Quem disse que não existe almoço grátis?

Todos os dias, quem passa pela Avenida da Azenha às onze horas da manhã, na altura do número 608, vê uma fila se formar rapidamente. É neste horário que começam a chegar pessoas em situação de rua, aposentados, trabalhadores informais, entregadores, ambulantes, famílias com crianças em situação de vulnerabilidade para pegar suas marmitas, que começam a ser servidas ao meio-dia pela Cozinha Solidária da Azenha. A atividade tem duração de uma hora.

A iniciativa começou na pandemia por iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que luta por moradia digna. Além da localizada na capital gaúcha, existem mais de 30 cozinhas espalhadas pelo Brasil.
Em média, são servidas 250 marmitas por dia. Os insumos vêm de doações de outros movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Ação pela Cidadania e do próprio MTST em âmbito nacional.
Para conseguir manter sua autonomia financeira, o movimento aposta tanto na organização de saraus culturais com venda de pratos quentes, chamado Tempero de Luta, como em campanhas permanentes de arrecadação por meio de contribuições espontâneas.
Isaura Aparecida é uma das voluntárias que faz as refeições servidas de segundas a sextas ISABELLE RIEGER/ESPECIAL/JC
As marmitas são distribuídas nos fundos, no pátio da casa, que conta com um espaço com telhado para proteger de situações adversas de clima. Na hora da distribuição do almoço, a preferência é das mulheres, crianças e pessoas com deficiência. Depois de servidas, é a vez dos homens.

Caso algum representante dos dois primeiros grupos chegue no meio da distribuição, eles têm prioridade imediata. Repetir o prato, ou o apelidado de “repique”, também é permitido, próximo ao fechamento dos portões. Às vezes, há frutas para sobremesa.

No meio da atividade, um representante do movimento grita os avisos gerais do espaço, como necessidade maior de organização do ou atenção para o lixo espalhado no chão. Quando a reportagem esteve no local, quem fez os alertas foi o coordenador da Cozinha Solidária, Fernando Campos Costa.

Ele também explicou sobre a campanha do movimento pela redução do uso de plástico. As marmitas, que eram servidas em recipientes descartáveis de isopor, agora podem estar em potes.

A medida, de acordo com Costa, reduz o impacto ambiental e diminui os gastos com as compras dos recipientes. A Cozinha Solidária, assim, recebe doações de potes, talheres, canecas e copos para seguir com a campanha.

Ao final do almoço, as atividades do dia são encerradas. Os potes descartáveis são jogados nos lixos da Cozinha e se iniciam as despedidas. Muitas pessoas se tornam frequentadores do espaço e compartilham experiências e angústias no espaço sentadas nas cadeiras do pátio.

Sentado em um banco de madeira, o João Ferreira Trindade, 79 anos, conta como chegou no local. Movido por curiosidade, desceu da linha 398 no ponto de ônibus da Avenida Azenha e foi descobrir o que era a casa com a fachada vermelha na avenida. Agora, almoça diariamente há duas semanas por causa da iniciativa do MTST.

Já o venezuelano Juan Pablo Ortiz, 35 anos, retira sua marmita na Cozinha há um mês. Ele mora em um albergue no Centro da cidade, mas está desempregado.

Ortiz já esteve em situação de rua. Por meio de conhecidos que já frequentavam o espaço, descobriu a iniciativa da cozinha, que alivia as circunstâncias de vulnerabilidade pelas quais passa.

“Se não tem trabalho, não tem como ter subsistência. Pelo menos existem lugares para comer como a Cozinha Solidária”, afirma.

