#8M em Porto Alegre: Na luta pela vida e pelos direitos das mulheres

Chamamos a todas companheiras, companheires e companheiros para tomarmos às ruas na quarta-feira, 8 de março, fazendo ecoar nossas reivindicações políticas e a centralidade das mulheres nas lutas. Marchamos em não ao sistema capitalista, patriarcal e racista, que se sustenta via o ódio e a violência sistemática contra as mulheres.

Em Porto Alegre (RS), uma série de atividades marcarão a data. Entre elas, das 7h às 9h haverá denúncia de ameaça de rompimento da Barragem na Lomba do Sabão e Ato Ecumênico de denúncia do feminicídio de Débora Moraes, militante do Movimento Atingidos e Atingidas Por Barragens (MAB). Às 10h, a violência contra as mulheres e os desmontes das políticas públicas serão debatidos em Audiência Pública, no Plenarinho. E a partir das 17h começa concentração na Esquina Democrática para encerrar a data em ato unificado do #8M 2023, que começa às 18h.

Após quatro anos de Governo de Jair Bolsonaro, finalmente é possível respirar. O ódio do ex-presidente contra as mulheres e pessoas oprimidas, em especial aquelas que pertencem à classe trabalhadora, resultou em aumento do desemprego, da fome, do endividamento, da miséria, da violência física e psicológica, do extermínio de indígenas, do culto às armas, de chacinas nas comunidades negras e da perseguição às mulheres e crianças vítimas de estupro, além do desprezo pela vida das vítimas da COVID. Apesar de tudo, sobrevivemos! Não é possível permitir que aqueles que defendem a ditadura militar e a tortura, e que organizaram e financiaram a invasão dos três poderes em Brasília saiam impunes. A ação livre do Bolsonarismo ameaça a todas, e a prisão de Bolsonaro é urgente! Nesse #8M reivindicamos: #SemAnistia!

Desde o #EleNão, as mulheres foram incisivas na oposição e derrota de Bolsonaro, na defesa das liberdades democráticas e dos direitos e na vitória eleitoral de Lula. Mas a luta continua e é a hora de destruir todo o legado do golpe de 2016. Precisamos pôr fim à misoginia, racismo e à LGBTIA+fobia entranhados no Estado capitalista que destrói as políticas sociais tão necessárias às nossas vidas. É hora de ir além, de construir a transformação social que o Brasil tanto precisa.

Nossa luta é pelo fim do feminicídio, em defesa das liberdades democráticas, por nenhum direito a menos, pela revogação da lei de alienação parental, pelo combate à fome, por empregos, salários iguais entre gêneros, acesso à saúde, educação, moradia, alimento, água e energia a todas. Pelo perdão das dívidas de famílias empobrecidas. Pela revogação da reforma trabalhista, da previdência e do ensino médio, que nos impõe tantos retrocessos. 

Pela descriminalização e legalização do aborto e seu debate dentro da saúde pública. Em defesa do SUS e do SUAS. Pela educação sexual nas escolas para combater a violência de gênero. Por um programa nacional de habitação voltado a moradoras de áreas de risco e mulheres vítimas de violência doméstica e pela construção de casas abrigo para mulheres vítimas de violência.

Basta de violência! Pelo fim do feminicídio 

No primeiro semestre de 2022, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres. No Rio Grande do Sul uma mulher é agredida a cada 22 minutos, de acordo com dados de janeiro de 2023. Passados oito anos da promulgação da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, conhecida como Lei do Feminicídio, o assassinato de mulheres em situação de violência doméstica e familiar ou em razão do menosprezo ou discriminação à sua condição aumentaram no país. O Brasil bateu recorde de feminicídios, registrando 699 casos no primeiro semestre de 2022. Somos, há 14 anos, o país que mais mata pessoas trans; foram 131 em 2022. Prevenir e combater, sistematicamente, as diferentes formas de violência de gênero é dever do Estado, criando políticas públicas que dêem conta de erradicar a violência e acabar com o feminicídio. Queremos que o Estado tenha tolerância ZERO com os casos de violência doméstica e feminicídio e que criem ações para além do enfrentamento a violência, com políticas públicas no viés da transversalidade e que dêem conta das especificidades das mulheres.

Combate ao racismo

Ainda que todas nós mulheres estejamos expostas a essas violências, fica escancarado o racismo: as mulheres negras são 67% das vítimas de feminicídios e 89% das vítimas de violência sexual. As mulheres negras são as maiores vítimas também da violência urbana direta e indiretamente. A construção de uma sociedade feminista e antirracista é o caminho para que consigamos alcançar um país com justiça social e igualdade para todas, todes e todos. 

Urgente a revogação da Lei de Alienação Parental (LAP)

Desde a aprovação da LAP (2010) ocupamos o 5º lugar em feminicídios, há 13 anos em média quatro mulheres são assassinadas por dia e 80% das tentativas de feminicídios foram contra mães. Revogar essa lei misógina e punitivista para as mulheres/mães, que foi criada a partir de um conceito sem validade científica, é URGENTE. Precisamos banir e abolir este conceito que desqualifica e banaliza os testemunhos das vítimas mulheres/mães, obrigando a convivência com seus agressores. A violência é real: estuprador não é pai, agressor não é pai e violência não é vínculo.

Combate à fome, por empregos, salários iguais entre os gêneros e educação infantil

Existe uma diferença gritante entre homens e mulheres na questão da insegurança alimentar que se alastrou com a política assassina de Bolsonaro, em especial durante a Pandemia, fato este que colocou o Brasil de volta ao mapa da fome mundial. É necessário apoio à economia solidária, que tem papel central para uma nova economia, justa e livre da opressão capitalista. Sendo nós mulheres a principal fonte de renda da maioria das famílias trabalhadoras desse país, seguir existindo a diferença salarial entre homens e mulheres, e a diferença brutal se compararmos o salário entre homens brancos e mulheres negras, é contribuir para seguirmos vendo a desigualdade e a miséria aumentando. Além disso, é necessário que o Estado crie condições para que mães e pais possam trabalhar e isso passa por garantir vagas na Educação.

Inclusão e acessibilidade, acesso e permanência de mulheres na escola e na educação

O direito das mulheres com deficiência aos aspectos básicos da vida, como transporte (que é precarizado), acessibilidade e seu direito de ir e vir, que muitas vezes se torna uma situação perigosa, precisa ser garantido de forma plena. O acesso a oportunidades de trabalho e condições adequadas para poder executá-lo, direitos básicos para à sua sobrevivência e de sua família. As mães atípicas, muitas vezes sem uma rede de apoio, sem poder suprir as necessidades de seus filhos com deficiência, na luta para que tenham um atendimento adequado, acabam invisibilizadas, sem suporte, sem atendimento de saúde para si, acarretando em uma sobrecarga de trabalho e cuidados. Pelo direito dessas mulheres, mães/avós, muitas vezes sozinhas serem enxergadas e acolhidas pela sociedade. Pelo direito de permanecer na escola, seja mãe adolescente, seja uma chefe de família, incluindo aí, o direito dessas crianças à vaga nas escolas e creches. Pelo direito à educação, desde a educação infantil ao ensino superior, possibilitando o acesso ao conhecimento e a melhores oportunidades de trabalho e renda!

Confira o manifesto do #8mPOA aqui

Animações explicam o que é economia feminista e princípios da sua construção na agenda de movimentos sociais

Está chegando o dia #8M, data que marca globalmente as jornadas de luta do feminismo popular,  construído diariamente nos territórios. De forma propositiva, a @capiremov, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Amigos da Terra Internacional produziram duas animações que abordam a economia feminista, expondo também os princípios para a construção desta na agenda dos movimentos sociais e na construção de uma mudança de sistema. De forma criativa e lúdica, os vídeos se propõe a explicar o conceito e introduzir alguns princípios feministas, sendo recomendados para o uso de movimentos sociais em suas atividades de formação.

O que é a economia feminista?

 A Economia feminista é uma estratégia política para transformar a sociedade e as relações entre pessoas e pessoas e a natureza. Passa por reconhecer e reorganizar o trabalho doméstico e do cuidado, que dentro do patriarcado recaem com força sobre as mulheres. É, ainda, uma resposta à atual crise econômica, ambiental e social. 

As mulheres são sujeitos econômicos e protagonistas na luta contra o modelo econômico dominante. A economia feminista aponta o trabalho que sustenta a vida e a produção econômica, evidenciando todas as pessoas que o fazem – sendo a maioria delas mulheres, pessoas negras e imigrantes.

 É uma economia que se propõe ainda a reorganizar as relações de trabalho, de gênero e raciais na nossa sociedade, fazendo com que o trabalho de cuidado se torne uma responsabilidade compartilhada entre todas as pessoas e o Estado. Ponto que passa tanto por discussões de políticas públicas, retomada de espaços comuns, frear as privatizações e a atransformação de bens comuns como a água e a energia em mercadorias, revogações de medidas de retirada de direitos de pessoas trabalhadoras, mais direitos, qualidade de vida, educação e saúde públicos gratuitos e de qualidade para todas as pessoas. 

Na economia feminista, a sustentabilidade da vida está no centro. Isto significa priorizar as necessidades dos povos e dos territórios ao invés do lucro. Os cuidados são uma necessidade humana fundamental. Todas as pessoas são vulneráveis e interdependentes. Todo mundo precisa de cuidados ao longo da vida, independente da idade ou do estado de saúde.  E para além disso, os trabalhos conectados a essa esfera são de baixa intensidade ecológica, não exigindo extração de recursos da natureza em larga escala e podendo se aliar a uma transição energética, climática e ecológica realmente justa. 

