Cúpula dos Povos Rumo a COP30 – Carta Política e Adesão de novas organizações e movimentos

A Cúpula dos Povos vem se organizando desde as bases da luta para marcar presença, construir espaços e incidir na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também chamada de COP30.  O evento está previsto para ocorrer em novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará (Brasil). A Amigas da Terra Brasil participa das reuniões de organização e articulação da Cúpula dos Povos. Como organização, pauta ir à raiz dos problemas que vêm sendo enfrentados pelos povos desde a colonização do Brasil, e que se aprofundam e assumem outras facetas com a emergência climática.

A ATBr assina a carta e convida demais organizações, coletivos, construções de base, territórios, movimentos sociais e iniciativas a assinarem e somarem nessa construção. Leia a carta abaixo e assine aqui!

Cúpula dos Povos Rumo a COP30 – Carta Política e Adesão de novas organizações e movimentos

Movimentos sociais e populares, coalizões, coletivos, redes e organizações da sociedade civil do Brasil vem, desde agosto de 2023, construindo um processo de convergência entre organizações e movimentos de mulheres, sindicais, indígenas, agricultores/as familiares e camponeses, quilombolas, de povos e comunidades tradicionais, de povos tradicionais de matriz africana, negras e negros, juventudes, inter-religiosos, ambientalistas, trabalhadores/as, midialivristas, culturais, estudantes, de favelas e periferias, LGBTQIAPN+, de pessoas com deficiência, de direitos humanos, de defesa da infância, adolescência e intergeracional, das cidades, do campo, das florestas e das águas, rumo a realização da Cúpula dos Povos como espaço autônomo à COP 30 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), na Amazônia.

Nosso objetivo é fortalecer a construção popular e convergir pautas de unidade das agendas: socioambiental, antipatriarcal, anticapitalista, anticolonialista, antirracista e de direitos, respeitando suas diversidades e especificidades, unidos por um futuro de bem-viver. No contexto atual, mais do que nunca, precisamos avançar em espaços coletivos que defendam a democracia e a solidariedade internacional, enfrentem a extrema direita, o fascismo, os fundamentalismos, as guerras, a financeirização da natureza e a crise do clima.

O clima extremo, as secas, as cheias, os deslizamentos de terras e as falsas soluções climáticas servem como instrumento de aprofundamento da desigualdade e das injustiças ambientais e climáticas, principalmente nos territórios, e atingem de forma cruel aqueles e aquelas que menos contribuíram para a crise climática, ecológica e civilizatória.

A insuficiência de medidas para conter tais crises é alarmante. Países e tomadores de decisão têm se omitido ou apresentado soluções absolutamente ineficientes colocando em risco a meta de 1,5º do Acordo de Paris. Investimentos que alimentam as mudanças climáticas têm crescido nos últimos anos e políticas de proteção aos povos indígenas, populações tradicionais têm sido desmanteladas e suas lideranças, ameaçadas e assassinadas.

Soluções reais são urgentes e a sociedade civil de todo mundo deve ser protagonista em todos os espaços de debate desta agenda. A COP 30 precisa representar um ponto de virada neste cenário, e endereçar as ações necessárias para o enfrentamento da crise climática.

É preciso rever o modelo econômico vigente e eliminar a produção e queima de combustíveis fósseis, responsável por mais de ⅔ das emissões que provocam o aquecimento global, bem como implementar políticas para o desmatamento zero. Urge acordos internacionais por uma transição energética justa, a começar pelos mais ricos, além da responsabilização dos impactos causados pelas corporações transnacionais do agronegócio, da mineração, do setor energético, imobiliário e de infraestrutura, que hoje significam ameaça às populações locais.

É urgente que se intensifique a luta contra o crime organizado, grupos paramilitares e mercadores de carbono, que vem se instalando de forma crescente em diversos territórios. Que combata as ameaças e ofereça proteção e garantia de direitos aos defensores ambientais e de direitos humanos, com atenção a ratificação do Acordo de Escazú e outros de suma importância.

É fundamental que ocorra uma transição justa, popular e inclusiva; o direito à terra e território por meio da reforma urbana, agrária e fundiária; a demarcação, titulação e regularização dos territórios indígenas, quilombolas, pesqueiros e tradicionais; o estabelecimento de sistemas alimentares onde a soberania alimentar seja o foco, com fomento à agroecologia, à valorização da produção familiar, camponesa e da pesca artesanal, da economia indígena, solidária e feminista; o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos; a proteção das áreas oceânicas, de terras raras e maretórios; a proteção da biodiversidade; a geração de trabalho decente, emprego e renda e de políticas de cuidado; a consolidação do direito à cidade com políticas urbanas como políticas ambientais; a implementação de políticas específicas para atingidos climáticos; de acesso a água potável e saneamento básico; de prevenção e adaptação climática, em especial nas periferias urbanas e nos territórios indígenas e tradicionais; a erradicação do racismo ambiental e estrutural, e da violência contra as mulheres e meninas, diferentes culturas e visões de mundo; promoção da comunicação livre e da diversidade cultural; políticas para a juventude negra viva; e medidas de reparação e democratização do financiamento climático justo, fora do mercado de carbono e de endividamento, com estruturação de fundos e governança pelas comunidades.

