Arado S.A. projeto de morte, Yjere território de vida

Ponta do Arado, terra ancestral Guarani.

Ali coexistiram muitos mundos e realidades antes da invasão europeia, mas todos eles respeitaram, cultuaram forças que hoje parecem se voltar contra nossa sociedade. Na  Ponta do Arado –  Tekoá Yjere – diz Timóteo, cacique da aldeia: “A terra tem dono, não pode fazer o que quer!” 

Será que podemos dispor do meio de forma a beneficiar indivíduos, como se a “natureza” existisse para nós? Timóteo sabe da disparidade de forças entre um ser e todo o restante.

Qual o limite para nossas aventuras e prazeres pessoais? 

Qual o limite de nossa tolerância diante grandes predadores assassinos?

A “natureza” está sendo devorada e não percebemos?

Na Ponta do Arado, a “natureza” está vencendo quando um agente de um sistema judiciário, de nossa sociedade, barra esta devoração em forma de um megaempreendimento imobiliário, um  verdadeiro projeto de morte para o Arado.

A agente pública ajuíza este projeto como sendo “frágil”, uma devoração frágil por não considerar os mundos e verdades vividas e viventes naquele ambiente: “O projeto é demasiadamente frágil, desamparado de qualquer estudo ou fundamento capaz de rechaçar os riscos, problemas e impactos ambientais e urbanísticos apontados pelo Ministério Público”.

Sua decisão aponta os devoradores, prefeitura e Câmara Municipal de Porto Alegre, aliados com interesses da Arado Empreendimentos LTDA. Num tempo de sentirmos em nossos corpos aquilo que nos parece difícil entender, os fenômenos catastróficos da “natureza”, e como menciona a agente, “riscos ambientais intoleráveis”, e mesmo assumindo a ideia de controle e proibição na tutela ecológica, a agente pública, em uma lógica de tentativa de salvamento, auto-salvamento, diz: “o intento legislativo municipal desconsidera os interesses culturais, paisagísticos, ambientais, urbanísticos, históricos e arqueológicos, menosprezando o impacto sobre as populações indígenas e desafiando o Estatuto da Cidade”, diz a decisão.

A agente continua a sentença: “Ambiente é definido, constitucionalmente, como um bem de uso comum do povo e resultado das relações do ser humano com o tecido natural que lhe circunda”. Édis Milaré, autor da frase, auxilia na construção do argumento e reflete a relação de uso do meio ferindo a perspectiva dos povos indígenas, pois para estes o equilíbrio no meio é igual a uma existência plena entre todos os seres.

Com a decisão judicial, Timóteo comemora a vida. Que bom para todos nós! Ao fim e ao cabo, a Ponta do Arado é um Território de Vida – Yjere.

Uma batalha ganha em uma guerra que já dura mais de 2 mil anos.

Texto por Carmem Guardiola, da Amigas da Terra Brasil

Vitória! No início de Junho, a Justiça do Rio Grande do Sul julgou procedente a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra o município de Porto Alegre, a Câmara Municipal e a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A., declarando a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022, que visava modificar o regime urbanístico da área Fazenda do Arado, no Extremo Sul da Capital gaúcha, com a finalidade de beneficiar um empreendimento imobiliário.

A Fazenda do Arado é rica em biodiversidade, possui relevante patrimônio histórico, paisagístico e arqueológico, além de ser uma área natural para o amortecimento de cheias do Rio Guaíba. Na área da Ponta do Arado fica a retomada indígena Yjere do Arado Velho, que pede a realização de estudos e demarcação da área como terra Mbya Guarani. Esta questão tramita na Justiça Federal. Mais informações aqui



Justiça declara nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 que favorece empreendimento imobiliário na Fazenda do Arado

Acesse o arquivo pdf da decisão judicial

Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do RS contra o Município de Porto Alegre/RS, a Câmara Municipal de Porto Alegre e a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A. (processo nº5107966-40.2021.8.21.0001) foi julgada procedente em 05.06.2024 para declarar a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 que visava modificar o regime urbanístico da área denominada Fazenda do Arado com a finalidade de beneficiar empreendimento imobiliário.