Economia feminista, sociedade sustentável e sociedade do cuidado 

Para transformar nosso atual modelo econômico, precisamos fazer da solidariedade e da reciprocidade uma prática nas nossas vidas, nos nossos movimentos e nos nossos esforços políticos cotidianos. A economia feminista nos lembra que a biodiversidade é fruto da relação com as povos tradicionais e seus modos de vida. Devemos respeitar o ciclo de regeneração da natureza e repensar nossa relação com a alimentação, valorizando práticas agrícolas e culinárias locais e garantindo que as comunidades tenham meios de cultivar alimentos em seus próprios territórios. A economia feminista propõe uma alternativa de sociedade construída a partir da centralidade da sustentabilidade da vida, da interdependência e ecodependência.

Uma sociedade sustentável precisa ser uma sociedade do cuidado, mas um cuidado fora das amarras do capital. Assinalar a importância do trabalho de cuidado, que sustenta a vida de todas, todes e todos é um passo para a valorização deste e para a construção de outras formas de se relacionar.

A economia feminista apresenta ainda atividades compatíveis com a redução da exploração de recursos, o que aponta uma saída para um crescimento econômico clássico, pautado pelo acúmulo infinito de capital em um planeta finito. Processo que se dá por meio da superexploração do trabalho e da natureza, do ecocídio, da criação de zonas de sacrifício, do racismo ambiental e da extinção.

O modelo capitalista divide a nossa sociedade entre as esferas de produção e reprodução da vida, isso faz com que pareça que pareçam coisas independentes. O trabalho que tem relação com o dinheiro é considerado produtivo e a sociedade o valoriza. Já o trabalho doméstico e de cuidados é considerado reprodutivo. E apesar de ser fundamental para sustentar a vida, é invisível para a sociedade e não é considerado parte da economia. A economia tradicional se constrói dentro desse modelo, privilegiando as experiências dos homens e negando as das mulheres. A Economia feminista torna visíveis todos os trabalhos que sustentam a vida, sendo o trabalho reprodutivo fundamental para que o próprio trabalho produtivo aconteça. Não há separação.

A economia dentro da economia feminista, portanto, é o modo como garantimos a vida. Sem cuidados e sem alimentos, por exemplo, não há economia  e nem  vida possível. Por isso a economia feminista reconhece e valoriza os trabalhos de cuidado como parte da economia. E vai mais além: reorganizando esse trabalho pra que seja de todas pessoas, coletivo, e para que hajam políticas públicas a respeito.

O capitalismo se desenvolveu às custas da exploração da natureza e do tempo das pessoas. Tudo em função do mercado. Na África, Ásia e na América Latina as pessoas foram expulsas de suas terras para dar lugar a monocultivos de alimentos e agrocombustíveis para a exportação. Empresas minerárias contaminam as águas, seguem destruindo a diversidade da natureza e colocam em risco a vida de quem vive em territórios próximos. Não é casualidade que nessas áreas de disputa apareçam conflitos armados e as mulheres enfrentem muita violência.

Nas cidades, grandes empresas construtoras se beneficiam com a especulação imobiliária. Para isso, desalojam pessoas de seus lares e comunidades para construir grandes projetos que afetam sobretudo as populações periféricas, migrantes, negras e indígenas. E quem segura as pontas nas comunidades, garantindo que todo mundo tenha habitação, comida e cuidado, são as mulheres.

Para manter as taxas de lucro das grandes empresas, a exigência é de mais trabalho, com menos direitos e mais vigilância. Na lógica da ganancia transformam os bens comuns em mercadorias e superexploram o trabalho das pessoas. Quando menos esperamos, o que era público vira propriedade privada, o que era de acesso comum passa a ser só para quem pode pagar.

Mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas com o trabalho em casa e fora de casa, da reprodução e produção da vida. E com um olhar para a ecomomia feminista, a partir do cotidiano de quem cuida da vida, é evidente que os tempos e as lógicas de vida, da natureza, são incompatíveis com os ritmos do capital.

Além de ser muito  invisibilizado, muitas vezes o trabalho de cuidado é não renumerado ou mal renumerado, trazendo ainda mais violências para o cotidiano de quem historicamente assume essa responsabilidade. Situações como a da pandemia de covid-19 escancaram o quão imprescindível é uma economia que tenha o cuidado em primeiro plano, pautando um modo de vida solidário, com o fortalecimento dos espaços comuns, de escolas, creches, lavanderias, hortas e cozinhas comunitárias.

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 01”:

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 02”:

Fonte: Capire 

 Leia também a nossa última coluna no Jornal Brasil de Fato, que também aborda o tema.

 

Jornada Continental da Democracia e contra o Neoliberalismo se reúne em Brasília: “A democracia não pertence a um governo, é um processo histórico em construção”

Os debates sobre os modelos de integração em nossa região, o contexto político das Américas e as estratégias de formação de nossos povos foram o foco dos debates da coordenação da Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo realizados no domingo (26/02), em Brasília, no Brasil. Representantes da Confederação Sindical das Américas (TUCA), da Marcha Mundial das Mulheres, centrais sindicais como PIT-CNT (Uruguai) e CUT (Brasil), Movimentos ALBA, Rede Jubileu das Américas do Sul, MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), Centro Martin Luther King do Capítulo Cubano de Movimentos Sociais e ATALC (Amigos da Terra da América Latina e Caribe) participaram do encontro.

Durante a reunião, Kaira Reece, Secretária de Desenvolvimento Sustentável da TUCA, disse que “Priorizamos a Jornada Continental da Democracia e contra o Neoliberalismo como uma frente central de luta contra as políticas autoritárias, racistas, patriarcais, privatizadoras, neoconservadoras e militaristas da região”.  Pela CUT Brasil, Quintino Marques falou sobre a perspectiva no país sul-americano de retomar políticas públicas para aqueles que perderam seus direitos nos últimos cinco anos e reconheceu as ações da Jornada Continental como uma contribuição para o enfrentamento do fascismo e o fortalecimento da democracia.

O grupo fez uma análise da situação atual na região. Rafael Freire, Secretário Geral da TUCA, atualizou os cenários para 2023: “O desenvolvimento da extrema direita deixou nossas sociedades mais divididas. A vitória do campo progressista recente em nossa região é fundamental diante do fascismo e uma mudança cultural de nossa ação é fundamental, caso contrário teremos as mesmas respostas de antes, para uma nova realidade”.

Llanisca Lugo, do Capítulo cubano dos movimentos sociais, compartilhou sobre a situação em Cuba. “Em Cuba, há um processo de criação de propostas, discussão de novas leis, estruturação de uma Assembleia Nacional, descentralização nos municípios, trabalho com as mulheres e desenvolvimento de estratégias contra a violência contra as mulheres, desenvolvimento territorial. Estratégias muito boas que às vezes nem o povo conhece”.

Vladimir da Silva (Jubileu das Américas do Sul) questionou como seria possível dialogar mais com as pessoas, com a sociedade civil nos territórios. “Ter governos progressistas requer nossa atenção”. O diálogo com os movimentos, com a juventude, com os afrodescendentes é fundamental para saber o que fazer”. É importante olhar de fora, para criticar e seguir em frente.

Hector Castellanos (PIT-CNT) falou sobre a necessidade de projetar estratégias para tornar as ações dos movimentos mais eficazes. “Temos muitas ferramentas construídas com os mesmos atores, mas não somos capazes de construir uma ferramenta mais poderosa que nos permita ser mais efetivos”.

Soniamara Maranho (MAR) reafirmou que Cuba é e sempre foi uma referência em termos de solidariedade. Ela disse que é essencial reconhecer o principal inimigo: o fascismo.

Antonio Lisboa, secretário de relações internacionais da CUT Brasil e vice-presidente da ITUC, explicou a importância das atividades que serão realizadas em Brasília durante a semana, como o Seminário Internacional sobre Democracia, Integração Regional e a luta contra o fascismo. “No Brasil, temos a expectativa de derrotar o fascismo”. Sair com um bom debate e com grandes alianças que emanam destas atividades destes dias”. Ele reconheceu que o eixo da disputa está na luta de classes.

A visão do movimento feminista foi compartilhada por Nalú Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, que introduziu os debates sobre a Defesa da Democracia e da Soberania Popular. “A dimensão da luta democrática está muito envolvida na luta contra o neoliberalismo e o conservadorismo”. O conservadorismo sustenta não apenas o fascismo, mas o neoliberalismo em geral. O desafio é compreender mais profundamente as transformações ocorridas no mundo do trabalho e as mudanças ideológicas e culturais da classe trabalhadora”.

Laura Capote, da ALBA Movimientos, falou sobre a democracia e a nova situação dos governos progressistas. “Dos movimentos, precisamos retomar o aspecto revolucionário das “velhas” lutas, com as novas lutas e reivindicações. Com o triunfo neoliberal no plano cultural, esta capacidade se perdeu. Não devemos descartar estas lutas, mas elas precisam de uma revisão mais coletiva.

Lucia Ortiz (ATALC), da Amigos da Terra Brasil e que estava representando também a América Latina e o Caribe, falou sobre a atualização das principais dinâmicas das negociações de acordos comerciais e retomou o processo contra a liberalização do comércio e a economia verde. Ela destacou a contribuição feita pelo PLADA para esta análise e para a articulação entre as organizações.