São servidas 250 marmitas por dia e, para continuar o trabalho, o Movimento dos Trabalhadores sem Teto precisa de doações que ajudem nos gastos | ISABELLE RIEGER/ESPECIAL JC

Cozinha Solidária já teve outros dois endereços

A Cozinha Solidária está agora na Avenida da Azenha, 608
/ISABELLE RIEGER/ESPECIAL/JC
A casa em que a Cozinha Solidária está situada é o seu terceiro endereço. Em 26 de setembro de 2021, o MTST ocupou um terreno abandonado para iniciar o projeto, também na Avenida da Azenha. O despejo veio 18 dias depois e levou o projeto para o térreo de um prédio na Rua Marcílio Dias, a duas quadras do atual endereço.
Lá, a distribuição de marmitas acontecia na Praça Princesa Isabel, que também comporta um ponto de táxis e feiras de artesanato durante a semana, além de estar suscetível à ação de vento e chuva. Houve reclamações, inclusive, da segurança do local, aponta Costa.
Para seguir com o projeto e garantir a integridade física de todos os participantes, o espaço de número 608 na Azenha foi alugado. Embora não seja ideal por conta dos gastos a mais que a locação acarreta, reconhece Costa, o local permite atividades maiores do que as que estavam sendo feitas na rua.

 

Animações explicam o que é economia feminista e princípios da sua construção na agenda de movimentos sociais

Está chegando o dia #8M, data que marca globalmente as jornadas de luta do feminismo popular,  construído diariamente nos territórios. De forma propositiva, a @capiremov, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Amigos da Terra Internacional produziram duas animações que abordam a economia feminista, expondo também os princípios para a construção desta na agenda dos movimentos sociais e na construção de uma mudança de sistema. De forma criativa e lúdica, os vídeos se propõe a explicar o conceito e introduzir alguns princípios feministas, sendo recomendados para o uso de movimentos sociais em suas atividades de formação.

O que é a economia feminista?

 A Economia feminista é uma estratégia política para transformar a sociedade e as relações entre pessoas e pessoas e a natureza. Passa por reconhecer e reorganizar o trabalho doméstico e do cuidado, que dentro do patriarcado recaem com força sobre as mulheres. É, ainda, uma resposta à atual crise econômica, ambiental e social. 

As mulheres são sujeitos econômicos e protagonistas na luta contra o modelo econômico dominante. A economia feminista aponta o trabalho que sustenta a vida e a produção econômica, evidenciando todas as pessoas que o fazem – sendo a maioria delas mulheres, pessoas negras e imigrantes.

 É uma economia que se propõe ainda a reorganizar as relações de trabalho, de gênero e raciais na nossa sociedade, fazendo com que o trabalho de cuidado se torne uma responsabilidade compartilhada entre todas as pessoas e o Estado. Ponto que passa tanto por discussões de políticas públicas, retomada de espaços comuns, frear as privatizações e a atransformação de bens comuns como a água e a energia em mercadorias, revogações de medidas de retirada de direitos de pessoas trabalhadoras, mais direitos, qualidade de vida, educação e saúde públicos gratuitos e de qualidade para todas as pessoas. 

Na economia feminista, a sustentabilidade da vida está no centro. Isto significa priorizar as necessidades dos povos e dos territórios ao invés do lucro. Os cuidados são uma necessidade humana fundamental. Todas as pessoas são vulneráveis e interdependentes. Todo mundo precisa de cuidados ao longo da vida, independente da idade ou do estado de saúde.  E para além disso, os trabalhos conectados a essa esfera são de baixa intensidade ecológica, não exigindo extração de recursos da natureza em larga escala e podendo se aliar a uma transição energética, climática e ecológica realmente justa. 

Economia feminista, sociedade sustentável e sociedade do cuidado 

Para transformar nosso atual modelo econômico, precisamos fazer da solidariedade e da reciprocidade uma prática nas nossas vidas, nos nossos movimentos e nos nossos esforços políticos cotidianos. A economia feminista nos lembra que a biodiversidade é fruto da relação com as povos tradicionais e seus modos de vida. Devemos respeitar o ciclo de regeneração da natureza e repensar nossa relação com a alimentação, valorizando práticas agrícolas e culinárias locais e garantindo que as comunidades tenham meios de cultivar alimentos em seus próprios territórios. A economia feminista propõe uma alternativa de sociedade construída a partir da centralidade da sustentabilidade da vida, da interdependência e ecodependência.

