Todo apoio à Sônia Guajajara e à luta dos povos indígenas! Não à criminalização!

Amigos da Terra Brasil (ATBr) se solidariza à Sônia Guajajara, coordenadora da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), pela perseguição e tentativa de criminalização que vem sofrendo pelo Governo Bolsonaro. Sônia foi intimada pela Polícia Federal (PF) a prestar depoimento em um inquérito aberto em razão da websérie Maracá, que aponta diversas violações dos direitos indígenas durante a pandemia do Coronavírus.

O pedido de investigação à PF partiu da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que alegou que o documentário propaga “mentiras” contra o governo. Afirmação que soa como ironia, já que o Governo Bolsonaro e seus apoiadores são uma fonte infindável de desinformação, negando constantemente dados científicos comprovados, distorcendo dados e pesquisas em benefício de seus interesses e de sua visão ideológica, combatendo veículos de comunicação convencionais e alternativos de credibilidade, produzindo e divulgando as “fake news”.

Há anos os territórios indígenas sofrem com o abandono do Estado nas questões mais básicas de atendimento à saúde. Em muitas situações, o próprio Estado intermedia e incentiva o avanço do agronegócio e das empresas do capital para cima dos territórios, destruindo a vida e a cultura dos povos e dando fim às nossas florestas. A pandemia do Coronavírus veio agravar esta realidade já tão sofrida: atualmente, mais da metade dos povos indígenas foi diretamente atingida pela COVID-19, com mais de 53 mil casos confirmados e 1.059 mortos segundo dados veiculados pela APIB.

O ataque à Sônia Guajajara e à APIB revela a face autoritária de um governo que faz de tudo para defender os interesses econômicos do agronegócio e dos grandes conglomerados financeiros e empresas, nacionais e transacionais, que o apoia. Bolsonaro quer calar quem se organiza contra as injustiças sociais e resiste ao extermínio dos povos indígenas e das nossas florestas.

Todo apoio à Sonia Guajajara, à APIB e aos que lutam em defesa da vida! 

Pelos direitos dos povos indígenas e sua livre expressão!

#ForaBolsonaro

Basta de despejos! Solidariedade com todas as famílias sem-teto e sem-terra do Brasil!

Sem conseguir tirar o país do pior momento da pandemia, o Estado brasileiro continua promovendo ações de despejo de comunidades em diversas partes do país, contrariando a Resolução n° 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos e a mais recente recomendação do Conselho Nacional de Justiça (Ato Normativo nº 0010578-51.2020.2.00.0000), segundo a qual juízes e juízas devem evitar autorizar despejos enquanto durar a pandemia do coronavírus. 

Na semana passada, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), determinou, pela terceira vez durante a pandemia, o despejo da Ocupação CCBB. Ao todo, 38 famílias tiveram derrubadas suas casas e uma escola recém construída para as crianças da ocupação. A ação foi levada a cabo com violência por parte da Polícia Militar do Distrito Federal, que ainda prendeu quatro militantes que acompanham e defendem a ocupação: Thiago Ávila, Caio Sad Barbosa, Pedro Filipe Menezes Piedade e Érika Oliveira Cardozo. 

Já no Rio de Janeiro (RJ), o prefeito Eduardo Paes (DEM) determinou a destruição de 14 moradias na favela do Metrô Mangueira, na zona norte da capital fluminense, nesta segunda-feira (12). A favela Metrô-Mangueira está sob ameaça desde o megaevento da Copa do Mundo de 2014. Segundo a Coordenadoria Técnica de Operações Especiais (COOPE), ainda serão realizadas mais demolições de casas e locais de comércio. 

Os despejos e ameaças também continuam no campo. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), denunciou decisão da juíza Kelma Vilela de Oliveira do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO), determinando uma reintegração de posse que pode deixar 70 famílias sem casa e sem terra em Vilhena (RO). Ainda em Rondônia, a Associação Brasileira dos Advogados do Povo (ABRAPO), denunciou no início de abril, uma “guerra orquestrada pelo governo de Rondônia” contra os camponeses do acampamento Manoel Ribeiro em Corumbiara (RO). As cerca de 200 famílias que vivem no acampamento vêm denunciando pressões, intimidações e abusos por parte da Polícia Militar (PM). 

A CPT, junto a outras organizações e movimentos populares no Pará, como a Sociedade Paraense de Direitos Humanos (SDDH), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Sem Terra (MST), denunciaram, nesta segunda-feira (12), uma série de “despejos e prisões de trabalhadores rurais sem ordem judicial”, realizadas pela Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá.

Segundo nota das organizações, o delegado do Deca Ivan Pinto da Silva “se desloca para os locais com sua equipe, acompanhado de vans, micro-ônibus, caminhonetes, tratores e, no local, ameaça as famílias, prende alguns e transporta grande número de homens, mulheres e crianças até uma delegacia. Logo que são retirados do local, os fazendeiros ordenam a queima dos barracos e colocam pistoleiros armados para impedir o retorno das famílias”. 

Continuamos denunciando a ação de reintegração de posse movida pela Fraport, empresa alemã que administra o Aeroporto Salgado Filho contra as 60 famílias que continuam resistindo às remoções promovidas pela empresa e a prefeitura de Porto Alegre na Vila Nazaré, na zona norte da cidade. Em resposta à denúncia apresentada pela Amigos da Terra, o CNDH solicitou o respeito aos termos da Resolução nº 10, de 17 de outubro de 2018 e a “suspensão provisória da a realização das audiências conciliatórias em centro de apoio até o término da crise sanitária de covid-19”.


Nós, da Amigos da Terra Brasil nos somamos às vozes de repúdio às ações desumanas de despejos que vem sendo realizadas no campo e na cidade, exigimos despejo zero e o fim da perseguição aos e às militantes que lutam em defesa do direito à terra e a moradia em todo o país!

Contribua com as campanhas de solidariedade em todo o país: 
Campanha dos sem-teto de combate à pandemia

Campanhas de solidariedade dos povos originários

Na foto:  Despejo de comunidade de 54 famílias acampadas em Laranjal, no Paraná, em 2019. Foto: Leandro Taques.

5 anos do assassinato de Berta Cáceres: somamos força ao pedido de justiça!

Berta Cáceres estava na linha de frente de oposição ao projeto hidrelétrico Agua Zarca e foi assassinada em 2 de março de 2016

Há cinco anos Berta Cáceres foi assassinada a tiros em sua casa, em Honduras. Berta era cofundadora e coordenadora do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH). A ativista de 44 anos, era mãe de quatro filhos e reconhecida internacionalmente com o Prêmio Goldman de Meio Ambiente, de 2015, por liderar uma campanha de resistência contra a construção de uma barragem hidrelétrica em território indígena por uma empresa privada de energia, a Desarrollos Energéticos Sociedad Anónima (DESA), a empresa pertencia e era administrada por uma das famílias mais poderosas de Honduras, os Atala Zablahs. Após o golpe de Estado sofrido no país em 2009, Berta alcançou projeção também por sua liderança na articulação do movimento de refundação hondurenho.

Berta Cáceres nas margens do Rio Gualcarque, região oeste de Honduras. Foto: Goldman Environmental Prize

Em julho de 2013, O Conselho Civil Popular de Organizações Indígenas de Honduras (COPINH), liderado por Berta Cáceres Flores, protestou contra a construção de uma barragem hidroelétrica no Rio Gualcarque, considerado sagrado pela comunidade indígena Lenca. A pedido da DESA, o exército hondurenho protegia o local. Os soldados abriram fogo contra os manifestantes, e mataram Tomás Garcia. 

Três anos depois, no dia 2 de março, atiradores invadiram a casa de Berta Cáceres e a assassinaram.  Provas, incluindo conversas de whatsapp identificam diálogos entre os executivos de alto escalão da empresa, membros da família Atala Zablah, com o ex-diretor de segurança da DESA, que coordenava o chefe dos assassinos. 

David Roberto Castillo Mejía, presidente de Desa, foi preso no segundo ano após o assassinato, indiciado como o “autor intelectual”. Ele segue alegando sua inocência. Em uma das passagens do julgamento, o tribunal identificou que os executivos da DESA planejaram a morte de Berta por conta de sua luta, contudo, os apontamentos do tribunal ocorreram sem nomear quem era esses executivos, sem intimá-los a depor. Até agora nenhum dos gestores foi responsabilizado pelo envolvimento no assassinato de Berta. Já um grupo de sete assassinos, que incluía dois ex-empregados da DESA, foi condenado em novembro de 2018, e, em 2 de dezembro de 2019, os sete assassinos receberam penas que variavam entre 30 e 50 anos de prisão. 

As condenações e sentenças posteriores foram recebidas como uma vitória parcial. A busca por justiça passa por levar a julgamento os autores intelectuais do assassinato de Berta. E quanto a isso, a Justiça hondurenha está em dívida, apenas David Castillo foi anunciado como autor do crime e seu julgamento deve iniciar em 6 de abril.

