Pela 1ª vez, Comissão Guarani Yvy Rupá toma posse no Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS


A Comissão Guarani Yvy Rupá (CGY) tomou posse no Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Sul (CEDH/RS) em 18 de outubro, na Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. A CGY foi a segunda organização mais votada para assumir a gestão 2023/2026.

Esta é a primeira vez que uma organização indígena compõe o CEDH/RS. A cadeira que será ocupada por um indígena, além de possibilitar a proximidade institucional nas questões que infringem tratados internacionais de direitos humanos, também resultará numa aproximação com o Estado e suas instituições.

A vulnerabilidade dos povos indígenas do Brasil frente aos ataques da sociedade não indígena e a invisibilidade na construção de políticas públicas e institucionais fragilizam, cada vez mais, esses povos perante a sociedade não indígena.

 

Na foto, Guarani Hélio Wherá representando a Comissão Guarani Yvy Rupá na posse da nova gestão.

Mais informações sobre a Gestão 2023/2026 do CEDH/RS em https://bit.ly/3MiEd4v

 

Nota de solidariedade ao povo indígena Tembé

Em meio às atividades dos Diálogos da Amazônia em Belém do Pará, à 200km de distância, três lideranças indígenas do Povo Tembé foram baleados na segunda-feira, dia 07 de agosto de 2023. As lideranças indígenas se preparavam para uma visita do Conselho Nacional de Direitos Humanos em Tomé-Açu/PA.

Segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT) os disparos foram realizados por seguranças privados de uma empresa exploradora de dendezais na região. Existe um conflito na região entre os indígenas e as monoculturas de palma pertencentes ao grupo BBF (Brasil Bio Fuels), a maior empresa do ramo na América Latina, que mantém operações no entorno com frequente presença de seguranças armados dentro do território indígena.

No dia 04 de agosto um adolescente foi baleado, tendo como principal suspeita a segurança privada da empresa. Em 2021, uma jovem liderança já havia sido assassinada em uma das aldeias. Assim este novo ataque é mais um caso de violência realizada contra o povo Tembé.

Nos dias 08 e 09 de agosto, chefes de estado da região Pan-amazônica estarão reunidos em Belém para a Cúpula da Amazônia, cidade que sediará a  Conferência do Clima, a COP 30, em 2025. Resta saber que medidas adotarão para proteger concretamente os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da região vítimas de violência relacionada à operação de empresas transnacionais na região.

Diante da gravidade dos fatos, exigimos que sejam tomadas medidas urgentes pelo governo do Estado do Pará já há muito cobrado, sem efeito, a proteger as comunidades indígenas do Alto Acará. No mesmo sentido, que haja investigação para apurar rigorosamente os crimes, e que os responsáveis sejam punidos. Tendo em visto o histórico conflito territorial, recomendamos que a Polícia Federal acompanhe o caso.

Proteger a Amazônia é respeitar e defender a vida dos seus povos!

Amigas da Terra Brasil
Belém do Pará, 8 de Agosto de 2023

Denúncia, indignação e Solidariedade ao Povo Tembé do Pará na Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia no dia 7/8/2023. Créditos: ATBrasil

No vídeo, Jesus Gonçalves, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), fala sobre a situação de vulnerabilidade e as constantes ameaças que ocorrem ao Povo Tembé:

 

Encontro no Acre debate impactos dos projetos REDD , de mercados de carbono e de soluções baseadas na natureza

A Amigos da Terra Brasil participou do encontro “Quando vale uma floresta? Quem paga pode poluir?”, que aconteceu no final de semana e encerrou na 2ª feira (12/06), na cidade de Assis Brasil, estado do Acre, na fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia.

A atividade foi organizada pelo CIMI Amazônia Ocidental (Conselho Indigenista Missionário) e contou com a participação de povos indígenas, comunidades e trabalhadores rurais da Amazônia e organizações sociais.

O principal assunto debatido foram os impactos dos projetos e programas REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), de mercados de carbono e de soluções baseadas na natureza, que têm crescido no Acre, no Pará e na Amazônia em geral.

Os participantes e as participantes trocaram informações e socializaram experiências, abordando também mecanismos como o PSA (pagamentos por serviços ambientais) e o manejo florestal, falando das ameaças que esses projetos trazem para os povos. O encontro resultou num posicionamento comum entre os presentes, formalizado em um documento aprovado pela plenária do encontro. Esta declaração já manda um forte recado para a cúpula de presidentes dos países amazônicos, que deve ocorrer em Agosto, em Belém (no Pará). Acesse o documento na íntegra AQUI.


À esquerda, Valdenice Nukini puxando o grito: #MarcoTemporalNÃO!
À direita, Seu Pedro Teles, seringueiro, sindicalista e liderança histórica de Xapuri, no Acre. Fotos Lúcia Ortiz/ATBr

Nas fotos, Valdenice Nukini, do Rio Môa no município de Cruzeiro do Sul/Acre, e Pedro Teles, liderança da Resex Chico Mendes (Reserva Extrativista), situada na cidade de Xapuri (Acre). Em sua fala, Valdenice rechaçou o marco temporal e criticou os projetos de REDD e de mercado de carbono. Seu Pedro chamou os povos a se organizarem para terem seu próprios projetos de vida e para não aceitarem projetos que vêm “de fora pra dentro”.

A natureza não é mercadoria! A Constituição Brasileira, em seu artigo 225, estabelece que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo. Entendemos que os processos com os quais a floresta sustenta a vida, como regulação do clima, estocagem de carbono, purificação das águas, preservação da biodiversidade e do solo, precisam ser preservados e defendidos por nós como sociedade e pelo poder público.

NÃO À FINANCEIRIZAÇÃO DA NATUREZA!

*Com informações de Lucia Ortiz (ATBr) e CIMI Amazônia Ocidental

A biodiversidade que se constrói no território do campo à cidade

 

biodiversidade, ou diversidade biológica, tem a ver com a variedade de espécies, sejam plantas, microrganismos ou animais que habitam a Terra. Desse modo, no núcleo central da noção de biodiversidade está a vida em suas mais variadas formas. Se partimos da centralidade da vida, certamente iremos reconhecer que no sistema capitalista, cujo eixo condutor é a obtenção de mais lucro, não há possibilidade de compatibilizar com um projeto político pela proteção da vida e pela preservação da biodiversidade.

Desde os anos 70, os escândalos da contaminação ambiental e da emergência do tema das mudanças climáticas têm impulsionado a construção de uma agenda internacional de proteção à biodiversidade. Nesse sentido, o dia 22 de maio é reconhecido como Dia Internacional da Biodiversidade, com a intenção de alertar para a importância da proteção da mesma. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 25% da biodiversidade do planeta, hoje, encontra-se ameaçada de extinção. Dentro de uma ideia de usar a natureza como biblioteca de saberes e formas que o ambiente se relaciona e constrói soluções, a observação é fundamental. E mais: ter ambiente natural para observar é ter de onde buscar essas soluções, assim como andar e observar a vida se resolvendo.

