Seguimos na luta feminista frente aos ataques contra a democracia

A luta feminista é fundamental para alcançar a justiça ambiental. A resistência e o desmantelamento do patriarcado formam parte integral da Soberania Alimentar, da gestão das florestas e da democracia, assim como da luta contra os sistemas econômicos e as instituições políticas opressivas. Abaixo, apresentamos três entrevistas com pessoas que estão liderando lutas pela mudança de sistema e por um mundo mais feminista, centrado na justiça de gênero. 

Florestas e Biodiversidade – Rita Uwaka, Amigos da Terra Nigéria
Como é que o patriarcado e outras opressões se tornam obstáculos na luta pela democracia, pelas florestas e pela biodiversidade?

Existe uma forte ligação entre o patriarcado e a gestão florestal, porque o sistema patriarcal domina a governança das florestas e da biodiversidade e é um agente chave da apropriação das florestas. As relações de poder desiguais que o patriarcado reforça promovem falsas soluções e modelos agrícolas destrutivos, que transformam as florestas em commodities do agronegócio, por exemplo.

O patriarcado afeta todas as pessoas. O patriarcado influencia os processos de tomada de decisões relacionadas com a gestão florestal em detrimento das mulheres que dependem destas florestas, que são excluídas dos espaços de decisão e cujas vozes e preocupações não são tidas em conta nas políticas e práticas que afetam as florestas e a biodiversidade. Contudo, as mulheres são as principais cuidadoras e guardiãs das florestas, bem como aquelas que possuem conhecimentos tradicionais. 

A falta de controle na tomada de decisões se traduz em um desequilíbrio de poder que marginaliza as mulheres, as comunidades locais e outros grupos já excluídos.  Quando as partes interessadas não incorporam adequadamente as considerações destes grupos e quando os espaços de tomada de decisão não são suficientemente inclusivos e representativos, não se pode avançar e nem progredir. 

No entanto, ao enfrentar o poder e defender ao lado das mulheres o seu direito à autodeterminação, bem como o seu direito de dizer sim e de dizer não, fazemos com que as coisas mudem. Através do empoderamento das mulheres e da resistência contra as estruturas patriarcais, estamos formando líderes comunitárias.

É essencial que as pessoas compreendam o valor ecológico, social e cultural das florestas, bem como o que as florestas contribuem para as suas vidas e comunidades. Além disso, devemos permanecer alertas à ameaça constante do poder corporativo e às tácticas que as empresas utilizam – tais como subornar comunidades com subvenções e empréstimos – apenas para assumir o controle das suas terras e impedir o seu acesso às florestas. Ser capaz de tomar decisões informadas é fundamental para a nossa luta pela democracia, pelas florestas e pela biodiversidade.

Desmantelar a influência que o patriarcado tem nos processos de tomada de decisão relacionados com a gestão florestal e a conservação da biodiversidade exige resistir, mobilizar e transformar as atuais relações e estruturas de poder. Assim como criar processos de tomada de decisão inclusivos e participativos, que valorizem as contribuições das mulheres.

Lembremos que não há justiça ambiental sem justiça de gênero. Não há justiça de gênero sem mulheres!

 

Soberania Alimentar – Joolia Demigillo, Amigos da Terra Filipinas
Como o feminismo contribui na construção da Soberania Alimentar e como a democracia é defendida nessa perspectiva?

A Soberania Alimentar é uma aspiração a uma alternativa ao sistema atual, incapaz de alimentar a população com alimentos nutritivos, diversos e ecológicos. Baseia-se na consideração da alimentação como uma questão política que não deve ser separada dos contextos sociais, culturais e econômicos.

As mulheres em todo o mundo desempenham um papel muito importante na produção de alimentos, bem como na garantia de que estes estejam sempre disponíveis nas suas casas e comunidades. No entanto, a maioria, senão todas estas tarefas, não são reconhecidas, não são remuneradas ou são consideradas responsabilidades exclusivas das mulheres. Isto torna ainda mais difícil para as mulheres obterem oportunidades de participar em assuntos políticos.