Sem um sistema de justiça que puna aos poderosos com a mesma sanha que impõe aos de baixo, a lei do mais forte perseverará entre as corporações rasgando constituições e esmagando direitos. Enquanto a impunidade corporativa é perpetuada, ativistas de direitos humanos e ambientais seguem sendo mortos por proteger a natureza e os direitos dos povos e seus territórios. A ausência de regulamentação que defina os deveres das empresas e de instituições financeiras e que garanta o acesso à justiça para as comunidades afetadas por violações de direitos humanos causadas por crimes  corporativos  tem produzido graves lacunas de responsabilidade, permitindo que as empresas operem e lucrem em países onde as leis que garantem os direitos humanos ou as normas ambientais não existem ou não são devidamente cumpridas. Enquanto não houver regras vinculantes a nível internacional, as empresas podem continuar a perpetuar as violações de  direitos humanos em um ciclo de impunidade.

Membros da COPINH e de organizações ao redor do mundo se solidarizam com a luta por justiça para Berta. (Photo by Orlando SIERRA / AFP)

Nesse sentido, defendemos mais uma vez a necessidade de um tratado juridicamente  vinculante na ONU sobre empresas transnacionais em matéria de direitos humanos para, enfim, pôr fim ao sistema de impunidade perante as violações  internacionais de direitos humanos. (Leia mais na publicação em inglês “Death by impunity: Berta Cáceres and Agua Zarca”). 

No contexto atual, em que as os ataques aos direitos dos povos se aprofundam e que as populações originárias das Américas estão entre os mais afetados pela negligência dos governos em relação à pandemia de COVID-19, é um acalanto ver a força popular articulada em solidariedade internacionalista pedindo por JUSTIÇA PARA BERTA! Relembrar a trajetória de luta de uma mulher indígena, do povo Lenca, em Honduras, revigora nossa resistência e nossa luta por um modelo de sociedade solidário e anticapitalista. 

Mesmo não estando mais conosco, Berta Cáceres nos ensina a não calar diante dos desmandos e seguirmos firmes lutando pelos direitos dos povos em Honduras e ao redor do mundo. Berta ousou desafiar o machismo das corporações, das polícias e do Estado. Deixou um legado da multiplicação de sua voz e a potência daqueles que não aceitam injustiças. Em Honduras, ou no Brasil, seguiremos lutando por Justiça para Berta, para Nicinha, para Marielle Franco!

Sem Justiça não há caso encerrado!

Berta, presente!

Reintegração de posse dos Xokleng: Retomada do território ancestral vai contra os interesses de Ricardo Salles

Os indígenas buscam o reconhecimento da área como território tradicional junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 2011.

Artigo originalmente publicado no site do Coletivo Catarse em parceria com Alass Derivas.

As famílias Xoklengs que retomam desde o 12 de dezembro suas terras ancestrais na Região de São Francisco de Paula saíram, na noite do dia 1 de janeiro de 2020, voluntariamente da área da Floresta Nacional (Flona). No entanto, seguem resistindo às margens da RS-484, do lado de fora da cerca da Flona. A estratégia se deu após mais uma ameaça de reintegração de posse, que tinha como prazo o dia 2 de janeiro. 

Após ver todos os interesses privados nas concessões das florestas nacionais do país, incentivados pelo Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, é possível entender melhor a pressa em tirar os indígenas da Flona e a impossibilidade de diálogo.

Leia mais:
“Somos sementes prontas para germinar”


Novo acampamento fica no lado de fora da cerca da Flona, às margens da RS-484 | Foto Alass Derivas



Agentes públicos saindo da Flona e se dirigindo ao acampamento dos indígenas Xokleng. | Foto Alass Derivas

No meio da manhã do sábado (2), chegaram os agentes públicos para cumprir a ordem da Justiça Federal de Caxias do Sul, solicitada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), que administra a Flona. No mandado, consta: “determinação para que a polícia federal proceda à desintrusão dos invasores fazendo uso das medidas necessárias”. Com a saída voluntária por parte dos indígenas, não havia mais o que os agentes públicos fazerem ali além de intimar as partes responsáveis no processo. 

As quatro famílias Xokleng, descendentes de Veitcha Teiê e Voia Camlem, tiveram a solidariedade de cerca de 10 apoiadores na noite da véspera da reintegração. No entanto, foi uma manhã de tensão, devido ao aparato armado da Polícia Federal, o certo isolamento da retomada em relação a distância e comunicação e também devido às intransigências da coordenação do ICMBio, na figura da chefe da Flona, Edenice Brandão Ávila de Souza. Apesar disso, nenhum incidente de violência direta aconteceu, e os Xokleng seguem firmes e fortes no lado de fora da cerca da Floresta Nacional. Mantém-se em resistência com os seus corpos enquanto traçam estratégias para quando o judiciário voltar do recesso.

No dia 2 de janeiro, as lideranças da Retomada Xokleng publicaram uma nota explicando o movimento de saída voluntária e anunciando que a luta segue. “Não vão nos amedrontar com ameaças de remoção forçada e muito menos nos intimidar através de medidas judiciais protelatórias ao nosso direito. Nossa retomada é sopro de vida, sinal de esperança e símbolo de luta e resistência. Seguiremos unidos aos demais Povos do Brasil contra as injustiças, pela demarcação de todas as terras, defendendo-as e combatendo a tese do marco temporal e as demais manobras políticas e jurídicas criadas para nos roubar a terra e inviabilizar a Constituição Federal de 1988”.

As retomadas encabeçadas pelos povos indígenas podem ser consideradas como ações diretas de caráter decolonial. Ao adentrarem novamente no seu território ancestral, os Xokleng da retomada Konglui restauram a história do nosso país. Dão visibilidade a fatos, acontecimentos e pessoas que foram apagadas da história oficial. Ao mesmo tempo, os horizontes de futuro que projetam nos territórios recuperados se espelham nos conhecimentos dos seus antepassados. O retorno, que nasce no interstício do esbulho e da indignação, conta com a presença dos espíritos que guiam os Xokleng nas suas decisões e nos seus caminhos. Algo incompreensível pelo oficial de justiça, pelos agentes da FLONA, do ICMBio e da Polícia Federal – que se deslocaram no segundo dia deste novo ano, ainda em plena pandemia de Covid-19, para despejar os indígenas, e isso, “em nome da lei”.

Relato da manhã de reintegração


Agente do GPI, Edenice, Oficial de Justiça, Delegado da Polícia Federal e Isaac conversam reservadamente na estrada logo após a entrada da Flona. | Foto Alass Derivas

Assim que chegaram, os agentes públicos – a Polícia Federal, com o Grupo de Pronta Intervenção da PF (GPI); o funcionário da Funai, Francisco Aureliano Dorneles Wit; uma ambulância e o oficial de Justiça – pediram para conversar em reservado com a coordenação do ICMBio. Ingressaram na Flona, vistoriaram a área onde estava a retomada, observaram o novo acampamento por trás da cerca e só depois, aproximadamente uma hora depois, vieram conversar com a comunidade. O oficial de justiça foi recebido por Yoko Camlem e Kullung Veitcha Teiê, as duas mulheres à frente da retomada. A primeira intervenção feita por Kullung foi solicitar para o oficial afastar os policiais, pois as armas estavam assustando as crianças.   


Foto Alass Derivas



    No diálogo, Kullung reiterou a história da sua família naquelas terras e o passado de violência que seu povo sofreu, sendo o episódio que acontecia naquele momento mais uma delas. “Aqui é nosso território, daqui saiu nosso bisavós, tataravós. Eles morreram aqui, aqui está o sangue dos nossos antepassados, aqui é a terra deles. Aqui eles foram massacrados, foram matados e uma parte foi para Santa Catarina. Esse território é nosso. Nós não estamos roubando de ninguém”. Por sua vez, o Oficial de Justiça intimou Kullung com o despacho da reintegração de posse e alertou que, se houver uma nova entrada, a comunidade pode ser prejudicada judicialmente por isso. Também informou sobre a disponibilidade do Sindicato Rural de São Francisco de Paula em conceder transporte para levar os indígenas para Santa Catarina. Quais os interesses do sindicato neste oferecimento?


Kullung, o oficial de Justiça e os agentes do GPI da Polícia Federal. | Foto Alass Derivas

O primeiro a chegar foi o funcionário da Funai, vindo de Osório, Francisco Aureliano Dorneles Wit. Assim que chegou, buscou contato com a comunidade e foi enxotado por Kullung, que sugeriu que fosse falar com “a sua amiga” Edenice. A indignação de Kullung se deu devido a ausência da Funai durante os dias de retomada. A instituição aparecia no momento da reintegração como participação obrigatória devido o réu ser a comunidade indígena. Ou seja, em vez de garantir os direitos territoriais dos povos, a instituição veio até a FLONA apenas para possibilitar a retirada dos Xokleng do seu território, legitimando assim a reintegração de posse solicitada pelo ICMBio.