Demandamos que o governo brasileiro exerça papel de liderança na agenda socioambiental adotando essas políticas, indispensáveis para o avanço da justiça climática, a partir do Sul Global.

Porém, nada disso irá ocorrer sem uma ampla pressão e participação efetiva da sociedade civil. Convocamos as organizações, redes, coletivos e movimentos sociais dos mais diversos segmentos para construir a Cúpula dos Povos rumo à COP 30, que seja capaz de mobilizar a opinião pública, fortalecer a democracia participativa e popular, denunciar e barrar retrocessos, bem como pressionar tomadores de decisões no Brasil e no mundo.

Brasília, 02 de agosto de 2024.

Assinam:

Amigas da Terra Brasil

Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

ANA Amazônia

Aliança Amazônia Clima

Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB)

Articulação de Mulheres do Amapá

Assembleia Mundial da Amazônia (AMA)

Articulação Nacional dos Coletivos Jovens de Meio Ambiente do Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)

AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia

Associação Alternativa Terrazul

Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé

Associação dos Povos Indígenas da Terra Indígena São Marcos

A Vida no Cerrado (AVINC)

Campanha Cerrado

Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

Cáritas Brasileiras

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)

Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas

Centro de Cultura Negra do Maranhão

Central de Movimentos Populares (CMP)

Coalizão Nacional de Juventudes pelo Clima e Meio Ambiente (CONJUCLIMA)

Coalizão Negra por Direitos (CND)

Coletivo de Juventudes Guardiões do Bem Viver

Coletivo Pororoka

Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas Costeiras e Marinhas (CONFREM)

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (CBDDH)

Comitê COP 30

Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente a Mineração

Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)

Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – MALUNGU

Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (COAPIMA)

Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas do Estado do Tocantins (COEQTO)

Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)

Coordenadora Indígena da Amazônia Brasileira (COIAB)

Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)

COP das Baixadas

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)

Engajamundo

FASE – Solidariedade e Educação

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI – PA)

Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (FEPIPA)

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS)

Fórum Carajás

Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense (FMAP)

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS)

Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA)

Fórum Paraense de Economia Popular e Solidária

Fórum Paraense de Segurança Alimentar Sustentável

Fórum Social Panamazônico (FOSPA) – Brasil

Frente Brasileira contra o acordo União Europeia Mercosul

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Greenpeace Brasil

Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBA)

Grupo Carta de Belém (GCB)

Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB)

Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)

Grupo Resistência Amazônica

Instituto de Estudos Socioambientais (IESA)

Instituto de Estudos da Religião (ISER)

Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA)

Instituto EQÜIT

Instituto Omó Nanã

Instituto Regenera

Instituto Universidade Popular (UNIPOP)

Jubileu Sul Brasil

LACLIMA

Marcha Mundial das Mulheres (MMM)

Mídia NINJA

Movimenta Feminista Negra

Movimento Camponês Popular (MCP)

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB)

Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

Movimento Escazú Brasil

Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)

Movimento Nacional das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR)

Movimento Negro Unificado (MNU)

Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Movimento Tapajós Vivo (MTV)

Movimento Xingu Vivo para Sempre

Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR)

Observatório da Governança das Águas

Observatório do Clima (OP)

Observatório Nacional de Justiça Socioambiental (OLMA)

Organização dos Seringueiros de Rondônia

Processo de Articulação e Diálogo (PAD)

PerifaConnection

Plataforma Dhesca Brasil

Processo de Comunidades Negras (PCN)

Rede Amazônica

Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA)

Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)

Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP)

Rede Cerrado

Rede de Fundos Comunitários da Amazônia

Rede de Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade (REJUMA)

Rede de ONGs da Mata Atlântica

Rede dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (RPCT)

Rede Eclesial Pan Amazônica (REPAM Brasil)

Rede Maniva de Agroecologia

Rede por Adaptação Antirracista

Rede Vozes Negras pelo Clima

Serviço Inter-Franciscano de Justiça, Paz e Ecologia (SINFRAJUPE)

Teia Carta da Terra Brasil

Terra de Direitos

350.org

União Nacional dos Estudantes (UNE)

União Nacional por Moradia Popular (UNMP)

Via Campesina Brasil

Marcha pelo Clima responsabiliza culpados pelas enchentes no RS e pauta relação com capitalismo de desastre

Na sexta-feira (31/05), vozes ecoaram pela capital gaúcha alertando que as enchentes que atingem o RS têm causas e culpados. A juventude organizada, partidos políticos, movimentos sociais, organizações ambientalistas e pessoas afetadas estiveram na Marcha pelo Clima, ato organizado pelo Eco Pelo Clima  junto a outras organizações, como a União Estadual dos Estudantes.