A juíza Patrícia Antunes Laydner, da 20ª Vara Cível e de Ações Especiais da Fazenda Pública do Foro da Comarca de Porto Alegre, afirmou que a alteração do zoneamento urbano pretendida pelo município exige a apresentação de estudos técnicos aptos a considerar os interesses culturais, paisagísticos,
ambientais, urbanísticos, históricos, arqueológicos e de populações indígenas, como determina o artigo 42-B do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), o que não ocorreu.

Assim, restou determinado pelo Poder Judiciário do Estado do RS:

  • a declaração da nulidade da Lei Complementar Municipal nº. 935/2022 impondo ao Município de Porto Alegre que se abstenha de realizar quaisquer licenciamentos, regularizações e/ou recolhimentos de contrapartida com base na legislação declarada nula;
  • o deferimento da liminar para determinar a imediata suspensão da aplicação da Lei Complementar Municipal nº. 935/2022;
  • a condenação da empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A. ao pagamento das custas processuais.

Trata-se de uma decisão de primeira instância da qual poderão vir a ser interpostos recursos. Aventamos ainda para eventual nova investida que vise legitimar a urbanização da Fazenda do Arado.

Portanto, a campanha #PreservaArado reafirma e fortalece a luta contínua em defesa desta que é uma área de alta significância para a cidadania considerando seu incomparável patrimônio socioambiental, antropológico e histórico.

Entendemos que é necessário que o poder público realize uma avaliação da proposta popular para criação de uma unidade de conservação, um Parque Natural na Fazenda do Arado como forma de resguardar o patrimônio natural, histórico e cultural de Porto Alegre, em especial da Zona Sul, considerando fortemente adotar a mesma por se tratar de uma ação positiva para o
enfrentamento e adaptação aos eventos climáticos extremos, cada dia mais intensos.


Histórico de tentativas ilegais de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado para beneficiar empreendimento imobiliário

A Lei Complementar nº 935/2022, declarada nula no dia de 05.06.2024, se trata da terceira tentativa de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado.

primeira tentativa ilegal de expandir o perímetro urbano de Porto Alegre para urbanizar a Fazenda do Arado – 426 hectares de área de produção primária (zona rural) e de proteção do ambiente natural (APAN) às margens do Guaíba – ocorreu no ano de 2015 através de projeto de lei de iniciativa do prefeito (PLCE 005/2015) durante a gestão José Fortunati/Sebastião Melo (2013-2016). O projeto de lei foi aprovado pela Câmara Municipal e deu origem à Lei Complementar nº 780/2015.

Após denúncia da cidadania e de organizações sociais em defesa do direito à cidade e do patrimônio socioambiental coletivo, o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública diante da ausência de realização de audiência pública.

Em 19.12.2019 a juíza Nadja Mara Zanella, nos autos do processo nº 001/1.17.0011746-8 (CNJ 0016069-55.2017.8.21.0001), declarou a ilegalidade da Lei Complementar nº 780/2015 e de todo o processo que levou a sua edição pois não foi realizada audiência pública com ampla divulgação pelo Poder Legislativo, a qual era obrigatória.

segunda tentativa ilegal de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado ocorreu no ano de 2020 através do PLCL nº 016/20, Projeto de Lei Complementar do Poder Legislativo, por iniciativa do vereador Professor Wambert (PTB).

O PLCL nº 016/20 reeditava o texto da Lei Complementar nº 780/2015, declarada ilegal no final do ano de 2019.

Aprovado pela Câmara Municipal, o PLCL nº 016/20 proposto por integrante do Poder Legislativo (vereador), foi totalmente vetado pelo prefeito Sebastião Melo pois continha vício de iniciativa, ou seja, apenas o Poder Executivo (prefeitura), com base em suas informações e estudos, pode propor projetos de lei que tratam do planejamento urbano e de suas modificações.

