Chega de veneno: por um Brasil livre de agrotóxicos

 

Na última semana, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n.º 1459/2022, o Pacote do Veneno, que altera a regulamentação de agrotóxicos no país, anteriormente a Lei n.º 7802/89. O projeto, de iniciativa do senador Blairo Maggi, conhecido como “novo rei da soja”, tinha o amplo apoio da bancada ruralista, que encontrou um caminho de articulação com a base do governo no Congresso. Durante a votação, no dia 28 de novembro, apenas a senadora Zenaide (PSD-RN), médica, manifestou contrariedade; entre os demais, o clima era de celebração. Agora, o projeto segue à Presidência da República para sanção, por isso precisamos entender porque é importante uma manifestação popular pelo veto integral.

O Brasil consome em média 720 mil toneladas de agrotóxicos, sendo um dos países do mundo que mais consome. Entre os anos de Governo Bolsonaro, a liberação de agrotóxicos atingiu níveis recordes, foram 2.182 agrotóxicos liberados. De forma que, entre 2020 e 2021, dobramos o uso de agrotóxicos no país. Entre os 10 produtos mais vendidos no país, cinco são proibidos na União Europeia. A maioria dos produtos não encontra dificuldades para liberação; não à toa, apenas por volta de 30 substâncias são proibidas de comercialização no país, enquanto que na União Europeia chegam a 269 tipos.

No atual governo, as coisas não têm sido diferentes. Até julho, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) já havia autorizado a liberação de 231 novos tipos de agrotóxicos no país, entre eles, produtos classificados como “altamente tóxicos” pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e “altamente perigosos” pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Tais aprovações se devem à vigência do Decreto n.º 10.833/2021, editado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e não revogado pelo atual governo, que permitiu a liberação de produtos com risco de causarem doenças como câncer, desde que se estabeleça um “limite seguro de exposição”. Como podemos identificar, o agronegócio não estava encontrando qualquer barreira para liberação de agrotóxicos no país que justificasse o problema apresentado para aprovação do projeto de lei, a saber a “burocratização na liberação de agrotóxicos”. Contudo, a ganância das corporações transnacionais, aliadas ao agrofacismo brasileiro, é que estão por detrás do uso de agrotóxicos.

As alterações legislativas favorecem o poder econômico, fortalecendo as bases do agrofacismo brasileiro. Isso porque as alterações legislativas precarizam a proteção dos direitos à saúde da população e ao meio ambiente, e a coexistência de outros modos de produção e relação com a terra. Muitos dos produtos liberados causam doenças, sendo já identificados como “altamente tóxicos” para saúde humana – cerca de 20% dos agrotóxicos liberados são considerados tóxicos para a saúde humana. É o caso do glifosato, liberado no Brasil sob restrições da Anvisa. Inclusive, recentemente, a Bayer foi condenada, nos EUA, a pagar indenizações pela contaminação de pessoas com o uso de glifosato. Essa substância é apontada como uma das responsáveis pelo aumento dos casos de câncer entre crianças no Brasil.

Os impactos do uso de agrotóxicos na saúde do povo brasileiro está mais do que comprovado cientificamente. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, “investigações comprovam que o uso de agrotóxicos são responsáveis diretos por cerca de 200 mil mortes” no país. Os dados do Datasus revelam um crescimento do número de intoxicações por agrotóxicos no país, embora ainda seja uma realidade a subnotificação por parte dos médicos da atenção primária. Se analisarmos as regiões com maior consumo de agrotóxicos, o Centro-Oeste e o Sul, encontraremos uma correlação com os casos de câncer na zona rural, ainda mais grave em determinadas culturas de uso intensivo de venenos, como o fumo. Contudo, a bancada ruralista de senadores está despreocupada com as consequências do que aprova.

Outro problema grave é a pulverização aérea por aeronaves e drones e até mesmo a pulverização terrestre. Os latifundiários, na aplicação dos agrotóxicos, não respeitam as barreiras fitossanitárias estabelecidas pelas normativas do MAPA e nem mesmo das secretarias dos estados. São frequentes os casos de pulverização sobre escolas, perímetro urbano, aldeias indígenas, assentamentos de reforma agrária, tratadas com descaso pelos órgãos fiscalizadores. Poucos estados e municípios têm legislações que proíbem a prática de pulverização aérea, e regulamentam adequadamente as barreiras para não contaminação. As distâncias hoje previstas não são suficientes, fazendo com que a agricultura familiar, orgânica, agroecológica seja constantemente contaminada. Assim, as pulverizações são altamente perigosas para a saúde humana e para a sociobiodiversidade.

