Amazônia, COP 30 e solidariedade entre os povos: balanço da Amigas da Terra Brasil sobre Diálogos Amazônicos e Cúpula da Amazônia

 

“Agora, rumo à COP 30, que é também de véspera de eleições no Brasil, temos dois anos para fazer mais e melhor, para de fato colocar a Amazônia e seus povos no centro de uma luta comum a todos os povos da Terra por justiça climática e contra todas as formas de opressão” –  Lúcia Ortiz, da ATBrasil.

A coordenadora da Amigas da Terra Brasil, Lúcia Ortiz, esteve presente nesta semana em Belém do Pará participando do Diálogos Amazônicos, atividade que antecedeu o encontro de chefes de Estado na Cúpula da Amazônia. Neste vídeo de balanço divulgado neste post, Lúcia nos conta que foi um grande encontro dos povos amazônicos, que “de fato preservam o bioma e constroem, todo dia, economias que sustentam a vida”. 

 

 

Populações, organizações e movimentos sociais denunciaram violências e violações cometidas pelo agronegócio, mineradoras e grandes empresas exportadoras contra os direitos dos povos, como o ataque ao Povo Indígena Tembé, que ocorreu durante o encontro.
🔗 Confira a nota de solidariedade da Amigas da Terra Brasil em: bit.ly/3QFBLYK 


Em plenárias, que contaram com a participação popular e representações de governos, ficaram expostas algumas contradições, entre elas em relação à sociobioeconomia da Amazônia. “Não pode ser extrativa e nem associada à lógica de compensação, seja dos mercados de carbono, de créditos para quem polui, seja de troca de dívida, de venda e privatização de áreas para conservação a fim de alcançar as metas de proteção da Amazônia e do desmatamento zero”, argumenta Lúcia. Esse posicionamento defendido pela Amigas da Terra Brasil é compactuado por povos indígenas, comunidades e trabalhadores rurais da Amazônia e organizações sociais que se encontraram recentemente em junho, no Acre. Aprovaram uma declaração, mandando um forte recado para a cúpula de presidentes dos países amazônicos que ocorreu nesta semana no Pará. Relembre a carta AQUI

Os tempos e métodos dos debates careceram de mais escuta, inclusão e compromisso para que os participantes do Diálogos Amazônicos pudessem incidir, de fato, na Declaração de Belém, assinada pelos governos do Brasil e dos outros sete países integrantes da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica). Tanto é que na terça-feira, 8 de agosto, quando iniciava a Cúpula da Amazônia, movimentos e organizações sociais entregaram uma carta que haviam aprovado no dia anterior, durante a Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia. O documento reivindica prioridade na titulação de todas as terras indígenas e quilombolas, assim como ações para recuperação do bioma amazônico e que sejam cumpridas todas as demandas para evitar um ponto de não retorno (momento em que o bioma não tem mais condições de se recuperar dos impactos causados).

O Diálogos Amazônicos também foi um momento de avanços nas propostas de transição ecológica e energética justa, popular e inclusiva, e de convergência e construção de unidade entre as organizações e movimentos sociais para a COP 30, Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (Organização das Nações Unidas) que será sediada no Brasil em 2025. 

“Agora, rumo à COP 30, que é também véspera de eleições no Brasil, temos dois anos para fazer mais e melhor, para de fato colocar a Amazônia e seus povos no centro de uma luta comum a todos os povos da Terra por justiça climática e contra todas as formas de opressão. Essa caminhada, essa jornada popular de convergências, de formação política e de organização, a partir dos territórios da Amazônia e de todos os biomas brasileiros, para o Brasil, a América Latina e o Caribe, já começou”, avalia Lúcia.   

 


Acesse a cobertura da ATBrasil sobre o Diálogos Amazônicos e a Cúpula da Amazônia:


Amigas da Terra Brasil na Cúpula da Amazônia: Programação
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/03/confira-a-participacao-da-amigas-da-terra-brasil-na-cupula-da-amazonia/

Amigas da Terra Brasil acompanha povos amazônicos e debates sobre transição justa na Cúpula da Amazônia
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/07/amigas-da-terra-brasil-acompanha-povos-amazonicos-e-debates-sobre-transicao-justa-na-cupula-da-amazonia/

Assembleia dos Povos da Terra Pela Amazônia: movimentos sociais lançam carta com demandas para chefes de estado
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/08/assembleia-dos-povos-da-terra-pela-amazonia-movimentos-sociais-lancam-carta-com-demandas-para-chefes-de-estado/

Nota de solidariedade ao povo indígena Tembé
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/08/09/nota-de-solidariedade-ao-povo-indigena-tembe/ 

Depoimento de Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças ao Povo Tembé, cobrando que o Estado assuma a sua responsabilidade na proteção dos povos indígenas e dos territórios