As organizações camponesas também estiveram presentes, representadas por Anderson Amaro, da CLOC-Via Campesina, que acompanhou o debate, levantando a importância de dar continuidade às prioridades políticas acordadas.

A reunião foi encerrada com um acordo para pedir uma mobilização conjunta em 2023, um ano de encontro e renovação da esperança de nossos povos, enfatizando a defesa da democracia e o compromisso com a integração regional.

Galeria de fotos do Grupo de Trabalho: https://csa-csi.org/2023/02/27/encontro-de-la-jornada-continental-por-la-democracia-y-contra-el-neoliberalismo-26-02-23/

Texto publicado originalmente em espanhol pela CSA-TUCA (Confederação Sindical de Trabalhadores e de Trabalhadoras das Américas) e traduzido pelo DeepL.com

Crédito das fotos: Jornada Continental

Estão nos matando, mas ainda assim semeamos a esperança

Nós, mulheres, somos 51,8% da população brasileira, e mesmo assim não chegamos a ser metade das cadeiras do Congresso Nacional (17,7%) ou do Judiciário (38,8%). Tampouco temos a representatividade devida nas Assembleias Estaduais, Câmaras Municipais ou na direção do Executivo. A única mulher eleita Presidenta, Dilma Rousseff, sofreu um golpe misógino em 2016. Será impossível pensar em igualdade de gênero quando sequer somos capazes de construir uma equidade de representação política.

O cenário se agrava quando olhamos os quatro últimos anos de Governo Bolsonaro. Quando as políticas públicas se destinaram a retificar papéis históricos de gênero que reforçam a divisão sexual do trabalho. A mensagem política transmitida pelo governo e representações políticas era sintetizada em expressões como: “bela, recatada e do lar”; “meninas vestem rosa e meninos azul”.

Neste universo conservador, agregava-se o fundamentalismo religioso propagado pelas posições fascistas que confrontavam diretamente os direitos historicamente conquistados das mulheres, especialmente os sexuais e reprodutivos.

As estatísticas comprovam os retrocessos. Segundo o relatório de transição, houve uma desidratação das políticas públicas destinadas às mulheres; apenas no primeiro semestre de 2022, o país bateu recordes de feminicídio. Em 2021, 66 mil brasileiras foram vítimas de estupro e 230 mil sofreram agressões físicas por violência doméstica. Se olharmos esses dados sob o recorte racial, ainda encontraremos que 67% das vítimas de feminicídio e 89% das vítimas de violência sexual são mulheres negras. A partir de 2016, a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres sofreu um corte de 90% de seu orçamento.

A crise sanitária atingiu de forma distinta as mulheres, refletindo a urgência de um debate público sobre a economia de cuidados. Isso porque as mulheres ocuparam as linhas de frente de combate ao coronavírus sendo as enfermeiras dos hospitais, as cuidadoras dos doentes nas casas e as que sustentaram o isolamento doméstico. As trabalhadoras domésticas foram as primeiras a serem infectadas pela pandemia e as mais impactadas pelos efeitos do covid-19.

O retorno do país ao mapa da fome afeta sobremaneira as mulheres: 1 em cada cinco lares chefiados por mulheres não tem o que comer no dia a dia. A sobrecarga de trabalho doméstico, já excessiva, aumentou ainda mais no desmantelamento de políticas sociais como escola e creches, agravando uma conjuntura marcada pelo desemprego generalizado. Nossas mulheres estão cansadas, doentes.

Em realidade, as disparidades de gênero cresceram em todo o mundo com a pandemia, estima-se que para atingir a igualdade de gênero levaríamos 135,6 anos. O Brasil ocupa a 93ª posição no mundo, de 153 países, sendo o penúltimo na lista latino-americana. O que nos torna um gigante de desigualdade.

O Informe Global de Gênero, do Fórum Econômico Mundial, propõe que para superar as lacunas são necessários investimentos no setor de assistência social, construção de políticas para igualdade no mundo do trabalho e capacitação das mulheres. A retórica da organização financeira é bastante peculiar, já que se de um lado propõe essas diretrizes, de outro promovem políticas de austeridade e desregulamentação nos países para facilitar a privatização de serviços e a entrada e permanência de empresas transnacionais.

Como podemos observar, as políticas públicas para as mulheres se resumem a uma sujeição à sociedade capitalista e patriarcal, e para outra grande parcela delas, a morte. Assim estão nos matando; eliminam nossos corpos, nossas mentes, nossa libertação. No entanto, somos feitas da terra e da resistência, e neste 8 de março queremos semear nosso projeto político alternativo: a economia feminista.

A economia feminista nos liberta

Mulheres são maioria nas iniciativas de solidariedade contra a fome que surgiram durante a pandemia, como as cozinhas solidárias do MTST – AFP

O sistema capitalista, desde sua origem, estruturou-se fazendo o uso do patriarcado como instrumento de dominação e exploração das mulheres, e rebaixando ainda mais sua posição como grupo social. Assim, organizou uma divisão sexual do trabalho, separando o trabalho produtivo, assalariado, do trabalho reprodutivo, este último legado às mulheres. Todas as tarefas de cuidado que são necessárias para a manutenção das condições de vida estão designadas às mulheres e não são remuneradas. Se assim o fosse, seria impossível sustentar os baixos salários e o avanço da mercantilização e privatização à medida que exigiria que a sociedade não estivesse orientada para o individualismo e, sim, para a coletividade.

Ocorre que a crise de cuidado é permanente em nossa sociedade; não à toa, vivemos uma profunda crise do capital versus vida. A orientação da produção mundial para a produção constante de lucro, concentrado numa cada vez menor parcela de indivíduos acionistas de grandes corporações que controlam cadeias globais de produção, é insustentável.

A crise ambiental instalada desde a separação do homem da Natureza na modernidade tem produzido cada vez mais a nossa insustentabilidade como espécie humana neste planeta. “A ruptura entre as nossas sociedades e a natureza não é de responsabilidade de toda a população, pois foi projetada e é perpetuada por esses sistemas de poder em nível global”, expressa Karin Nansen, ex-presidenta da Federação de Amigas da Terra Internacional. Precisamos, urgentemente, superar nossa separação com a Natureza, suas gentes e suas culturas, e incorporar valores de ecodependência.

Frente aos desafios da crise múltipla da acumulação do capital, feministas de todo mundo têm construído a economia feminista e popular como projeto político alternativo. A economia feminista é uma aposta política para transformar a sociedade, as relações entre as pessoas, e entre elas e a natureza. Reconhecer o trabalho de cuidado invisibilizado e propor sua reorganização é um primeiro passo. Determinar uma nova lógica de produção mundial na qual a economia esteja centrada na vida, dando especial atenção aqueles que trabalham para sustentá-la.

Todas e todos, ao longo de nossas vidas, precisamos de cuidados; não há condição de vida sem relações de reciprocidade. É por isso que precisamos subverter a lógica da ganância das empresas transnacionais que dirigem o mundo, e tomar consciência da centralidade da vida humana e sua reprodução. Ter esses sujeitos e sujeitas no centro do pensar nossa política, como propõe Karin: “Precisamos de respostas que coloquem no centro as classes populares, a classe trabalhadora, as mulheres, os povos indígenas, as comunidades quilombolas, as comunidades camponesas e todas aquelas comunidades que sofrem diretamente os impactos desse sistema e desse modelo de acumulação”.

A economia feminista não é um projeto acabado, é um projeto em permanente construção no andamento dos processos de luta de classes, do qual convidamos a todos e todas para se engajarem. Construir a economia feminista é resistir aos projetos de morte, e mesmo depois de tantas pilhagens, semearmos a esperança. Muitas mulheres ao redor do mundo estão fazendo isso, construindo cotidianamente novas práticas coletivas de cuidado, novas relações sociais e com a Natureza.

Assim, deixamos para este 8 de março o repensar a organização da sociedade em quatro eixos centrais de enfrentamento ao capitalismo, desde a economia feminista: 1) o reconhecimento e organização do cuidado; 2) a centralidade da vida; 3) interdependência; 4) ecodependência. Marchando com nossa bandeira, seguimos e nos atrevemos a viver a nossa vida com valor, força e dedicação.

 

Abaixo, divulgamos dois vídeos sobre economia feminista produzidos em parceria pela Capire e pela Amigas da Terra Internacional. A locução está em espanhol e inglês, mas tem legenda em português.

Parte 1

Parte 2

 

Coluna publicada originalmente no Jornal Brasil de Fato, no link: https://www.brasildefato.com.br/2023/02/28/estao-nos-matando-mas-ainda-assim-semeamos-a-esperanca 

HONDURAS: Ao menos oito pessoas defensoras socioambientais assassinadas em um mês

Entrevista com Elsy Banegas, lutadora social e coordenadora da Coordenação de Organizações Populares do Aguán (COPA) 

Uma semana depois do início do ano, Jairo Bonilla e Alí Domínguez foram assassinados enquanto trabalhavam em Concepción, departamento de Colón, a poucos quilômetros de sua comunidade, Guapinol. Ambos eram defensores dos rios Guapinol e San Pedro, e do Parque Nacional Montaña de Botaderos, também chamado Carlos Escaleras, onde nascem 34 fontes de água.

Dez dias depois e na mesma região, Omar Cruz, presidente da cooperativa camponesa Los Laureles e membro da Plataforma Agrária do Vale do Aguán, e seu sogro Andy Martínez tiveram o mesmo destino.