Ainda mais absurdo é a proposta do Projeto de Lei n.º 442/2023 na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (RS), que quer declarar a aviação agrícola como de relevante interesse social, público e econômico. Nos últimos anos, a luta popular no estado fez avançar para que alguns municípios tivessem a proibição de deriva aérea e o estabelecimento de polígonos de exclusão de agrotóxicos. É o caso do município de Nova Santa Rita, um dos maiores produtores de arroz orgânico do país, em assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O projeto de lei do RS é uma reação conservadora do agronegócio frente à luta pela produção de alimentos saudáveis e viola os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das famílias agricultoras agroecológicas, dos povos indígenas e kilombolas e da população em geral, no campo e na cidade.

Nas questões ambientais, igualmente o alerta tem vindo de dados. Os apicultores denunciam a mortandade de abelhas em consequência do uso do Fipronil (agrotóxico que está em reavaliação). O próprio Ministério do Meio Ambiente admite que, nos últimos quatro ou cinco anos, morreram por volta de 500 milhões de abelhas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. As abelhas desempenham um importante papel na biodiversidade como polinizadoras, de modo que seu desaparecimento compromete nossa variabilidade genética. Além disso, o uso de agrotóxicos tem inviabilizado outros usos do solo via contaminação da terra e dos cursos de água.

Como se não bastasse todo o estrago, os agrotóxicos gozam de isenções fiscais. Sob o argumento de que contribuem para a produção de alimentos da cesta básica, são beneficiados com reduções e isenções fiscais. Hoje, os agrotóxicos têm 60% de redução do ICMS e isenção total do IPI, fazendo com que a conta não feche entre os custos do uso de agrotóxicos para o  Sistema Único de Saúde (SUS) e para a reparação ambiental, e a arrecadação inexistente. Os alimentos que vão para a nossa mesa vêm da agricultura familiar; o povo brasileiro não come soja e nem acessa os produtos exportados pelo agronegócio. Pelo contrário, é o uso de agrotóxicos que compromete a produção da agricultura familiar.

O cenário tende a se agravar ainda mais se o Brasil firmar o Acordo UE-Mercosul, que contribui para reforçar nosso papel na economia mundial como exportador de commodities, fortalecendo o agronegócio. Por meio do acordo, iremos nos aprofundar como uma lixeira química, recebendo produtos banidos em outros países e, até mesmo, como prevê o Pacote do Veneno, exportando produtos sem registro.

Não é possível coexistir com o agrofacismo

Na cerimônia dos 20 anos do Programa Bolsa Família, o presidente Lula disse: “É preciso combater o uso de pesticidas porque os que plantam com veneno não comem o que plantaram”. É exatamente por isso, senhor presidente, que questionamos: por que flexibilizar a já bastante flexível liberação de agrotóxicos, quando os dados dos impactos à saúde, ao meio ambiente e à produção de alimentos evidenciam como ele é um veneno? Com as mudanças legislativas propostas no Pacote do Veneno, caminhamos para um retrocesso de 20 anos na construção de um país com soberania alimentar. Não há política de combate à fome quando se planta veneno.

Precisamos avançar no discurso e nas ações práticas para reconhecer que os danos socioambientais e as políticas de isenção fiscal estão contribuindo para a morte. Do outro lado da propaganda do agronegócio, estão famílias com pessoas doentes; camponeses sem condições de produzir alimento saudável, com prejuízos financeiros aos seus cultivos agroecológicos e orgânicos; o sistema público sobrecarregado pelos impactos de agrotóxicos; a morte de espécies essenciais à sociobiodiversidade; a contaminação da água e do ar. Assim, não existe possibilidade de coexistência com os agrotóxicos, posto que, como o nome diz, eles são contra a vida.

A decisão sobre as formas de relação com a terra não pode ser só da bancada do agrofacismo; ela precisa ser de toda a sociedade, incluindo todos e todas que sofrem as consequências do uso de agrotóxicos. Está mais do que evidente que o agro não é capaz de gerir as consequências do uso desses produtos tóxicos.