Concentração do ato pelo clima na Esquina Democrática, Centro de Porto Alegre (RS) | Crédito: Carolina C., ATBr

Embalado por cantos como “essa chuva não é normal, capitalismo é desastre ambiental” e “Do Lami ao Sarandi, prefeito Melo eu não te vi”, somados a gritos de “Fora Leite” e “Fora Melo”, o ato denunciou o descaso de governantes com o povo e a responsabilidade do sistema capitalista na emergência climática. Destacou, ainda, a relação da devastação da natureza, imposta por projetos políticos que colocam o lucro acima da vida, com o atual cenário de enchentes no RS.

Ato marcha até Palácio do Piratini, mencionando regiões afetadas de Porto Alegre e descaso do governo do estado e municipal com atingides | Crédito: Carolina C., ATBr
Crédito: Carolina C., ATBr
Performance de estudantes de teatro do Levante Popular da Juventude aponta os culpados | Crédito: Carolina C., ATBr

A tragédia também é política. E na receita deste caos anunciado, está a decisão do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), assim como do governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), em ignorar avisos há tanto proferidos por ambientalistas, movimentos sociais, organizações por justiça socioambiental e cientistas. Está, também, a falta de investimento destes em políticas públicas e as ações de desmonte e sucateamento do que é público. Nas privatizações massivas, no desmonte da proteção ambiental e no avanço do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária, que nos trazem a um profundo desequilíbrio ecológico.

Na concentração do ato, na Esquina Democrática, uma faixa anunciava: “Essa enchente é movida a carvão”. O RS concentra 90% das reservas de carvão do Brasil, e é o estado cotado para ser “a nova fronteira minerária do país”. Junto ao petróleo e ao gás, figurando na indústria fossilista, o carvão é um dos principais fatores de emissão de CO2 na atmosfera, gás de efeito estufa que mais acelera o aquecimento global e a emergência climática.

Durante ato, foi memorado o troféu ‘Motosserra de Ouro’, entregue por entidades ambientalistas a Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre durante protesto contra a concessão de parques e praças públicas da capital, em novembro de 2023 | Crédito: Carolina C., ATBr
O avanço do agronegócio e de políticas neste sentido, como a de liberação de agrotóxicos, potencializa a emergência climática, relacionada diretamente ao capitalismo de tragédias | Crédito: Carolina C., ATBr

O governo de Eduardo Leite privatizou serviços complicando o acesso e a qualidade destes, dilacerou o código ambiental do RS, flexibilizou a legislação ambiental e abriu brecha para que grandes empresas e os ricos que lucram com o carvão, com a mineração, cravem suas garras em territórios de vida. O mesmo ocorre quanto ao agronegócio, outra atividade de alto impacto socioambiental negativo e que nos traz a emergência climática – defendida por Leite e em expansão no RS. Ao menos 20% da geografia do estado é monocultivo de soja para exportação, o que além de tudo nos mantém em uma relação de dependência do capital estrangeiro, minando a soberania. Todos estes são fatores que agravam a situação trágica, hoje vivida na pele por mais de dois milhões de gaúchos afetados. De acordo com a última atualização da Defesa Civil (01/06 – 9h), são 475 municípios afetados,
37.812 pessoas em abrigos, 580.111 desalojadas, 806 feridas, 43 desaparecidas e 171 óbitos confirmados.

As mudanças climáticas estão nos matando, decretar emergência climática já | Crédito: Carolina C., ATBr

Em marcha até o Palácio do Piratini, o ato contou com falas salientando que o povo não merece cidades provisórias ou de lona, como as que Sebastião Melo insiste em implementar, em total descaso com o povo, especialmente jovem, negro, ribeirinho, indígena e periférico.  Houve denúncia da cidade provisória que o Prefeito Sebastião Melo insiste em querer criar no Complexo do Porto Seco. Na mesma data do ato, 31 de maio de 2024, Melo anunciou pela manhã plano realizado com apoio da Alvarez & Marsal, especialista em processos de gentrificação social e privatização, além de limpeza de nome dos responsáveis por tragédias. 

A privatização de parques e praças públicas também faz parte de um projeto político contra o povo e a natureza | Crédito: Carolina C., ATBr
Crédito: Carolina C., ATBr

No ato foi abordado o racismo ambiental que eclode em solo gaúcho, e que também existe na Palestina ocupada, que vive um processo de colonização e genocídio pelo Estado de Israel. Pauta presente, que contou também com fala e momento de silêncio em respeito às vítimas palestinas do processo de colonização, apartheid social, violência e limpeza étnica promovida pelo Estado de Israel contra o povo palestino. 