As comunidades ancestrais de Garífuna também foram alvo de perseguição e assassinatos no primeiro mês do ano. Após os primeiros 15 dias de janeiro, três jovens originárias de Travesía, Janahira Aranda, Ana Castillo e Cristy Espinosa, foram assassinadas em sua comunidade, perto de Puerto Cortés, no departamento de mesmo nome. O mês terminou da mesma forma, com o assassinato do líder socioambiental Ricardo Arnaúl Montero, garífuna integrante do Comitê de Defesa da Terra Triunfo de la Cruz, mesma comunidade onde quatro defensores garífunas desapareceram há mais de dois anos, localizada na Departamento de Atlantis.

O paradoxo: defender a vida significa encontrar a morte

Os interesses pelas terras e fontes de água de Honduras são multiplos e todos impactam da maneira mais crua as comunidades que vivem na terra e da terra. O extrativismo com seus projetos de minerários e agroindustriais, a interferência histórica dos Estados Unidos, o turismo de elite que almeja as costas do Mar Caribe, a trama da impunidade e os amigos que o ex-presidente Juan Orlando Hernández deixou antes de sua extradição a processos por tráfico de drogas, se unem no mesmo país e empregam sua violência de diversas formas: perseguições, ameaças, assédio, criminalização e assassinatos a sangue-frio.

A dirigente Elsy Banegas, membro do Sindicato dos Trabalhadores do Instituto Nacional Agrário (SITRAINA) e coordenadora geral da Coordenação de Organizações Populares Aguán (COPA), falou com a Rádio Mundo Real. A COPA é integrada por organizações camponesas, sindicais e de mulheres da região de Aguán, área que quase perdeu a conta de suas mortas e mortos por defender o direito à terra, à natureza e aos direitos humanos.

Banegas vive na própria pele a lógica que a oligarquia hondurenha instalou em sua região para apropriar-se de suas terras. Seu filho, Fernando Alemán Banega, foi assassinado em outubro de 2016. Não é por falta de organização e luta que essas áreas são cercadas por pistoleiros, paramilitares e agentes de segurança de empresas mineradoras ou agroindustriais. É graças a uma estrutura de violência e impunidade cravada na história do país.

A coordenadora da COPA contou que o Vale do Aguán foi incluído em um processo de reforma agrária “que garantisse às famílias camponesas um modo de vida que permitisse justiça social no campo, com regularização fundiária”. Mas, segundo a dirigente, ao longo dos anos os diversos interesses empresariais têm impedido e os governos têm procurado “sempre favorecer a oligarquia nacional”. Desde 2014, a COPA está sujeita a uma medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela violência incessante, mas isso não impediu os assassinatos. Quanto a isso Banegas é assertiva, porque é uma realidade cotidiana para ela e sua organização: as mineradoras e as agroindústrias não param de pressionar os governos e ameaçar o campesinato. “Temos visto vontade política porque se assinam acordos (…), mas a realidade é outra”.

Uma história de impunidade

“Os defensores dos dois rios estão presos e os responsáveis ​​pelos saques e altos índices de corrupção do país andam livres.” Com esta frase, Banegas sintetiza uma história de impunidade. Mas a história não é só de injustiças e corrupções, mas também de lutas e resistências para mudar essa realidade e das memórias que essas lutas guardam.

O Parque Nacional Botadero recebeu a denominação de Carlos Escaleras em 2014, com base em uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que responsabilizou o Estado hondurenho pelo assassinato, em 1997, de Escaleras, ativista que lutou contra o instalação de uma planta de extração de óleo de palma dentro do parque, próximo ao Rio Guapinol. É precisamente lá que hoje se projeta a instalação de uma planta de pelotização de ferro do megaprojeto de mineração Inversiones Los Pinares, ao qual resiste a comunidade de Guapinol. Los Pinares é propriedade de Lenir Pérez, um grande beneficiário do narco-estado que Hernández deixou ancorado.

A empresa faz parte do conglomerado de capital EMCO, que também abriga a ECOTEK, a maior usina de processamento de óxido de ferro da América Central que, segundo denúncia da comunidade organizada de Guapinol, opera sem licença ambiental dentro de área protegida do Parque Nacional Serra Botadero.

Estamos defendendo a água e com ela a vida”, disse Banegas com convicção, e detalhou quais são as ferramentas dos poderes hondurenhos para fazê-los desistir. “Começa com um processo de difamação, depois tentam comprar dirigentes, quando não te compram (…) criminalizam-te, uma criminalização que é reflexo do desvio da aplicação da justiça, com mentiras, invenções, com processos encomendados por empresas mineradoras ou agroindustriais, e se não te matam”.

Como resultado dos primeiros assassinatos do ano, várias organizações nacionais como o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), a Coalizão Contra a Impunidade de Honduras, o Comitê Municipal em Defesa dos Bens Comuns e Públicos, entre muitas outras, e entidades globais como a Anistia Internacional e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, emitiram declarações de solidariedade e exigiram investigações independentes.

Sobre essas petições e reivindicações, Banegas informou que ainda não têm nenhuma resposta concreta, embora já tenham apresentado todas as denúncias nos locais correspondentes e frisou que vão continuar insistindo em sua reivindicação. 

Entre o dito e o feito

A imparcialidade da polícia e da justiça não é garantida em Honduras e há vários motivos para desconfiança. Logo após os assassinatos de Ali e Jairo, a polícia informou que as mortes foram decorrentes de roubo e descartou que o crime tivesse ligação com questões ambientais. Isso gerou forte rejeição da comunidade organizada de Guapinol.

Em 2 de fevereiro, a mesma comunidade emitiu um comunicado no qual afirmava: “não há confiança nem no Ministério Público nem na Polícia de Tocoa para realizar uma investigação independente neste caso. Eles já demonstraram sua parcialidade e são responsáveis ​​por usar provas ilegais para criminalizar os defensores da área, incluindo Ali, e despejar violentamente o acampamento Agua y Vida em Guapinol. Em 19 de janeiro, a família de Alí Domínguez solicitou a transferência do caso para a Promotoria de Crimes Contra a Vida com o apoio da ATIC [Agência Técnica de Investigação Criminal], mas a Procuradoria Geral da República não respondeu”.

Ali Domínguez foi um dos 32 ativistas processados ​​por defender o rio em 2018, quando Los Pinares tentava instalar sua mina de óxido de ferro. Dá para entender que não é coincidência, e a desconfiança aumenta, que o promotor que os mandou para a cadeia naquela época seja o mesmo que hoje tem as causas dos assassinatos.

O mesmo acontece com a Polícia. Banegas conta que em 9 de janeiro, enquanto os seguranças privados da empresa DINANT disparavam gás e balas de borracha contra as famílias da cooperativa El Chile, a Polícia assistia e até ria. Uma informação importante: a empresa DINANT ligada ao agronegócio e alimentos ultraprocessados ​​pertence à família de empresários Facussé, a mesma contra a qual Escaleras lutou nos anos 1990.

Tanto a Procuradoria Geral da República quanto o Ministério Público foram nomeados pelo governo de Juan Orlando Hernández e seus mandatos constitucionais ainda estão em vigor. Sob a proteção da constituição, ambos os poderes agem com total impunidade. Atualmente, Honduras está em processo eleitoral para a formação de uma nova Corte Suprema de Justiça e ainda não definiu a nomeação do novo Conselho Fiscal, o que dá esperança de um sistema judicial melhor.

Ontem e hoje o Aguán resiste, não haverá exceção

“Neste quadro em que temos um novo governo, ainda há esperança de que neste segundo ano possam realmente ser procuradas alternativas, que só se têm manifestado numa vontade política de resolver os diferentes problemas. Ao longo deste ano vimos, sentimos e sofremos a violência dessas empresas”.

A Secretaria de Direitos Humanos do governo nacional estava presente no território quando os assassinatos de janeiro se tornaram públicos. No dia 23 de janeiro, aquela Secretaria concedeu uma coletiva de imprensa no local.

Banegas mencionou que em fevereiro de 2022 foi assinado um acordo entre o Ministério do Desenvolvimento e Inclusão Social, o Ministério da Segurança, o Instituto Nacional Agrário e 29 cooperativas agrícolas, “para a solução do Conflito Agrário relacionado com a Recuperação das Terras do Reforma Agrária em Bajo Aguán”. Em julho do mesmo ano, a Plataforma Agrária, com base nesse acordo, fez uma nova petição para acabar com a violência, ter acesso às suas terras e à justiça.

As comunidades Aguán trabalham em estreita colaboração com a Organização Fraternal Negra Hondurenha (OFRANEH) e as comunidades Garífuna que sofrem a mesma situação de desapropriação e violência, vários quilômetros ao norte.

“Estamos exigindo justiça e esclarecimentos, que se cancelem os megaprojetos como é o caso de Los Pinares, e que se entreguem as terras da reforma agrária aos campesinos que foram espoliados ilegalmente, as quais elas pertencem”, disse Banegas. “Nós temos uma luta pacífica, baseada em direitos legítimos (…), e somos vítimas da grande violência que nos estão impondo”. 