É uma luta diária para as mulheres enfrentarem relações assimétricas de poder e a opressão de gênero – a nível pessoal e estrutural. As mulheres escolhem estar na linha da frente de muitas lutas pela democracia. Em todo o lado vemos a ascensão de governos autoritários que minam a democracia e impedem a realização do direito humano à alimentação adequada. A luta pela Soberania Alimentar é uma luta pela democracia e contra a opressão. Através da Soberania Alimentar, mulheres e pessoas de todos os gêneros podem expressar os seus direitos, a sua dignidade e aspirações.

Podemos viver o sonho da Soberania Alimentar quando este é deixado nas mãos dos povos, mulheres e jovens, para determinar que alimentos, como e onde são produzidos, distribuídos e consumidos. Portanto, isto requer uma mudança radical nos sistemas e estruturas da nossa sociedade.

O apelo à Soberania Alimentar é feminista porque quer transformar o sistema. É quando as mulheres e outras expressões de gênero são libertadas que podemos dizer que emancipamos a nossa sociedade da discriminação, da injustiça e da opressão.

 

Economia Feminista – Karina Morais, Marcha Mundial das Mulheres Brasil
Quais são as principais contribuições da economia feminista para as lutas em defesa da democracia?

A Economia Feminista é a nossa resposta objetiva ao sistema capitalista, neoliberal, racista e patriarcal, baseado na mercantilização da vida. O modelo econômico hegemônico baseia-se na separação entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo, o que historicamente criou a ideia de que o primeiro está ligado à esfera pública e o segundo à esfera privada. Trabalho produtivo é entendido como aquele que pode ser precificado e, portanto, gerar lucro. Já o trabalho reprodutivo envolve o trabalho doméstico e de cuidado, nas suas diversas dimensões. Isto inclui tarefas domésticas, cuidados com crianças, doentes e idosos, bem como apoio emocional aos familiares.

Essas atividades, por sua vez, são realizadas majoritariamente por mulheres, a partir da naturalização de uma construção social patriarcal. O que é visto como algo “natural” no universo feminino, até mesmo como expressão de “amor”, é na verdade um trabalho invisível, não remunerado, e que não é entendido como um componente da economia. Em outras palavras, exploração. Isso é o que chamamos de dia duplo e triplo das mulheres. Afinal, realizam atividades produtivas, mesmo que estejam em desvantagem no mercado de trabalho, e também realizam atividades de sustentabilidade da vida.

Esta transformação proposta pela Economia Feminista implica também a defesa da democracia, porque a lógica do modelo económico hegemónico é imposta através da violência e da desapropriação (expropriação), e é combinada com a opressão patriarcal e racista. A expressão do mercado livre que hoje domina a economia é profundamente antidemocrática. Mudar a economia para mudar a vida das mulheres é também um ato radical de defesa da democracia e da liberdade.

Neste sentido, desde a fundação da Marcha Mundial das Mulheres defendemos que não basta incluir as mulheres neste modelo econômico, em que o lucro está acima da vida e as vidas existem para gerar esse lucro. Precisamos romper com esse paradigma e propor um projeto político em que a sustentabilidade da vida esteja no centro da economia. Esta compreensão é central para as nossas formulações da Economia Feminista. É conceitual, mas faz parte da realidade prática da vida, principalmente quando observamos o conjunto de experiências alternativas que as mulheres construíram que vão na contramão ao modelo hegemônico, no campo e na cidade.

A Amigas da Terra Internacional manifesta solidariedade com o povo palestino e apoia a sua luta para acabar com a ocupação de Israel. Ao abordar a questão da democracia, é impossível celebrar o 8 de Março e o Dia Internacional dos Direitos da Mulher sem prestar homenagem à resistência passada, presente e contínua do povo palestino, especialmente das mulheres, que são os seus pilares. É imperativo reconhecer que a abordagem dos problemas ambientais não pode ser separada do reconhecimento do direito dos povos à soberania nacional na sua própria terra.