Kullung diz para o funcionário da Funai aguardar com seus amigos do ICMBio. | Foto Alass Derivas

O ato derradeiro da ação de reintegração de posse, já no final da manhã, ficou por conta de Edenice. Depois de delegado, oficial de justiça, representante da Funai já terem se afastado do novo local do acampamento da retomada, às margens da RS-484, Edenice voltou, escoltada pela Polícia Federal, e ordenou que um funcionário do ICMBio cortasse colunas de madeiras, estruturas de um barraco que estava sendo construído naquela manhã. Foi questionada por que estavam fazendo aquilo. “Esta madeira é propriedade da Unidade de Conservação”. Então vocês vão levar de volta? “Não, eles podem usar como lenha”. Era apenas um ato de autoritarismo, mesquinharia e provocação. Recebeu como resposta dos indígenas que poderia levar sua madeira embora.


Escoltada pela Polícia Federal, Edenice, chefe da Flona, manda cortar vigas de madeira uadas pelos Xoklengs. | Foto Alass Derivas

Foto Alass Derivas

Instantes antes da Polícia Federal e o Oficial de Justiça chegarem, visitamos a região onde estava a retomada, junto com Edenice, chefe da Flona de São Francisco de Paula, com Isaac Simão Neto, biólogo e gerente regional do ICMBio, e com um funcionário do ICMBio, que fazia as vezes de segurança. Tivemos a oportunidade de, por alguns minutos conversar sobre o futuro da floresta, que está em vias de ter seus serviços concedidos à iniciativa privada, e entender como a coordenação estava vendo a ação de reintegração.  


Edenice, Isaac e Brigadista do ICMBio | Foto Alass Derivas


    Ao invés de reintegração, não seria possível um diálogo? “O diálogo deveria ser anterior à invasão”, defende Isaac. “Se eu invadir a tua casa, como seria? Invadir uma área que não há um documento que mostre que esta área é deles, então você abre precedente e começa o diálogo de uma forma equivocada”. Se assim como Isaac você somente acredita em papéis, sugiro a leitura do texto “Mãe não se vende, Mãe não se troca, Mãe não se privatiza!”: Nota técnica preliminar envolvendo aspectos etnohistóricos e socioambientais da Retomada Indígena Xokleng Konglui na Floresta Nacional São Francisco de Paula/RS”, do etnohistoriador Rafael Frizzo. Um documento que cita diversos outros documentos sobre a presença Xokleng na região e sobre os interesses por trás da Flona.


Local onde era o acampamento, ao lado direito da entrada da Flona, aos pés de centenas de Pinus | Foto Alass Derivas

Após Edenice reclamar do mal cheiro da área (não sentido por nós, diga-se), em um tom depreciativo, Isaac apontou para roupas, embalagens que tinham ficado pelo chão, resquícios da saída voluntária às pressas dos Xokleng e perguntou: “vocês acham que isso é um cuidado da natureza por parte dos indígenas, respondam sinceramente?” Como biólogo e representante de um Instituto que tem em seu nome a “Conservação da Biodiversidade”, é um disparate (para não dizer mau caratismo) Isaac apontar calcinhas de crianças – que vão se decompor em alguns anos e que estão ali devido à violência de todo o processo que os Xoklengs passaram naquela manhã – como prejudiciais ao meio ambiente e desconsiderar, na sua fala, na sua visão, todos os monocultivos (de eucalipto, pinus, soja, milho) que existem na região. Esta cena é a consagração de uma visão de mundo que vê a retomada dos indígenas como invasão. Que vê o monocultivo de árvores como reflorestamento, ignorando ou combatendo quem aponta todo o dano à biodiversidade que este sistema comercial de exploração do solo, água e impactos na biodiversidade que esse modelo produz.

Por que Isaac não se preocupa em questionar os danos ao meio ambiente de propriedades como da foto abaixo, produtora de gado e monocultivo de Pinus? Você vê algum animal mais que gado, alguma planta mais que Pinus? Ao cortar o Pinus, não fica nada. Foto tirada perto da Barragem do Blang, em São Francisco de Paula.

Foto Alass Derivas


Dos povos indígenas do Sul, os Xokleng foram os mais afetados pelos bugreiros e caçadores, recorte da história que relatamos no texto “Somos sementes prontas para germinar”. Reportagem publicada no dia 30 de dezembro, contando a história da retomada, da Flona e das perseguições ao povo Xokleng. Em nota sobre a reintegração de posse, o Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul destaca este processo, trazendo elementos sobre os caminhos dos Xokleng:

“A violência foi tanta que os poucos grupos que sobreviveram se refugiaram em Santa Catarina para não serem também exterminados. Durante esse processo violento, pequenos grupos de Xokleng se refugiaram nas matas da encosta da Serra, que sempre foi parte de seu território ancestral. Estiveram constantemente em movimento até se refugiarem na Serra de Santa Catarina, onde em 1914 os Xokleng entraram em contato com agentes do Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (posteriormente SPI e em 1967, FUNAI). Desde então, tem se difundido o mito de que os Xokleng seriam “índios de Santa Catarina”, o que é uma invenção colonialista, pois para os povos indígenas as fronteiras entre os Estados nada mais são do que linhas artificiais desenhadas sobre seus territórios, além de esconder uma estratégia de apagamento e negação dos direitos desses povos”.

O coordenador do ICMBio pede documentos, desconsiderando que o próprio documento é uma arma de coerção, de desapropriação, de roubo de terras. Desconsiderando que na história deste país os documentos que promoviam a expulsão e extermínio dos povos eram o calibre das armas e a lâmina do facão. Hoje, a Polícia Federal apresenta armas semelhantes, aliados à caneta (e aos documentos) da Justiça.

Agentes do Grupo de Pronta Intervenção da Polícia Federal. Todos brancos, bem equipados. | Foto: Alass Derivas
Comunidade e apoiadores, com seus corpos e suas proteções. | Foto Alass Derivas

Na véspera de ano novo, dia 31 de dezembro de 2020, o presidente do STF, Luiz Fux, ministro plantonista, indeferiu o pedido de liminar, proposto pela Defensoria Pública da União, em nome da comunidade Xokleng. Fux desconsiderou a medida do colega Edson Fachin que impedia reintegrações de posse durante o período da pandemia. A ação de reintegração foi mantida, determinada pelos juízes plantonistas (primeiro Fernanda Cusin Pertile, no dia 23, e depois Patrick Lucca da Ros, no dia 29) da Justiça Federal de Caxias do Sul, a pedido do ICMbio. A assessoria jurídica da retomada ainda não teve acesso à decisão integral de Luis Fux, portanto a motivação é desconhecida.

Já no final da ação de intimação, um agente da Polícia Federal se aproximou e pediu um favor: se poderia ter as fotos daquela manhã enviadas por Whatsapp, pois nesta semana enviaria um relatório que ia direto para o Presidente da República Jair Bolsonaro. Destacamos o pedido do policial para lembrar que os serviços da área da Flona estão em vias de ser concedidos à iniciativa privada após Bolsonaro e o Ministro da Economia Paulo Guedes a terem incluído no Programa Nacional de Desestatização. No entanto, a chefe da Flona e o coordenador do ICMBio insistem em ressaltar no discurso que a Floresta não vai ser privatizada. Inclusive esta informação é destacada na nota do perfil do Facebook da Floresta Nacional de São Francisco de Paula que divulga a visita do Ministro Ricardo Salles, em 12 de abril de 2019.  Na comitiva do Ministro, estavam os deputados inimigos dos povos indígenas, Luis Carlos Heinze, Alceu Moreira e Marcel Van Hattem.

Foto divulgada no Facebook da Floresta Nacional de São Francisco de Paula.


440% da área da Flona tem árvores plantadas, que vão ser leiloadas pelo Estado, segundo Edenice e Isaac. O que será feito com esse dinheiro? O que será feito com a área liberada? Como o Governo Federal pretende “passar a boiada” nas Unidades de Conservação?

Se há um processo de reivindicação da área correndo na Funai desde 2011, os Xokleng deveriam ser considerados interessados prioritários na área e, portanto, seguindo recomendação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, deveriam ser consultados sobre a concessão. Ao ser questionado sobre isso, Isaac afirma que os indígenas foram convidados para a audiência pública que aconteceu em setembro. A comunidade que, hoje, retoma a Flona não recebeu nenhum contato. O Conselho Indigenista Missionário comentou o caso em nota do dia 14 de outubro de 2020, quando o Ricardo Salles lançou edital para concessão dos Parques Nacionais:

“Esta medida poderá afetar diretamente a comunidade Kaingang de Canela, já que reivindica a demarcação da Flona como sendo área de ocupação originária. Também afetará o povo Xokleng que reivindica a demarcação  de sua terra, sobreposta pela Floresta Nacional em São Francisco de Paula. Aguarda-se por uma intervenção do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União,  já que as privatizações dos parques atentam contra o meio ambiente, contra o patrimônio da União e contra os direitos constitucionais dos indígenas, dado que estes devem ser  consultados para atender as determinações da Convenção 169 da OIT- Organização Internacional do Trabalho, que determina haver a necessidade de consulta livre, prévia e informada quando medidas adotadas pelo Poder Público ou qualquer outro ente, afetem povos e comunidades indígenas e tradicionais”.