 

Veja mais sobre o assunto nos links abaixo:

 

Encontro no Acre debate impactos dos projetos REDD , de mercados de carbono e de soluções baseadas na natureza
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/06/14/encontro-no-acre-debate-impactos-dos-projetos-redd-de-mercados-de-carbono-e-de-solucoes-baseadas-na-natureza/

Coluna no jornal Brasil de Fato >> Emergência climática e democracia: um problema estrutural
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/07/06/emergencia-climatica-e-democracia-um-problema-estrutural/

Coluna no jornal Brasil de Fato >> As políticas ambientais e climáticas no Brasil
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/06/23/as-politicas-ambientais-e-climaticas-no-brasil/

As políticas ambientais e climáticas no Brasil

Uma das promessas de campanha de Lula foi a preservação do ambiente natural. Ainda antes da posse, durante a COP27 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), no Egito, afirmou compromissos com o combate ao desmatamento, aos crimes ambientais, à desigualdade social e à violência na Amazônia. Ao se diferenciar dos anos de negacionismo climático do Governo Bolsonaro, afirmou: “Essa devastação ficará no passado. Os crimes ambientais que cresceram no governo passado estão chegando ao fim. Serão agora combatidos sem trégua”.

Cumprindo com sua promessa, no dia 1º de janeiro assinou o decreto 11373/2023, que extinguiu o Núcleo de Conciliação das multas ambientais. O núcleo havia sido criado por Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, por meio do decreto 9.760/2019, que suspendia a cobrança das multas até que fosse realizada audiência de conciliação. Contudo, quase não se estruturou o órgão, levando a uma fila de conciliações que resultaram, na prática, na anistia de multas ambientais no governo Bolsonaro.

Ainda nos primeiros meses de governo, a ministra Marina Silva retomou o Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). O plano havia sido uma das prioridades apontadas pelo Grupo de Trabalho da Transição do governo Lula. Sua aplicação vem sendo conduzida por meio de processos de abertura à participação da sociedade civil, de consultas públicas e de um Conselho Participativo. As metas previstas são bem concretas, com medidas a serem adotadas até os anos de 2025-2027.

Como já temos destacado em colunas anteriores, a preservação ambiental caminha lado a lado com a garantia dos direitos territoriais e à terra, dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais. Por isso, atribui-se também ao bom resultado dos dados a força tarefa organizada pelo governo de combate ao garimpo ilegal dentro dos territórios indígenas, em especial à questão da invasão do território Yanomami. As operações da Polícia Federal já destruíram 10 garimpos ilegais e aplicaram mais de R$ 4,5 milhões em multas.

A retomada da agenda progressista ambiental pelo governo, porém, sofre com alguns entraves, além dos problemas tão suscitados no orçamento. O primeiro deles é a composição conservadora do Congresso Nacional. Nas últimas semanas, assistimos a uma pressão exercida por Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, sobre o governo. As ameaças vieram com a necessidade do governo de aprovação da Medida Provisória dos Ministérios (MP 1154/23), enfrentada pela proposta de modificações ao texto apresentadas pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL). As alterações do deputado incidiram diretamente sobre o Ministério do Meio Ambiente e Clima (MMA) e sobre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Diante das pressões, o governo cedeu às proposições, apresentando parecer favorável à proposta.

As modificações aprovadas incidem sobre a agenda socioambiental. Isso porque retiram do MPI a competência para a demarcação das terras indígenas, retornando à política anterior dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A medida afeta a autonomia dos povos indígenas; contudo, segundo a ministra Sônia Guajajara, há o entendimento que o governo seguirá mantendo o compromisso com a continuidade do processo demarcatório.

Mas já prevendo que outros mecanismos seriam necessários para barrar as pautas indígenas, a ala conservadora do Congresso partiu para a aprovação do PL 490/2007 na Câmara. O PL trata da tese do marco temporal, defendida por ruralistas; determina que os indígenas só terão direito às suas terras se estivessem na posse das mesmas na data de 5 de outubro de 1988, dia promulgação da Constituição. O texto ignora completamente a expulsão violenta dos territórios a que os povos indígenas foram submetidos historicamente e, também, antes e depois de 1988.  Além disso, libera mineração e exploração econômica em terras indígenas e, na prática, viola o direito dos Povos Indígenas à Consulta Livre Prévia, Informada e de Boa Fé garantida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Dentre as mudanças aprovadas, impactos na política de proteção ambiental são sentidos. O MMA perde a competência para controlar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que irá para o Ministério da Gestão. O CAR é o registro obrigatório para imóveis rurais e um dos instrumentos utilizados para mapear áreas griladas e desmatadas, além de oferecer um diagnóstico das disputas por terras a partir das inúmeras sobreposições de informações prestadas por grileiros de terra para tentar legitimar sua posse. Ainda, a gestão da Agência Nacional de Águas (ANA) vai para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, e os sistemas de informação sobre saneamento básico e gestão de resíduos sólidos, para o Ministério das Cidades. A manobra é idêntica à utilizada pelo Governo Bolsonaro para esvaziar as competências fiscalizatórias do MMA e fortalecer, política e economicamente, outros ministérios com áreas com orçamento relevante. Preocupa, ainda, o fato de que temas que estão sendo alvo de processos de privatização, como o saneamento básico, e de um modo geral, as águas, fiquem sob ministérios de indicação da direita.