Se todos os argumentos acima não foram suficientes, vale recordar que quem planta com agrotóxico é quem financia os golpes à democracia. Dos 16 financiadores dos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023, 13 eram fazendeiros, como apontou a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Câmara Federal. Se o Congresso Nacional quiser seguir esse pacto de mediocridade, oxalá haja mais nobreza no Executivo. Se analisarmos com cuidado os senadores que atuaram em prol do Pacote do Veneno, veremos que a bancada do latifúndio está no controle.

Recordamos o dia 3 de dezembro na luta contra o uso de agrotóxicos e pela vida! Que avancemos na coerência de um país que se compromete em acabar com a fome, produzindo alimentos saudáveis, protegendo a nossa casa comum, cuidando da saúde e da natureza. Por isso, sejamos contra o avanço do uso de agrotóxicos e pelo apoio a políticas de redução até sua extinção, para que outros mundos, e inclusive nós como planeta, possamos continuar existindo.

A biodiversidade que se constrói no território do campo à cidade

 

biodiversidade, ou diversidade biológica, tem a ver com a variedade de espécies, sejam plantas, microrganismos ou animais que habitam a Terra. Desse modo, no núcleo central da noção de biodiversidade está a vida em suas mais variadas formas. Se partimos da centralidade da vida, certamente iremos reconhecer que no sistema capitalista, cujo eixo condutor é a obtenção de mais lucro, não há possibilidade de compatibilizar com um projeto político pela proteção da vida e pela preservação da biodiversidade.

Desde os anos 70, os escândalos da contaminação ambiental e da emergência do tema das mudanças climáticas têm impulsionado a construção de uma agenda internacional de proteção à biodiversidade. Nesse sentido, o dia 22 de maio é reconhecido como Dia Internacional da Biodiversidade, com a intenção de alertar para a importância da proteção da mesma. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 25% da biodiversidade do planeta, hoje, encontra-se ameaçada de extinção. Dentro de uma ideia de usar a natureza como biblioteca de saberes e formas que o ambiente se relaciona e constrói soluções, a observação é fundamental. E mais: ter ambiente natural para observar é ter de onde buscar essas soluções, assim como andar e observar a vida se resolvendo.

A partir do Relatório de Brundtland (1987) se desenvolveu a noção de desenvolvimento sustentável, criando um terreno argumentativo para justificar a continuidade do modelo de desenvolvimento econômico sob a narrativa da possibilidade de harmonização com o meio ambiente. De igual modo, as agendas que se seguiram – Agenda 2030 e os acordos firmados nas Conferências das Partes – refletem a linha conciliatória. Inclusive, durante a ECO-92 se desenvolveu a Convenção sobre a Diversidade Biológica (1993), com o fim de promover a proteção da diversidade biológica por meio do uso sustentável da biodiversidade, com a repartição justa e equitativa de benefícios. No entanto, até que ponto essas narrativas sobre o meio ambiente refletem uma real proteção da biodiversidade?

As políticas ambientais tratam a preservação da biodiversidade no que chamamos de “conservadorismo ambiental”, no qual a Natureza é algo distante do sujeito, circunscrito a um espaço delimitado (à floresta, à reserva ou à unidade de conservação), reiterando um paradigma colonialista. Tal visão não integra as relações sociais urbanas, como a de produção alimentar, como parte da totalidade da biodiversidade, ignorando, muitas vezes, o papel que povos e comunidades têm na construção de relações de proteção, em uma visão mais completa da vida natural. Com isso, não queremos afirmar a não importância de criar espaços de proteção integral da biodiversidade, pelo contrário, inclusive denunciamos os riscos à biodiversidade da privatização e aluguel dos parques. O que se quer chamar a atenção é que a criação de espaços de proteção não coloca em xeque o modelo de produção que destrói a biodiversidade, apenas serve como uma política de compensação.

Se olharmos para o campo da produção de sementes, as formas de produção e distribuição, o ingresso de novas tecnologias ligadas à modificação genética tem destruído a diversidade de cultivos. Isso afeta diretamente a saúde humana, na falta de nutrientes. De outro lado, a produção do agronegócio demanda intensa utilização do solo, água, desterritorialização de comunidades, promovendo um desequilíbrio nas condições de reprodução das formas de vida.