Depois de ver o envolvimento do ICMBio em diversas negociações de concessão para iniciativa privada de Unidades de Conservação,  alinhado às políticas do Ministro Ricardo Salles, é possível entender melhor a motivação das intransigências da coordenação da Flona e pressa na reintegração de posse dos Xokleng.

Enquanto isso, Kullung Vetcha Teiê, senhora de 63 anos, resiste com o próprio corpo, com sua família e seus parentes. Resiste a todo um esquema internacional de privatização de florestas nacionais. Amparados nos sopros que vem do grande espírito.

Kullug Vetcha Teiê e Woie Patté cantam após agentes púbnlicos se retirarem. | Foto Alass Derivas



A luta segue

Neste momento, é necessário fortalecermos a solidariedade e as estruturas do acampamento Xokleng em frente à Flona. Uma campanha de arrecadação está sendo organizada para viabilizar uma placa solar (assim como já existe na Retomada Guarani da Ponta do Arado) para trazer mais segurança e possibilidade de comunicação das famílias que está sem acesso a energia.

O frio das madrugadas na região serana do Rio Grande do Sul também traz a necessidade de moradias que deem proteção ao Xoklengs. Por isso, tábuas e telhas são fundamentais.

As doações podem ser encaminhadas para:

Conta: Banco do Brasil
ag: 5437-2
Cc: 5440-2
CPF: 06124632900
Nome: Woie Kriri Sobrinho Patté

Veja o vídeo “Retomada Xokleng Konglui Resiste”:

Mais fotos da Retomada:

Foto Alass Derivas


Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas
Foto Alass Derivas

“Somos sementes prontas para germinar”

A luta do povo Xokleng ao retomar seu território ancestral, em que agiram bugreiros no passado e onde hoje o Estado ameaça com reintegração de posse 

Há dois anos, Vetchá Teiê Xokleng Konglui morreu com aproximadamente 100 anos. Quando era um bebê de colo, foi expulso com a família do território indígena Xokleng, onde hoje é a Floresta Nacional (Flona), Unidade de Conservação Federal em São Francisco de Paula. O umbigo de Vetchá está enterrado neste solo. 

Kullung Vecthá Teiê | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Meu pai me trouxe aqui quando ainda era mata nativa e mostrou para mim e para os seus netos onde seu umbigo está enterrado” conta Kullung Vetchá Teiê, hoje com 63 anos. “No caminho ele vinha mostrando nossos antepassados. Vinha contando que lá dentro da Flona tem a oca dos nossos parentes, ferramentas, trilhas”.



Vetchá Teiê foi um dos inúmeros Xoklengs que nasceram nesta localidade e tiveram que sair para sobreviver à ação dos bugreiros, bandidos contratados pelo governo e por empresas colonizadoras para caçar os indígenas nas matas e liberar o território para alemães e italianos que chegavam no sul do Brasil. 

No dia 12 de dezembro deste ano, Kullung e Yoko, filhas do seu Vetchá, com suas famílias e parentes apoiadores ingressaram na Floresta Nacional para ficar. “No passado, mataram meus parentes, atropelaram, cortaram as mulheres grávidas, mataram as crianças, cortaram a orelha delas, acabaram com minha nação, aqui neste lugar. Mas graças a Deus sobrou um grupo, que antigamente era botocudo, hoje é Xokleng. Estamos vivos, estamos aqui!”, afirma Kullung. São cerca de 30 pessoas, sendo 14 crianças; as duas filhas de Vetchá e suas famílias; a família de Yoco Camlem, prima de Kullung, filha de Voia Camlem, que é irmão de Vetchá Teiê; a família de Woie Kriri Sobrinho Patte; e Merong Kamakã, guerreiro Patoxá Hã-hã-hãe que é solidário à luta dos parentes. Entre as crianças, está o tataraneto de Vetchá. Começava ali a retomada histórica do território ancestral do povo Xokleng, no Rio Grande do Sul. Uma ação direta, puxada por mulheres, de reparação histórica por parte dos Xoklengs contra as violências do Estado e seus ramos opressores: a justiça, a polícia, as milícias (como os bugreiros).  

Os anciãos Xonkleng Vetchá Teiê e Voia Camlem, nascidos na região da Flona e pais das mulheres que hoje promovem a retomada | Fotos: Arquivo Pessoal Kullung Vetchá Teiê
Entre as crianças, está o tataraneto de Vetchá | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

REINTEGRAÇÃO DE POSSE

Nos últimos dias, os descendentes do seu Vetchá ocuparam com barracos de lona uma pequena parte da Floresta Nacional de São Francisco de Paula, criada em 1968 e desde 2004 administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A área ocupada está na lateral direita da entrada do parque, perto da RS-484, solo coberto por plantação de Pinus.

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Após alguns dias de convívio pacífico com os funcionários da Flona e de tentativas de diálogo, em conjunto com o Ministério Público Federal, os indígenas Xoklengs foram surpreendidos pelas ações da coordenação da Unidade de Conservação, hoje chefiada por Edenice Brandão Ávila de Souza. Segundo os indígenas, a luz usada para carregar os celulares, na guarita de entrada da Flona, foi cortada. Nesta terça (29), a coordenação fez uma postagem com o título “combatendo Fake News”, em que informa sobre a distribuição de água, de luz e de internet. Na postagem, diz que a luz estaria disponível das 7h às 19h, enquanto houvesse vigilante na guarita. Na segunda-feira, enquanto estávamos lá, das 7h da manhã às 14h, foram poucos os momentos em que avistamos algum funcionário presente na entrada. 

Registro dos ancestrais de Vetchá Teiê e de Voia Camlem, indígenas nascidos na terra onde hoje é a Retomada Xokleng | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Em outro movimento não esperado pelos indígenas e até pelo Ministério Público, a coordenação da Flona solicitou à Justiça Federal de Caxias do Sul a reintegração de posse da área. No dia 23 de dezembro, véspera do Natal, a juíza federal plantonista, Fernanda Cusin Pertile, emitiu mandado favorável à retirada dos indígenas. Foi um final de semana de tensão.

“Nós queremos ser ouvidos, ter uma audiência com ICMBio, com Ministério Público, com a juíza”, reivindica Woie Kriri Sobrinho Patté, uma das lideranças da retomada Xokleng. “Nos ouçam porque estamos aqui! É fácil estar no escritório, atrás do computador e mandar uma reintegração de posse. Existem leis internacionais que o governo brasileiro aderiu [Conveção 169]. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)  diz claramente que precisamos ser ouvidos”. 

Woie Kriri Sobrinho Patté fala sobre a situação na retomada | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

A ação de reintegração tinha como prazo a última segunda, dia 28, no entanto até o momento não ocorreu. Nos dias anteriores, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) tentaram reverter a ação. O MPF entrou com agravo de instrumento, mas este foi indeferido pelo plantão do Tribunal Regional Federal da 4a Região. A DPU entrou com reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) aludindo à decisão do Ministro Edson Fachin de não realização de reintegração de posse em terras indígenas durante a pandemia de Coronavírus para evitar que a doença se alastre. No dia 26, a Polícia Federal de Caxias do Sul se manifestou recomendando o adiamento da ação justamente devido à pandemia. 

A reintegração de posse não ocorreu até o momento, embora o STF não tenha dado nenhum retorno à reclamação da DPU até a publicação desta matéria.

“Eu não vou sair daqui. Vou ficar aqui. Hoje, se a Polícia Federal vir, eu deito no chão e podem me matar. Só saio daqui dentro do caixão”, bateu o pé a senhora Kollung.  

No dia 24 de dezembro, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) se manifestou em nota recomendando a suspensão da reintegração de posse e o encaminhamento de uma solução negociada.  Desde o dia 23, os Xoklengs Konglui já receberam a visita da Polícia Federal, da Polícia Militar e do Oficial de Justiça Federal.  “Gostaria que o governo nos ouvisse, cara a cara, mas por enquanto só vejo ameaças contra nós. O que o governo está pensando? Nós somos raiz, nós somos donos desta terra”, insiste Kollung.     

No entanto, para além das intervenções do governo, também chegaram visitas de solidariedade. Nós da Amigos da Terra Brasil, articulado com o Conselho Indigenista Missionário, estivemos na segunda-feira no território retomado. Prontos para cobrir qualquer violação e produzir este conteúdo. Também subimos a serra com a solidariedade da Frente Quilombola RS. O Quilombo dos Machado, localizado na zona norte de Porto Alegre, enviaram alimentos e produtos de limpeza equivalentes há cerca de 5 cestas básicas. Produtos arrecadados através de doações para o Quilombo dos Machados. A retomada, também, tem recebido doações diretamente, através de articulação pelas redes sociais e pontos de coleta em Porto Alegre, Lajeado e São Francisco de Paula.

Os Xokleng Konglui enfrentam hoje esta possibilidade de reintegração de posse, que por trás, além do preconceito e violência histórica contra os povos indígenas, traz também os interesses da iniciativa privada. 