A Palestina é uma causa de direitos humanos e de justiça climática”, disseram Rasha Abu Dayyeh e Abeer Butmeh, membros do PENGON – Amigos da Terra Palestina, nesta entrevista publicada em dezembro de 2023.

Texto originalmente publicado no site da Amigas da Terra Internacional, em: https://www.foei.org/es/la-lucha-feminista-para-la-democracia/

 

As mudanças climáticas, os crimes corporativos e a injustiça ambiental

COP28 mantém a hipocrisia dos espaços multilaterais internacionais do clima. Enquanto Estados tentam redesenhar os Acordos de Paris, manipulando a contabilidade das reduções das emissões e a polêmica sobre o financiamento do clima, empresas transnacionais hegemonizam as discussões com as propostas de solução “verde”. Tais propostas envolvem investimentos do capital financeiro no uso de hidrogênio verde, em geração de energia eólica e solar e em eletrificação de carros, todas respostas pensadas nos termos de uma economia extrativa com impactos desproporcionais no Sul Global, aprofundando desigualdades e injustiças ambientais.

Enquanto isso, o Brasil acumula muitas contradições ao seguir mantendo sua subordinação às empresas transnacionais. Na própria COP 28, a tenda Brasil, organizada pelo governo, com o lema “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”, contava com painéis das empresas Vale S.A e Braskem, duas mineradoras responsáveis pelos maiores crimes socioambientais do país. Além delas, o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas),  mecanismo promotor da responsabilidade social corporativa, teve seu espaço na tenda. O que corporações conhecidas nacionalmente pela violação aos direitos humanos e ambientais dos povos, e o instrumento corporativo de “lavagem verde e social” têm para construir e agregar à nossa nação?

A Vale S.A, BHP Billiton Brasil Ltda. e Samarco Mineração S.A são responsáveis pelos rompimentos das barragens de Fundão, na cidade de Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, ambas no estado de Minas Gerais – afora outras diversas barragens de rejeitos em risco de rompimento no país. Por anos, a empresa vinha sendo alertada pelos órgãos de fiscalização da necessidade de reforço da segurança das minas. Inclusive, especialistas apontam para o risco do uso de determinadas tecnologias no manejo do rejeito. Nenhuma das políticas corporativas conseguiu conter a destruição. E vale ressaltar que, nesses oito anos do desastre de Fundão, as vítimas seguem buscando indenização. O que os casos revelam é a reprodução de uma arquitetura da impunidade corporativa.

No caso da Braskem, a história se repete. Desde os anos 80, a sociedade civil e pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) alertam para as consequências da expansão da extração de sal-gema em Maceió, em Alagoas. Por décadas, a empresa extrai sal-gema, transformando o subsolo da cidade em várias crateras. Moradores da região atingidos denunciam rachaduras nas casas, cuja responsabilidade a empresa negava. Em 2018, quando ocorreu o terremoto na cidade, bairros vieram abaixo. A mineradora iniciou sua atividade instalando em um santuário ecológico estuarino; não havia dúvidas de que a destruição ambiental começava ali.

Importante destacar que os setores corporativos do agronegócio, mineração, construção civil, imobiliário e de energia têm flexibilizado a legislação. Temos tido eventos climáticos extremos resultantes das alterações do clima em função dos impactos gerados pelas corporações nos últimos séculos.  A diferença entre os crimes de Brumadinho, Mariana, Maceió e das enchentes na região de Maquiné e do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul; em Teresópolis, no Rio de Janeiro; em Santa Catarina e em Minas Gerais é o tempo. Alguns  demoram centenas de anos para recuperar, ainda que parcialmente, a qualidade de vida das pessoas e a integridade dos ecossistemas e outras dezenas; o certo é a impunidade dessas empresas e a violação dos direitos dos povos, que estão no plano de negócios. Não é acidente, é parte do plano. Sabiam que aconteceria e que o lucro seria maior em não fazer nada do que investir em soluções reais. Assim, a impunidade segue do lado das corporações e dos Estados capturados.