Conteúdo traduzido da página da Rádio Mundo Real,  publicado no dia 24 de fevereiro de 2023, no endereço/link: https://rmr.fm/entrevistas/honduras-al-menos-ocho-defensores-as-socio-ambientales-asesinados-as-en-un-mes/

Justiça Federal reconhece o direito à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé de comunidade kilombola no RS

A Comunidade Kilombola¹ Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz), localizada às margens da BR 386 à altura do município de Triunfo, no Rio Grande do Sul, conquistou mais uma vitória na luta em busca por seu direito de Ser e Existir. No início de janeiro, a Justiça Federal no RS concedeu tutela de urgência suspendendo a obra de ampliação da rodovia no trecho que compreende os Km 405 a 415, onde fica a comunidade. A obra só poderá ser retomada após a realização de novo processo de licenciamento ambiental pelos órgãos competentes, em que a comunidade seja consultada previamente conforme dispõe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os réus, entre eles o governo federal (Ibama e Incra) e as empresas concessionárias (CCR Via Sul e Empresa de Planejamento e Logística / VALEC), ainda podem recorrer da decisão.

 A decisão judicial, um importante precedente para as lutas dos povos kilombolas em todo país, se deu em resposta à Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pela Comunidade Morada da Paz em dezembro passado e que teve como um dos seus embasamentos a Recomendação nr. 43 aprovada por ação no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH). Na ação, a comunidade kilombola requereu liminar que suspendesse a obra de ampliação da BR 386 no determinado trecho. Também pediu a anulação do licenciamento, já que não foi chamada a participar dos termos de referência do estudo e nem foi citada no relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) realizado pela empresa consultora contratada pela concessionária e apresentado ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), apesar de seu território se localizar a menos de 500 metros da margem da rodovia. 

No despacho, a juíza argumenta que “a consulta às comunidades tradicionais tem como finalidade assegurar a participação plena e efetiva destes grupos minoritários na tomada de decisões que possam afetar sua cultura e seu modo de viver. Devem ser realizadas antes de qualquer decisão administrativa, a fim de efetivamente possibilitar que os grupos tradicionais e minoritários exerçam influência na deliberação a ser tomada pelos órgãos oficiais”, o que não aconteceu, já que a Licença Prévia (LP), e posteriormente a Licença de Instalação (LI)  para a obra, foram emitidas sem que a comunidade fosse consultada e acompanhasse o processo. 

A magistrada lembrou que o Brasil ratificou a Convenção 169 da OIT em junho de 2002, o que garante o direito à Consulta e ao Consentimento Prévio, Livre e Informado (CCPLI) das comunidades tradicionais, entre eles o povo kilombola. Para assegurar que a obra não ameace a subsistência da Morada da Paz, a juíza citou que, além do CCPLI, o Estado também deve cumprir com a repartição de benefícios e encaminhar estudo de impactos conduzidos por entidades independentes e tecnicamente capazes.

Conselho de Ìyás de Bàbás da Nação Muzunguê – Comunidade Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz) / Vania Pierozan

¹ Porque Kilombola com K? Segundo a Comunidade Morada da Paz – Territórios de Mãe Preta – CoMPaz, a palavra Kilombo significa um grupamento de resistência e salvaguarda da memória do Povo Negro, na língua Kimbundu (parte da grande família de línguas de matriz africana que europeus convencionaram chamar Bantu, uma palavra que significa “pessoas”). Já nos dicionários de língua Portuguesa, quilombo com Qu se refere à povoação “remanescente” habitada por antigos escravos fugitivos ou pelos seus descendentes. “Não somos resto, remanescentes, somos resilientes e resistentes a todo esse sistema opressivo, somos Kilombo”, afirma Baogan Bàbá Kínní.

Comunidade Kilombola luta por seu direito de ser e de existir

A Comunidade Morada da Paz (CoMPaz) enfrenta, há pouco mais de dois anos, as ameaças de dois grandes empreendimentos na região: à frente do território, a obra de ampliação da BR 386 e, na parte dos fundos, a instalação de um aterro industrial. Por isso, a comunidade kilombola comemorou a suspensão das obras, mas seus integrantes sabem que é apenas uma das tantas batalhas que terão. “Sabemos que os desafios são grandes, mas confiamos na nossa estratégia, nas nossas divindades e em toda essa unidade de forças que foram articuladas e que se revelaram tão potentes nesses enfrentamentos todos que tivemos. Seguimos na fé e no esperançar!”, diz Baogan Bàbá Kínní, do Conselho de Ìyás de Bábàs da Nação Muzunguê.

Ele relata que a Ação Civil Pública ingressada pela CoMPaz é um dos diversos instrumentos utilizados na defesa do território. A comunidade contou com o empenho de muitas pessoas, organizações e com a articulação com outros povos quilombolas, que enfrentam os mesmos problemas em todo o país, para construir sua própria cartografia comunitária e elaborar o seu Protocolo de Consulta Prévia, Livre, Informada e de Boa Fé, chamado de “Dossiê Kilombo: proteger, defender e vigiar” – documento que orienta a consulta à CoMPaz por parte de órgãos governamentais, empresas ou qualquer outro ente em situações de empreendimentos, ou mesmo de políticas públicas, que possam impactá-la. Este dossiê e a luta da CoMPaz por seus direitos serão tema da primeira audiência do Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CEDH/RS), que acontecerá no dia 9 de Março na Assembleia Legislativa do RS, em Porto Alegre.

“Uma consulta que chame a comunidade a dialogar antes do projeto ser elaborado, pois é preciso considerar tudo que impactará na realização dele, e que seja livre dos interesses econômicos, que não preparam o progresso para todos, apenas para alguns e com o nosso sangue, nossa história e nossa cultura”, salienta a Sangoma (Guardiã da Memória e Guiança Espiritual) da CoMPaz, Ìyalasè Yashodhan Abya Yala. Bem diferente do que ocorreu no projeto de ampliação da BR 386, reclama Yashodhan, em que os kilombolas não foram consultados sobre a obra e nem sobre os efeitos dela no território, na água e no ar. “Simplesmente fomos ignorados. E ao sermos ignorados, matam a nossa cultura, invisibilizam nossa potência de força. Nós estamos aqui e existimos, defendemos a vida do planeta com dignidade, com fé e esperançar”, defende.

Yashodhan afirma que a luta travada pela CoMPaz é por um progresso inclusivo, que respeite o jeito de ser e de existir da comunidade kilombola e dos povos tradicionais em geral. “Nossa luta é contra esse sistema de exclusão e de eliminação do que nós somos. Não somos contra o progresso, mas sim contra as bases do desenvolvimento em que esse progresso se dá. Quando nós lutamos contra a poluição sonora, contra a poluição do ar que respiramos; quando lutamos pelo nosso jeito de ser e de existir no mato com os nossos irmãos pássaros e irmãs árvores, nós estamos lutando para que a água que nós e que vocês bebem continue pura, para que o ar que nós e que vocês respiram continue puro”, defende.

A ACP teve como um dos seus embasamentos a Recomendação nr. 43 aprovada por aclamação no Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) em 2021, motivada por denúncia apresentada ao Conselho pela CoMPaz por meio das Amigas da Terra Brasil em 2020 e consequente Relatório Direito de Existir e ser Kilombola e a violação do direito à consulta e ao consentimento livre prévio e informado no Caso do Licenciamento da BR 386 no Rio Grande do Sul, construído também em conjunto com o Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA). Para Lúcia Ortiz (Luz das Águas de Mãe Preta), presidenta da Amigas da Terra Brasil, “é importante, nessa vitória coletiva, reconhecer que o CNDH, durante todo o período do governo anterior que desmantelou os espaços de participação social, foi um espaço de resistência e de convergência das denúncias e ameaças, mas também das estratégias de luta e propostas de políticas de garantia de direitos, sobre as quais os povos kilombolas e as populações atingidas em geral devem também ser consultadas. Nesse período de retomada da democracia no país “essa vitória deve ser celebrada do Pampa à Amazônia”, salienta. 

Os desafios do exercício do direito de consulta no Brasil

A decisão é histórica para a comunidade CoMPAz, mas também para todas as demais comunidades kilombolas no país. Desde a ratificação da Convenção 169, grupos sociais lutam pelo seu reconhecimento como sujeitos de direito da Convenção. Os povos kilombolas buscaram junto aos mecanismos da OIT este reconhecimento, que posteriormente veio a ser aceito pelo Brasil. No entanto, demais povos e comunidades tradicionais (PCT’s) ainda lutam para que o Estado brasileiro os reconheça como sujeitos da Convenção, apesar das semelhanças do Decreto 6040/2007, que reconhece os direitos dos PCT’s como vinculados aos artigos da Convenção.

Além da luta pela ampliação dos sujeitos da Convenção 169, diante das diversidades socioculturais do Brasil, a permanência do país na Convenção esteve em disputa. Nos últimos anos a Convenção 169 sofreu grandes questionamentos no poder executivo e legislativo. Uma série de projetos de lei tramitam para a retirada do país da Convenção, como o PDL nº. 177/2021, que visa autorizar o presidente a denunciar a Convenção, procedimento utilizado para a saída do país do acordo. Cabe recordar que o direito à consulta, previsto no art. 6 da  da Convenção 169, inclui qualquer medida administrativa ou legislativa que possa afetar povos indígenas, kilombolas e comunidades tradicionais, portanto, o próprio processo legislativo deveria ser objeto de consulta.