A partir do Relatório de Brundtland (1987) se desenvolveu a noção de desenvolvimento sustentável, criando um terreno argumentativo para justificar a continuidade do modelo de desenvolvimento econômico sob a narrativa da possibilidade de harmonização com o meio ambiente. De igual modo, as agendas que se seguiram – Agenda 2030 e os acordos firmados nas Conferências das Partes – refletem a linha conciliatória. Inclusive, durante a ECO-92 se desenvolveu a Convenção sobre a Diversidade Biológica (1993), com o fim de promover a proteção da diversidade biológica por meio do uso sustentável da biodiversidade, com a repartição justa e equitativa de benefícios. No entanto, até que ponto essas narrativas sobre o meio ambiente refletem uma real proteção da biodiversidade?

As políticas ambientais tratam a preservação da biodiversidade no que chamamos de “conservadorismo ambiental”, no qual a Natureza é algo distante do sujeito, circunscrito a um espaço delimitado (à floresta, à reserva ou à unidade de conservação), reiterando um paradigma colonialista. Tal visão não integra as relações sociais urbanas, como a de produção alimentar, como parte da totalidade da biodiversidade, ignorando, muitas vezes, o papel que povos e comunidades têm na construção de relações de proteção, em uma visão mais completa da vida natural. Com isso, não queremos afirmar a não importância de criar espaços de proteção integral da biodiversidade, pelo contrário, inclusive denunciamos os riscos à biodiversidade da privatização e aluguel dos parques. O que se quer chamar a atenção é que a criação de espaços de proteção não coloca em xeque o modelo de produção que destrói a biodiversidade, apenas serve como uma política de compensação.

Se olharmos para o campo da produção de sementes, as formas de produção e distribuição, o ingresso de novas tecnologias ligadas à modificação genética tem destruído a diversidade de cultivos. Isso afeta diretamente a saúde humana, na falta de nutrientes. De outro lado, a produção do agronegócio demanda intensa utilização do solo, água, desterritorialização de comunidades, promovendo um desequilíbrio nas condições de reprodução das formas de vida.

Diante disso, organizações ambientalistas, como a Amigos da Terra Brasil, têm convidado a repensar as propostas de preservação da biodiversidade, entendendo o campo e a cidade como parte do mesmo sistema e que, somente juntas e juntos, podemos construir a Soberania Alimentar, difundindo a crítica aos mecanismos de falsas soluções e promovendo direitos conquistados pelos povos.

Nesse sentido, em Porto Alegre (RS), no dia 22 de maio, festeja-se desde 2007 o Dia da Biodiversidade, com a Festa da Biodiversidade (foto acima da atividade em 2012). Um encontro no qual buscamos mostrar a nossa diversidade na capital gaúcha e Região Metropolitana. Em 2023, estamos na nona edição do encontro, que festeja a biodiversidade de nossos corpos e territórios. Desde a última alteração do Plano diretor de Porto Alegre, em que se extinguiu a zona rural, viemos lutando pelo entendimento da importância desta área da cidade, evidenciando o quanto ela é estratégica para a soberania alimentar. Quando ampliamos esta realidade para a região metropolitana, essa capacidade se expande e se complexifica de tal modo a pensar a origem do que bebemos, comemos e respiramos.

Sabemos que nossa água está contaminada com agrotóxicos. Nossa comida também, e apresenta índices assustadores. E o nosso ar, ainda que não tenhamos medidores, certamente está contaminado por agrotóxicos pulverizados no entorno da cidade e pela combustão dos transportes ou das chaminés das empresas. Certos de que essa contaminação precisa ser medida e informada, precisamos de uma proteção para garantir um ambiente saudável no nosso território.

Essa luta vem sendo construída pelas agricultoras e pelos agricultores dos assentamentos da reforma agrária, que, de forma corajosa, mais uma vez, enfrentam o agronegócio e a trama de impunidade que cerca esse setor. Dentre os instrumentos utilizados está a denúncia da deriva criminosa de agrotóxicos, na qual o agronegócio pulveriza o veneno para além de suas terras, contaminando a produção camponesa; fazendo uso do agroquímico em sua função de criação, como arma da guerra. O propósito da deriva criminosa é eliminar a esperança presente na produção de alimentos saudáveis que não fazem uso de agrotóxicos, destruindo com a possibilidade de se construir outras formas de produção autônomas às grandes corporações e tornar impossível a soberania alimentar. Sem pessoas no campo, o conhecimento, as terras, as sementes serão deles, das corporações, e para lutar contra a fome vamos depender das mesmas corporações.

O Campo e a Cidade

Os movimentos sociais e as organizações pautam que o repensar a nossa relação com a biodiversidade é também um refletir sobre as relações entre o campo e a cidade. Na vida urbana, desconsideramos a presença da biodiversidade no nosso dia a dia, como nos alimentos que consumimos. Entender de onde vem a nossa água ou os alimentos em nossa mesa, ou a qualidade do ar que respiramos, e saber que práticas e formas de produção da indústria da alimentação estão destruindo o planeta e evitando que outras formas coexistem, para começar a consumir alimentos locais, de produção camponesa, que causam menor impacto ao ambiente.

Um exemplo concreto dessa relação é dado pela parceria do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) com os movimentos do campo, nas cozinhas solidárias. Durante a pandemia de covid-19 agravou-se a crise alimentar brasileira, quase 33 milhões de pessoas passaram fome. Diante disso, o MTST organizou até hoje 40 cozinhas solidárias nas grandes cidades brasileiras, distribuindo almoço grátis para trabalhadoras e trabalhadores que passavam fome.

Os alimentos utilizados na produção das marmitas são provenientes, em parte, da produção camponesa de base agroecológica – agroecologia é difundida como uma tecnologia social de produção de alimentos realizada pelos camponeses, na qual a relação estabelecida com a terra é de reciprocidade, por isso não se usam agrotóxicos, as sementes são compartilhadas e se preservam as nascentes de água. Assim, além de comerem, os trabalhadores comem produtos de qualidade nutricional, contribuindo para formas de produção alimentar que estão em harmonia com a biodiversidade.

A iniciativa obteve tanto êxito que foi apresentado o projeto de lei nº. 491/223, o PL das Cozinhas Solidárias, em trâmite na Câmara dos Deputados. Dentre os objetivos do PL, estão: a construção de práticas alimentares promotoras de saúde, ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis e o fomento à agricultura familiar.

Denunciar os mecanismo de falsas soluções

Nos últimos anos, no debate internacional, o tema da biodiversidade encontra-se secundarizado, aparecendo nos impactos de mudanças climáticas. Majoritariamente, colocam-se como foco central de investimentos as políticas da economia verde, nas quais se transfere a preservação a entes privados e se cria uma série de narrativas, como os créditos de carbono, a mineração sustentável e a agricultura climaticamente inteligente, como respostas à destruição da biodiversidade.