Já a terceira tentativa ilegal de ajustar o regime urbanístico da Fazenda do Arado aos interesses do empreendedor imobiliário se tratou de mais uma iniciativa do Poder Executivo Municipal (PLCE 024/21) por parte da gestão de Sebastião Melo/Ricardo Gomes (2020-2024).
A proposta do prefeito foi aprovada pela Câmara Municipal e deu origem à Lei Complementar nº 935/2022.

Novamente o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública (processo nº 5107966-40.2021.8.21.0001) onde alegou a ausência de estudos técnicos* necessários para fundamentar a alteração do regramento urbanístico para ampliação do perímetro urbano de Porto Alegre.

Em 05.06.2024, Dia Mundial do Meio Ambiente, foi proferida sentença declarando a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 uma vez que a regra proposta e aprovada não atende às exigências da lei previstas no artigo 42-B do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).

*O Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) elaborado pelo empreendedor imobiliário e apresentado para a prefeitura no ano de 2013 para subsidiar a Lei Complementar nº 780/2015 (declarada ilegal) foi objeto de denúncia pela campanha Preserva Arado por apresentar falhas técnicas. Após instaurado o
Inquérito Policial nº. 199/2016/700705-A para investigar o caso o mesmo foi finalizado com a conclusão de que o estudo era falso, omisso e incompleto, portanto não se tratava de um estudo válido para embasar o projeto de lei que deu origem à Lei Complementar nº 935/2022.

Texto originalmente publicado em: https://preservaarado.wordpress.com/justica-declara-nulidade-da-lei-complementar-no-935-2022-que-favorece-empreendimento-imobiliario-na-fazenda-do-arado/ 

Enchente no RS: Informe sobre comunidades indígenas, quilombolas e de pesca artesanal

Prezadas amigas e amigos,

Estamos acompanhando as informações acerca das comunidades indígenas, quilombolas e de pesca artesanal que, como toda a população, enfrentam os impactos decorrentes deste último evento climático que bateu recordes no Rio Grande do Sul.

Ontem terminamos um mapeamento das comunidades indígenas que estão sendo mais impactadas pelas águas e identificando os casos mais graves, para posteriormente pensarmos em ações conjuntas de apoio e solidariedade, e subsidiar a tomada de ações pelo Poder Público.

Retomada Arado Velho, em Porto Alegre (RS)

De todas as comunidades indígenas, destacamos três casos Guarani emergenciais:

Comunidade Yjerê da Ponta do Arado, em Porto Alegre (bairro Belém Novo), onde o cacique Timóteo preferiu se manter na área após abandonarem suas casas às margens do Guaíba e se deslocarem para um terreno mais elevado.

Comunidade Pekuruty, em Eldorado do Sul, e Comunidade Pindó Poty, em Porto Alegre (bairro Lami), as quais precisaram deixar suas áreas com apoio da Defesa Civil. No entanto, após a saída das famílias Guarani da comunidade Pekuruty, o DNIT destruiu suas edificações às margens da BR-290, sem qualquer consulta ou justificativa.

As águas ainda seguem subindo na região de Porto Alegre. Nos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Guaíba e Eldorado do Sul, Cachoeirinha, além dos bairros de Porto Alegre, especialmente nas zonas Norte e Sul, a situação ainda é desesperadora.

Precisamos que as águas baixem para a gente poder atuar no sentido de assegurar habitação, alimentação e todo o apoio na reconstrução das comunidades indígenas.

Além das comunidades já citadas, realizamos um mapeamento preliminar para identificar as comunidades indígenas mais impactadas em decorrência deste evento climático extremo. O mapeamento foi realizado em conjunto pela Comissão Guarani Yvyrupa, Cimi-Sul, FLD/ Comin/Capa e CEPI, a partir do contato com a a diversas lideranças/representantes indígenas e acessando as informações da Funai e Sesai.

Vídeo da Aldeia Tekoa Ñhu Poty, em Passo Grande (RS): 

 

Até o momento, constam as seguintes comunidades indígenas em situação de emergência:

Água Santa: Kaingang Acampamento Faxinal e TI Carreteiro.

