tem os direitos violados, de forma que tenham participação efetiva no processo. De outro, medidas voluntaristas que propõe que as empresas e transnacionais violadoras sejam as responsáveis por definir os seus impactos e as suas atividades. “O PL é produto dessa agenda de DH e empresas e não de empresas e DH. Ele justamente vem tentar consagrar uma série de princípios e preceitos que existem no ordenamento internacional ou interno, que estão junto com o que tem de mais elevado no sentido de espectro de proteção de DH na atualidade”, explicou. 

Por que um projeto de lei sobre DH e empresas?

Após a abertura e a explanação, ocorreram dois blocos de debate. O primeiro teve como questionamento central “por que um projeto de lei sobre DH e empresas?”. O momento foi marcado pelas participações de Leandro Scalabrin, do Coletivo de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Jandyra Uehara, Secretária Nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da Central Única de Trabalhadores (CUT) e Gustavo Ferroni, Coordenador de Justiça Rural e Desenvolvimento da Oxfam Brasil. 

Gustavo Ferroni criticou os sistemas voluntários, que são focados em processos e não nas pessoas e na consequente garantia de seus direitos. “A resposta de regulamentação e criação de marcos jurídicos que vêm da Europa é uma continuidade das práticas voluntárias, porém transformadas em regulatórias. O que é insuficiente, pois já sabemos que não geram resultados desejados, não por falta de regulamentação, mas pela sua própria natureza”, afirmou, defendendo uma proposta elaborada a partir dos territórios, como é o caso do PL 572/22. “ Por que precisamos de uma lei marco? Porque a gente tem um sistema voluntário e que é reconhecido de maneira internacional, mas que não deu conta de mudar relações de violação”, respondeu.

Expondo inúmeros casos de violações, Jandyra Uehara, da CUT, abordou o que é a arquitetura da impunidade e como as corporações a utilizam em seu benefício. Mecanismos como a falsa propaganda e a negação do envolvimento em violações (se esconder atrás de cadeias de fornecimento, terceirizar atividades de alto risco e recrutar empregadores sem transparência) estão no páreo. Além da utilização de estratégias jurídicas, por parte das empresas, para evitar a responsabilidade – o que envolve até o apelo a tribunais internacionais ou alterar leis e desmontar políticas públicas de estados com pressão de lobby. “Outro mecanismo é buscar cooptar e envolver as populações atingidas numa atuação para dividir comunidades, manipulando pesquisas científicas, desviando reclamações com mecanismos que estão no controle das próprias empresas. E usam o poder do Estado nessas lacunas, assediando governos, parlamentares e judiciário”, explicou. 

Jandira ressaltou ainda a cooptação de estados no processo, especialmente tendo em vista que algumas empresas são mais poderosas do que eles. Um exemplo evidente do uso do Estado por corporações é quando as forças de segurança e repressão estatais são mobilizadas para defender os seus lucros, o que passa por criminalizar defensores de direitos humanos e destruir a atuação dos sindicatos. “Vemos no agronegócio, comércio, setor de serviços, na mineração”, apontou, correlacionando o avanço do neoliberalismo com a precarização do trabalho e da vida, levando a cenários alarmantes como a barbárie do trabalho análogo à escravidão em 2023. Outro ponto são as políticas neoliberais em setores estratégicos, como os energéticos, e que avançam com flexibilização de normas ambientais, trazendo um grande desafio para os governos progressistas do sul global na construção de  projetos soberanos.

Leandro Scalabrin, do Coletivo de Direitos Humanos do Movimento dos Atingidos por Barragens, fez a defesa do PL 572/22 pautando quais pontos principais que ele traz no combate à assimetria de poder imposta. “Pessoas perderam suas casas, trabalhos, familiares e tiveram ainda que provar o dano. O PL traz o direito da inversão do ônus de prova, uma ferramenta importante para combater essa assimetria que existe. E o princípio da reparação integral, que não está na nossa legislação, só quando empresas têm direitos violados, mas não quando pessoas têm direitos violados”, destacou. Outro dos pontos que ele evidenciou foi o modelo de fundo para casos de violações de DH, previsto também no projeto. “O PL prevê a constituição de um fundo para reparação de violações na qual haverá participação de ao menos 50% dos atingidos. Nós do MAB entendemos que isso importa para combater a assimetria entre direitos dos atingidos e privilégios das empresas”, mencionou.