Todavia, essas políticas estão gerando efeitos ainda mais perversos à biodiversidade. A proposta do “carbono zero” reúne compromissos assumidos para anular as emissões de gases do efeito estufa, assim, em vez de reduzir as emissões e promover mudanças na produção, as grandes empresas passam a financiar áreas de preservação do seu interesse, para compensar. Dentro das “soluções baseadas na natureza”, pode-se incluir plantações de monocultivos de árvores, como eucalipto; os cultivos com organismos geneticamente modificados; as áreas de parques e de unidades de conservação que estão sendo privatizadas. Essas iniciativas têm ganhado a adesão de grandes empresas, que passam a pressionar as terras e os direitos de camponeses.

As empresas transnacionais também aderiram a uma narrativa sustentável constituindo políticas de responsabilidade social corporativa no tema, dentre elas a mineração sustentável e a agricultura climaticamente inteligente. Em todos esses discursos, as empresas não mudam suas práticas de produção, apenas incorporam medidas de compensação que mascaram os efeitos de suas atividades. Desse modo, a mineração tem usado da extração de metais importantes para transição energética, como lítio e níquel, para se colocar como atividade sustentável, desconsiderando que isso implica numa expansão da fronteira extrativa, destruindo territórios.

Já a agricultura climaticamente inteligente envolve a conciliação entre segurança alimentar, produção de alimentos e mudanças climáticas. No entanto, o que as organizações apontam é que o mecanismo consiste unicamente nas negociações do mercado de carbono. Inclusive, no Brasil, o agronegócio, em razão da expansão da fronteira agrícola, tem sido um dos principais responsáveis pela destruição dos biomas nacionais, do Pampa à Amazônia.

As falsas soluções que hegemonizaram os debates nos mecanismos multilaterais são controladas pelas empresas transnacionais, que buscam reconfigurar suas narrativas ideológicas para seguir justificando as práticas expropriatórias da biodiversidade. Por isso, movimentos ao redor do mundo têm erguido bandeiras de luta em torno da palavra soberania, assumindo uma crítica ao sistema produtivo como causador dos danos socioambientais e exigindo o controle popular sobre outras formas de constituição de relações com a Natureza.

Direitos por efetivar: um horizonte para lutar

A afirmação e a efetivação de direitos aos povos são um caminho para um diálogo da constituição de outras relações com a biodiversidade, entende-se como parte desta totalidade. Assim, a Declaração de Direitos Camponeses (2018), uma construção popular – com destaque à Via Campesina Internacional, estabelece claramente a relação dos camponeses com a preservação da biodiversidade, assegurando o acesso à terra, território, ao compartilhamento da sabedoria tradicional na troca de sementes, do cuidado com a terra e água.

Na mesma esteira, os direitos estabelecidos na Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhecem o papel que povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais têm na preservação da sociobiodiversidade. E que, portanto, são sujeitos que devem ser consultados sobre projetos que afetem suas terras e territórios. Igualmente, sobre o direito à participação e informação no Acordo de Escazú, ainda não ratificado pelo Brasil, que garante tais direitos para a promoção da justiça ambiental.

Que possamos reconhecer o chamado das organizações e movimentos para assumir que a preservação da biodiversidade envolve um projeto político de mudança do atual sistema de produção, no qual a vida da humanidade é parte integrante do todo da vida do planeta. Que possamos dar um basta na separação entre sujeitos e natureza, romper com as políticas de compensação e construir um novo paradigma que não produza exclusões de nenhum tipo.

Conteúdo publicado na íntegra no Jornal Brasil de Fato, em https://www.brasildefato.com.br/2023/05/23/a-biodiversidade-que-se-constroi-no-territorio-do-campo-a-cidade

 

Confira, abaixo, algumas fotos da 9ª Festa da Biodiversidade, que aconteceu nessa 2ª feira (22/05/2023), no Largo Glênio Peres, em Porto Alegre (RS). Crédito das fotos: ATBr

 

 

O que há por trás do termo natureza positiva na Cúpula de Biodiversidade, COP15?

Necessitamos um Marco Mundial da Biodiversidade com políticas ambientais rigorosas, que assegurem que o mundo volte a viver dentro dos limites planetários. 

Imagem de David F. Sabadell

A biodiversidade está em crise em todo o planeta. O número de espécies, e de indivíduos dentro das próprias espécies, diminuiu de forma retumbante nas últimas décadas, e a comunidade científica adverte que nos próximos anos podemos perder um milhão a mais de espécies. Para quem está seguindo o tema de perto é mais evidente que essa crise da biodiversidade é, na verdade, uma faceta a mais da crise sistêmica, causada pelo modelo econômico atual e pelo mantra do crescimento infinito. 

O Convênio sobre a Diversidade Biológica (CBD nas siglas em inglês) iniciou um processo para estabelecer um novo Marco Mundial da Biodiversidade durante a Conferência das Partes das Nações Unidas no ano de 2018, um encontro em que muitas das nações participantes se comprometeram a respaldar um marco para a “mudança transformadora” elaborado pela comunidade científica. Aí então, se abrigava a esperança de que essa decisão fosse uma oportunidade real para mudar o modelo econômico e proteger a biodiversidade. Frente a essa premissa, escrevi para um bom número de amigas, amigos e ativistas ecologistas de todo o mundo para lhes dizer: “você tem que participar desse processo, vai ser transformador”. Enquanto o Convênio sobre a Diversidade Biológica fingia escutar as necessidades da sociedade civil e dos povos indígenas na primeira ronda de consultas, quando veio a luz o primeiro rascunho, tomei um duro golpe: as medidas que poderiam transformar verdadeiramente o sistema econômico que minava a biodiversidade – tais como normas/políticas rígidas e coordenadas para minimizar o dano ambiental – não tinham nenhuma possibilidade de êxito. 

O plano das grandes empresas é seguir devastando a biodiversidade a curto prazo, com a promessa de que compensarão esses danos a longo prazo

Por sua vez, nos demos conta rapidamente de que a participação das grandes empresas nas discussões estava obstruindo qualquer avanço, tal como acaba de demonstrar um novo estudo da Amigos da Terra Internacional. Inclusive empresas criminosas como BP, responsável pelo derramamento de petroleiro de Deepwater Horizon em 2010, ou a Vale, que envenenou centenas de quilômetros de rios com rejeitos tóxicos de suas minas diante do rompimento de duas represas de rejeitos no Brasil. Grandes contaminantes como estas empresas criam coalizões que se apresentam como ‘verdes“ ou “sustentáveis”. Porém, nas salas de negociação, com as portas fechadas,  advogam por medidas voluntárias e de maquiagem verde que simulam uma regulação verdadeira. Está evidente que entendem que qualquer medida eficaz frente a perda de biodiversidade os prejudica e constitui um obstáculo para suas ganâncias.