Barra do Ribeiro: Mbyá-Guarani Passo Grande Ponte, Flor do Campo, Yvy Poty, Ka’aguy Porã, Guapo’y e Coxilha da Cruz, Tapé Porã.

Benjamin Constant do Sul: Kaingang TI Votouro.

Bento Gonçalves: Kaingang Acampamento.

Cachoeira do Sul: Mbyá-Guarani Tekoá Araçaty, Mbya Guarani Acampamento Papagaio, Mbya Guarani Acampamento Irapuá.

Cachoeirinha: Mbyá-Guarani Karandaty (Mato do Júlio).

Cacique Doble: Kaingang TI Cacique Doble.

Camaquã: Mbyá-Guarani Yguá Porã (Pacheca), Yvy’a Poty, Tenondé, Ka’a Mirindy, Guavira Poty.

Canela: Kaingag Konhun Mag e Mbyá-Guarani Kurity e Yvya Porã.

Capela de Santana: Kaingang Goj Kosug.

Capivari do Sul: Mbyá-Guarani Acampamento RS-040 e Tekoa Araçaty.

Caraá: Mbya Guarani Varzinha, Tekoa Mbya Varzinha.

Carazinho: Kaingang 2 Acampamentos.

Caxias do Sul: Kaingang Aldeia Forqueta.

Charqueadas: Mbya Guarani Guajayvi.

Charrua: Kaingang TI Ligeiro.

Constantina: Kaingang TI Segu e Novo Xingú).

Cruzeiro do Sul: Kaingang Acampamento TãnhMág (RS-453).

Eldorado do Sul: Mbya Guarani Pekuruty.

Engenho Velho: Kaingang TI Serrinha.

Erebango: Kaingang TI Ventarra, Guarani de Mato Preto.

Estrela Velha: Ka’aguy Poty.

Estrela: Kaingang Jamã Tý.

Farroupilha: Kaingang Pãnónh Mág.

Faxinalzinho: Kaingang TI Kandóia.

Iraí: Kaingang Goj Veso e Aeroporto.

Lajeado: Kaingang , Foxá.

Maquiné: Mbya Guarani Ka’aguy Porã, Yvy Ty e Guyra Nhendu.

Mato Castelhado: Kaingang Tijuco Preto.

Osório: Mbya Guarani Tekoa Sol Nascente.

Passo Fundo: Kaingang Goj Yur, Fág Nor.

Porto Alegre: Charrua Polidoro, Mbyá-Guarani Ponta do Arado e Pindó Poty, Mbya Anhatengua, Kaingang Gãh Ré (Morro Santana), Tupe Pan (Morro do Osso).

Riozinho: Ita Poty.

Rodeio Bonito e Liberato Salzano: TI Rio da Várzea (emergência na Linha Demétrio).

Salto do Jacuí: Kaingang Horto Florestal, Aeroporto e Júlio Borges, Mbyá-Guarani Tekoá Porã.

Santa Maria: Mbya Guarani Guaviraty Porã e Kaingang Kētƴjyg Tēgtū (Três Soitas).

Santo Ângelo: Mbya Guarani Yakã Ju.

São Francisco de Paula: Xokleng Konglui.

São Leopoldo: Kaingang Por Fi Gá.

São Gabriel: Mbya Guarani Jekupe Amba.

São Miguel das Missões: Mbyá-Guarani Koenju.

Tabaí: Kaingang PoMag.

Terra de Areia: Mbya Guarani Yy Rupa.

Torres: Mbya Guarani Nhu Porã.

Palmares do Sul: Mbya Guarani da Granja Vargas.

Viamão: Mbya Guarani Nhe’engatu (Fepagro), Pindó Mirim, Mbya Guarani Jatai’ty TI Cantagalo e Takua Hovy.

Vicente Dutra: Kaingang TI Rio dos Índios.