Quanto ao tema da energia, no regresso da COP28, o governo brasileiro, via ANP (Agência Nacional do Petróleo), decidiu disponibilizar em leilão 603 blocos para exploração de petróleo e gás, em regiões que incluem a afetação à Amazônia brasileira. O leilão de poços irá permitir que mais empresas transnacionais venham ao país determinar os rumos de nosso desenvolvimento e reduzindo, também, a capacidade do Estado em construir, com participação popular, uma política necessária de transição energética justa para a classe trabalhadora, incluindo perspectivas da justiça ambiental e do feminismo popular. Ao invés disso, mais destruição e impactos anunciados, na contramão de um movimento de redução dos combustíveis fósseis, que foi a tônica desta COP depois de 28 conferências realizadas desde 1992.

Movimentos populares e organizações feministas têm denunciado o avanço dos aerogeradores para produção de energia eólica no Nordeste e sua relação com a violência de gênero. No polo da Borborema, na Paraíba, a instalação de parques eólicos têm alterado toda a dinâmica de produção camponesa. No litoral do Ceará, a instalação de eólicas em alto mar atrapalha a produção pesqueira, afetando pescadores e ribeirinhos. Evidenciando a contradição entre o uso de soluções tecnológicas e a sua aplicação concreta, que segue causando conflitos socioambientais.

Não podemos deixar de mencionar o papel do Congresso Nacional. O Senado Federal, como alavanca da modernização conservadora no país, aprovou, ao final de novembro, o PL 1459/2022, que flexibiliza, ainda mais, a liberação de agrotóxicos no país. Apesar dos inúmeros estudos científicos, posicionamento de Conselhos e órgãos de classe, como CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), que alertam para as perdas da biodiversidade e do risco de aumento das doenças, como câncer, relacionadas ao uso intensivo de agrotóxicos no país. O Congresso aprova, e a Presidência tem dificuldade de veto.

Nesse cenário, observamos que as soluções para a crise climática são pensadas pelos mesmos agentes causadores delas: as grandes corporações. A história ambiental nos revela como a intensificação da destruição ambiental está relacionada ao avanço da industrialização capitalista, na promoção de um desenvolvimento desigual. No qual, países do Norte Global saíram na frente na corrida imperialista, destruindo comunidades, territórios, escravizando populações e colonizando a natureza, cujos efeitos profundos são sentidos pelas atuais gerações. São os países do Norte Global e organismos multilaterais que promovem a atuação das empresas transnacionais, facilitando seu processo de acumulação por dependência.

Desse modo, qualquer solução pensada nos termos atuais das relações sociais internacionais, e de sua base, as relações sociais de produção capitalista, são mecanismos para seguir mantendo a ordem de destruição socioambiental.

Seguimos nos desencontrando, enquanto promovemos um discurso internacional avançado, e não sabemos transcender as políticas internas desenvolvimentistas apoiadas pela burguesia nacional. Dessa forma, terminamos fazendo um grande pacto de mediocridade, concedendo continuamente nossa soberania às corporações.

É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis

Na construção de um Brasil novo, que seja o país do seu povo, não um país sustentável, mas um país ecológico e com justiça ambiental, é preciso aprender com as nossas práticas cotidianas, povos do campo, águas e florestas e, também, com as periferias das cidades, para manter a terra viva, suas culturas e  biomas,  onde estão as soluções para a crise climática. É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis. São as Terras Indígenas demarcadas, convivendo com outras relações de produção da vida no território, assim como as terras quilombolas, os territórios de povos e comunidades tradicionais.

