Carta da Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul EFTA demanda compromisso do parlamento brasileiro

A assinatura do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia trará significativos impactos socioeconômicos, trabalhistas, fundiários, territoriais, ambientais e climáticos para o Brasil e os demais países do Mercosul. Os maiores beneficiários são as empresas  transnacionais, interessadas na importação de matérias primas baratas, na privatização de serviços e na ampliação de mercado para seus produtos industrializados. É o subdesenvolvimento dos países latino-americanos como base para o desenvolvimento do centro do capitalismo.

Crédito: Edgardo Matioli/Radio Mundo Real

Tendo isto em vista, organizações, movimentos sociais e coletivos da sociedade civil compõe a Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul EFTA, que em dezembro de 2020, lançou a sua carta fundadora. Nela, o  Parlamento brasileiro é convocado a promover amplo debate com a sociedade sobre os impactos que o acordo poderá trazer aos povos, pessoas trabalhadoras e aos territórios do país.

Confira a carta na íntegra: 


Carta Fundadora da Frente

Saiba mais sobre essa luta na nossa matéria “Organizações da América Latina e do Caribe pressionam pela responsabilização das transnacionais e contra Acordo UE-Mercosul“.

#StopMercosulUE #STOPMercosur #paremoacordouemercosul

Estão nos matando, mas ainda assim semeamos a esperança

Nós, mulheres, somos 51,8% da população brasileira, e mesmo assim não chegamos a ser metade das cadeiras do Congresso Nacional (17,7%) ou do Judiciário (38,8%). Tampouco temos a representatividade devida nas Assembleias Estaduais, Câmaras Municipais ou na direção do Executivo. A única mulher eleita Presidenta, Dilma Rousseff, sofreu um golpe misógino em 2016. Será impossível pensar em igualdade de gênero quando sequer somos capazes de construir uma equidade de representação política.

O cenário se agrava quando olhamos os quatro últimos anos de Governo Bolsonaro. Quando as políticas públicas se destinaram a retificar papéis históricos de gênero que reforçam a divisão sexual do trabalho. A mensagem política transmitida pelo governo e representações políticas era sintetizada em expressões como: “bela, recatada e do lar”; “meninas vestem rosa e meninos azul”.

Neste universo conservador, agregava-se o fundamentalismo religioso propagado pelas posições fascistas que confrontavam diretamente os direitos historicamente conquistados das mulheres, especialmente os sexuais e reprodutivos.

As estatísticas comprovam os retrocessos. Segundo o relatório de transição, houve uma desidratação das políticas públicas destinadas às mulheres; apenas no primeiro semestre de 2022, o país bateu recordes de feminicídio. Em 2021, 66 mil brasileiras foram vítimas de estupro e 230 mil sofreram agressões físicas por violência doméstica. Se olharmos esses dados sob o recorte racial, ainda encontraremos que 67% das vítimas de feminicídio e 89% das vítimas de violência sexual são mulheres negras. A partir de 2016, a Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres sofreu um corte de 90% de seu orçamento.

A crise sanitária atingiu de forma distinta as mulheres, refletindo a urgência de um debate público sobre a economia de cuidados. Isso porque as mulheres ocuparam as linhas de frente de combate ao coronavírus sendo as enfermeiras dos hospitais, as cuidadoras dos doentes nas casas e as que sustentaram o isolamento doméstico. As trabalhadoras domésticas foram as primeiras a serem infectadas pela pandemia e as mais impactadas pelos efeitos do covid-19.

O retorno do país ao mapa da fome afeta sobremaneira as mulheres: 1 em cada cinco lares chefiados por mulheres não tem o que comer no dia a dia. A sobrecarga de trabalho doméstico, já excessiva, aumentou ainda mais no desmantelamento de políticas sociais como escola e creches, agravando uma conjuntura marcada pelo desemprego generalizado. Nossas mulheres estão cansadas, doentes.

Em realidade, as disparidades de gênero cresceram em todo o mundo com a pandemia, estima-se que para atingir a igualdade de gênero levaríamos 135,6 anos. O Brasil ocupa a 93ª posição no mundo, de 153 países, sendo o penúltimo na lista latino-americana. O que nos torna um gigante de desigualdade.

O Informe Global de Gênero, do Fórum Econômico Mundial, propõe que para superar as lacunas são necessários investimentos no setor de assistência social, construção de políticas para igualdade no mundo do trabalho e capacitação das mulheres. A retórica da organização financeira é bastante peculiar, já que se de um lado propõe essas diretrizes, de outro promovem políticas de austeridade e desregulamentação nos países para facilitar a privatização de serviços e a entrada e permanência de empresas transnacionais.

Como podemos observar, as políticas públicas para as mulheres se resumem a uma sujeição à sociedade capitalista e patriarcal, e para outra grande parcela delas, a morte. Assim estão nos matando; eliminam nossos corpos, nossas mentes, nossa libertação. No entanto, somos feitas da terra e da resistência, e neste 8 de março queremos semear nosso projeto político alternativo: a economia feminista.