Uma sociedade sustentável precisa ser uma sociedade do cuidado, mas um cuidado fora das amarras do capital. Assinalar a importância do trabalho de cuidado, que sustenta a vida de todas, todes e todos é um passo para a valorização deste e para a construção de outras formas de se relacionar.

A economia feminista apresenta ainda atividades compatíveis com a redução da exploração de recursos, o que aponta uma saída para um crescimento econômico clássico, pautado pelo acúmulo infinito de capital em um planeta finito. Processo que se dá por meio da superexploração do trabalho e da natureza, do ecocídio, da criação de zonas de sacrifício, do racismo ambiental e da extinção.

O modelo capitalista divide a nossa sociedade entre as esferas de produção e reprodução da vida, isso faz com que pareça que pareçam coisas independentes. O trabalho que tem relação com o dinheiro é considerado produtivo e a sociedade o valoriza. Já o trabalho doméstico e de cuidados é considerado reprodutivo. E apesar de ser fundamental para sustentar a vida, é invisível para a sociedade e não é considerado parte da economia. A economia tradicional se constrói dentro desse modelo, privilegiando as experiências dos homens e negando as das mulheres. A Economia feminista torna visíveis todos os trabalhos que sustentam a vida, sendo o trabalho reprodutivo fundamental para que o próprio trabalho produtivo aconteça. Não há separação.

A economia dentro da economia feminista, portanto, é o modo como garantimos a vida. Sem cuidados e sem alimentos, por exemplo, não há economia  e nem  vida possível. Por isso a economia feminista reconhece e valoriza os trabalhos de cuidado como parte da economia. E vai mais além: reorganizando esse trabalho pra que seja de todas pessoas, coletivo, e para que hajam políticas públicas a respeito.

O capitalismo se desenvolveu às custas da exploração da natureza e do tempo das pessoas. Tudo em função do mercado. Na África, Ásia e na América Latina as pessoas foram expulsas de suas terras para dar lugar a monocultivos de alimentos e agrocombustíveis para a exportação. Empresas minerárias contaminam as águas, seguem destruindo a diversidade da natureza e colocam em risco a vida de quem vive em territórios próximos. Não é casualidade que nessas áreas de disputa apareçam conflitos armados e as mulheres enfrentem muita violência.

Nas cidades, grandes empresas construtoras se beneficiam com a especulação imobiliária. Para isso, desalojam pessoas de seus lares e comunidades para construir grandes projetos que afetam sobretudo as populações periféricas, migrantes, negras e indígenas. E quem segura as pontas nas comunidades, garantindo que todo mundo tenha habitação, comida e cuidado, são as mulheres.

Para manter as taxas de lucro das grandes empresas, a exigência é de mais trabalho, com menos direitos e mais vigilância. Na lógica da ganancia transformam os bens comuns em mercadorias e superexploram o trabalho das pessoas. Quando menos esperamos, o que era público vira propriedade privada, o que era de acesso comum passa a ser só para quem pode pagar.

Mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas com o trabalho em casa e fora de casa, da reprodução e produção da vida. E com um olhar para a ecomomia feminista, a partir do cotidiano de quem cuida da vida, é evidente que os tempos e as lógicas de vida, da natureza, são incompatíveis com os ritmos do capital.

Além de ser muito  invisibilizado, muitas vezes o trabalho de cuidado é não renumerado ou mal renumerado, trazendo ainda mais violências para o cotidiano de quem historicamente assume essa responsabilidade. Situações como a da pandemia de covid-19 escancaram o quão imprescindível é uma economia que tenha o cuidado em primeiro plano, pautando um modo de vida solidário, com o fortalecimento dos espaços comuns, de escolas, creches, lavanderias, hortas e cozinhas comunitárias.

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 01”:

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 02”:

Fonte: Capire 

 Leia também a nossa última coluna no Jornal Brasil de Fato, que também aborda o tema.

 

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