 Inovações do PL 572/22 e desafios em sua implementação

No último bloco do Seminário, foi debatido o macrotema sobre inovações do PL 572/22 e desafios em sua implementação. Letícia Paranhos, Presidenta da Amigas da Terra Brasil e Coordenadora Internacional do Programa de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Federação Amigos da Terra Internacional, analisou que a responsabilidade social corporativa não vai ser a solução para as crises e violações cometidas por essas empresas, especialmente as transnacionais. As maiores empresas violadoras firmam o Pacto Global. Emitem relatórios anuais de sustentabilidade. Investem pesado em marketing para limpar as suas imagens. E investem também em um lobby pesadíssimo para garantir marcos em direitos humanos, mas baseados na voluntariedade”.

Recentemente, a Justiça Global e a Terra de Direitos publicaram um relatório chamado na Linha de Frente, sobre violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil de 2019 a 2022. E os dados comprovam que são os povos indígenas, o povo negro, os que mais sofrem com ameças, criminalização, importunação sexual, atentados, agressões e os que mais são assassinados. Também está dimensionado neste relatório que o principal agente violador é o Setor Privado. Em pleno 2023, mais de 200 pessoas foram encontradas em situação de escravidão, em vinícolas, no Rio Grande do Sul – uma delas a Salton, que firma o Pacto Global. 

Letícia evidenciou: “É bastante óbvio para nós que não só é necessário, como é urgente uma outra dinâmica de responsabilização. Não é uma questão de boa vontade das empresas. É preciso uma regulação na matéria de DH e Empresas. E por isso construímos o PL e criamos a campanha nacional pela aprovação deste PL. Porque acreditamos que o Brasil pode ser palco não só dos maiores crimes cometidos por empresas. Mas pode também ser pioneiro na implementação do primeiro projeto de lei construído pelos povos e para os povos nessa matéria. Esse projeto que antes mesmo de aprovado já serve de inspiração para fomentar leis em outros países”, mencionou. 

Confira a fala de Letícia na  íntegra:

Um projeto baseado no PL 572/22 foi feito na Argentina. Colômbia e Uruguai também estão construindo marcos nacionais com características do projeto de lei brasileiro. “Nós não somos ingênuos e não pensamos que um marco legal irá resolver todos os problemas, todas as nossas demandas. Mas, se aprovado, nós teremos uma ferramenta para fazer uma luta mais justa frente ao poder econômico e político que gozam essas empresas”, explicou Letícia. 

Thales Cavalcanti Coelho, Procurador da República do Ministério Público Federal, Coordenador do Grupo de Trabalho Direitos Humanos e Empresas da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, abordou eixos do PL 572/22 que se mostram muito relevantes e responsáveis quanto às questões de segurança jurídica dos afetados. Entre eles, a adequação num espaço temporal, ao invés de ser uma reprodução dos princípios orientadores que já se comprovam falhos. E a adequação espacial, por ter sido um projeto de lei construído na realidade brasileira, a partir dos territórios em luta, ao invés de uma mera reprodução de leis de devida diligência, replicadas do norte global.  

Questionado sobre quais os caminhos para garantir direitos humanos, Thales mencionou que já sabemos quais não trilhar. “Acho que foi unânime hoje que o caminho que não é acertado para fazer avançar essa agenda é insistir em mecanismos voluntários. Na visão do GT de Direitos Humanos e Empresas da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), e essa clareza existe desde 2017, o avanço dessa agenda passa necessariamente pela edição de marcos normativos vinculantes que contenham obrigações e responsabilidades para as empresas. O que inclui a aprovação de um tratado internacional sobre o tema, e no plano interno a aprovação do PL e também, no nosso entendimento, pela ratificação do Acordo de Escasur”, revelou.

Conheçam também sobre o PL 572/22 e participem da Campanha Nacional pela aprovação deste Projeto de Lei.

Conheça a “Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr Fim à Impunidade”, que estará esse mês acompanhando a 9ª rodada de negociações por um Tratado Juridicamente Vinculante em matéria de Direitos Humanos. 

A Campanha Global construiu uma proposta de texto para o Tratado Vinculante, o Tratado Azul, que foi entregue ao GT Intergovernamental da ONU em 2017, o qual se contrapõe à devida diligência por priorizar os direitos humanos acima de qualquer acordo de comércio ou de investimento (o que se chama de primazia no Direito Internacional). 

 

 

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