Da parte do poder executivo, em governos anteriores do Partido dos Trabalhadores, a Secretaria Geral da Presidência tentou regulamentar o direito à consulta, como em outros países da região, contudo os povos indígenas inicialmente, e posteriormente também os povos kilombolas, criticaram a tentativa de redução dos direitos, por entender que o texto da Convenção seria autoaplicável. Ainda mais grave foi a gestão de Bolsonaro, quando a política externa brasileira atacou a Convenção 169 na OIT, bem como no amplo “revogaço” de direitos, de 5 de novembro de 2019, com o Decreto nº. 10.088, que também revogava o Decreto nº. 5051/2004 que promulgava a Convenção 169. Tal iniciativa visava reforçar o argumento dos conservadores da falta de aplicabilidade da Convenção 169, e em particular, o direito de consulta, por ausência de legislação. Uma clara manobra para não efetivar o direito e criar uma suposta confusão jurídica.

O poder judiciário também contribui para falta de efetividade da Convenção 169. São raras e escassas as decisões, como essa, que utilizam os direitos previstos na Convenção 169. Em geral, o judiciário brasileiro não utiliza em larga medida os direitos do sistema internacional de proteção aos direitos humanos. Muitos magistrados desconhecem a Convenção 169, e aqueles que a mencionam não sabem modular os efeitos da decisão para impor sua aplicabilidade, limitando-se a reconhecer a existência do direito. 

  É precisamente por isso que a decisão do caso da comunidade CoMPaz é tão importante. Quando a magistrada reconhece e aplica o direito à consulta para suspender os efeitos de procedimentos adotados sem sua realização, ela efetiva a Convenção 169. Oferece ainda, a oportunidade ao Ibama, órgão do Ministério do Meio Ambiente, de construir um protocolo de licenciamento que abarque e aplique de fato, na perspectiva da transversalidade com demais ministérios, como é a perspectiva da Justiça Ambiental e como é o compromisso firmado pelo novo governo do Brasil, o Direitos à Consulta Livre, prévia e Informada e de Boa Fé. Igualmente inovadora é a comunidade, que diante dos argumentos da ausência de regulamentação do procedimento de consulta, usado como um impeditivo para efetivação, apresenta seu Protocolo Autônomo de Consulta construído de forma comunitária, contido também no Dossiê Kilombo. Diversas comunidades e povos no país têm adotado esta perspectiva inovadora de propor, por meio de sua auto-organização e autodeterminação, as formas e modos como querem e devem ser consultados, colocando a Convenção 169, e o art. 6, em pleno funcionamento.

Nesse momento de esperança renovada para o futuro do Brasil, a decisão sobre o licenciamento da ampliação da BR 386 e a auto-organização da Comunidade Kilombola Morada da Paz recolocam as prioridades da efetivação de direitos na mesa, servindo de exemplo para um repensar as práticas autoritárias sobre os territórios e suas gentes e fazer valer o empenho popular na retomada da democracia. 


Capa do Dossiê Kilombo: proteger, defender e vigiar. Comunidade Morada da Paz – Território de Mãe Preta (CoMPaz). Ilustração: Vania Pierozan

Artigo publicado originalmente no Jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2023/02/15/consulta-previa-justica-federal-reconhece-direito-de-comunidade-kilombola-no-rs 

Seminário Internacional alerta sobre impactos do Acordo entre a União Europeia e o Mercosul para a Amazônia e os países Sul-Americanos

Organizações alertam para a ausência de participação da sociedade civil durante o processo de negociações e esperam do governo Lula a reabertura do Acordo assinado na gestão Bolsonaro após 20 anos de negociações. Com a presença de ministros, parlamentares do Brasil, da União Europeia e do Mercosul, a atividade chama a atenção para as ameaças econômicas e socioambientais, caso o Acordo seja encaminhado para a ratificação.  

CLIQUE AQUI para conferir a programação completa do seminário

Acesse clicando AQUI documento da Frente Brasileira contra o Acordo Mercosul – UE alertando sobre os prejuízos que tratado pode trazer ao Brasil e demais países do Sul 

Nos dias 6 e 7 de fevereiro ocorrerá, em Brasília (DF), o Seminário Internacional “A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional”. Já são presenças confirmadas no evento: o deputado do Parlamento do Mercosul (Parlasul), Ricardo Canese, dos eurodeputados, Ana Cavazzini, Miguel Urban, Michèle Rivasi, além das deputadas brasileiras Fernanda Melchionna e Duda Salabert e do deputado Nilto Tatto. Representantes da sociedade civil, movimentos sociais e de organizações internacionais também estarão no evento.

O objetivo é estabelecer um diálogo democrático entre governo, parlamentares e sociedade civil sobre as ameaças do Acordo entre o Mercosul e a União Europeia, em especial para os povos da Amazônia e os sul-americanos.

A Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, promotora da atividade, considera o Acordo de comércio com os países europeus ultrapassado e desigual. Reforça a necessidade de ampliação do debate com a sociedade civil. “Reconhecemos a relevância do estreitamento das relações políticas, comerciais e de cooperação com a União Europeia, mas elas precisam ser pautadas em negociações legítimas, transparentes e com ampla participação da sociedade civil, além de reconhecer os desafios socioeconômicos e climáticos dos tempos atuais”, aponta Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da Fase (Solidariedade e Educação).

O Acordo, da forma que está,  incentiva a ampliação da produção agropecuária para exportação nos países do Mercosul, acelerando a destruição ambiental e limitando as possibilidades de melhorias sociais e econômicas para pequenos agricultores(as), povos originários e outras comunidades tradicionais. “O Acordo não contém cláusula ambiental compulsória, nem estabelece qual arcabouço legal ou o espaço para litigância em caso de surgirem conflitos, tornando frágil a possibilidade de ações efetivas de reparação para violações de direitos humanos e territoriais”, observa Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

A expansão da produção de soja, milho, carnes e minérios na região nos últimos anos é responsável por graves conflitos socioambientais, os quais podem se intensificar com a redução ou eliminação de tarifas comerciais. O Acordo deve  facilitar o aumento da importação de agrotóxicos da Europa que são proibidos nos seus países de origem e de carros a combustão, já produzidos no Brasil. Do ponto de vista ambiental e climático, o Acordo contribui para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação da Amazônia, beneficiam de forma desproporcional as empresas transnacionais europeias e aprofundam a desindustrialização no Mercosul. “As negociações de políticas internacionais devem, também, seguir o compromisso do atual governo sobre a retomada da participação social. A Frente defende que novos modelos de comércio, que respondam às necessidades dos povos e ao contexto histórico de hoje, devem ser pautados nos princípios de solidariedade, igualdade, cooperação, sustentabilidade e democracia”, pontua Lúcia Ortiz, da Amigos da Terra Brasil.

Antecede o Seminário uma visita de três dias de campo com parlamentares e jornalistas convidados em Santarém (PA). Na oportunidade, serão realizadas visitas a áreas desmatadas pelo avanço do agronegócio, portos e infraestruturas logísticas para a exportação de commodities, seguidas de rodas de conversas com comunidades tradicionais e rurais da região.

Uma frente em defesa da democracia – A Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA foi criada em setembro de 2020 para atuar no enfrentamento aos desmontes e desmandos promovidos na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro na área de comércio internacional. No período de transição para o novo governo eleito, a Frente atuou, com propostas,  nos GTs de Meio Ambiente, Participação Social e Relações Exteriores. Fazem parte da coordenação colegiada da Frente: Fase (Educação e Solidariedade, Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Amigos da Terra Brasil, Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos), Internacional dos Serviços Públicos (ISP), Rede Jubileu Sul e Contraf Brasil (Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar). O Seminário conta com o apoio da Misereor e HEKS.

SERVIÇO

Seminário Internacional “A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional”
Quando: 6 e 7 de fevereiro (segunda e terça-feira)
Onde:  Centro Cultural de Brasília – SGAN 601 Módulo D – Asa Norte, Brasília – DF
Programação completa AQUI.

Coletiva de Imprensa
Quando: 7 de fevereiro (terça-feira), às 14h
Onde: Plenário 12 das Comissões – Anexo 2 do Congresso Nacional

Seminario Internacional alerta sobre impactos del Acuerdo entre la Unión Europea y el Mercosur para la Amazonia y los países Sudamericanos

Organizaciones alertan sobre la ausencia de participación de la sociedad civil durante el proceso de negociaciones y esperan del gobierno Lula la reapertura del Acuerdo firmado en la gestión Bolsonaro tras 20 años de negociaciones. Con la presencia de ministros, parlamentarios de Brasil, de la Unión Europea y del Mercosur, la actividad llama la atención para las amenazas económicas y socioambientales caso el Acuerdo sea encaminado para ratificación.  

PULSE AQUÍ para consultar el programa completo del seminario

Acceda haciendo clic AQUÍ al documento del Frente Brasileño contra el Acuerdo Mercosur-UE alertando sobre los perjuicios que el tratado puede acarrear a Brasil y a otros países del Sur.

Los días 6 y 7 de febrero ocurrirá en Brasilia (DF), el Seminario Internacional “La retomada de la democracia en Brasil: el rol de la política externa y del comercio internacional”. Ya son presencias confirmadas en el evento: el diputado del Parlamento del Mercosur (Parlasul), Ricardo Canese, los eurodiputados Ana Cavazzini, Miguel Urban y Michèle Rivasi, además de las diputadas brasileñas Fernanda Melchionna y Duda Salabert y del diputado Nilto Tatto. Representantes de la sociedad civil, movimientos sociales y de organizaciones internacionales también estarán en el evento.

El objetivo es establecer un diálogo democrático entre gobierno, parlamentarios y sociedad civil sobre las amenazas del Acuerdo entre Mercosur y Unión Europea, en especial para los pueblos de la Amazonia y los sudamericanos.