A nossa história não permite aceitarmos que as corporações sejam soluções, um mundo dirigido pelo crescente poder corporativo que só tem nos levado às múltiplas  crises e aos desastres socioecológicos. Precisamos, com urgência, responsabilizar as corporações pelos seus crimes corporativos. São 37 anos de impunidade do empreendimento de sal-gema em Maceió; são séculos de impunidade das mineradoras e das grandes plantações transnacionais no solo brasileiro. Em face disso, a responsabilização das empresas e a regulação estatal do setor é fundamental. Por isso, a proposta do PL n.º 572/2022 deverá ser uma pauta prioritária dos povos para 2024.

Um Brasil livre e soberano, construindo um projeto político de libertação para si e para os povos da América Latina e Caribe, é a nossa urgência. Chega de falsas soluções! Chega de impunidade corporativa.

Coluna originalmente publicada no Jornal Brasil de Fato, em 21 de dezembro de 2022, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/12/21/as-mudancas-climaticas-os-crimes-corporativos-e-a-injustica-ambiental 

Declaração das organizações populares é apresentada na Cúpula Social do Mercosul

Na manhã desta terça-feira (5/12), movimentos sociais e organizações populares leram a “Declaração das organizações populares na Cúpula Social do Mercosul”, durante encontro ocorrido no Rio de Janeiro, Brasil.

O texto inclui a posição histórica das organizações Amigas da Terra Brasil (ATBr), REDES (Red de Ecología Social) – Amigos da Terra Uruguai, Terra Nativa Amigos da Terra Argentina e Sobrevivencia Amigos da Terra Paraguai, que rejeitam os TLC (Tratados Livre Comércio) em defesa da integração dos povos, da soberania, da democracia e da participação social.


O espaço de debates presenciais da Cúpula Social foi retomado após sete anos de abandono, com uma clara defesa da integração regional e da participação social como caminho para a construção de políticas públicas regionais para os povos.

A Cúpula Social foi um momento chave para reiterar a rejeição contundente das organizações e movimentos sociais ao ACL #UEMERCOSUL , uma vez que significaria o aprofundamento de um modelo produtivo extrativista, colonial e racista, insustentável para o ambiente e para as pessoas.

Acesse a Declaração dos Movimentos Sociais na Cúpula Social do Mercosul e saiba mais 

 

Assembleia Geral Bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi) reforça solidariedade com a Palestina e articulação regional

A Amigas da Terra Brasil esteve, em novembro, em Nova Orleans, nos Estados Unidos (EUA), participando da assembleia geral bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi). Compareceram nossa conselheira Lucia Ortiz, que é membra do Comitê Executivo da FoEi, e a presidenta Letícia Paranhos, também coordenadora internacional do programa Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo (JERN) da federação.

Na assembleia, organizações ambientalistas de base de todo o mundo que integram a Federação Amigos da Terra debateram o plano quinquenal da organização, estabelecido de forma democrática para o período 2021-2026, e avaliaram sua caminhada em direção ao cumprimento dos seus 3 objetivos principais: organizar e mobilizar para construir o poder popular e a soberania dos povos; contribuir no desmantelamento de todas as formas de exploração e de opressão e o poder corporativo das empresas transnacionais; assegurar mudanças urgentes necessárias para abordar as crises sistêmicas desde uma perspectiva de justiça (ambiental, social, de gênero e econômica).



Dentre tantos compromissos firmados pela assembleia, está o de seguir em solidariedade com a Palestina. Nós do Brasil, saímos comprometidas, entendendo ainda mais a importância latino-americana nessa solidariedade, pois os companheiros da Palestina contam com a gente. Temos capacidade de fortalecer a Campanha BDS, que é um movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções às empresas transacionais vinculadas ao Estado de Israel e seu projeto colonial, imperialista e genocida do povo palestino. Esse sistema que oprime os trabalhadores e os povos da periferia dos países do Sul é o mesmo que permite o apartheid e a destruição do ambiente e das possibilidades de sustentação da vida na região; que possibilita os ataques e a violência de Israel contra os palestinos, com grandes empresas que atuam em nossos países exportando armas de guerra, tecnologias de vigilância, técnicas de privatização e controle de águas e as bases ideológicas para a manutenção de um estado de guerra, com apoio das grandes potências do Norte global. Queremos e lutaremos pela liberdade do povo e da terra palestina!