Após segunda concentração do ato pelo clima, no Palácio do Piratini, manifestantes se somaram a outra manifestação, que teve ponto de encontro no Largo do Zumbi dos Palmares e foi organizada por moradores e comerciantes do bairro Cidade Baixa, também afetado pela enchente. A marcha seguiu pelas ruas do bairro, pautando com mais força o Fora Leite e Fora Melo.

Juventude pauta que a natureza não é a culpada e responsabiliza Melo e Leite pela tragédia do RS, durante marcha na Cidade Baixa | Crédito: Carolina C., ATBr

Não há justiça climática sem justiça social. O mesmo sistema capitalista, racista e patriarcal que causa a morte de rios, florestas e biomas, é o que retira direitos da classe trabalhadora, suas casas, sua saúde, as condições de vida digna e os territórios dos povos. Quando um território é afetado, todos são. As fronteiras coloniais impostas pelo mundo capitalista não nos servem, e tampouco as águas que avançam após serem represadas por projetos de morte pedem licença para passarem de uma fronteira a outra.

Que na confluência das lutas, e nesse entendimento, sejamos capazes de somar forças e organizar a revolta. Demandando direitos, a começar pelo investimento em políticas públicas que considerem a emergência climática, construídas a partir das demandas e necessidades dos territórios, e em diálogo permanente com atingides.

É preciso mudar o sistema | Crédito: Carolina C., ATBr
A Amigas da Terra Brasil esteve presente no ato, e em breve relato de Conceição Vidal abordará mais pontos sobre racismo ambiental nas cidades. Acompanhe as redes da ATBr e fique por dentro

Seguimos na luta!

Leia também a nota de posicionamento da Amigas da Terra Brasil  “INUNDAÇÃO NO RS: A emergência é climática, a responsabilidade é política. A solidariedade, a nossa força”

 

As mudanças climáticas, os crimes corporativos e a injustiça ambiental

COP28 mantém a hipocrisia dos espaços multilaterais internacionais do clima. Enquanto Estados tentam redesenhar os Acordos de Paris, manipulando a contabilidade das reduções das emissões e a polêmica sobre o financiamento do clima, empresas transnacionais hegemonizam as discussões com as propostas de solução “verde”. Tais propostas envolvem investimentos do capital financeiro no uso de hidrogênio verde, em geração de energia eólica e solar e em eletrificação de carros, todas respostas pensadas nos termos de uma economia extrativa com impactos desproporcionais no Sul Global, aprofundando desigualdades e injustiças ambientais.

Enquanto isso, o Brasil acumula muitas contradições ao seguir mantendo sua subordinação às empresas transnacionais. Na própria COP 28, a tenda Brasil, organizada pelo governo, com o lema “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”, contava com painéis das empresas Vale S.A e Braskem, duas mineradoras responsáveis pelos maiores crimes socioambientais do país. Além delas, o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas),  mecanismo promotor da responsabilidade social corporativa, teve seu espaço na tenda. O que corporações conhecidas nacionalmente pela violação aos direitos humanos e ambientais dos povos, e o instrumento corporativo de “lavagem verde e social” têm para construir e agregar à nossa nação?

A Vale S.A, BHP Billiton Brasil Ltda. e Samarco Mineração S.A são responsáveis pelos rompimentos das barragens de Fundão, na cidade de Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, ambas no estado de Minas Gerais – afora outras diversas barragens de rejeitos em risco de rompimento no país. Por anos, a empresa vinha sendo alertada pelos órgãos de fiscalização da necessidade de reforço da segurança das minas. Inclusive, especialistas apontam para o risco do uso de determinadas tecnologias no manejo do rejeito. Nenhuma das políticas corporativas conseguiu conter a destruição. E vale ressaltar que, nesses oito anos do desastre de Fundão, as vítimas seguem buscando indenização. O que os casos revelam é a reprodução de uma arquitetura da impunidade corporativa.

No caso da Braskem, a história se repete. Desde os anos 80, a sociedade civil e pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) alertam para as consequências da expansão da extração de sal-gema em Maceió, em Alagoas. Por décadas, a empresa extrai sal-gema, transformando o subsolo da cidade em várias crateras. Moradores da região atingidos denunciam rachaduras nas casas, cuja responsabilidade a empresa negava. Em 2018, quando ocorreu o terremoto na cidade, bairros vieram abaixo. A mineradora iniciou sua atividade instalando em um santuário ecológico estuarino; não havia dúvidas de que a destruição ambiental começava ali.