As Organizações encaminham essa relação, que não é definitiva, pois ainda há informações necessárias a serem acrescentadas, mas através da qual se pede ao Poder Público atenção no sentido de garantir assistência adequada neste tempo de tantas adversidades.

Pede-se também apoio às organizações e entidades da sociedade no sentido de auxiliarem, através de apoios e ações solidárias às comunidades que necessitaram de alimentação, material de higiene e limpeza além de lonas, telhas, colchões e cobertores.

Vídeo da Aldeia Tekoa Ñhu Poty, em Passo Grande (RS): 

Assinam esse documento a Comissão Guarani Yvyrupa, o Cepi, Cimi Sul e FLD/Comin/Capa.

Apoios e ações solidárias às aldeias indígenas:

Aldeias necessitaram de alimentação, material de higiene e limpeza além de lonas, telhas, colchões e cobertores.

👉🏽 Ponto de coleta de doações  para as comunidades indígenas: 
📍Paróquia Menino Jesus de Praga, Rua Dr. Pitrez, 61, bairro Aberta dos Morros, Porto Alegre/RS

👉🏽 Apoiar Retomadas Guarani do RS:
📍 Chave PIX para doações: 21.860.239/0001-01

👉🏽 Apoiar Retomada Mbya Guarani Nheengatu de Viamão:
📍 Chave PIX para doações: CPF: 032.874.330-59 | Laércio Gomes Mariano.

Todo solidariedade e apoio aos territórios de vida!

Vídeo da Retomada Arado Velho, em Porto Alegre, (RS): 

Leia também a nota lançada no dia 03 de maio – Inundação no Rio Grande do Sul: Comunidades indígenas Mbya Guarani impactadas pelas enchentes

Inundação no Rio Grande do Sul: Comunidades indígenas Mbya Guarani impactadas pelas enchentes

Os territórios de vida também sofrem com as fortes chuvas e inundações que atingem o estado do sul do Brasil nos últimos dias. O RS vem sendo atingido constantemente por eventos climáticos extremos, intensificados pela sanha destruidora dos não-indígenas, da nossa sociedade, que interfere e afeta diretamente o clima. Os mesmos que invadem os territórios e espremem os indígenas em lugares insalubres, instáveis e perigosos. 

Informações de comunidades indígenas Mbya Guarani que foram impactadas pelas enchentes até agora: Pekuruty (8 famílias), na cidade de Eldorado do Sul; Pindó Poty (12 famílias), na Capital Porto Alegre; Ñhu Poty em Barra do Ribeiro, mais de 20 famílias; Apurity em Barra do Ribeiro; na cidade de Capivari do Sul, 10 famílias.

Avanço das águas em aldeia de Capivari do Sul (RS): 

Vídeo da Aldeia Tekoa Ñhu Poty, em Passo Grande (RS): 

Os Mbya Guarani de Pekuruty, Pindó Poty e da Ñhu Poty foram acolhidos em abrigos. As famílias da Ñhu Porã, em Barra do Ribeiro, permanecem na área (chamada de tekoa), onde há uma parte mais elevada. Já em Capivari do Sul, a área foi tomada pelas águas, que fica nas margens da RS 040. As famílias estão na tekoa, não foram para abrigos. As aldeias Prainha, em Barra do Ribeiro; Pacheca, em Camaquã, e a do Arado Velho, em Porto Alegre, estão ilhadas neste momento.

Retomada Arado Velho, em Porto Alegre, (RS)

Vídeo da Retomada Arado Velho, em Porto Alegre, (RS): 

As comunidades perderam tudo o que tinham, como roupas, cobertores, colchões, material de cozinha e alimentos. Até os animais domésticos foram levados pelas águas.

A Retomada Mbya Guarani Nhe’Engatu, em Viamão, e a aldeia Apurity, em Barra do Ribeiro, estão pedindo doações de roupas, cobertores e alimentos. Veja como ajudar em @retomada_nheengatu Apurity também disponibiliza um pix para contribuições em dinheiro (CPF 03371150011), contato é Ariel (51) 99807-7720.