HISTÓRIA E FUTURO DOS XOKLENG NA FLONA

Neste registro, enviado por Kullung, Voia Camlem, Vetcha Teiê e Compacam, todos nascidos nesta região, voltam ao local e conversam sobre suas famílias. Kullung não soube informar a data exata desta conversa | Foto: Arquivo pessoal de Kullung Vectha Teie

A saída por sobrevivência da família de Vetchá Teiê, da família de Voia Camlem e de Compacam do território onde, hoje, é a Floresta Nacional de São Francisco de Paula não é exceção, tanto na região da serra gaúcha, como em todos os interiores deste Brasil. Em nota de solidariedade divulgada no dia 18 de dezembro pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o processo violento de colonização é destacado: “Por séculos os Xokleng foram vítimas de um brutal processo de colonização que quase levou ao completo desaparecimento do povo, que tradicionalmente ocupavam os territórios que estavam localizados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná”. Desde a chegada dos portugueses em 1500, os povos originários sofrem com a violência, seja a direta, através das armas, seja através das doenças. No Rio Grande do Sul, muitas terras em que viviam indígenas (Kaigangs, Xoklengs, Minuanos, Charruas, Guaranis) foram doadas pelo Estado para os colonos italianos e alemães que recém chegavam. Os europeus que chegavam no nosso país,  mesmo que pobres, ganharam terras, enquanto negros alforriados foram jogados nas ruas sem nada, enquanto indígenas eram caçados e desterritorializados. Esta diferença histórica na territorialização do nosso país não pode ser perdida de vista nunca na interpretação da propriedade de imóveis hoje e na formação da sociedade como um todo.

 

No Rio Grande do Sul, os bandidos responsáveis por expulsar ou caçar os indígenas, especialmente os Xoklengs, ficaram conhecidos como bugreiros. Eram milícias financiadas pelo governo ou por empresas estrangeiras que preparavam o terreno para os colonos que chegavam.
Woie relembra, com indignação: “a saída do povo Xokleng deste território foi forçada brutalmente. Estes homens pegavam as mulheres grávidas, abriam a barriga da mãe, tiravam a criança e jogavam para cima, riam, diziam que parecia um macaquinho. Quando a criança caia, paravam ela com a ponta do facão, da foice. Matavam estas crianças. Foi muito triste todas estas violações. Então nós não saímos daqui porque a terra não prestava, não. Sair do território era questão de sobrevivência. Fomos para o alto vale de Santa Catarina, onde também fomos massacrados pelo Dr. Blumenau. Hoje muitos conhecem a cidade pela Oktoberfest, mal sabem que fazem festa em cima do cemitério dos nossos parentes, em cima de sangue indígena Xokleng”. Blumenau é a terra onde atuou um dos mais famosos assassinos, o Martinho Bugreiro, que dizia que não matou 100 indígenas, mas sim matou mais de mil. Junto com o seu bando, atuava como um “Esquadrão da morte” de indígenas. O povo Xokleng foi um dos principais alvos dos bugreiros, chegando quase à extinção. Hoje poucas famílias restam ou se identificam com este povo. Os que sobreviveram, sofrem com a falta de território ou vivem em territórios de outros povos, como dos Kaingangs.

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Já ouvi que ‘tivemos a pacificação do povo Xokleng’. Nada disso! Nós estávamos em paz.  Quem estava nos matando, nos aniquilando era o branco. Então eles que foram os pacificados”, corrige Woie. Para ele, o Estado concedeu aos alemães e aos italianos terras que já tinham donos. “Doaram território para ter progresso. Mas que progresso? Exterminar um povo para dar o sustento a outros? Progresso plantando soja? Toda plantação, soja, milho, é vendido para fora hoje. Progresso para 4, 5 famílias? Este tal de progresso matou muitos índios do Brasil. Então, não foi progresso não, foi extermínio!”

As retomadas de terras, que acontecem no sul do país desde a década de 1970, são uma forma de tentar reparar o extermínio não só da vida, mas do conhecimento indígena. “A terra é nossa mãe, toda medicina é da Natureza. Então nós queremos elas de volta”, explica Woie. Kollung conta como se deu a decisão de voltarem a São Francisco de Paula: “Eu disse para mim mesmo: antes do meu tio falecer, irmão do meu pai, eu vou me levantar e vou buscar aquelas terras para minha nação. Mostrei este território para eles como meu pai mostrou para mim. Daqui a pouco eu vou falecer, minha irmã também vai embora desta terra. Mas minha nação agora já conhece seu território. Hoje, estou aqui com o tataraneto do seu Vetchá”. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“A história é viva”, diz Woie. “Cada Xokleng que está aqui é uma história viva que voltou”.
 

Segundo Woie, os indígenas entraram com com pedido na FUNAI em 2011 para reconhecimento da área da Flona de São Francisco de Paula como território Xokleng, mas o processo está parado na instituição desde 2015. Com a iminência da entrega da Unidade de Conservação à Iniciativa Privada, os Xoklengs decidiram entrar na área no último 12 de dezembro. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

PRIVATIZAÇÃO 

Floresta Nacional de São Francisco de Paula (Flona) faz parte do município de São Francisco de Paula (RS) a 2h 30 min de Porto Alegre. A área é gerida pelo ICMBio e está em vias de ser concedida à iniciativa privada.

A Floresta Nacional de São Francisco de Paula se chama assim desde 1968. A área foi delimitada em 1945, quando o Instituto Nacional do Pinho (INP) criou um parque para experimento de plantação de árvores para extração de madeira. Segundo Vanesa Arduin, historiadora que pesquisou o tema no seu trabalho de conclusão na UFRGS, chamado “Floresta ‘Melhorada’: Uma análise sobre as políticas de Reflorestamento no Rio Grande do Sul (1934-1965), a primeira ação na região por parte do Instituto foi o corte de araucárias nativas e o estudo do plantio desta árvore. “Depois de vinte anos estudando o monocultivo da Araucária, viram que as condições não favoreciam seu principal interesse que era a produção da madeira em larga escala”, explica Arduin. Em 1968, durante a Ditadura Militar, o governo extingue o INP e funda o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (INDF), que renomeia o parque administrado pelo INP para Floresta Nacional de São Francisco de Paula. O INDF é criado com a missão de desenvolver intensos programas de incentivo fiscal para os produtores que quisessem investir no reflorestamento. “Hoje São Francisco de Paula é o município com segunda maior área dedicada ao plantio de árvores e o maior produtor de Pinus do estado, árvore escolhida nas serras de São Paulo ao Rio Grande do Sul, pelas condições de plantio e por sua celulose ser de fibra longa, a mesma da Araucária, utilizada para fabricação de papéis mais resistentes”, comenta a historiadora Vanesa Arduin.   

Diversos caminhões como este, carregados de madeira para venda, passaram em frente à retomada na manhã de segunda | Foto: Alass Derivas

A Flona possui 1617 hectares, sendo que, segundo o site do ICMBio, 600 deles são de árvores plantadas para comercialização de madeira (araucária, eucalipto e pinus) em cima de campos nativos, o que representa 40% da área total. Os 900 restantes são de mata nativa. Desde 2004, a Flona é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). 

A Floresta Nacional está em vias de ser concedida à iniciativa privada. Em 28 de maio de 2020, o Diário Oficial da União publicou o decreto 10.381, que qualifica a Floresta Nacional de Canela e a de São Francisco de Paula, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República – PPI e incluídos no Programa Nacional de Desestatização – PND, “para fins de concessão da prestação dos serviços públicos de apoio à visitação, à conservação, à proteção e à gestão das unidades.” 

No dia 11 de setembro de 2020, foi realizada uma audiência pública na Câmara de Vereadores de São Francisco de Paula para tratar da licitação da concessão dos serviços da Flona. A audiência está disponível na íntegra no canal do ICMBio no Youtube

Na divulgação da audiência pública, o site do ICMBio traz diversos argumentos defendendo a concessão à iniciativa privada, entre eles: “as concessões atraem mais visitação e contribuem para o desenvolvimento socioeconômico em todo o entorno, além de gerar emprego e renda”. A inspiração é o modelo de concessões de parques dos Estados Unidos da América

Até o momento, nenhuma empresa ganhou a licitação. Ou seja, a negociação está aberta. 

E os indígenas Xoklengs entraram na disputa:
“Estamos prontos para lutar e morrer pelo nosso território. Esta terra é uma herança nossa e herança não se vende, não se troca, não se dá”, defende Woie Patté. “O grande espírito nos chamou e nós estamos atendendo. Tem várias coisas que o branco não entende, como isso, o que é esse chamado. Ninguém é obrigado a entender, mas é preciso respeitar”. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Os indígenas Xoklengs estão acampados na região de entrada do Floresta, onde hoje é uma plantação de Pinus. Estas árvores são consideradas pelo governo e por muitas empresas como reflorestamento. Nem nós, da Amigos da Terra Brasil, nem os indígenas consideramos que monocultura de árvores seja floresta. A historiadora Vanesa Arduin lembra que o que muitos chamam de reflorestamento era plantio para a explorar madeira. “Hoje se chama Unidade de Conservação, mas não se fundou pra conservação da biodiversidade e sim para conservar a exploração a longo prazo”, destaca. São 40% de território com árvores plantadas, que inclusive precisam de manejo. O que será feito com esta área se a Floresta Nacional for realmente concedida à iniciativa privada?       