Durante anos temos visto como os estados participantes e os altos funcionários da ONU recebem de braços abertos essas coalizões empresariais e suas propostas. Isso faz com que os resultados deste convênio- chave sobre a biodiversidade – e as políticas que vão reger a próxima década – estejam repletos de propostas de lavagem verde. Os conceitos de “Natureza positiva” e “soluções baseadas na natureza” são algumas dessas medidas, que colocam em perigo as verdadeiras soluções da crise urgente da biodiversidade. 

O conceito de “Natureza positiva” ou “positivo para a natureza” pode soar bem, mas sua definição é muito confusa. O termo natureza pode ser uma referência a políticas que nada tem a ver com a biodiversidade e “positivo” é, inclusive, mais ambíguo 

Ainda que possa parecer que implique em algo bom, na realidade gera um resultado duvidoso, se seguem destruindo ecossistemas e os processos de restauração são questionáveis.  O plano das grandes empresas é seguir devastando a biodiversidade a curto prazo, com a promessa de que compensarão esses planos a longo prazo. O que esperam aqueles que propõem o conceito de “Natureza positiva” é que no ano de 2030, o resultado possa ser ligeiramente positivo. Porém, quando dimensiono a perda de biodiversidade que vi ao longo da minha vida, fica evidente que não podemos permitir mais perdas. 

Muitos dos projetos baseados na natureza não são mais que plantações de monocultivos de árvores, que não aportam nenhuma biodiversidade. 

Tanto o conceito de “natureza positiva” quanto o de “soluções baseadas na natureza”, o SBN, se baseiam em compensar, sejam as emissões atuais de CO2 ou os ecossistemas que querem destruir, o que supõe que um tipo de ecossistema possa ser compensado com outros, sem levar em conta a sua capacidade de absorção de CO2, a complexidade de organismos que existe em cada ecossistema, o caráter único de cada espécie ou o território sagrado para os povos indígenas. Tal compensação é uma “solução” para as empresas que querem manter seus benefícios e seguir minando a biodiversidade com a desculpa de que sua destruição é sustentável porque se compensará em outro lugar. O conceito não só é totalmente errôneo, como não é realista. Na realidade, compensar dessa forma requer grandes extensões de terras para capturar carbono, que excedem a superfície de terras disponíveis a nível mundial. 

Permitir a compensação de emissões dá para as empresas um passe livre para seguir arrasando o meio ambiente apesar da emergência climática e da perda exacerbada de biodiversidade. Muitos dos projetos baseados na natureza não são mais que plantações de monocultivos de árvores, que não aportam nenhuma biodiversidade. Reservar terras para compensar emissões de carbono também compete com a demanda de terras de cultivo do agronegócio.  

Porém, alguns poucos projetos pontuais de soluções baseadas na natureza que incluem práticas agroecológicas e a participação de Povos Indígenas e comunidades locais são apresentados em folhetos atrativos, em todas as cores, e afirmam falsamente que as soluções baseadas na natureza representam uma mudança de significado para o clima e a biodiversidade. 

Ao mesmo tempo, ambos conceitos empresariais representam uma grande carga para os Povos Indígenas e para as comunidades locais. Muitos projetos de compensação acontecem em suas terras e frequentemente os expulsam de seus territórios. As empresas tendem a afirmar que o uso da terra feito pelas comunidades nativas prejudica a biodiversidade, ainda que seja demonstrado o contrário. Cerca de 80% do remanescente de biodiversidade terrestre se preservou graças aos povos indígenas e comunidades locais, apesar das violações de seus direitos e o assassinato de defensores e defensoras ambientais. 

Embora a destruição de ecossistemas faça parte de uma crise mundial que temos que resolver, não é apenas uma questão técnica, como também de justiça. Necessitamos um Marco Mundial da Biodiversidade com políticas ambientais rigorosas que garanta que o mundo volte a viver dentro de limites planetários. As empresas têm que ser submetidas a uma regulamentação rigorosa, ao invés de ser permitido que criem as suas próprias medidas para evitarem as responsabilidades.  Mas, antes de qualquer coisa, é preciso proteção aos direitos dos povos indígenas e comunidades locais, que são os verdadeiros guardiões que protegem a biodiversidade. 

*Artigo de opinião de Nele Marien, Coordenadora do Programa Bosques e Biodiversidade da Amigos da Terra Internacional. Publicado originalmente no site El Salto, no dia 14 de dezembro, em: www.elsaltodiario.com/opinion/cumbre-de-biodiversidad-cop15 

 

Povos e comunidades tradicionais do pampa conquistam apoio do MPF em solicitar suspensão de Licença Prévia do projeto Três Estradas e propõe alternativas à mineração de fosfato em Lavras do Sul

O Ministério Público Federal (MPF) sustenta a existência de diversas irregularidades no licenciamento ambiental do Projeto Três Estradas, proposto pela transnacional Aguia Resources e relacionado à extração de fosfato na região de Lavras do Sul. A partir da pressão popular, que levantou dados, estudos, e uma série de materiais e relatos articulados pelas lutas, o MPF reconheceu os impactos socioambientais que o projeto causaria em uma das zonas mais preservadas do Rio Grande do Sul. Sua decisão é manter o pedido liminar de suspensão deste licenciamento enquanto o processo segue tramitando na justiça. 

A febre da mineração é sintoma de uma América Latina que, historicamente, tem a violência colonial como princípio fundante de suas sociedades. Ela guarda em si uma racionalidade que compreende o progresso, o desenvolvimento, como a incorporação permanente dos espaços comuns e a sua transformação em propriedade privada. Por onde passa modifica o entorno, enfraquece laços comunitários, mercantiliza a natureza e deixa um rastro de devastação. Em contraponto, trazendo a defesa das vidas e dos territórios como valor central, estão as lutas dos povos originários, quilombolas e tradicionais. Que resistem e pautam outro horizonte. Povos que devem ser celebrados em suas batalhas e vitórias. E se somando a triunfos populares contra a mineração, como a suspensão do licenciamento da UTE Nova Seival (Copelmi e Energia da Campanha) e o arquivamento da Mina Guaíba (Copelmi) e do Projeto Caçapava do Sul (Nexa Resources), a luta proporciona conquista traduzida pelo apoio do MPF contra o Projeto Três Estradas, em Lavras do Sul (RS).