Esta inundação já é considerada a maior tragédia socioambiental do RS. Até o momento, quase 40 pessoas morreram devido a cheias de rios e soterramento, mas outras dezenas estão desaparecidas. Rios ultrapassaram suas marcas históricas de cheias, animais mortos, moradias e estradas destruídas, cidades e populações ilhadas pela água.

Está passando da hora de nos adaptarmos, de forma coletiva, às mudanças climáticas e enfrentarmos esse sistema que coloca o lucro e os ganhos econômicos acima de todas as vidas!   

*Com informações de Roberto Liebgott, CIMI SUL, sobre os indígenas  

 

Não foi descobrimento, foi invasão

22 de abril, Dia da Invasão Colonial

Não foi descobrimento, foi invasão. Timóteo Karay Mirim, cacique da Retomada Mbyá Guarani Ponta do Arado Velho, evidencia: “Para nós não é isso (descoberta), porque aqui é lugar de Guarani há muito tempo. Essa terra é antiga demais. E quando chega Pedro Álvares Cabral os indígenas já existiam há 12 mil anos nessa terra. Depois que ele chegou, invadiu o nosso território. Eu tô sabendo assim”. No vídeo você confere o relato do cacique sobre a data de hoje.

O Brasil é terra indígena. E para além de combater o racismo que marca o cotidiano de povos originários, é mais que necessário lutar para que o projeto de colonização, que segue aprofundando feridas ainda abertas, seja extinto. Isso passa por termos consciência de todas as histórias possíveis, que são diversas, de tantos biomas, que contam também sobre cada território e precisam ser percebidas. Passa por respeitar os povos ancestrais, os seus modos de vida, saberes, culturas e conhecimentos. Assim como por reivindicar que os seus direitos sejam assegurados e que os seus territórios não se transformem em mercadorias. No dia da invasão, gritamos por #demarcaçãojá e #marcotemporalnão.

Retomada Mbyá Guarani Ponta do Arado Velho | Crédito: Carmem Guardiola, Amigas da Terra Brasil

Hoje, data que marca a invasão do Brasil, também é o primeiro dia da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (#ATL2024), que acontecerá até o dia 26, em Brasília (DF). O #ATL é a maior mobilização indígena do Brasil. Nele, povos indígenas de todos os biomas do país se encontram para somar forças, exigindo a garantia de seu direito originário, em oposição ao marco temporal e na busca da demarcação e proteção dos corpos-territórios.

A luta segue. O Brasil é território indígena ✊🏽🏹

Todo apoio à Retomada Guarani Mbyá Nhe`engatu de Viamão (RS)

Nós, Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, estamos cansados de viver nas margens de nossas terras originárias, dentro de áreas degradas ou em acampamentos de beira de estradas. Em função disso decidimos retomar um pequeno pedaço do nosso grande território ancestral, o qual chamamos de Tekoá Nhe’engatu, localizado no município de Viamão, Rio Grande do Sul.

Com essa retomada também homenageamos ao nosso avô, Turíbio Gomes, que morreu com 101 anos de idade, e todos os nossos anciões e anciãs que lutaram e padeceram pela busca de uma vida mais digna para o povo Guarani Mbyá, eles não conseguiram, ao menos passar alguns de seus dias de existência, dentro da terra demarcada.

Não temos mais paciência. O tempo passa e nossos Xeramoī, como nosso avô Turíbio, e nossas Xejaryi, como a Laurinda, estão morrendo.

Não é justo vermos nossas crianças nascerem e crescerem em situação de profunda vulnerabilidade, sem perspectivas de uma vida tranquila, justa e saudável.

Passamos nossos anos em casas improvisadas – barracos de lonas – sem terra para plantar nossas roças, sem água potável para beber, sem mato e, sequer temos um lugar para construir nossa Opy, casa de Reza. Não aceitamos mais essa dura e degradante realidade.

Diante desse contexto de desrespeito aos nossos direitos fundamentais, decidimos ingressar nessa área em Viamão, fazendo memória de nossos velhos e velhas, que lutaram, mas não puderam ver garantidos os seus direitos.