Importante destacar que os setores corporativos do agronegócio, mineração, construção civil, imobiliário e de energia têm flexibilizado a legislação. Temos tido eventos climáticos extremos resultantes das alterações do clima em função dos impactos gerados pelas corporações nos últimos séculos.  A diferença entre os crimes de Brumadinho, Mariana, Maceió e das enchentes na região de Maquiné e do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul; em Teresópolis, no Rio de Janeiro; em Santa Catarina e em Minas Gerais é o tempo. Alguns  demoram centenas de anos para recuperar, ainda que parcialmente, a qualidade de vida das pessoas e a integridade dos ecossistemas e outras dezenas; o certo é a impunidade dessas empresas e a violação dos direitos dos povos, que estão no plano de negócios. Não é acidente, é parte do plano. Sabiam que aconteceria e que o lucro seria maior em não fazer nada do que investir em soluções reais. Assim, a impunidade segue do lado das corporações e dos Estados capturados.

Quanto ao tema da energia, no regresso da COP28, o governo brasileiro, via ANP (Agência Nacional do Petróleo), decidiu disponibilizar em leilão 603 blocos para exploração de petróleo e gás, em regiões que incluem a afetação à Amazônia brasileira. O leilão de poços irá permitir que mais empresas transnacionais venham ao país determinar os rumos de nosso desenvolvimento e reduzindo, também, a capacidade do Estado em construir, com participação popular, uma política necessária de transição energética justa para a classe trabalhadora, incluindo perspectivas da justiça ambiental e do feminismo popular. Ao invés disso, mais destruição e impactos anunciados, na contramão de um movimento de redução dos combustíveis fósseis, que foi a tônica desta COP depois de 28 conferências realizadas desde 1992.

Movimentos populares e organizações feministas têm denunciado o avanço dos aerogeradores para produção de energia eólica no Nordeste e sua relação com a violência de gênero. No polo da Borborema, na Paraíba, a instalação de parques eólicos têm alterado toda a dinâmica de produção camponesa. No litoral do Ceará, a instalação de eólicas em alto mar atrapalha a produção pesqueira, afetando pescadores e ribeirinhos. Evidenciando a contradição entre o uso de soluções tecnológicas e a sua aplicação concreta, que segue causando conflitos socioambientais.

Não podemos deixar de mencionar o papel do Congresso Nacional. O Senado Federal, como alavanca da modernização conservadora no país, aprovou, ao final de novembro, o PL 1459/2022, que flexibiliza, ainda mais, a liberação de agrotóxicos no país. Apesar dos inúmeros estudos científicos, posicionamento de Conselhos e órgãos de classe, como CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), que alertam para as perdas da biodiversidade e do risco de aumento das doenças, como câncer, relacionadas ao uso intensivo de agrotóxicos no país. O Congresso aprova, e a Presidência tem dificuldade de veto.

Nesse cenário, observamos que as soluções para a crise climática são pensadas pelos mesmos agentes causadores delas: as grandes corporações. A história ambiental nos revela como a intensificação da destruição ambiental está relacionada ao avanço da industrialização capitalista, na promoção de um desenvolvimento desigual. No qual, países do Norte Global saíram na frente na corrida imperialista, destruindo comunidades, territórios, escravizando populações e colonizando a natureza, cujos efeitos profundos são sentidos pelas atuais gerações. São os países do Norte Global e organismos multilaterais que promovem a atuação das empresas transnacionais, facilitando seu processo de acumulação por dependência.

Desse modo, qualquer solução pensada nos termos atuais das relações sociais internacionais, e de sua base, as relações sociais de produção capitalista, são mecanismos para seguir mantendo a ordem de destruição socioambiental.

Seguimos nos desencontrando, enquanto promovemos um discurso internacional avançado, e não sabemos transcender as políticas internas desenvolvimentistas apoiadas pela burguesia nacional. Dessa forma, terminamos fazendo um grande pacto de mediocridade, concedendo continuamente nossa soberania às corporações.

É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis

Na construção de um Brasil novo, que seja o país do seu povo, não um país sustentável, mas um país ecológico e com justiça ambiental, é preciso aprender com as nossas práticas cotidianas, povos do campo, águas e florestas e, também, com as periferias das cidades, para manter a terra viva, suas culturas e  biomas,  onde estão as soluções para a crise climática. É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis. São as Terras Indígenas demarcadas, convivendo com outras relações de produção da vida no território, assim como as terras quilombolas, os territórios de povos e comunidades tradicionais.

A nossa história não permite aceitarmos que as corporações sejam soluções, um mundo dirigido pelo crescente poder corporativo que só tem nos levado às múltiplas  crises e aos desastres socioecológicos. Precisamos, com urgência, responsabilizar as corporações pelos seus crimes corporativos. São 37 anos de impunidade do empreendimento de sal-gema em Maceió; são séculos de impunidade das mineradoras e das grandes plantações transnacionais no solo brasileiro. Em face disso, a responsabilização das empresas e a regulação estatal do setor é fundamental. Por isso, a proposta do PL n.º 572/2022 deverá ser uma pauta prioritária dos povos para 2024.