Imagem representada por benzedeira e quilombola, agricultores familiares, povo cigano e povo pomerano | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

Barrando a trajetória de desastres minerários que incidem negativamente nos biomas e nas vidas tantas que ali florescem, conquistas assim podem abrir o debate para uma transição energética justa, para processos de tomada de decisão realmente democráticos e que pautam a soberania dos povos. Positiva para a comunidade de pecuaristas familiares de Lavras do Sul e para toda sociobiodiversidade do Pampa, a decisão do MPF é um passo importante na luta, que ainda segue até a suspensão do projeto. “Impedir esse projeto não representa impedir o desenvolvimento econômico do município ou estado, mas sim reconhecer e respeitar os direitos de povos e comunidades tradicionais, em especial o artigo 216 da Constituição Federal, que orienta que o estado brasileiro deve garantir os modos de criar, fazer e viver de seus povos; e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) 169, que orienta sobre o direito à consulta prévia, livre e informada, direito já violado pela empresa Aguia Resources. E o cumprimento da legislação ambiental estadual e federal à qual o empreendimento está submetido e deve obedecer”, declara Fernando Pires Aristimunho, pecuarista familiar e coordenador executivo do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa. O Comitê reúne representações de oito identidades presentes no bioma Pampa – povos indígenas, povo cigano, povo pomerano, povo de Terreiro, comunidades quilombolas, pescadoras e pescadores artesanais, benzedeiras e benzedores e pecuaristas familiares. Desde 2015 vem atuando para a visibilidade e defesa de direitos étnicos e territoriais e para a defesa do bioma Pampa.

Povo de terreiro, artesanato indígena, mulher quilombola, cerro de pedra e campo nativo, povo indígena kaingang | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

Os territórios onde seria instalado o minério de fosfato enfrentam as problemáticas da chegada da Aguia Resources desde 2011. Por aqui, a empresa é conhecida por Águia Fertilizantes (localizada em Lavras do Sul), uma subsidiária da Águia Metais (com sede em Minas Gerais), que por sua vez é subsidiária da Aguia Resources (com sede na Austrália). A ameaça de expulsão de famílias na localidade foco do empreendimento, região de Três Estradas, se faz presente com a possibilidade de avanço da mina. O saldo para a comunidade, no caso da implementação do projeto, é a ameaça constante das pessoas serem expulsas do seu lugar de morada, perdendo a vinculação com o ecossistema e com os laços comunitários. Perdendo, portanto, os meios de reprodução de seus modos de vida tradicionais, que dependem da conservação da natureza para existirem e garantirem a centenas de famílias a produção de alimentos. Os impactos são sociais e ecológicos. “A comunidade foco do projeto, Área Diretamente Afetada (ADA), já está sendo impactada desde a chegada da empresa na comunidade. São mais de 40 famílias de pecuaristas familiares, que vivem na região há mais de três gerações, que estão na ADA do projeto e estão sendo ameaçadas. As pessoas estão adoecendo, relações sociais comunitárias foram rompidas por conta de cooptações financeiras realizadas pela empresa em algumas famílias. E não são poucos os exemplos de violências sociais que projetos dessa magnitude trazem para regiões onde são implantados”,  denuncia Aristimunho. Relatos de moradores e laudo antropológico realizado pela PGR/MPF em 2020 comprovam o ponto.

Povo de terreira, butiazal no pampa, coqueiro de jerivá e produtor quilombola | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

Caso ganhe na justiça a Licença de Instalação, o projeto Três Estradas, que empregaria a mineração de fosfato a céu aberto, atingiria a pecuária familiar, atacando também o modo de vida pampeano. Cavas, barragem de rejeitos e captação de água de arroio seriam necessárias para o processamento do minério. Só a área de barragem de rejeitos pode envolver espaço equivalente a mais 278 estádios de futebol, conforme assinalam os pesquisadores Marcilio Machado Morais (doutor em Engenharia Química) e Vanessa Rosseto (Mestre em Ecologia) em um estudo intitulado “Reflexões sobre a Mineração em Três Estradas, Lavras do Sul, RS”. 

Onde hoje se perde o olhar na distância do pampa, com seus bucólicos amanheceres e pôres do sol, e com uma sociobiodiversidade única deste bioma, restariam buracos de cavas e explosões constantes, com pilhas de rejeitos de minério e de poluição. O progresso do projeto é, na verdade, a supressão dos campos nativos, a drenagem de áreas úmidas e o surgimento de barragens de sedimentos, que ameaçam as bacias hidrográficas existentes na região e todas a s comunidades que dependem dessa água para o seu sustento. A contaminação da terra, do ar e das águas impediria qualquer forma de vida por ali, gerando uma nova onda de êxodo rural, miséria e desemprego.

Para completar, os rastros desse desastre respingariam também em toda a população de Dom Pedrito e Rosário do Sul, municípios abaixo da barragem e que, com a implementação da iniciativa, passariam a viver em permanente estado de alerta. E os danos se estenderiam ultrapassando os limites nacionais: em caso de rompimento, os sedimentos podem correr pelos Rios Santa Maria e Ibicuí, alcançando o Rio Uruguai e gerando um impacto ecológico de âmbito internacional. 

Planejado entre Lavras do Sul e Dom Pedrito, o projeto Três Estradas prevê a construção de uma barragem que é também uma tragédia anunciada. De acordo com modelagens e estudos sobre o impacto das barragens de rejeitos, ela teria  capacidade de armazenamento equivalente ao dobro do volume de rejeitos espalhados pela barragem da Vale S.A. em Brumadinho (MG), que figura entre um dos crimes ambientais mais reconhecidos do país, com mais de 270 mortos e a Vale impune. Mas a empresa Águia Fertilizantes (parte da Aguia Resources), não apresentou essa realidade no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), principal instrumento que comunica as comunidades sobre o projeto.

Visando unicamente o lucro, a intenção da empresa Águia Fertilizantes é de se expandir no bioma Pampa. Inclusive em territórios de comunidades tradicionais, como é o caso do Quilombo de Palmas em Bagé, reconhecido em 2017 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Estas informações não são divulgadas pela empresa na região, violando os direitos da sociedade em geral. E o histórico da Águia já expõe o que está por vir. Ela é ligada ao grupo Forbes & Manhattan, do qual também faz parte a Golder Associates, contratada pela Samarco (BHP Billiton e Vale) após o rompimento da barragem em Mariana (MG), e depois substituída pela Fundação Renova. Tem conexão ainda com a Belo Sun e Potássio, que tiveram o licenciamento ambiental suspenso devido à ausência de consulta prévia, livre e informada junto às comunidades tradicionais, além de denúncias de compra ilegal de terras públicas e de falta de transparência.

Sede da Águia Fertilizantes, no centro de Lavras do Sul (RS)

No caminho da expansão da zona minerária estão vidas, águas, solos, fauna, flora, histórias e povos que muitas vezes sequer são consultados sobre a implementação de projetos de altíssimo impacto negativo.  Mas a luta para resistir e propor alternativas ao avanço da devastação segue em marcha. A luta pela vida segue consolidando raízes cada vez mais fortes. 