As organizações do nosso continente também fortaleceram a articulação regional, a ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe). Realizamos uma bonita homenagem à Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no Brasil e integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF), falecida neste ano. A atuação feminista da Nalu foi determinante a todas as organizações e movimentos sociais latino-americamos. Reforçamos o compromisso de seguir a marcha de Nalu, desmantelando o patriarcado e todas as formas de opressão!


#nalufariapresente #FoEi #ATBr  

O que há por trás do termo natureza positiva na Cúpula de Biodiversidade, COP15?

Necessitamos um Marco Mundial da Biodiversidade com políticas ambientais rigorosas, que assegurem que o mundo volte a viver dentro dos limites planetários. 

Imagem de David F. Sabadell

A biodiversidade está em crise em todo o planeta. O número de espécies, e de indivíduos dentro das próprias espécies, diminuiu de forma retumbante nas últimas décadas, e a comunidade científica adverte que nos próximos anos podemos perder um milhão a mais de espécies. Para quem está seguindo o tema de perto é mais evidente que essa crise da biodiversidade é, na verdade, uma faceta a mais da crise sistêmica, causada pelo modelo econômico atual e pelo mantra do crescimento infinito. 

O Convênio sobre a Diversidade Biológica (CBD nas siglas em inglês) iniciou um processo para estabelecer um novo Marco Mundial da Biodiversidade durante a Conferência das Partes das Nações Unidas no ano de 2018, um encontro em que muitas das nações participantes se comprometeram a respaldar um marco para a “mudança transformadora” elaborado pela comunidade científica. Aí então, se abrigava a esperança de que essa decisão fosse uma oportunidade real para mudar o modelo econômico e proteger a biodiversidade. Frente a essa premissa, escrevi para um bom número de amigas, amigos e ativistas ecologistas de todo o mundo para lhes dizer: “você tem que participar desse processo, vai ser transformador”. Enquanto o Convênio sobre a Diversidade Biológica fingia escutar as necessidades da sociedade civil e dos povos indígenas na primeira ronda de consultas, quando veio a luz o primeiro rascunho, tomei um duro golpe: as medidas que poderiam transformar verdadeiramente o sistema econômico que minava a biodiversidade – tais como normas/políticas rígidas e coordenadas para minimizar o dano ambiental – não tinham nenhuma possibilidade de êxito. 

O plano das grandes empresas é seguir devastando a biodiversidade a curto prazo, com a promessa de que compensarão esses danos a longo prazo

Por sua vez, nos demos conta rapidamente de que a participação das grandes empresas nas discussões estava obstruindo qualquer avanço, tal como acaba de demonstrar um novo estudo da Amigos da Terra Internacional. Inclusive empresas criminosas como BP, responsável pelo derramamento de petroleiro de Deepwater Horizon em 2010, ou a Vale, que envenenou centenas de quilômetros de rios com rejeitos tóxicos de suas minas diante do rompimento de duas represas de rejeitos no Brasil. Grandes contaminantes como estas empresas criam coalizões que se apresentam como ‘verdes“ ou “sustentáveis”. Porém, nas salas de negociação, com as portas fechadas,  advogam por medidas voluntárias e de maquiagem verde que simulam uma regulação verdadeira. Está evidente que entendem que qualquer medida eficaz frente a perda de biodiversidade os prejudica e constitui um obstáculo para suas ganâncias.

Durante anos temos visto como os estados participantes e os altos funcionários da ONU recebem de braços abertos essas coalizões empresariais e suas propostas. Isso faz com que os resultados deste convênio- chave sobre a biodiversidade – e as políticas que vão reger a próxima década – estejam repletos de propostas de lavagem verde. Os conceitos de “Natureza positiva” e “soluções baseadas na natureza” são algumas dessas medidas, que colocam em perigo as verdadeiras soluções da crise urgente da biodiversidade. 