Um Brasil livre e soberano, construindo um projeto político de libertação para si e para os povos da América Latina e Caribe, é a nossa urgência. Chega de falsas soluções! Chega de impunidade corporativa.

Coluna originalmente publicada no Jornal Brasil de Fato, em 21 de dezembro de 2022, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/12/21/as-mudancas-climaticas-os-crimes-corporativos-e-a-injustica-ambiental 

Informe “A natureza dos negócios” defende o fim da cooptação empresarial na COP15 do Convênio sobre a Diversidade Biológica (CDB)

A cooptação empresarial se infiltra e influencia a COP15 do Convênio sobre a Diversidade Biológica (CBD) e tenta fazer da natureza um negócio. Quem mais perde e perderá com isso são os povos e o meio ambiente. O novo informe da Amigos da Terra Internacional, intitulado “A natureza dos negócios”, convoca a UN Biodiversity a salvar a biodiversidade e a resistir à Captura Corporativa. Confira o material na íntegra: 

Informe “A natureza dos negócios”

A cooptação empresarial infiltra-se e influencia a COP15 da Convenção sobre Diversidade Biológica e tenta fazer da natureza um negócio.  Quem mais perderá com esse fato são os povos e o meio ambiente. 

De acordo com o informe de avaliação global da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e o relatório das Nove Fronteiras Planetárias, a biodiversidade está em perigo e o mesmo acontece com a vida na Terra.

Embora se saiba que as grandes empresas são um dos principais motores da crise da biodiversidade, muitas destas empresas afirmam que são parte da solução e estão à mesa das negociações; infiltram-se nos processos da ONU para assegurar que os seus interesses permaneçam protegidos e para que não existam “soluções” que prejudiquem os seus lucros.

A influência empresarial não é nada de novo, mas tem aumentado nos últimos anos. Tem sido estimulada pela necessidade de parecer responsável perante os consumidores e investidores interessados nas questões ambientais, pela sedutora possibilidade de lucros “verdes”, e pela atitude acolhedora do sistema das Nações Unidas em geral e especialmente da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB). Nestes fóruns, as grandes empresas são vistas como um interveniente necessário, em linha com a ideia de que sem as empresas (e o seu dinheiro) não podemos resolver os  problemas ambientais

Este informe com o título “A Natureza do Negócio”: A influência empresarial na Convenção sobre Diversidade Biológica e no “Marco Mundial da Diversidade Biológica”, estabelece as estratégias e táticas utilizadas pelas entidades empresariais na CDB. Também analisa em detalhe as muitas coligações empresariais e os seus membros, bem como as propostas de maquiagem verde (greenwashing) que eles elaboram.

Táticas e estratégias utilizadas pelas empresas para influenciar ou cooptar agências e processos da ONU

As grandes empresas utilizam uma variedade de táticas e estratégias para alcançar os resultados pretendidos nos processos da CDB. Em particular, formam coligações com nomes promissores para defender (e fazer lobby com) soluções sustentáveis que protegem os seus interesses comerciais, mas não fazem nada pelo meio ambiente.  Mecanismos de compensação (tais como “nenhuma perda líquida”, “ganho líquido”, “natureza positiva” e “soluções baseadas na natureza”), auto-relatórios, auto-regulação e auto-certificação são alguns exemplos.

Salvar a biodiversidade requer uma mudança transformadora, não uma cooptação empresarial

O envolvimento das grandes empresas na CDB é revelador de um conflito de interesses fundamental: como poderiam os principais responsáveis pela perda da biodiversidade – as mesmas empresas que têm de pagar dividendos aos seus acionistas – promover a transformação radical de que necessitamos? Será que aceitariam um espaço operacional restrito e receitas reduzidas como resultado?

A resposta curta é não; eles não o farão. E o impacto da influência empresarial na CBD COP15 já é evidente no projeto do Marco Mundial da Diversidade Biológica. Longe de ser transformadora, não aborda métodos de produção insustentáveis e permite que o negócio continue como de costume, que sigam fazendo os seus negócios como sempre. 

Recomendações do informe

Este informe é dirigido à ONU e aos seus estados membros para lhes lembrar que a sua prioridade máxima deve ser servir ao interesse público – incluindo todas as pessoas e seres não humanos do planeta – e abordar urgentemente a cooptação corporativa da CDB. Convida a ONU a:

– Rejeitar a pressão das grandes empresas
– Fortalecer a transparência em torno do lobby
– Limitar o papel do setor empresarial e  colocar um limite à sua participação
-Divulgar todas as relações e  vínculos existentes com o setor privado
– Estabelecer um código de conduta para as/os funcionárias/os da ONU
– Encerrar todas as parcerias existentes com grandes empresas e entidades comerciais
– Estabelecer um quadro juridicamente vinculativo de obrigações que possa responsabilizar as empresas pelas leis ambientais, de direitos humanos e de direitos laborais.