Diante disso, organizações ambientalistas, como a Amigos da Terra Brasil, têm convidado a repensar as propostas de preservação da biodiversidade, entendendo o campo e a cidade como parte do mesmo sistema e que, somente juntas e juntos, podemos construir a Soberania Alimentar, difundindo a crítica aos mecanismos de falsas soluções e promovendo direitos conquistados pelos povos.

Nesse sentido, em Porto Alegre (RS), no dia 22 de maio, festeja-se desde 2007 o Dia da Biodiversidade, com a Festa da Biodiversidade (foto acima da atividade em 2012). Um encontro no qual buscamos mostrar a nossa diversidade na capital gaúcha e Região Metropolitana. Em 2023, estamos na nona edição do encontro, que festeja a biodiversidade de nossos corpos e territórios. Desde a última alteração do Plano diretor de Porto Alegre, em que se extinguiu a zona rural, viemos lutando pelo entendimento da importância desta área da cidade, evidenciando o quanto ela é estratégica para a soberania alimentar. Quando ampliamos esta realidade para a região metropolitana, essa capacidade se expande e se complexifica de tal modo a pensar a origem do que bebemos, comemos e respiramos.

Sabemos que nossa água está contaminada com agrotóxicos. Nossa comida também, e apresenta índices assustadores. E o nosso ar, ainda que não tenhamos medidores, certamente está contaminado por agrotóxicos pulverizados no entorno da cidade e pela combustão dos transportes ou das chaminés das empresas. Certos de que essa contaminação precisa ser medida e informada, precisamos de uma proteção para garantir um ambiente saudável no nosso território.

Essa luta vem sendo construída pelas agricultoras e pelos agricultores dos assentamentos da reforma agrária, que, de forma corajosa, mais uma vez, enfrentam o agronegócio e a trama de impunidade que cerca esse setor. Dentre os instrumentos utilizados está a denúncia da deriva criminosa de agrotóxicos, na qual o agronegócio pulveriza o veneno para além de suas terras, contaminando a produção camponesa; fazendo uso do agroquímico em sua função de criação, como arma da guerra. O propósito da deriva criminosa é eliminar a esperança presente na produção de alimentos saudáveis que não fazem uso de agrotóxicos, destruindo com a possibilidade de se construir outras formas de produção autônomas às grandes corporações e tornar impossível a soberania alimentar. Sem pessoas no campo, o conhecimento, as terras, as sementes serão deles, das corporações, e para lutar contra a fome vamos depender das mesmas corporações.

O Campo e a Cidade

Os movimentos sociais e as organizações pautam que o repensar a nossa relação com a biodiversidade é também um refletir sobre as relações entre o campo e a cidade. Na vida urbana, desconsideramos a presença da biodiversidade no nosso dia a dia, como nos alimentos que consumimos. Entender de onde vem a nossa água ou os alimentos em nossa mesa, ou a qualidade do ar que respiramos, e saber que práticas e formas de produção da indústria da alimentação estão destruindo o planeta e evitando que outras formas coexistem, para começar a consumir alimentos locais, de produção camponesa, que causam menor impacto ao ambiente.

Um exemplo concreto dessa relação é dado pela parceria do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) com os movimentos do campo, nas cozinhas solidárias. Durante a pandemia de covid-19 agravou-se a crise alimentar brasileira, quase 33 milhões de pessoas passaram fome. Diante disso, o MTST organizou até hoje 40 cozinhas solidárias nas grandes cidades brasileiras, distribuindo almoço grátis para trabalhadoras e trabalhadores que passavam fome.

Os alimentos utilizados na produção das marmitas são provenientes, em parte, da produção camponesa de base agroecológica – agroecologia é difundida como uma tecnologia social de produção de alimentos realizada pelos camponeses, na qual a relação estabelecida com a terra é de reciprocidade, por isso não se usam agrotóxicos, as sementes são compartilhadas e se preservam as nascentes de água. Assim, além de comerem, os trabalhadores comem produtos de qualidade nutricional, contribuindo para formas de produção alimentar que estão em harmonia com a biodiversidade.

A iniciativa obteve tanto êxito que foi apresentado o projeto de lei nº. 491/223, o PL das Cozinhas Solidárias, em trâmite na Câmara dos Deputados. Dentre os objetivos do PL, estão: a construção de práticas alimentares promotoras de saúde, ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis e o fomento à agricultura familiar.