Apesar de estarem há poucos dias na área, as mulheres Xoklengs já buscam recuperar a flora nativa da região e cultivar sua medicina tradicional: “Nós cuidamos das matas, nós somos as matas. Da mata vem raízes, alimento, a taquara. Aqui não tem taquara, não tem mel de abelha, não tem fruta nem raiz nativa, a nossa medicina tradicional, que tinha aqui, não tem mais, só tem pinus de reflorestamento. Não se vê nem um pé de uma nativa para alegrar a gente, só tem esse pinus aí, plantado, para dar riqueza para o governo. Mas nós precisamos da mata, de onde vem nosso alimento. Acabou a mata, mas nós somos a nativa desta terra. Os nativos Xokleng estão aqui”

Kullung resguarda suas mudas de guiné | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Yoko Camlem é filha de Voia Camlem, prima de Kollung, sobrinha do Vetchá Teiê. Veio, com seu núcleo familiar, de Santa Catarina para se somar na luta. Trouxe consigo, mudas de bananeira e de guiné. “Eu trouxe para que possa servir a toda comunidade que venha morar neste lugar, pensando no futuro, pensando nos meus netos, bisnetos, para que eles possam em breve utilizar destas plantas”. 

Yoko Camlem veio, com seu núcleo familiar, de Santa Catarina para se somar na luta | Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Woie conta que os indígenas chegaram na retomada no dia 12, de corpo presente, mas sempre estiveram espiritualmente. “Então precisamos fazer a ocupação, a autodemarcação, com nosso corpo, para que sejamos ouvidos. A lei possui uma balança, mas porque quando é para o nosso lado o peso nunca vale?

Um exemplo de que a balança não é igual é a possibilidade do Supremo Tribunal Federal adotar, nos julgamentos, a tese do Marco Temporal. O parecer 001/2017 da Advocacia geral da União dita que povos indígenas só têm direito a reivindicar terras que já estavam ocupadas em 5 de outubro de 1988, dia em que a Constituição foi promulgada. Ou seja, todas retomadas que aconteceram depois de 1988 seriam despejadas. Até parece que indígenas não seguiram sendo expulsos de suas terras a partir de 1988, como é o caso dos Guaranis Kaiowás vítimas dos latifundiários no Centro-oeste; dos Yanomamis, atingidos pelo garimpo ilegal na Amazônia; dos Krenaks, com seus rios poluídos pela lama da mineradora multinacional Vale do Rio Doce. A votação do Marco Temporal foi adiada duas vezes este ano e ainda não tem nova data. Ela inviabilizou a demarcação de pelo menos 27 terras indígenas, que tiveram seus processos devolvidos do Ministério da Justiça e Segurança Pública para a Fundação Nacional do Índio (Funai). Além disso, outras 310 terras indígenas estão com processos de demarcação estagnados, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O tema chegou ao STF com o julgamento envolvendo justamente o território Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, que é alvo de uma ação de reintegração de posse – com base no “marco temporal” – movida pelo Estado de Santa Catarina. Há dois anos que indígenas e apoiadores estão mobilizados lutando pela não aprovação do Marco Temporal.

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Colocamos nosso corpo para tentar fazer com que esta balança da Justiça seja de igual para igual”, insiste Woie. Fizemos esta retomada neste momento porque não tivemos resposta da Funai e agora vem essa notícia da privatização. Não queremos desculpas, queremos a homologação, a demarcação”. Woie alega que não quer que seu povo seja apenas artigo de museu, história contada pelos brancos.“É fácil colocar turistas na sede e falar que era um território indígena, mostrar no museu. Mas aí quando chegamos aqui no parque fecham a porta na nossa cara, pedem reintegração de posse. Nossas próximas gerações precisam desta terra”.

Jovem liderança, estudante universitário, Woie Kriri Sobrinho Patté é consciente que a luta que seu povo está travando é arriscada. Sabe notícias de outros povos, sabe o país que vive, sabe a violência incrustada no nosso território. Por isso, faz um apelo. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

“Quero dizer a sociedade que ouçam nosso chamado, ouçam nosso clamor de sobrevivência. Que façam este governo nos ouvir e devolver para nós o que é nosso. Os governos internacionais precisam pressionar a respeitarem o que é nosso. Existem tratados internacionais que precisam ser válidos. A Constituição Federal precisa ser respeitada, precisam demarcar a nossas terras. Estes países europeus que ocuparam o Brasil precisam reparar nossas terras roubadas. A ONU precisa se posicionar. Porque nós não sabemos mais para onde correr. Porque quando uma liderança se levanta para defender seu povo, ele é criminalizado, processado. Processado é pouco, quando não é esperado em uma esquina, numa beira de estrada e morto, assassinado, e nunca acontece nada com quem mata. Foi acidente, atropelamento. Só lideranças são atropeladas? Hoje, sou eu que estou falando. Não tenho medo de morrer, tenho medo de perder nosso território. Pode me caçar, pode me mandar ameaças. Eu tenho dó dessas pessoas que não respeitam o seu próximo. Sou uma liderança Xokleng e vou lutar pelo povo Xokleng. Vou lutar para que a futura geração do povo Xokleng continue viva. O que eles não sabem é que quando matam uma liderança, tem várias outras para assumir o lugar. Podem derrubar um homem, mas há mil homens de pé para ocupar este espaço. Somos a natureza. Assim como uma árvore dá sua semente, nós damos a nossa, que já estão prontas para germinar”. 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Ao lado de guerreiros como Woie e Merong, as filhas de Vetchá Teiê e Voio Camlem, as duas Yoko e Kullung, colocam seus corpos por uma real conservação da mata nativa, o que, como disse Kulung, é o que ela se considera, uma mata nativa. Colocando seus corpos, reparam a história, reconfigurando o território injusto deste país e também semeando para todos um mundo em que seja possível respirar e ser livre. 

Veja mais fotos da retomada: 

Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil
Foto: Alass Derivas/Amigos da Terra Brasil

Aldeias Guarani do RS recebem 320 cestas de insumos que respeitam sua cultura

No Rio Grande do Sul (RS), uma articulação entre Amigos da Terra Brasil (ATBr), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Frente Quilombola do RS (FQRS), Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP) e o Laboratório de Arqueologia e Etnologia da UFRGS (LAE-UFRGS) garantiu a entrega de cerca de 320 cestas básicas feitas especificamente para oito territórios Guarani do Estado, sendo sete aldeias – Tekoá Yy Rupá (Terra de Areia), Tekoá Pekuruty e Guavyju (Charqueadas), Tekoá Nhundy (Estiva), Tekoá Ka’agüy Porã (Maquiné), Tekoá Jatai’Ty (Cantagalo), Tekoá Yjere (Ponta do Arado) e Tekoá Pindo Poty (Lami) – mais o Centro de Referência Afroindígena do RS, que fica no centro de Porto Alegre.

Os produtos das cestas são agroecológicos e foram selecionados em respeito à cultura Guarani. Cada cesta contém: erva mate, farinha de milho, farinha de trigo, arroz, canjica, fumo, cebola, aipim, batata doce e batata inglesa. Na foto, entrega na aldeia Tekoá Nhundy (Estiva).

Esse ano chegou o momento em que essa Terra de Nhanderu, o criador para os Guarani, reagiu à destruição consumista do homem. A reação? Uma pandemia. E essa prejudicou bastante gente, sabemos. Inclusive aqueles e aquelas que, por sua cultura, vivem de forma mais harmoniosa, conectada e com cuidado e respeito à Terra. A principal fonte de renda dos indígenas Guarani é o artesanato que vendem em feiras e centros urbanos, e, por conta disso, o isolamento interferiu na possibilidade de muitos adquirirem seus mantimentos.

O que não faltou diante de tanta gente prejudicada pela pandemia foram também pessoas dispostas a ajudar através de campanhas de solidariedade, organizações comunitárias e orgânicas. No Rio Grande do Sul (RS), uma articulação entre Amigos da Terra Brasil (ATBr), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Frente Quilombola do RS (FQRS), Associação de  Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP) e o Laboratório de Arqueologia e Etnologia da UFRGS (LAE-UFRGS) garantiu a entrega de cerca de 320 cestas básicas para 7 aldeias Guarani (as Tekoás) do Estado.

O diferencial das cestas é que não são alimentos produzidos pelo sistema agroindustrial global e pelo agronegócio, os mesmos que destroem nossas florestas e as culturas dos povos que ali vivem. Tanto os alimentos e produtos presentes em cada cesta quanto quem os produziu e de que forma foram considerações levadas em conta para realizar a ação de solidariedade aos Guarani. Tudo que estava na cesta foi produzido em moldes agroecológicos e disponibilizado pela COOTAP, e cada insumo representa alguma parte da história e da cultura Guarani: a erva mate, o fumo, as farinhas de milho e de trigo, o arroz, a canjica, a mandioca, a cebola e as batatas. 