Na trajetória da luta: A articulação popular que constrói vitória e resiste ao projeto da Águia Fertilizantes

Em dezembro de 2018, o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, junto com a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), entregou ao MPF de Bagé e ao MPF de Rio Grande, o “Manifesto sobre violações de direitos provocadas pela mineração no Brasil e como se reproduz no projeto `Fosfato Três Estradas (RS)”.  O documento, com denúncias referentes ao projeto, foi a primeira manifestação do Comitê. Na articulação dessa luta que segue, ao lado do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa estão pessoas que vivem na região, pecuaristas  familiares e movimentos sociais organizados. Também somam na construção profissionais de diversas áreas do conhecimento ligados a universidades como a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), associações comunitárias de pecuaristas familiares, Associação para Grandeza e União de Palmas (AGRUPA),  União Pela Preservação do Camaquã (UPP Camaquã), Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), o Comitê de Combate a Mega Mineração (CCM), organizações apoiadoras e de defesa de direitos humanos, o Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH), a Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e a Amigos da Terra Brasil (núcleo RS).

Cigana, crianças indígenas Mbyá Guarani, quilombola e benzedeira, lã ovina, benzedeira e pescadora artesanal, plantas do pampa com uso tradicional, artesanato com palha do butiá | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

Em 2019, após ouvir relatos dos residentes da região de Três Estradas e na continuidade da mobilização em defesa do território, o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa escreveu um segundo manifesto, com apoio da FLD e do Núcleo Educamemória da FURG. Nomeado como “Três Estradas tem gente, tem voz e tem história, violações de direitos entre 2011 a 2019”, este foi entregue por  integrantes da comunidade de Três Estradas, do Comitê PCTs do Pampa, da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), da Associação para Grandeza e União de Palmas (AGRUPA)  à Procuradora da República no Município de Bagé, Amanda Gualtieri Varela, no dia 17 de dezembro, data referenciada como dia do Bioma Pampa. Alçando a voz das famílias da comunidade ameaçadas pelo empreendimento, o manifesto deu origem ao  Laudo Antropológico, solicitado pelo MPF e realizado pelo setor de perícias da Procuradoria Geral da República, no ano de 2020. “O laudo afirmou que a comunidade impactada pelo empreendimento “Fosfato três Estradas” é população Tradicional. A partir do Laudo Antropológico e de outras manifestações contra o empreendimento, o MPF instaurou uma Ação Civil Pública, solicitando a suspensão da Licença Prévia (LP) concedida ao empreendimento pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM)”, conta Aristimunho.

O documento afirma que as famílias não concordam com o empreendimento, que estão se sentindo ameaçadas de reproduzir seus modos de vida como pecuaristas familiares que são. As diversas identidades socioculturais dos povos tradicionais do pampa são as guardiãs da  biodiversidade local e fazem a  história do bioma. Como foi argumentado pelo manifesto escrito pelo comitê após ouvir a comunidade, e confirmado pelo laudo antropológico realizado pelo (PGR) em fevereiro de 2020: A força identitária pecuarista familiar reside em redes de interações sociais e ecológicas que se reproduzem historicamente preservando os ecossistemas do Pampa, e em nenhum outro lugar. Uma identidade intrinsecamente vinculada ao bioma: longe dos campos nativos o pecuarista e a pecuarista familiar não existem. A pecuária familiar tem com o Pampa uma conexão que é de outra natureza, é simbiótica: se você não tem o campo nativo, você não tem a pecuária familiar. O respeito à sua integridade ambiental é, por isso, um respeito à própria identidade; um movimento de autopreservação.

Assegurar os modos de vida dos povos tradicionais da região é assegurar a manutenção e preservação ecológica desta, preservando ainda a história, conhecimentos e formas de produção que se contrapõe a uma lógica mercantilista e predatória. Como evidencia o laudo antropológico: “Resultado de séculos de evolução e coexistência com o bioma Pampa, o espaço social do pecuarista familiar é exclusivo, nele desenvolvendo atividades econômicas que não transformam a natureza em algo diferente do que sempre foi. Detentores de um elevado conhecimento prático sobre os organismos naturais que manejam, os pecuaristas familiares apenas se encaixam, adaptando-se, tendo substituído os antigos herbívoros nativos, que já foram abundantes no Pampa, por outros: bovinos, ovinos e equinos. Por isso não são agricultores; no máximo cultivam o que chamam de cercado, pequena produção de hortaliças próxima às residências, e de outros alimentos para o autoconsumo da família e dos animais. Sua identidade – assim como seu estatuto de comunidade tradicional – é, desse modo, inseparável da biodiversidade nativa. Sua cultura e estilo de vida (ethos) decorrem da experiência de se viver e se reproduzir nesse ambiente natural único, por meio de uma ocupação humana intrinsecamente conservacionista. Como já mencionado, uma relação simbiótica que necessariamente conduz à conservação do bioma”. 

Com muito estudo e mobilização coletiva traduzidos em anos de luta, foi alcançado o apoio do MPF, que solicitou a suspensão da Licença Prévia (LP) do Projeto Três Estradas. “No intuito de garantir as formas de vida e de preservar o pampa, o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, desde sua criação, vem trabalhando de forma articulada entre lideranças dos diferentes povos e comunidades tradicionais existentes no bioma, juntamente com organizações de apoio e universidades públicas, reconhecendo nossos direitos socioterritoriais, tão fragilizados e atacados no atual contexto brasileiro. Buscando dialogar com gestores públicos a partir da participação em conselhos e fóruns, buscando incidir para a efetivação e o controle social das políticas específicas, dialogando também com Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE) e Defensoria Pública Estadual (DPE), para a defesa e efetivação de direitos e políticas públicas”, comenta Aristimunho sobre a organização e os próximos passos na luta.

Pesca artesanal da Lagoa dos Patos e pescador artesanal, pecuarista familiar e área de pecuária familiar | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

Projeto Três Estradas é marcado por falta de transparência, processos antidemocráticos e violação de direitos e do território  

Sem consulta prévia à comunidade, sem exposição dos danos socioambientais que acarretaria e com uma série de projetos de marketing para mobilizar a opinião pública a seu favor, Águia Fertilizantes traz em seu âmago a lógica violenta da mineração

A empresa Águia Fertilizantes atua na região desde 2011, mas apenas em dezembro de 2018 que divulgou seu EIA-RIMA, tendo em vista a obrigatoriedade frente à primeira audiência do processo de licenciamento junto à FEPAM. Contra análises coerentes sobre os impactos socioambientais e de forma nada transparente, até então não expunha suas verdadeiras intenções com o projeto, buscando apenas divulgar a sua marca por meio de inúmeras atividades. Houve distribuição de brindes, lanches, doação de materiais escolares, tintas para pintar escolas, patrocínio de shows e eventos com brincadeiras envolvendo crianças, até a criação de um joguinho sobre mineração para crianças.Tudo numa perspectiva para cooptar a opinião pública a seu favor, sem informar as reais consequências do empreendimento e como ele impactaria de forma irrecuperável o bioma, as vidas e formas organizacionais de seus habitantes.  