A economia feminista nos liberta

Mulheres são maioria nas iniciativas de solidariedade contra a fome que surgiram durante a pandemia, como as cozinhas solidárias do MTST – AFP

O sistema capitalista, desde sua origem, estruturou-se fazendo o uso do patriarcado como instrumento de dominação e exploração das mulheres, e rebaixando ainda mais sua posição como grupo social. Assim, organizou uma divisão sexual do trabalho, separando o trabalho produtivo, assalariado, do trabalho reprodutivo, este último legado às mulheres. Todas as tarefas de cuidado que são necessárias para a manutenção das condições de vida estão designadas às mulheres e não são remuneradas. Se assim o fosse, seria impossível sustentar os baixos salários e o avanço da mercantilização e privatização à medida que exigiria que a sociedade não estivesse orientada para o individualismo e, sim, para a coletividade.

Ocorre que a crise de cuidado é permanente em nossa sociedade; não à toa, vivemos uma profunda crise do capital versus vida. A orientação da produção mundial para a produção constante de lucro, concentrado numa cada vez menor parcela de indivíduos acionistas de grandes corporações que controlam cadeias globais de produção, é insustentável.

A crise ambiental instalada desde a separação do homem da Natureza na modernidade tem produzido cada vez mais a nossa insustentabilidade como espécie humana neste planeta. “A ruptura entre as nossas sociedades e a natureza não é de responsabilidade de toda a população, pois foi projetada e é perpetuada por esses sistemas de poder em nível global”, expressa Karin Nansen, ex-presidenta da Federação de Amigas da Terra Internacional. Precisamos, urgentemente, superar nossa separação com a Natureza, suas gentes e suas culturas, e incorporar valores de ecodependência.

Frente aos desafios da crise múltipla da acumulação do capital, feministas de todo mundo têm construído a economia feminista e popular como projeto político alternativo. A economia feminista é uma aposta política para transformar a sociedade, as relações entre as pessoas, e entre elas e a natureza. Reconhecer o trabalho de cuidado invisibilizado e propor sua reorganização é um primeiro passo. Determinar uma nova lógica de produção mundial na qual a economia esteja centrada na vida, dando especial atenção aqueles que trabalham para sustentá-la.

Todas e todos, ao longo de nossas vidas, precisamos de cuidados; não há condição de vida sem relações de reciprocidade. É por isso que precisamos subverter a lógica da ganância das empresas transnacionais que dirigem o mundo, e tomar consciência da centralidade da vida humana e sua reprodução. Ter esses sujeitos e sujeitas no centro do pensar nossa política, como propõe Karin: “Precisamos de respostas que coloquem no centro as classes populares, a classe trabalhadora, as mulheres, os povos indígenas, as comunidades quilombolas, as comunidades camponesas e todas aquelas comunidades que sofrem diretamente os impactos desse sistema e desse modelo de acumulação”.

A economia feminista não é um projeto acabado, é um projeto em permanente construção no andamento dos processos de luta de classes, do qual convidamos a todos e todas para se engajarem. Construir a economia feminista é resistir aos projetos de morte, e mesmo depois de tantas pilhagens, semearmos a esperança. Muitas mulheres ao redor do mundo estão fazendo isso, construindo cotidianamente novas práticas coletivas de cuidado, novas relações sociais e com a Natureza.

Assim, deixamos para este 8 de março o repensar a organização da sociedade em quatro eixos centrais de enfrentamento ao capitalismo, desde a economia feminista: 1) o reconhecimento e organização do cuidado; 2) a centralidade da vida; 3) interdependência; 4) ecodependência. Marchando com nossa bandeira, seguimos e nos atrevemos a viver a nossa vida com valor, força e dedicação.

 

Abaixo, divulgamos dois vídeos sobre economia feminista produzidos em parceria pela Capire e pela Amigas da Terra Internacional. A locução está em espanhol e inglês, mas tem legenda em português.

Parte 1

Parte 2

 

Coluna publicada originalmente no Jornal Brasil de Fato, no link: https://www.brasildefato.com.br/2023/02/28/estao-nos-matando-mas-ainda-assim-semeamos-a-esperanca 

Rodas de conversa da AFP: enfrentamento à fome, à violência e construção de soberania alimentar

A Aliança Feminismo Popular constrói, junto às mulheres, espaços de diálogos pelo fim da violência contra a mulher, do racismo estrutural, da falta de moradia e da fome. No mês de novembro, as companheiras relembraram a luta contra o racismo com o Dia da Consciência Negra (20) e o Dia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres (25), ressaltando que a luta é diária.
 
A Aliança também denuncia o absoluto descaso do governo federal frente às desigualdades e a falta de políticas públicas, pois a violência ocorre em todos os lugares e atinge mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. E a sua raiz está no sistema capitalista, patriarcal e racista, que exerce controle, apropriação e exploração do corpo, da vida e da sexualidade.
 