Esta ação teve a contribuição de Global Greengrants Fund, que apoia as organizações e movimentos aliadas aos grupos-membros da Federação Amigos da Terra Internacional.

A história do cerco à Amazônia

Visitamos a região do Tapajós, no Pará, junto à Terra de Direitos e ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais dos municípios de Santarém e de Alenquer, para ouvir as histórias das resistências dos povos frente ao cerco imposto pelo capital à Amazônia. E o cenário, que já era assustador, piora no atual contexto de pandemia do Covid-19: desmatadores, grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais não estão preocupados em fazer quarentena; pelo contrário, querem aproveitar a paralisia do governo para avançar ainda mais sobre os territórios. Vale acrescentar que, ao que indicam estudos (aqui, aqui e aqui, este último em espanhol), a expansão do agronegócio e a consequente destruição ambiental está por trás do avanço de diversas pandemias ao redor do mundo, o coronavírus entre elas.

*Nota: este conteúdo foi produzido no final de 2019 e início de 2020,
antes da pandemia do coronavírus tomar a proporção que tomou.

// Vídeo 1 – Grilagem de terras: como territórios amazônicos vão sendo transformados em campos de cultivo

// Vídeo 2 – Soja: Amazônia como fronteira agrícola

// Vídeo 3 – Portos: grandes empreendimentos ameaçam os modos de vida tradicionais amazônicos

// Vídeo 4 (final) – Ameaças, resistência e esperança

A engrenagem do capital esmaga a Amazônia, seus povos, a floresta e seus rios: de um lado, a expansão da soja e da pecuária, unidas à derrubada e comercialização ilegal de madeiras e às queimadas criminosas que “limpam a terra” para o agronegócio; de outro, a mineração e os megaprojetos de infraestrutura necessários ao escoamento de commodities e entrega dos bens comuns brasileiros, como portos e ferrovias. Todos de alto impacto às comunidades locais. Em meio a isso, sob grande pressão e convivendo com ameaças constantes, povos em pé e em luta, ainda firmes. São essas histórias de resistências que contaremos a seguir.

Primeiro, porém, uma breve introdução se faz necessária, para que compreendamos o contexto e a complexidade dessas lutas. A introdução está dividida em quatro partes: a primeira delas segue este parágrafo; as outras podem ser acessas pelos links que aparecem abaixo do texto. E, depois dos links, aparecem pequenos resumos de cada história que contaremos – que podem ser acessadas com um clique em seu título.

Uma breve introdução, dividida em quatro partes, e depois as histórias

1. Contexto
Não à toa as queimadas na Amazônia em 2019 chamaram a atenção do mundo: de janeiro a agosto, na comparação com o mesmo período dos últimos três anos, a alta em focos de queimada foi de 34%; houve 55% mais desmatamento na região; e, ainda assim, 11% mais chuvas, o que demonstra que a causa do fogo não foi o período seco, mas sim a ação humana.

Infelizmente, nenhuma surpresa: em agosto do ano passado, em referência ao Dia do Fogo e ao aumento das queimadas, já dizíamos:

– A mão manchada de sangue que acende a chama é a mão do capital: é à política neoliberal colonialista, tão docilmente acatada pelo governo Bolsonaro, que creditamos o ataque aos povos das florestas e a seus territórios.

Antes ainda, à época da campanha eleitoral de 2018, a completa ausência de políticas voltadas ao meio ambiente já alertava para o que estava por vir (por exemplo, a expressão “meio ambiente” aparecia apenas uma vez no programa de governo do então candidato Jair Bolsonaro). Bom… que representa um imenso retrocesso para a pauta ambiental e agrária no Brasil ele próprio deixou bastante nítido mais tarde, quando disse [aos ruralistas, é claro] – Esse governo é de vocês.

O cerco capitalista se expressa em diferentes formas e estágios: desde o “ciclo da grilagem”, que consiste em invasão de território, extração ilegal de madeira, queimadas para “limpar a terra”, introdução de monoculturas e pecuária; até o consequente uso de agrotóxicos que contaminam áreas vizinhas e fontes de água; e o despejo e expulsão das famílias agricultoras, comunidades tradicionais, quilombolas e povos originários para as periferias das cidades, onde passarão a compor a classe empobrecida da sociedade. Quem decide ficar e lutar por seus territórios e pela natureza, enfrenta ameaças e atentados contra a vida.
Os desenhos são de Paulo H. Lange.

A espreita capitalista sobre a Amazônia, sabemos bem, remete a tempos pré-Bolsonaro. Contudo, é da mesma forma óbvio o agravamento da situação hoje: ela é considerada – ela, a floresta – um imenso estoque de terras, amplo espaço disponível para a expansão do agronegócio que já consumiu quase que a totalidade de outros biomas do país (o cerrado, o pantanal, o pampa). E os números comprovam o efeito nefasto gerado pelas políticas do atual governo brasileiro: pela primeira vez na contagem histórica, que começou em 2002, foi verificado aumento de queimadas em todos os biomas no país – ao todo, a área devastada em 2019 foi 86% maior que no ano anterior. No caso do Pantanal, bioma mais atingido, o número é alarmante: a alta nas queimadas é de 573%. Os dados são do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o qual Bolsonaro – não por acaso – tenta insistentemente deslegitimar e controlar.

Ora, também não é acaso o atual governo denominar a Floresta Amazônica uma “região improdutiva e deserta”. É esse o olhar e a compreensão neoliberal sobre a natureza: um negócio a ser explorado, custe o que custar – inclusive vidas.

Nos links abaixo, continua o texto introdutório. Clique em cada um para seguir lendo:

2. As respostas de Bolsonaro às queimadas são em nome do mercado e dos grileiros do agronegócio
3. O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
4. Mas afinal, quem realmente está por trás desses crimes?

E, abaixo, leia as histórias de resistência dos povos da Amazônia ao cerco capitalista contra seus territórios, seus corpos, a floresta e os rios:

// O CERCO, DESENHADO EM UM MAPA
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Manoel Edivaldo Santos Matos, o Peixe, explica o cerco do capital à Amazônia a partir de um mapa da região do Tapajós. Não à toa o Plano Diretor de Santarém, cidade que fica à beira do encontro dos Rio Tapajós e Amazonas, dos mais importantes canais d’água da Amazônia, foi alterado sob medida para a expansão do capital na região – e a mudança se deu ao apagar das luzes de 2018, na última sessão legislativa do ano.

// UM PORTO ENTALADO NA BOCA DO RIO
Projetos de construção de portos no Rio Maicá colocam em risco o modo de vida de 12 comunidades quilombolas, além de povos originários e comunidades pesqueiras. Um dos projetos, que estava mais avançado, teve o processo de licenciamento suspenso na Justiça e a empresa deverá realizar uma consulta prévia, livre e informada junto às comunidades impactadas, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

// ANTES DO PORTO CHEGAR (SE CHEGAR), CHEGARAM JÁ OS IMPACTOS
É assim em todos megaempreendimentos e não está sendo diferente no Maicá: mesmo antes de um projeto se concretizar, seus danos às comunidades locais já podem ser sentidos – desde questões imateriais, como a insegurança por nada se saber do futuro (se as famílias serão removidas ou não, e para onde, ou a tristeza de ver ameaçados seus territórios e modos de vida); até questões bem concretas, como a ameaça de vizinhos e a grilagem de terras.

// POSTO DE SAÚDE E ESCOLA QUILOMBOLA: A LUTA MUDA A VIDA
O processo de titulação da comunidade do Tiningu, após longa demora, está quase pronto: em outubro de 2019, o Incra reconheceu a demarcação da área e, agora, falta apenas a assinatura presidencial – o que, em meio a discursos de ódio e corte de recurso para a pauta quilombola, não é “apenas”. Mas a comunidade do Tiningu tem quase 200 anos, e sabe ter calma.

// CURUAÚNA: DE UM LADO, A SOJA. DO OUTRO, A SOJA TAMBÉM
Nos arredores de Santarém, os campos de soja se estendem até o horizonte se perder de vista. Escolas são cercadas pelas plantações, nas quais há alto uso de agrotóxicos sem que se respeite o horário das aulas; a prática do “puxadinho” alonga os campos de soja pouco a pouco, todo ano, por meio de queimadas na beira dos terrenos; comunidades e culturas inteiras vão sumindo, pois as famílias, cansadas, abandonam suas casas e vidas, indo morar na periferia das cidades. Não há mesmo convivência possível com o avanço destrutivo do capitalismo.

// O ROSTO ESTAMPADO NA CAMISETA
Os assassinatos de Maria do Espírito Santo e Zé Cláudio, defensora e defensor dos direitos dos povos, e o caminho cruzado com Maria Ivete, ex-presidenta do STTR-STM. Ela conviveu por dez anos com escolta policial, parte do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos do governo federal.

// A NOITE DAS MOTOS
Em Alenquer, município vizinho a Santarém, dois pistoleiros montaram uma emboscada para assassinar José Marques. Ele é um dos líderes de uma comunidade de pequenas e pequenos agricultores da região, e o local está em disputa após grilagem de terras com o uso de sobreposição de áreas no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Sem qualquer vistoria dos órgãos públicos, as 86 famílias que viviam e trabalhavam ali há cerca de 13 anos foram despejadas pela Justiça, em conluio com os interesses privados dos grileiros.