El Frente Brasileño Contra los Acuerdos Mercosur-UE y Mercosur-EFTA, promotor de la actividad, considera el Acuerdo de comercio con los países europeos ultrapasado y desigual. Refuerza la necesidad de ampliación del debate con la sociedad civil. “Reconocemos la relevancia del estrechamiento de las relaciones políticas, comerciales y de cooperación con la Unión Europea, pero ellas deben ser pautadas en negociaciones legítimas, transparentes y con amplia participación de la sociedad civil, además de reconocer los desafíos socioeconómicos y climáticos de los tiempos actuales”, apunta Maureen Santos, coordinadora del Grupo Nacional de Asesoría de FASE (Solidaridad y Educación).

El Acuerdo, la forma en que está, incentiva la ampliación de la producción agrícola y ganadera para exportación en los países de Mercosur, acelerando la destrucción ambiental y limitando las posibilidades de mejorías sociales y económicas para pequeños agricultores(as), pueblos originarios y otras comunidades tradicionales. “El Acuerdo no contiene cláusula ambiental compulsoria ni establece cuál es la estructura legal o espacio para litigio en caso de que surjan conflictos, debilitando la posibilidad de acciones efectivas de reparación para violaciones de derechos humanos y territoriales”, observa Tatiana Oliveira, asesora política de Inesc (Instituto de Estudios Socioeconómicos).

La expansión de la producción de soja, maíz, carnes y minerales en la región en los últimos años es responsable de graves conflictos socioambientales, los cuales pueden intensificarse con la reducción o eliminación de tarifas comerciales. El Acuerdo debe facilitar el aumento en la importación de productos fitosanitarios de Europa que son prohibidos en sus países de origen y de coches de combustión, ya producidos en Brasil. Desde un punto de vista ambiental y climático, el Acuerdo contribuye para el aumento en las emisiones de gases de efecto invernadero y para la devastación de la Amazonia, benefician de forma desproporcional las empresas transnacionales europeas y profundizan la desindustrialización en el Mercosur. “Las negociaciones de políticas internacionales deben también seguir el compromiso del actual gobierno sobre la retomada de la participación social. El Frente defiende que nuevos modelos de comercio, que respondan a las necesidades de los pueblos y al contexto histórico de hoy, deben ser pautados en los principios de solidaridad, igualdad, cooperación, sustentabilidad y democracia”, dice Lúcia Ortiz, de Amigos de la Tierra Brasil.

Antecede el Seminario una visita de campo de tres días con parlamentarios y periodistas invitados a Santarém (PA). En esa oportunidad, serán realizadas visitas a áreas deforestadas por el avance del agronegocio, puertos e infraestructuras logísticas para la exportación de mercancías, seguidas de rondas de conversaciones con comunidades tradicionales y rurales de la región.

Un frente en defensa de la democracia – El Frente Brasileño Contra los Acuerdos Mercosur-UE y Mercosur-EFTA fue creado en septiembre de 2020 para actuar en el enfrentamiento de los desmontes y desmandamientos promovidos en la gestión del expresidente Jair Bolsonaro en el área de comercio internacional. En el período de transición para el nuevo gobierno elegido, el Frente actuó, con propuestas,  en los GTs de Medio Ambiente, Participación Social y Relaciones Exteriores. Son parte de la coordinación colegiada del Frente: Fase (Educación y Solidaridad, Inesc (Instituto de Estudios Socioeconómicos), Amigos de la Tierra Brasil, Rebrip (Red Brasileña por la Integración de los Pueblos), Internacional de los Servicios Públicos (ISP), Red Jubileo Sur y Contraf Brasil (Confederación Nacional de los Trabajadores y Trabajadoras en la Agricultura Familiar). El Seminario cuenta con el apoyo de Misereor y de HEKS.

SERVICIO
Seminario Internacional “La retomada de la democracia en Brasil: el rol de la política externa y del comercio internacional”
Cuando: 6 y 7 de febrero (lunes y martes)
Donde:  Centro Cultural de Brasilia – SGAN 601 Módulo D – Asa Norte, Brasilia – DF
Programación completa AQUÍ.

Conferencia de Prensa
Cuando: 7 de febrero (martes), las 14h
Donde: Plenario 12 de las Comisiones – Anexo 2 del Congreso Nacional

International seminar warns about the impacts of the European Union-Mercosur Agreement on the Amazon and South American countries

Organisations warn about the absence of participation of civil society during the negotiation process and expect the Lula administration to reopen the Agreement signed in the Bolsonaro administration after 20 years of negotiations. With the presence of ministers, MPs from Brazil, the European Union and Mercosur, the activity calls the attention to economic and socioenvironmental threats in case the Agreement is sent to be ratified.

CLICK HERE to check out the complete seminar schedule in portuguese

Access by clicking HERE the document of the Brazilian Front against the Mercosur-EU Agreement warning about the damage that the treaty can bring to Brazil and other countries of the South

On 6 and 7 February in Brasilia, an International Seminar will take place with the name “Retaking democracy in Brazil: the role of foreign policy and international trade”. Confirmed presences in the event are member of the Mercosur Parliament (Parlasur) Ricardo Canese, eurodeputies Ana Cavazzini, Miguel Urban and Michèle Rivasi, besides Brazilian MPs Fernanda Melchionna, Duda Salabert and Nilto Tatto. Representatives of civil society, social movements and international organisations will also participate in the event.

The goal is to establish a democratic dialogue between the government, MPs and civil society about the threats of the European Union-Mercosur Agreement, especially to the peoples of the Amazon and South-Americans.

The Brazilian Front Against the Mercosur-EU and Mercosur-EFTA Agreements, promoter of the activity, considers the trade agreement with European countries outdated and uneven. It reinforces the need for widening the debate with civil society. “We acknowledge the relevance of strengthening political, commercial and cooperative relationships with the European Union, but they need to be based on legitimate and transparent negotiations, with great participation of civil society, besides acknowledging the socioeconomic and climatic challenges of our times”, states Maureen Santos, coordinator of the National Assisting Group of FASE (Socio-educational Assistance Foundation).

The way it is, the Agreement incentivises the increase in agricultural production for export in the Mercosur countries, thus accelerating environmental destruction and limiting the possibilities of social and economic development for small farmers, original peoples and other traditional communities. “The Agreement does not contain any compulsory environmental clause, nor does it establish a legal frame or space for litigation in case of conflict, which undermines the possibility of effective reparation actions for violations of human and land rights”, says Tatiana Oliveira, political assessor of INESC (Institute for Socioeconomic Studies).

The expansion of the production of soy, maze, meat and minerals in this region in the last years is responsible for serious socioenvironmental conflicts, which can intensify with the reduction or elimination of trade tariffs. The Agreement must facilitate the increase in imports of pesticides from Europe which are banned in their original countries, and of combustion engine cars which already are produced in Brazil. From an environmental and climatic point of view, the Agreement contributes to the increase in emissions of greenhouse gases and to the deforestation in the Amazon. It also benefits European transnational corporations in a disproportionate way and furthers deindustrialisation in Mercosur. “Negotiations in international politics must also follow the present government’s commitment with retaking social participation. The Front defends that the new models of commerce which respond to the needs of the peoples and today’s historical context must be based on the principles of solidarity, equality, cooperation, sustainability and democracy”, says Lúcia Ortiz, from Friends of the Earth Brazil.

Before the seminar, there will be a three-day field visit with MPs and invited journalists to Santarém (PA). On that occasion, they will visit areas which have been deforested by agribusiness, ports and logistic infrastructures for export of commodities, followed by conversations with traditional and rural communities in the area.

A front in defence of democracy – The Brazilian Front Against the Mercosur-EU and Mercosur-EFTA Agreements was created in September 2020 to fight the dismantling and mismanagement which occurred in the former president Jair Bolsonaro’s administration in the area of international trade. In the period of transition to the new administration, the Front acted with proposals in the Work Groups of Environment, Social Participation and Foreign Affairs. The members of the Front’s collegiate coordination are: FASE (Education and Solidarity), INESC (Institute for Socioeconomic Studies), Friends of the Earth Brazil, REBRIP (Brazilian Network for the Integration of Peoples), Public Services International (PSI), South Jubilee Network and CONTRAF Brazil (National Confederation of Workers in Family Farming). The Seminar is supported by Misereor and HEKS.

SERVICE

International Seminar “Retaking democracy in Brazil: the role of foreign policy and international trade”

When: 6 and 7 February (Monday and Tuesday)
Where:  Centro Cultural de Brasília – SGAN 601 Módulo D – Asa Norte, Brasília – DF
CLICK HERE to check out the complete seminar schedule in portuguese


Press Conference
When: 7 February (Tuesday), at 2 p.m.
Where: Plenário 12 of Commissions – Annex 2 of the National Congress

O Brasil voltou a dialogar com a América Latina e Caribe

A integração latino-americana e caribenha é um projeto antigo, de longa caminhada. Desde as lideranças do haitiano Toussaint L’Ouverture no século XVIII, do cubano José Martí e do venezuelano Simón Bolívar no século XIX, lutas emancipatórias são travadas com o fim de construir soberania e autodeterminação para nossos povos. No nosso tempo, durante o final dos anos 90, a Revolução Bolivariana liderada por Hugo Chávez, e ao longo dos anos 2000, a emergência de diversos governos progressistas no Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Equador, Bolívia, Honduras, Nicarágua, El Salvador e a sempre histórica resistência cubana, fizeram avançar importantes agendas neste campo.