Esse debate é permanente na agenda da Aliança Feminismo Popular, que salienta que a violência não é um fenômeno isolado e individual de um homem contra uma mulher. Mas sim um instrumento de controle e de disciplina do corpo, da vida e do trabalho das mulheres.
 

No mês de novembro, para avivar a luta e memorar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta Contra a Violência às Mulheres, a Aliança Feminismo Popular preparou o vídeo abaixo.

A coordenadora da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos, lê um trecho do manifesto publicado pela AFP para marcar a data:

Clique aqui e confira o manifesto preparado pela Aliança Feminismo Popular na íntegra

Em dezembro deste ano, dando continuidade às pautas de novembro, que são cotidianas na vida de todas nós, a AFP realizou atividades com mulheres em Porto Alegre (RS). Marcadas por dois encontros e muita construção coletiva.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No dia 15 aconteceu uma roda de conversa com as mulheres da Cozinha Solidária da Azenha, projeto do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) que desde o início da pandemia de Covid-19 assegurou, em Porto Alegre, de 200 a 250 almoços diários para a população em vulnerabilidade. A Cozinha Solidária da Azenha se soma a outras 31 Cozinhas Solidárias do MTST espalhadas pelo Brasil, e ao longo do ano, com carinho e afeto, distribuiu mais de 1,5 milhões de refeições gratuitamente.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Conheça mais sobre a Cozinha Solidária da Azenha aqui

Cerca de 15 mulheres que tocam o cotidiano da cozinha e são responsáveis pela organização e limpeza do espaço, pelo preparo das refeições e atendimento à população que circula por ali estiveram presentes, além das representantes da AFP. Conversaram sobre a dura condição das mulheres nesta sociedade capitalista e patriarcal e as violências que sofrem.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No encontro, assistiram ao vídeo da Campanha Sem Culpa, Nem Desculpa, lançada pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), em 2017. Ambas são organizações feministas que abordam de forma geral como a violência afeta a vida das mulheres, assim como as formas e formatos de violência que incidem em nossos cotidianos.

Abaixo você confere o vídeo Sem Culpa, Nem Desculpa:

A AFP também fez a entrega de kits de higiene para as companheiras da Cozinha Solidária. Todas ficaram comprometidas em buscar um outro momento para avançar na auto-organização das mulheres.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Dando sequência, o dia 18 de dezembro contou com mais uma roda de conversa, dessa vez com as mulheres envolvidas no projeto da horta comunitária do Morro da Cruz. A horta está completando dois anos de existência, e começou na pandemia devido à necessidade de fazer enfrentamento às situações de fome e insegurança alimentar.

Roda de conversa na Horta Comunitária do Morro da Cruz

Para além da resistência, e como anúncio de novas possibilidades para a alimentação, a Aliança pauta ainda a construção da soberania alimentar. Tendo isso em vista, desde 2020, teve início a construção de uma horta em espaço público da comunidade, que antes era utilizado como estacionamento de carros.

E assim vem se fortalecendo a organização das mulheres no espaço, que em dois anos conta com cerca de vinte companheiras com as suas famílias – entre crianças e companheiros, que também se envolvem nos debates e construções. O dia 18 foi um momento de confraternização e encerramento do ano, e contou também com a roda de conversa sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres, tema que perpassa a vida das mulheres e de suas famílias. Ainda nessa perspectiva, este dia também contou com apresentação e diálogo sobre o filme “Sem culpa nem desculpa”.

Horta Comunitária do Morro da Cruz

Tendo em vista que muitas vezes a falta de dinheiro pressupõe priorizar a comida ao invés de absorventes ou produtos de higiene, que ajudam na vida das companheiras, a Aliança distribuiu novamente kits de higiene neste encontro. Uma ação que também foi voltada a um resgate de processos de autocuidado e de autoestima das companheiras. Em conexão com outra pauta fundamental da horta comunitária, que é a alimentação, também foram distribuídos alimentos do Movimento Sem Terra (MST), que em aliança constante e solidariedade com a AFP constrói momentos assim. Feijão, arroz, leite e farinha láctea compuseram o kit alimentar.

Entrega de kits na Horta Comunitária do Morro da Cruz

O momento contou com cerca de 15 mulheres. A maioria segue participando dessa construção de luta desde o início: se auto organizando, se sentindo cada vez mais um grupo, e se percebendo em um espaço de segurança para conversar. E, sobretudo, para pensar a alimentação, no caso da horta, como um fomentador para o debate do feminismo e da vida cotidiana das mulheres na periferia de Porto Alegre.

A violência contra a mulher não é o mundo que queremos. O fortalecimento do feminismo popular segue, assim como a luta contra a exploração, as opressões, o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Estamos juntas para transformar o mundo.

Não deixe de acompanhar o blog da Aliança Feminismo Popular, onde é possível conhecer as construções coletivas e de luta das companheiras

 

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