Na agenda ambiental, vale destacar ainda a queda de braço entre Marina Silva e o governo pela exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas pela Petrobras. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) negou o pedido com base no risco à biodiversidade, tendo em vista que a área é composta por manguezais e mamíferos aquáticos. No entanto, o Ministério de Minas e Energia e parlamentares da base do governo, ignorando o compromisso com a consulta e participação social dos povos amazônidas diretamente atingidos pelo megaprojeto de exploração petrolífera, reivindicam um melhor equilíbrio entre a produção de petróleo e a preservação da biodiversidade.

Também na Amazônia, povos têm se reunido para denunciar a continuidade dos impactos dos projetos e programas de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que visam compensar as emissões de gases do efeito estufa, utilizando-se de áreas preservadas, compondo o mercado de carbono e as chamadas “soluções baseadas na natureza”. Esses projetos e políticas, mais recentemente reapresentados como uma estratégia de “bioeconomia”, com a simpatia da base do Governo Federal, além de falsas soluções à crise climática representam, na prática, a emissão de créditos de poluição – da queima de petróleo, do desmatamento e contaminação do agronegócio e da mineração -, enquanto restringem o uso da terra pelos povos que de fato preservam a floresta, seguindo o modelo de “desenvolvimento” baseado na compensação dos danos ambientais sob o viés do mercado.

No Acre, têm sido registradas violações de direitos dos povos pelas políticas de financeirização da natureza há mais de uma década. Assim mesmo, projetos privados e políticas jurisdicionais seguem avançando na Amazônia em geral, em especial nos estados do ParáTocantins e Mato Grosso. Tanto o caso da exploração de petróleo como as soluções da economia verde turvam o campo progressista do governo, reproduzindo um pensamento social que entende a superação das mazelas da realidade brasileira investindo no avanço das forças produtivas sem aprender com e integrar, de fato, a economia dos povos da floresta, respeitando seus direitos, como estratégias para inserção do país no mercado internacional.

Para esse discurso, a Natureza e suas gentes são passíveis de serem compensados numa redistribuição econômica dos lucros dos projetos. Contudo, a questão é muito mais complexa; em geral, as injustiças ambientais permanecem afetando as populações menos responsáveis pela crise climática, cada vez mais presente e emergente. Como os exemplos sugerem, a solução vai muito além de um problema de clima e carbono, pois é sobretudo um problema de modelo de produção, o capitalismo, e as relações sociais que dele decorrem, para as quais os povos originários já apresentam soluções reais e, por isso, seguem sendo atacados.

Assim, a corda do governo, nas questões socioambientais, está esticada entre sua própria base, entre os desafios de uma governabilidade em uma composição de frente ampla e na presença majoritária de conservadores no Congresso Nacional. A bancada ruralista e os conservadores parecem querer seguir consolidando retrocessos socioambientais do governo Bolsonaro, negociando agendas com o governo. Os conservadores no governo pretendem seguir com suas fatias de benefícios às elites brasileiras. E os nossos, parecem ignorar a reprodução da dependência, numa corrida pela repetição do desempenho econômico do primeiro ano do governo Lula.

Porém, depois de tanto aprendizado, nessa nova fase do jogo político, é o povo quem sustentou e segue sustentando a democracia, a mudança dos ares no Brasil, a reconstrução do país, os discursos e narrativas que incluem e valorizam todos os povos e que precisam se concretizar, na prática, também nas políticas por justiça ambiental e climática do governo Lula.

Em meio a todas as disputas, os povos organizados encontram sabedoria para explorar as conjunturas e correlações de forças e seguir na defesa da democracia e na luta por seus direitos. Inclusive nos espaços internacionais que terão a Amazônia como centro, como a reunião dos Presidentes dos países Amazônicos em Agosto deste ano e a COP 30 do Clima em 2025, em Belém do Pará.

Texto publicado originalmente no Jornal Brasil de Fato, no link: https://www.brasildefato.com.br/2023/06/22/as-politicas-ambientais-e-climaticas-no-brasil 

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