As lutas dos povos para derrotar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), projeto neoliberal formalmente abandonado em 2005 após a realização de um plebiscito popular continental, criaram pressão sobre os governos latino-americanos para avançar em outras iniciativas de diálogo e de relações com seus vizinhos. Neste cenário, em 2006, é fundada a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), uma proposta de Venezuela, Bolívia e Cuba, que trouxe radicalidade ao cenário de cooperação latino-americana. Não apenas uma aliança econômica; é que algo foi se definindo como um projeto para a América Latina a partir de sua própria história de resistência. Obviamente, a iniciativa incomodou muito os países interessados em continuar mantendo sua hegemonia na região, tal como foi, nos séculos anteriores, com as elites coloniais ou com o imperialismo norteamericano na época das ditaduras na região.

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Rompendo o cerco, neste novo milênio, a mais importante iniciativa de integração regional se deu com a criação da Celac (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos) em 2008. Composta por 33 países (exceto Estados Unidos/EUA e Canadá), com uma organização interna flexível, dedicou-se a refletir sobre os problemas candentes da região para construir um diálogo político entre os estados-membro a fim de promover a cooperação regional em diversas frentes, dentre elas energética, saúde e desenvolvimento sustentável. O Brasil dos governos Lula e Dilma promoveu a Celac como parte de uma política externa de estímulo às relações de cooperação Sul-Sul e com foco na promoção do desenvolvimento regional.

Já em 2020, com um discurso absolutamente senso comum sobre a Venezuela, Nicarágua e Cuba, o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciou a saída do Brasil da Celac. O ministro, assim como todo o Governo Bolsonaro, assumiu um lugar subalterno para o país na inserção internacional, aceitando e reproduzindo a lógica imperialista norte-americana e, ao mesmo tempo, entreguista aos interesses neocoloniais comerciais da União Europeia, com o anúncio do fim das negociações do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia (UE), trancadas e mantidas longe do escrutínio público há mais de vinte anos.

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A tragédia não foi só diplomática. Ao longo do Governo Bolsonaro, todos os projetos de integração regional foram sucateados. Propostas progressistas, como a Unila (Universidade da Integração Latino-Americana), foram desarticuladas diante do corte de verbas. O Programa Mais Médicos, que recebia os médicos cubanos no Brasil e ampliava as relações solidárias entre os dois países, foi encerrado, afetando o acesso à saúde de zonas remotas do Brasil. O acordo de cooperação que permitia que a população de Roraima acessasse energia elétrica por meio do fornecimento pela Venezuela, tendo em vista que o estado não está interligado à rede nacional, foi rompido, levando a apagões que precarizaram a vida da população e, logo, a que o Estado brasileiro gastasse mais dinheiro e emitisse mais gases de efeitos estufa pela produção de energia por meio da queima de óleo diesel.

Determinando uma nova política de relação para com os nossos vizinhos, o atual ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, anunciou já em 5 de janeiro o retorno do Brasil à Celac, comunicando a ruptura com a política externa anterior e informando da busca por uma maior parceria com os países da região. Nesse ritmo de inauguração das viagens diplomáticas internacionais, Lula chegou a Buenos Aires no dia 23 de janeiro, firmando três novos acordos de parceria comercial com a Argentina. Na oportunidade, os presidentes Alberto Fernández (Argentina) e Lula (Brasil) anunciaram a discussão da criação de uma moeda comum para a região. Já na abertura da VII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Celac, o retorno do Brasil foi motivo de calorosos aplausos, sinalizando que o país volta a caminhar ao lado de seus vizinhos. Foi assim também nas ruas lotadas de Montevideo, para onde o presidente Lula se dirigiu logo após, para uma conversa com o presidente uruguaio Lacalle Pou, focada na importância de fortalecer o Mercosul e sua agenda econômica antes que se firmem acordos comerciais bilaterais a partir do unilateralismo ou assimetrias, as quais  não resultam em benefício dos países do bloco. Nas palavras do presidente argentino Alberto Fernández: “Agora temos uma Celac completa”.

Quando a Celac foi criada, o Brasil liderava uma política externa inovadora, tendo um importante protagonismo na construção de relações Sul-Sul. Neste momento do retorno não encontra o mesmo cenário político, apesar da presença de outros governos de esquerda, e ainda enfrenta um duro cenário interno com ameaças da extrema direita que, não se pode negar, tem sido cada vez mais comuns na desestabilização das democracias de outros países da região. Em sua maioria, os países estão aterrados em profundas crises sociais, como o avanço da fome, o aumento das desigualdades sociais, da injustiça racial e de gênero e a falta de desenvolvimento da indústria, todos impactos das década anteriores de políticas neoliberais, agravadas com a pandemia dos últimos anos. Ao passo que há, também, uma pressão social com o crescimento da ultradireita e de todo o tipo de violência e militarismo, acompanhada da difamação, a partir de teses antipolíticas e da arma híbrida do lawfare contra governantes progressistas, como no caso de Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e do próprio Lula, que não pôde concorrer na eleição anterior vencida por Bolsonaro no Brasil.

A pressão de avançar em caminhos soberanos ficou destacada nas primeiras linhas da Declaração Final da VII Cúpula da Celac em Buenos Aires e, na sequência,  a defesa da democracia, da paz, da integração, da segurança alimentar e da sustentabilidade ambiental. Os líderes reunidos precisaram desenvolver uma leitura atual da crise do sistema capitalista na região, construir um balanço da conjuntura latinoamericana e dos processos de desestabilização nos territórios e atualizar os desafios da integração. Ainda não está claro qual a centralidade que foi dada ao combate ao fascismo e à construção de saídas às políticas imperialistas na região.

Os governos defenderam ainda a retomada do Fórum Celac com a China e União Europeia, tarefa que envolve um importante papel ao Brasil. A disputa de novos acordos comerciais com a China esquenta o clima da guerra híbrida e da disputa multipolar em curso. Ao mesmo tempo, a Europa, em uma profunda crise com a Guerra na Ucrânia, especialmente pela dependência energética, precisa acessar matérias-primas privilegiadas para sua transição e assegurar a contínua transferência de lucros extraordinários para suas empresas transnacionais. Os países do Norte Global, o FMI (Fundo Monetário Internacional), as grandes corporações e as elites estão longe de aceitar avanços progressistas na região. A ultra-direita já se organiza, como se pôde notar nos episódios de 8 de janeiro no Brasil, no golpe parlamentar no Peru, na onda golpista na Bolívia e na derrota da constituinte no Chile.

A agenda financeira comum, defendida pelo Brasil, envolve pensar numa maior integração das cadeias produtivas dos países. Foram apontados, na Declaração Final, a construção de um plano de recuperação econômica e produtiva pós-pandemia e a retomada de investimentos no desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação para superar a dependência externa. E outros setores tiveram destaque, como a questão ambiental, na qual se pronunciou pela promoção da justiça climática, com reconhecimento das responsabilidades diferenciadas entre os países e a reafirmação do papel dos países do Norte em compensar os prejuízos desiguais nos países do Sul.

Uma batata quente na órbita dos diálogos sobre integração será o Acordo UE-Mercosul. O Brasil já anunciou a necessidade de revisitar capítulos do acordo e propõe um maior debate nacional e regional sobre ele. Resta saber se, para tanto, o governo irá assegurar a participação social, visto que muitas organizações têm apontado críticas ao seu formato e conteúdo. O quão profunda será a revisão do governo nos interessa porque supostas cláusulas adicionais ao acordo, em elaboração pela Comissão Europeia, sem tradução ou transparência, podem afetar ainda mais o desenvolvimento da indústria nacional, enquanto não devem alterar o caráter neocolonial central do acordo: de intensificar o avanço da exploração de commodities nos territórios e a entrada de empresas europeias nos setores de serviços e compras públicas, à medida que garantem barreiras protecionistas para os países europeus.

O cenário de unidade latino-americana está bastante abalado. Internamente, muitos países sofrem a pressão de tentativas de golpe e o questionamento de governos democraticamente eleitos, como o Chile, Peru e a Venezuela. Externamente, alguns países, como Uruguai, furando o bloco do Mercosul, ou o Equador, fragilizam a centralidade regional ao dialogarem bilateralmente com outros países na área de “livre” comércio e na proteção de investimentos estrangeiros. Será um grande esforço para avançar na integração regional, que recairá sob o novo presidente da Celac depois da Argentina, o caribenho Ralph Gonsalves, de San Vicente y Granadinas.

E também na esteira das resistências, os movimentos populares devem manter a pressão sobre seus governos, seguindo em marcha com as iniciativas como a Alba Movimentos, a  Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo e a Celac social, inaugurada neste ano na Argentina, conclamando a uma revisão profunda dos modelos produtivos neoliberais na América Latina e no Caribe e promovendo a integração e a solidariedade entre os povos.

*Amigos da Terra Brasil (ATBr) é uma organização que atua na construção da luta por Justiça Ambiental. Quinzenalmente às segundas-feiras, publicamos artigos sobre justiça econômica e climática, soberania alimentar, biodiversidade, solidariedade internacionalista e contra as opressões. Leia outros textos.

Edição: Vivian Virissimo

* Coluna publicada originalmente em 31/01/2023 neste link: https://www.brasildefato.com.br/2023/01/31/o-brasil-voltou-a-dialogar-com-a-america-latina-e-caribe

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