Por causa deles, que nos inspiram e nos guiam, estamos aqui, nessa Tekoá Nhe’engatu, dizendo que esta terra tem dono.

Tornamos o grito de Sepé Tiaraju, nosso grande líder e guerreiro, o nosso grito por terra e vida.

Requeremos, nesse momento, que a Funai assuma suas obrigações e agilize os procedimentos de demarcações de terras para nosso povo. Que sejam retomados os procedimentos paralisados e que se inicie a demarcação dessa nossa Tekoá Nhe’engatu, agora ocupada pelos Guarani Mbyá.

Também requeremos a presença das equipes da SESAI, responsável pela assistência de saúde. Pedimos o apoio do Ministério Público Federal, aquele que tem o dever de fazer a defesa de nossos direitos, e principalmente do Ministério dos Povos Indígenas, assim como queremos a participação da Defensoria Pública da União, como órgão que nos auxilie nas demandas jurídicas.

Contamos também com apoio das demais comunidades Guarani Mbyá do Rio Grande do Sul e os apoios dos parentes Kaingang, Xokleng e Charrua.
Seguimos todos nas mesmas lutas, por terra, território e justiça. Demarcação já!

Viamão, 14 de fevereiro de 2024.

Retomada Nhe’engatu



Fluxos cosmológicos na cidade: a (des)invisibilização indígena

Artigo  de Carmem Lúcia Thomas Guardiola¹ e Roberta Deroma² aborda as retomadas Mbya Guarani na Ponta do Arado (Porto Alegre-RS). No extremo sul da cidade de Porto Alegre, no bairro Belém Novo, um movimento cosmológico em busca de territorialidade acontece em terras de propriedade privada. Indígenas da etnia Mbya Guarani retomam território na Ponta do Arado até então destinado a construção de um empreendimento imobiliário. O movimento de Retomada de territorialidade perpassa a cidade e seus habitantes em relações de conflitos e afetos, no qual interesses econômicos e de bem viver vão construindo histórias. Confira: 

Porto Alegre tem seus bairros centrais repletos de concreto, prédios uns ao lado dos outros e muitos carros soltando fumaça cinza percorrendo ruas asfaltadas de sentimentos expostos nos ritmos urbanos. Os bairros mais afastados do centro na zona sul mesclam o concreto ao verde em uma mistura de asfalto e de terra, de pessoas e de não humanos, de áreas urbanas e de áreas rurais.

Entre todas estas ambiências — bairros, cores, chãos, pessoas, ruídos –, encontramos os Mbya. Estes indígenas têm seu território de vivências não demarcado por linhas fronteiriças divisórias, mas em uma vasta área ao sul da América do Sul. Eles caminham e vivenciam estes espaços, mas é nas matas ou próximo a elas que se constituem como indígenas Mbya.

É em busca destes territórios, perpassados por concreto, que os Mbya caminham rumo ao seu fortalecimento: três lideranças se deslocaram por terra e por água até chegarem a ponta do Arado Velho. De barco seguiram e aportam no dia 15 de junho de 2018 na Ponta do Arado onde Alexandre, Timóteo e Basílio com suas famílias encontraram todos os elementos de vivência para potencialização de seus corpos.

Neste mesmo espaço geográfico existe outra história.

A Ponta do Arado é uma área de preservação de 223 hectares e faz parte de um todo de 426 hectares da Fazenda do Arado Velho que está localizada às margens do Guaíba no bairro Belém Novo, extremo sul da cidade de Porto alegre. Uma área territorial estranha aos moldes do indígena por ser privada e com donos. Nessa história, os proprietários, representados pela Arado Empreendimentos Ltda., idealizam um projeto de urbanização que prevê a construção de condomínios de alto padrão e centros comerciais.

Conflitos emergem diante de diferentes visões de mundo relacionadas às questões ambientais, estéticas e econômicas. Sentimentos desabrocham, constroem e transformam a história do bairro atravessada pelas disputas sociais e políticas em torno de uma terra singular que é significada através da longa vivência de seus moradores.