Acesse o informe na íntegra aqui! 

Conteúdo publicado originalmente no site da Amigos de la Tierra Internacional, em 05 de dezembro de 2022, em: https://www.foei.org/es/publicaciones/cooptacion-empresarial-naturaleza-negocios-informe/ 

 

COP 27 encerra com acordo sobre fundo de ‘perdas e danos’, mas sem uma definição formal para reduzir o uso de combustível fóssil

Apoio financeiro para países em desenvolvimento impactados pelas mudanças climáticas é considerado acordo histórico, mas contém cascas de banana.

As divergências entre países para completar o texto final das negociações impediram que a 27ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, em Sharm El-Sheikh, no Egito, acabasse na sexta-feira (18), data prevista para o encerramento do encontro. A plenária final ficou para a manhã de domingo, dia 20. A dificuldade para definir acordos tem feito com que as discussões sobre o regime climático avancem para além dos dias programados para o evento, e já se tornou uma “tradição” das Conferências. Em 2022, estiveram no centro dos debates agendas há muito reivindicadas pelos países do Sul global, os que menos contribuíram historicamente para as mudanças climáticas e os que mais são afetados por elas: Financiamento, Adaptação, Perdas e Danos. A divergência está em quem paga a conta pelas mudanças climáticas, isto é, os países ricos maiores causadores do problema, ou aqueles que já estão sofrendo com os impactos das mudanças climáticas.

O texto final da COP 27 foi divulgado com progresso sobre perdas e danos. Além de a pauta ter sido incorporada à agenda do evento (uma luta até o último minuto), as nações com altas emissões concordaram com a criação de um fundo de financiamento para perdas e danos. A decisão, considerada histórica, foi recebida sob aplausos na sala de conferências. No entanto, o evento foi encerrado sem informar qual será o valor destinado ao fundo, nem as metodologias que serão usadas para captar recursos e operacionalizar o fundo, o que deve acontecer no próximo ano, quando deve ser apresentada a regulamentação do Fundo. O que, sim, já sabemos é que o documento final prevê um papel especial para a iniciativa privada e para a filantropia climática, em uma articulação com os bancos multilaterais de desenvolvimento e grandes investidores institucionais.

A cooperação oficial internacional para o desenvolvimento, já há muitos anos cambaleante, torna-se definitivamente fora de moda. No horizonte, já não mais estão os empréstimos entre países a juros baixíssimos, muito aquém dos praticados no mercado de capitais, ou mesmo a fundo perdido. Estamos diante de uma transformação da macrofinança global, por meio da qual o desenvolvimento deve se tornar lucrativo para quem o financia. O esforço de reconstrução de países vitimados por eventos climáticos extremos fica refém do sistema financeiro, uma vez que essa agenda histórica (e tão demandada pelos países em desenvolvimento) vai sendo descaracterizada pela entrada de empresas seguradoras e dos grandes investidores cujo interesse está no lucro e não na vida das pessoas. Por isso, fica ambígua a designação de quais países irão realizar repasses para este fundo, se farão esses aportes ou se vão transferir para a iniciativa privada essa responsabilidade, e qual o montante, sinalizando que a definição pode ficar apenas para a COP 28, que ocorrerá em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Outro resultado importante das negociações foi a entrega do arcabouço geral para a implementação dos mercados de carbono, estabelecidos no art. 6 do Acordo de Paris. O grupo negociador conseguiu entregar resultados para os três parágrafos cruciais desse item da agenda: o 6.2, que estabelece os parâmetros para compensação de poluição entre os países por meio de “abordagens cooperativas”; 6.4, que trata dos antigos projetos de desenvolvimento limpo ou sustentável; e o 6.8, que aborda mecanismos de não-mercado. No primeiro item, causa estranheza a possibilidade de que os países definam como sigilosas as informações de compensação de poluição, ferindo o princípio de transparência e abrindo para possibilidades de dupla contagem; no segundo, permanece ambígua a relação entre os mecanismos 6.2 e 6.4, tal qual instituída pela figura da “autorização” necessária, outorgada pela autoridade pública, para o uso do crédito de carbono pelo mercado voluntário, favorecendo, assim, a maquiagem verde de governos e empresas; e, no terceiro item (6.8), a disputa entre a criação de uma plataforma para facilitar a correspondência entre demanda e oferta de meios de implementação (ou seja, financiamento, capacitação e transferência de tecnologia) ou de uma abordagem holística para o instrumento de não-mercado foi decidida em favor da primeira.