Com foco no lucro às custas da mercantilização da vida e dos povos, a Águia chegou na região com esforços para mobilizar populações a seu favor. “A empresa desde que chegou no município, em 2011, vem apoiando feiras agropecuárias e realizando investimentos e eventos em escolas públicas. Essas manifestações públicas da empresa e aportes financeiros em equipamentos públicos, que deveriam ser feitos pela prefeitura, vêm convencendo a população urbana de que o projeto vai aumentar a oferta de empregos e trazer melhorias para a qualidade de vida da população. Mas em nenhum momento mostram para a comunidade os impactos ambientais e sociais que o empreendimento causará, se for implantado”, relata Aristimunho. 

Nessa história, a Águia contratou a empresa Nano BizTools (start up de inovação) para, em suas próprias palavras, “enfrentar a desconfiança da população e desenvolver uma comunicação empática”. Mas nunca revelou a essa população no que acarretaria o projeto, tendo utilizado inclusive técnicas como a chamada “storytelling” para, literalmente, contar história à comunidade. A comunicação feita pela empresa para os investidores e para as comunidades locais gerou interpretações parciais e equivocadas. E no processo, a Águia tampouco observou os direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, de agricultoras e agricultores familiares e de comunidades locais presentes na região. Não houve processo de consulta específica, livre, prévia e informada junto aos Povos e Comunidades Tradicionais, fato que elucida o quanto ela contrariou a Constituição Federal de 1988, o Decreto 6040/2007 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais), a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU e a Convenção nº 169/1989 da OIT.

Uma série de violações de direitos perpassa a trajetória da Águia no estado. E enquanto ela ocultou informações para as comunidades locais, não as consultando, também divulgou sistematicamente informações em inglês aos seus acionistas (em documentos e notícias no site da Aguia Resources), inclusive sobre suas concretas intenções de expansão na região.

Segundo o relatório Management’s Discussion and Analysis, de fevereiro de 2020, a empresa atualmente controla mais de 1.500 km² de terra no Brasil. Em Sergipe, a mineradora explora potássio através do projeto Atlantic, na Paraíba e Minas Gerais, explora fosfato através dos projetos Lucena e Mata da Corda, respectivamente (GEOLOGY, 2015). Além destes projetos a empresa “garantiu um pacote estratégico de terras” ao longo do Cinturão do Cobre, na região de Caçapava do Sul/RS, contando hoje com uma área de 86.782 hectares, tendo como alvos as localidades de Canhada, Fazenda Grande, Carlota, Passo Feio, Seival, Lagoa Parada, Primavera e Andrade. Porém, o projeto Três Estradas é considerado o seu principal, pois desencadearia e viabilizaria economicamente uma série de minas a céu aberto para exploração de fosfato na região. A Aguia tem realizado perfurações para pesquisa mineral de fosfato (que, segundo a empresa têm se mostrado altamente promissoras e rentáveis) nas localidades de Mato Grande, Joca Tavares, Cerro Preto e Porteira (próximas a Três Estradas). Portanto é importante entender que se trata de um grande e amplo projeto chamado de Rio Grande (GLOBALFERT, 2015; SINFERBASE, 2016), sendo Três Estradas somente o primeiro passo. 

Área como é hoje
Área como ficaria com o projeto Três Estradas
Trajeto possível em caso de um rompimento da barragem de rejeitos prevista, que tem o dobro da capacidade que a barragem da mina do Córrego Feijão que rompeu em Brumadinho
Bacias hidrográficas Santa Maria, Camaquã e Negro

O projeto visava se instalar muito próximo ao divisor de águas das Bacias Hidrográficas Santa Maria, Camaquã e Negro. As águas que correm dessas bacias vão de encontro a 33 municípios, onde pulsa em grande concentração a vida de comunidades e povos tradicionais. São 31 áreas de povos indígenas, 57 comunidades quilombolas, 22 coletivos de pescadoras e pescadores artesanais, mais de 500 famílias de pecuaristas familiares, mais de 60 mil domicílios autodeclarados de povos  de terreiro e tradicionais de matriz africana, mais de 2 mil pessoas autodeclaradas do povo pomerano, e rotas de passagem do povo cigano, de benzedeiras e benzedores. Além de 124 assentamentos da reforma agrária, com mais de 4 mil famílias. E por mais que sejam muitas gentes, não existe número possível que retrate o significado dessas vidas e de suas histórias.

O Projeto Três Estradas é o contrafluxo da preservação do bioma do pampa. Preservação essa que é fruto do trabalho e das relações que estes povos tradicionais cultivam ao longo de gerações, que têm em seu cerne o convívio harmônico com a natureza e sistemas de cooperação. Para garantir suas formas de vida e a sociabilidade ecológica foi apresentado em 2019, pelo Comitê dos Povos Tradicionais do Pampa e outras articulações, estudo do componente socioeconômico que traz sistematização e análises a fim de expor de forma mais explícita as violações de direitos do Projeto Três Estradas. Elaborado a partir de matérias, depoimentos, documentos, vídeos e trabalho de campo, o estudo apresenta análise histórica desde a chegada da empresa na região de Lavras do Sul, em 2011, até dezembro de 2019.  Neste, é possível averiguar o lastro de consequências nefastas da mina de fosfato a céu aberto na localidade. Que em seu projeto, além de desconsiderar a dinâmica sociocultural e espacial, o modo de vida, o sentimento de pertencimento, os costumes locais e a ancestralidade, que não foram devidamente considerados no EIA RIMA, traria ainda a contaminação, poluição e devastação das formas de vida pampeanas. 

Enquanto empresas mineradoras extraem vida, povos tradicionais a colocam no centro propondo a valorização da natureza 

Artesanato quilombola, ervas utilizadas pelo povo de terreiro, pinheiro araucária e pilão quilombola | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

O apoio do MPF em solicitar suspensão da LP Projeto Três Estradas é uma vitória dos povos indígenas, quilombolas, pomeranos, ciganos, de terreiro e tradicionais de matriz africana. Vitória de pessoas pescadoras artesanais, pecuaristas familiares e benzedeiras. Ela repercute para todo estado e reverbera no país, dando força às lutas que seguem. Aristimunho faz a síntese do porque esse comprometimento é tão importante para os pecuaristas familiares da região: “A permanência e reprodução do modo de vida de pecuaristas familiares, que há gerações vivem da pecuária familiar. Criando e cuidando de gado bovino, ovino, cavalos e outros pequenos animais, produzindo alimentos para suas famílias e gerando renda naquela região, convivendo e conservando a partir dos seus usos aqueles ecossistemas que compõem os campos nativos da região. Não será um projeto, como o proposto, que trará desenvolvimento econômico. Pelo contrário, esse projeto gerará destruição ambiental e pobreza a longo prazo no município. Essa luta contra a mineração em Lavras do Sul tem fortalecido comunidades de pecuaristas familiares no estado todo, pela defesa do Bioma Pampa”.