Denunciar os mecanismo de falsas soluções

Nos últimos anos, no debate internacional, o tema da biodiversidade encontra-se secundarizado, aparecendo nos impactos de mudanças climáticas. Majoritariamente, colocam-se como foco central de investimentos as políticas da economia verde, nas quais se transfere a preservação a entes privados e se cria uma série de narrativas, como os créditos de carbono, a mineração sustentável e a agricultura climaticamente inteligente, como respostas à destruição da biodiversidade.

Todavia, essas políticas estão gerando efeitos ainda mais perversos à biodiversidade. A proposta do “carbono zero” reúne compromissos assumidos para anular as emissões de gases do efeito estufa, assim, em vez de reduzir as emissões e promover mudanças na produção, as grandes empresas passam a financiar áreas de preservação do seu interesse, para compensar. Dentro das “soluções baseadas na natureza”, pode-se incluir plantações de monocultivos de árvores, como eucalipto; os cultivos com organismos geneticamente modificados; as áreas de parques e de unidades de conservação que estão sendo privatizadas. Essas iniciativas têm ganhado a adesão de grandes empresas, que passam a pressionar as terras e os direitos de camponeses.

As empresas transnacionais também aderiram a uma narrativa sustentável constituindo políticas de responsabilidade social corporativa no tema, dentre elas a mineração sustentável e a agricultura climaticamente inteligente. Em todos esses discursos, as empresas não mudam suas práticas de produção, apenas incorporam medidas de compensação que mascaram os efeitos de suas atividades. Desse modo, a mineração tem usado da extração de metais importantes para transição energética, como lítio e níquel, para se colocar como atividade sustentável, desconsiderando que isso implica numa expansão da fronteira extrativa, destruindo territórios.

Já a agricultura climaticamente inteligente envolve a conciliação entre segurança alimentar, produção de alimentos e mudanças climáticas. No entanto, o que as organizações apontam é que o mecanismo consiste unicamente nas negociações do mercado de carbono. Inclusive, no Brasil, o agronegócio, em razão da expansão da fronteira agrícola, tem sido um dos principais responsáveis pela destruição dos biomas nacionais, do Pampa à Amazônia.

As falsas soluções que hegemonizaram os debates nos mecanismos multilaterais são controladas pelas empresas transnacionais, que buscam reconfigurar suas narrativas ideológicas para seguir justificando as práticas expropriatórias da biodiversidade. Por isso, movimentos ao redor do mundo têm erguido bandeiras de luta em torno da palavra soberania, assumindo uma crítica ao sistema produtivo como causador dos danos socioambientais e exigindo o controle popular sobre outras formas de constituição de relações com a Natureza.

Direitos por efetivar: um horizonte para lutar

A afirmação e a efetivação de direitos aos povos são um caminho para um diálogo da constituição de outras relações com a biodiversidade, entende-se como parte desta totalidade. Assim, a Declaração de Direitos Camponeses (2018), uma construção popular – com destaque à Via Campesina Internacional, estabelece claramente a relação dos camponeses com a preservação da biodiversidade, assegurando o acesso à terra, território, ao compartilhamento da sabedoria tradicional na troca de sementes, do cuidado com a terra e água.

Na mesma esteira, os direitos estabelecidos na Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhecem o papel que povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais têm na preservação da sociobiodiversidade. E que, portanto, são sujeitos que devem ser consultados sobre projetos que afetem suas terras e territórios. Igualmente, sobre o direito à participação e informação no Acordo de Escazú, ainda não ratificado pelo Brasil, que garante tais direitos para a promoção da justiça ambiental.

Que possamos reconhecer o chamado das organizações e movimentos para assumir que a preservação da biodiversidade envolve um projeto político de mudança do atual sistema de produção, no qual a vida da humanidade é parte integrante do todo da vida do planeta. Que possamos dar um basta na separação entre sujeitos e natureza, romper com as políticas de compensação e construir um novo paradigma que não produza exclusões de nenhum tipo.

Conteúdo publicado na íntegra no Jornal Brasil de Fato, em https://www.brasildefato.com.br/2023/05/23/a-biodiversidade-que-se-constroi-no-territorio-do-campo-a-cidade

 

Confira, abaixo, algumas fotos da 9ª Festa da Biodiversidade, que aconteceu nessa 2ª feira (22/05/2023), no Largo Glênio Peres, em Porto Alegre (RS). Crédito das fotos: ATBr

 

 

plugins premium WordPress