// SE ORGANIZAR, TODO MUNDO LUTA
O enfrentamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer contra o avanço do agronegócio: as lideranças sofrem constantes ameaças mas, ainda assim, com muita organização e luta – estradas fechadas, pressão a prefeitos, cerco a locais de votação -, direitos são garantidos.

O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza

Foi o Acre o primeiro estado brasileiro a implementar políticas de financeirização da natureza. O que significa isso? Significa que o estado foi uma espécie de laboratório para medidas que transformam a natureza – as árvores, os rios e a terra, tudo isso que não podemos (ou não deveríamos) valorar – em algo quantificável, transformado em produto e, para além disso, em ativos em bolsas de valores que servirão como moeda de troca e de valorização de alguma empresa depois. Daí decorre um mar de problemas:

Essa é a parte 3 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos voltando à página central ou pelos links abaixo:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: [você está aqui] O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Veja também: O cerco explicado em um mapa

Primeiro, a privatização das terras: as empresas precisam ter áreas para a “captura de carbono”; ou seja, áreas verdes para “compensar” a poluição que geram no mundo. Assim, grandes indústrias poluidoras, como as petroleiras, as mineradoras e as empresas da aviação poderiam seguir suas atividades normalmente, com o mesmo ou até com maiores níveis de poluição, contanto que tivessem, em alguma parte do mundo, sua “fazenda de captura de carbono”.

Leia aqui a publicação “10 alertas sobre REDD para as comunidades”, preparada pela WRM (Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais, na sigla em português).

Aí outro problema: a própria “compensação” é, em si, uma violação de direitos. Para seguir poluindo, as empresas se adonam de um território que não é seu, em negociatas que ou não envolvem as comunidades ou são baseadas em mentiras, com promessas de compensações financeiras jamais concretizadas. Os povos originários, as comunidades tradicionais e as trabalhadoras e trabalhadores rurais, que historicamente viviam e se sustentavam da floresta, em equilíbrio, veem-se proibidos de manejar a mata a seu modo, com seus jeitos e culturas. Lhes é roubado o território e, com isso, suas existências são postas em risco: as famílias acabam sendo empurradas para as periferias das cidades, tornando-se parte da camada empobrecida da população. A riqueza fica atrás, na terra que não mais as pertence. Ora, resta-nos a dúvida: quem compensa a “compensação”?

Assim que a situação vai se complexificando: para “compensar” a poluição que emitem, as empresas violam direitos e proíbem os modos de vida tradicionais, em especial no Sul Global, e lucram também com isso ao transformar esses territórios em ativos financeiros; em resumo, quanto mais direitos violarem, mais poderão poluir e expandir seus ganhos: é lucro para poluir e para destruir e lucro pra “compensar” depois.

Veja abaixo, com mais detalhes, o “ganha-ganha” das empresas por trás das queimadas da Amazônia, em material produzido pela Amigos da Terra Brasil junto à regional do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) no Acre:

– Como o agronegócio e o mercado financeiro lucram com a devastação da maior floresta tropical do mundo

– Quanto valem a preservação e as falsas soluções do capitalismo “verde”, e quem compensa as compensações?

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Leia também a parte 2 da introdução:
Quem é favorecido pelas respostas de Bolsonaro às queimadas?

Ou avance para a parte final da introdução:
Parte 4: Afinal, quem está por trás desses crimes?

Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Ora, e muito falamos sobre o Mercado, as Empresas, a Indústria, Os Ruralistas. Porém, essas entidades transcendentais têm nomes, fazem parte do nosso mundo, podemos e devemos citá-las para que carreguem suas culpas: as gigantes da indústria da carne, do agronegócio e seus financiadores do mercado financeiro são as maiores incentivadoras dos ataques aos povos da Amazônia – e, óbvio, quem mais lucra com isso.

Publicação do Grupo Carta de Belém e do Grain, especial para a COP-25 que ocorreu em dezembro de 2019 no Chile e na Espanha, nomeia algumas das grandes corporações por trás das queimadas na Amazônia. Aqui o texto completo

Embora o atual governo tente culpabilizar as camadas empobrecidas da sociedade pela devastação da biodiversidade, na Amazônia e no Brasil, uma interessante reportagem do The Intercept Brasil mostrou que, por trás de queimadas e desmatamento, estão figuras poderosas: “Dados públicos do Ibama, o órgão do governo federal responsável pela preservação do meio ambiente, compilados e analisados pelo De Olho nos Ruralistas, mostram que os 25 maiores desmatadores da história recente do país são grandes empresas, estrangeiros, políticos, uma empresa ligada a um banqueiro, frequentadores de colunas sociais no Sudeste e três exploradores de trabalho escravo”.

Essa é a parte 4 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: [você está aqui] Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E também veja: O cerco explicado em um mapa

É em meio a isso tudo – à grilagem, às queimadas, à soja e seus agrotóxicos, aos portos que impedem a pesca, aos megaprojetos que destroem modos de vida – que resistem as comunidades, ainda que sofrendo pressões extremas e ameaças à vida. Também essas Comunidades e Povos são transformadas em entidades abstratas, contudo ali estão pessoas: gente simples, de hábitos comuns, gosto pelo futebol, almoço em família, banho no rio, descanso na rede. Pequenas e pequenos agricultores, pescadoras e pescadores, extrativistas das reservas legais, comunidades quilombolas e povos indígenas que queriam, caso fosse opção, apenas seguir suas vidas no local ao qual pertencem e manter a floresta com a qual convivem e da qual dependem em pé.

Outro mundo não é possível, só há esse. Por isso a luta
Não há convivência possível com a infinita gana destrutiva da expansão capitalista: seu veneno escorre pelos arredores, os lagos poluem e secam, a terra é contaminada, as pessoas são expulsas de seus territórios, atacadas, covardemente assassinadas. O discurso de ódio de Bolsonaro e as políticas de desmonte da área ambiental e agrária, em defesa dos interesses do agronegócio e das indústrias extrativistas estrangeiras, materializam-se em violência: por exemplo, os assassinatos de indígenas cresceram 22,7% em 2018.

Contra isso, resta a luta: cotidiana, trabalho de formiga, aos poucos – tão difícil e brutal quanto necessária e recompensadora. É o que mostram as histórias que ouvimos na recente visita à região do Tapajós, no Pará. Elas evidenciam o cerco do capital à Amazônia, com a grilagem de terras, o avanço dos megaprojetos sobre comunidades inteiras, o ataque à floresta e aos rios e as ameaças e ataques a quem se opõe a isso, erguendo-se em defesa dos modos de vida tradicionais e dos direitos dos povos. Não à toa essa gente recebe a alcunha de Guardiãs e Guardiões da Floresta: não teríamos pensado em nome mais justo.

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Leia também as partes 2 e 3 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza

E também veja: O cerco explicado em um mapa

 

O cerco explicado em um mapa

No vídeo abaixo, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Manoel Edivaldo Santos Matos, o Peixe, explica, a partir de um mapa da região do Tapajós, o cerco do capital à Amazônia:

Santarém: um Plano Diretor sob medida para a expansão do capital na Amazônia
Na última sessão legislativa de 2018, ignorando por completo toda a participação popular que havia acontecido até ali, os vereadores de Santarém – sem vergonha alguma – aprovaram a Lei nº 20534, que institui um novo Plano Diretor para a cidade: um plano feito sob medida para sojeiros, ruralistas em geral, grileiros, investidores de megaprojetos, garimpeiros e para a indústria do turismo.

Essa é a primeira história da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) [você está aqui] O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio

De um lado, ampliou-se a área portuária, convenientemente envolvendo toda região do Lago Maicá, onde há planos para a construção de cinco portos privados voltados ao escoamento da soja. De outro, cresceu a zona urbana, o que permite a construção de prédios e empreendimentos turísticos à beira do Rio Tapajós. Isso envolve toda a área em direção a Alter do Chão, considerada uma das praias mais bonitas do Brasil e que foi foco das queimadas em 2019. Ora, nada é por acaso, e o ciclo se repete: queimadas, grilagem, venda ilegal da terra – seja para a expansão do agronegócio, seja para a venda de lotes para indivíduos ou para empreendimentos turísticos. De toda forma, significa violência contra os povos e comunidades locais e a derrubada da floresta.

Fecha-se o cerco: madeireiros ilegais; grilagem; soja; agrotóxicos; pecuária; portos; mineração; ferrovias; contaminação do solo e das águas; especulação imobiliária; expulsão de famílias quilombolas, indígenas e de pequenas e pequenos agricultores para as periferias da cidade; ameaças e ataques a quem resiste. Repetimos: não há convivência possível com o ciclo de morte do capital.

Agronegócio e empreendimentos para escoar a produção avançam sobre comunidades tradicionais gerando conflitos diretos e indiretos. Fotos: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Ou avance para a próxima história:
Um porto entalado na boca do rio

 

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