O conceito de “Natureza positiva” ou “positivo para a natureza” pode soar bem, mas sua definição é muito confusa. O termo natureza pode ser uma referência a políticas que nada tem a ver com a biodiversidade e “positivo” é, inclusive, mais ambíguo 

Ainda que possa parecer que implique em algo bom, na realidade gera um resultado duvidoso, se seguem destruindo ecossistemas e os processos de restauração são questionáveis.  O plano das grandes empresas é seguir devastando a biodiversidade a curto prazo, com a promessa de que compensarão esses planos a longo prazo. O que esperam aqueles que propõem o conceito de “Natureza positiva” é que no ano de 2030, o resultado possa ser ligeiramente positivo. Porém, quando dimensiono a perda de biodiversidade que vi ao longo da minha vida, fica evidente que não podemos permitir mais perdas. 

Muitos dos projetos baseados na natureza não são mais que plantações de monocultivos de árvores, que não aportam nenhuma biodiversidade. 

Tanto o conceito de “natureza positiva” quanto o de “soluções baseadas na natureza”, o SBN, se baseiam em compensar, sejam as emissões atuais de CO2 ou os ecossistemas que querem destruir, o que supõe que um tipo de ecossistema possa ser compensado com outros, sem levar em conta a sua capacidade de absorção de CO2, a complexidade de organismos que existe em cada ecossistema, o caráter único de cada espécie ou o território sagrado para os povos indígenas. Tal compensação é uma “solução” para as empresas que querem manter seus benefícios e seguir minando a biodiversidade com a desculpa de que sua destruição é sustentável porque se compensará em outro lugar. O conceito não só é totalmente errôneo, como não é realista. Na realidade, compensar dessa forma requer grandes extensões de terras para capturar carbono, que excedem a superfície de terras disponíveis a nível mundial. 

Permitir a compensação de emissões dá para as empresas um passe livre para seguir arrasando o meio ambiente apesar da emergência climática e da perda exacerbada de biodiversidade. Muitos dos projetos baseados na natureza não são mais que plantações de monocultivos de árvores, que não aportam nenhuma biodiversidade. Reservar terras para compensar emissões de carbono também compete com a demanda de terras de cultivo do agronegócio.  

Porém, alguns poucos projetos pontuais de soluções baseadas na natureza que incluem práticas agroecológicas e a participação de Povos Indígenas e comunidades locais são apresentados em folhetos atrativos, em todas as cores, e afirmam falsamente que as soluções baseadas na natureza representam uma mudança de significado para o clima e a biodiversidade. 

Ao mesmo tempo, ambos conceitos empresariais representam uma grande carga para os Povos Indígenas e para as comunidades locais. Muitos projetos de compensação acontecem em suas terras e frequentemente os expulsam de seus territórios. As empresas tendem a afirmar que o uso da terra feito pelas comunidades nativas prejudica a biodiversidade, ainda que seja demonstrado o contrário. Cerca de 80% do remanescente de biodiversidade terrestre se preservou graças aos povos indígenas e comunidades locais, apesar das violações de seus direitos e o assassinato de defensores e defensoras ambientais. 

Embora a destruição de ecossistemas faça parte de uma crise mundial que temos que resolver, não é apenas uma questão técnica, como também de justiça. Necessitamos um Marco Mundial da Biodiversidade com políticas ambientais rigorosas que garanta que o mundo volte a viver dentro de limites planetários. As empresas têm que ser submetidas a uma regulamentação rigorosa, ao invés de ser permitido que criem as suas próprias medidas para evitarem as responsabilidades.  Mas, antes de qualquer coisa, é preciso proteção aos direitos dos povos indígenas e comunidades locais, que são os verdadeiros guardiões que protegem a biodiversidade. 

*Artigo de opinião de Nele Marien, Coordenadora do Programa Bosques e Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional. Publicado originalmente no site El Salto, no dia 14 de dezembro, em: www.elsaltodiario.com/opinion/cumbre-de-biodiversidad-cop15 

 

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