É importante ressaltar que tudo isso acontece em um contexto em que os governos aceleram a aprovação de regulações nacionais para os mercados de carbono, muitas vezes, sem escutar os sujeitos políticos mais vulneráveis a esse tipo de falsa solução climática. No Brasil, as florestas entraram para esse mercado, por meio do modelo de concessões, o que significa a contratação por parte do Estado brasileiro de empresas para realizar a gestão florestal. Vale lembrar dos programas já em andamento, como o Adote um Parque e o programa de estruturação de concessões de parques via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Já encontra-se em discussão no Congresso Nacional a aprovação de um projeto de lei que visa “desburocratizar” a concessão florestal no país, com isso, acelerando a transferência de terras da União para a administração privada, que poderá explorá-la economicamente, em particular, por meio de projetos de captura de carbono e serviços ambientais.

Durante a COP 27, o Grupo Carta de Belém, em conjunto com outras redes e movimentos sociais, lançou um posicionamento contrário à inclusão de florestas nos mercados de carbono, por entendermos que esse modelo de comercialização de créditos de poluição abre espaço para graves violações de direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e rurais, em uma conjuntura em que as instâncias de monitoramento e controle contra crimes ambientais foi desmontada pela gestão Bolsonaro-Salles-Leite.

Enquanto as florestas tropicais do mundo vão consolidando a sua posição como instrumentos da política de mitigação climática global por meio da lógica de compensações e net-zero, a posição contrária da comunidade internacional contra os combustíveis fósseis sofre retrocede a olhos vistos. A realização de uma COP no terceiro maior produtor de petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), é símbolo da conjuntura em que vivemos. O documento final peca pela falta de ambição nas ações de mitigação e por não abordar a causa do aquecimento global de maneira significativa: eliminar gradualmente a indústria de combustíveis fósseis. Com a pressão de China e Índia para que os países ricos assumissem um maior compromisso com financiamento para os países em desenvolvimento, em troca, manteve-se a decisão fraca de Glasgow (COP 26).

Em vez de mudar a linguagem adotada naquele momento para uma mais ambiciosa em relação a transição para energias renováveis, o altamente poluente carvão seguiu ocupando a posição de “energia de transição” para diminuir (não eliminar) o uso de combustíveis fósseis. A questão é séria e, como viemos afirmando, o problema não será sanado enquanto seus causadores sentam à mesa para negociar quanto tempo ainda tem para estender seus lucros com uma “compensação” nos países do Sul global. Mais uma vez o distanciamento entre as reivindicações da sociedade civil organizada e as negociações torna a COP um espaço de convergência climática hermética para países e empresas poluidoras.

Já batemos a marca de trinta anos de regime climático e 27 COPs. Até hoje não houve um acordo formal para reduzir o uso de combustível fóssil no mundo. Enquanto isso, as emissões continuam a subir e a meta de limitar as temperaturas a 1,5°C segue distante.  A verdade é que o acordo final ficou aquém do que a emergência exige. A sociedade civil global ainda terá muito trabalho pela frente. Além de continuar pressionando pela eliminação do uso de combustíveis fósseis e a adoção de fontes renováveis de energia, com atenção aos princípios de uma transição justa, será necessário criar capacidades para disputar o novo vocabulário das finanças verdes que entra com tudo na disputa pelo direcionamento do regime climático global.

Uma transição justa precisa contar com a participação de trabalhadores e trabalhadoras e comunidades atingidas

Frente às dificuldades de avançar com uma transição de matriz energética, para enfim eliminar o uso de combustíveis fósseis, é essencial que seja elaborada como se dará a transição no mundo do trabalho, de modo a garantir uma transição justa para todos. O Acordo de Paris, de 2015, menciona o termo “transição justa” como um reconhecimento de que os governos precisam levar em consideração a força de trabalho durante o processo de transição para uma economia verde.

Entre outros pontos que merecem destaque no Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh, se encontra o reconhecimento da necessidade do diálogo social significativo e eficaz para uma transição justa real através da participação das partes impactadas no processo de transição global, entre elas a força de trabalho. É preciso levar em conta que por trás dos números, há pessoas, que hoje desenvolvem trabalhos que poderão entrar em defasagem, mas que precisam ser incorporadas a este novo mundo do trabalho.

A transição justa tem sido a bandeira principal do movimento sindical nas negociações. O texto final ter incorporado a garantia da proteção social para mitigar os impactos do processo é um ganho importante para o mundo do trabalho, que já está sendo atingido pelas mudanças. Um desafio que se aponta agora é o de incorporar a transição justa nos planos nacionais, de forma cada vez mais explícita e com participação de trabalhadores e trabalhadoras e comunidades atingidas.

Artigo publicado originalmente no site do Grupo Carta de Belém, no dia 23 de novembro de 2022.  

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