Após denúncias e pressões do movimento socioambiental composto por estudantes, ambientalistas e moradores do bairro Belém Novo, o projeto de urbanização está suspenso por questões legais no momento desta publicação. Tais conflitos com os empreendedores se intensificaram frente a uma nova presença antes invisibilizada: a presença indígena Mbya Guarani.

Enquanto os idealizadores do empreendimento imobiliário demandam na justiça a concretização de seus planos, criam conflitos ideológicos e morais entre os moradores e causam indisposições e constrangimentos para os Mbya que permanecem fortes e determinados em estado de Retomada das terras e do seu modo de ser.

Neste estado de Retomada, os indígenas recebem apoio de um movimento em alguns momentos de tensão. Os Mbya foram expulsos das matas da Ponta do Arado e encurralados nas areias da praia sem acesso à água potável, impedidos de transitar nas matas da região para buscarem materiais à construção de casas e de plantar suas sementes milenares passadas de Guarani à Guarani. Quando são constrangidos pelos não-indígenas, o movimento lhes oferece alimentos, filtros de água, roupas, materiais para erguerem seus abrigos, um barco para se locomoverem e visitarem seus familiares ou mesmo recebê-los em visita. Recebem também o apoio afetivo do Juruá (não-indígenas) ao irem em busca de redes de apoio em eventos na cidade.

A cidade perpassa o mundo Mbya. Não mais somente os campos, os rios, os lagos, os arroios e os outros indígenas, como também os espaços urbanos.

Em meio a acusações — como de destruidores do meio ambiente –, as famílias Guarani na Ponta do Arado estão em um espaço ínfimo ao lado de sítios arqueológicos com vestígios de seus ancestrais. Estes, que eram canoeiros, circulavam pelo Guaíba e pela Lagoa dos Patos de ponta em ponta, e a ponta do Arado Velho era somente mais um espaço de vida sem propriedades privadas. Hoje o local se configura enquanto periférico tanto a respeito de sua localização quanto de sua inserção nos espaços de diálogo sobre a cidade de Porto Alegre. Seu próprio status de zona rural se encontra fragilizado, tornando-se alvo de alterações e projetos de leis que denotam parcialidade ao se empenharem em propiciar a construção do empreendimento e ao desconsiderar a malha de conflitos e questões emergentes.

A região segue acompanhada do risco de estar fadada a um único modo de se conceber a cidade sob o discurso de progresso e de crescimento. Modo este que desconhece presenças indígenas no território urbano e que reforça estereótipos em torno da pessoa indígena ao negar este espaço a elas.

O estado de Retomada de terras dentro da sua compreensão enquanto resiliência pode ser entendido como um modo de se retomar uma cosmovisão aniquilada e ressignificar lugares, questionando acerca das funções dos espaços urbanos e o quanto correspondem às necessidades daqueles que, de vários modos, fazem parte deles. Terra e ancestralidade se somam em forma de Retomada, indagações e perspectivas.

Esta distinta forma de interrogar, interpretar e sentir o mundo nos traz respostas para a questão: como em tanto tempo de suas existências, constrangidos a se contentar com cada vez menos matas, suas crianças ainda brincam nas areias das praias da cidade?

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[1] Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora associada ao Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais (NIT/PPGAS/UFRGS), guardiolars2@gmail.com, http://lattes.cnpq.br/4343383842143051

[2] Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), integra o Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde (NUPACS/PPGAS/UFRGS), deromaroberta@gmail.com, http://lattes.cnpq.br/3096737094617446

Referências:

LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: o território Mbya à beira do oceano. São Paulo: UNESP, 1992.

PISSOLATO, Elizabeth de Paula. A duração da pessoa: mobilidade, parentesco e xamanismo mbya (guarani). São Paulo: UNESP/ISA, Rio de Janeiro: NUTI, 2007.

O artigo foi publico originalmente aqui, confira

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