O projeto Três Estradas, da Águia Fertilizantes, encontrou respaldo em figuras, governos e políticas que visam a privatização da vida e o avanço do capital, que para a concentração de poder econômico e político de poucos colocam toda a sociobiodiversidade em cheque. Ignorando ainda toda a poluição e os impactos na emergência climática causados por projetos extrativistas. Teve resguardo de setores da política institucional que desconsideram os impactos ecológicos, a preservação dos biomas e as consequências negativas para os povos. Levando isso em consideração, os documentos entregues ao MPF pela articulação em luta fizeram referência aos planos e políticas na área da mineração que vêm sendo construídos pelas empresas em associação aos governos, sem participação da sociedade civil. A exemplo do Plano Energético do RS para o período de 2016 a 2025, do Plano Estadual de Mineração-RS e da Política Estadual do Carvão Mineral e da instituição do Polo Carboquímico do RS (Lei 15.047 de 2017). 

Setores e políticos que defendem o projeto Três Estradas comunicam a que vieram. Em recentes reportagens sobre evento da pecuária industrial previsto para acontecer em Lavras do Sul, a Águia Fertilizantes é citada positivamente pelo deputado Paparico Bacchi, líder da bancada do Partido Liberal (PL) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.  Complementando esse posicionamento que tanto ameaça os povos e territórios, a Câmara de Vereadores de Lavras do Sul ofereceu congratulação ao gerente geral da Águia. E ainda a nível municipal, a prefeitura de Lavras do Sul tentou junto a Águia sensibilizar a opinião pública para passar o projeto. Além disso, o prefeito da cidade, Sávio Prestes (PDT), fez esforços e coalizões políticas para tentar viabilizá-lo. Ao contrário do discurso oficial da empresa e de seus aliados, as possibilidades de empregos, energia, cultura e produção no local não precisam, e nem devem, significar a destruição dos modos de vida tradicionais e do bioma. Aliás, a preservação destes é o requisito básico para a sobrevivência de todas as formas de vida que por ali transitam. Outras alternativas são possíveis, e já vêm sendo apresentadas pelos povos há muito tempo, com iniciativas de agroecologia e pecuária familiar, por exemplo. “Precisamos é que os gestores públicos em nível municipal, estadual e federal nos reconheçam como população tradicional, guardiãs e guardiões da sociobiodiversidade do Pampa, que somos. E criem políticas públicas específicas para a valorização do modo de vida de pecuaristas familiares, identidade sociocultural tão característica do bioma Pampa, considerando nossos modos de fazer, criar e viver como recentemente foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e também pelo Inventário Nacional de Referências Culturais Lida Campeira na Região de Bagé (RS)”, propõe Aristimunho.

Mulher do povo pomerano, artesanato indígena, milho crioulo e peça artesanal em lã ovina | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

Outro ponto crítico é que o Projeto Três Estradas e a mineração de fosfato para produção de fertilizantes fazem parte de uma lógica que pauta a alimentação via agropecuária industrial e expansão do agronegócio, em especial a soja e sua dependência por fosfato. Sendo este um modelo primário agroexportador que aprofunda a relação de dependência do país, desconsiderando ainda as formas de interação socioambiental e de preservação que são defendidas e implementadas pelos povos que há gerações preservam a sociobiodiversidade. Aristimunho explica: “A pecuária familiar e a agricultura agroecológica não dependem de fertilizantes químicos nem de fosfato para a produção de alimentos. Precisamos de políticas públicas de apoio e promoção da agroecologia e da pecuária familiar agroecológica, criando alternativas frente a dependência de fertilizantes químicos e insumos veterinários. Assim como estamos comendo veneno a partir dos produtos alimentícios da agricultura industrial, estamos também nos envenenando com produtos veterinários através da carne, oriunda da pecuária industrial”. 

A guerra contra as populações do campo, das florestas e das águas é ininterrupta. Assim como a luta dos povos que em sua coletividade, organização social e na prática cotidiana apresentam alternativas ao sistema colonial e ao seu extrativismo violento.  “Até quando vamos viver essa guerra que expropria os territórios e ameaça os modos de vida das populações tradicionais?”, indaga Aristimunho. 

Na contramão de perspectivas extrativistas exploratórias, que carregam em si a genealogia do desastre, está a organização popular. E dessa vez, a articulação da luta garantiu decisão positiva do Ministério Público Federal (MPF), em favor dos povos tradicionais do pampa e da comunidade de pecuaristas familiares de Lavras do Sul. O que significa, também, um passo a mais na caminhada pela preservação de toda a sociobiodiversidade do Pampa. Mas ainda há muita luta a ser travada. Embora o MPF tenha manifestado apoio, solicitando a suspensão da Licença Prévia (LP) do Projeto Três Estradas e também emitindo recomendação para a FEPAM suspender a LP (que não acatou), quem decide é a justiça, e o processo segue em tramitação, tornando possível que a Licença de Instalação (LI) do projeto seja concedida a qualquer momento.

Ervas do uso tradicional quilombola, povo cigano e roda da capoeira | Fotos do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da FLD

A mineração tem em sua história a memória viva da destruição, das ruínas e da guerra. De Potosí para cá, a geografia mineira da América Latina remonta o tempo e o espaço de uma colonização que segue em curso. Numa articulação entre poder econômico, político e militar, os projetos mineiros trazem em seu cerne a expropriação, impondo um projeto de sociedade e de desenvolvimento que ruma ao colapso ecológico e humanitário.  Enquanto representa riqueza concentrada para alguns, para a grande maioria a mineração é a violência sedimentada, que se traduz no fim de seus modos de vida, na intoxicação de seus alimentos, na poluição de suas águas, na erosão do solo, na ameaça das relações comunitárias e na superexploração da natureza e do trabalho. A luta segue! É nos saberes dos povos tradicionais e na preservação de seus modos de vida, que sobrevivem há séculos de privação, que está a resposta para o coabitar em um mundo justo, sustentável e de bem viver.


No dia 12 deste mês, matéria publicada no Jornal Minuano aponta que a Águia Fertilizantes apresentou informações complementares sobre o Pedido de Licença de Instalação (LI), solicitadas pela FEPAM. A expectativa da empresa é de que, caso saia a LI, a operação da Águia comece em 12 meses.  A luta segue!

Quer saber mais sobre o Projeto Três Estradas? Não deixe de ler o artigo “A Experiência de Construção do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul, na luta contra o avanço da nova fronteira mineral”, de Michele Cristina Martins Ramos e Eduardo Raguse, que integra o livro “Mineração: Realidades e resistências”

Aqui você confere mais sobre a temática no artigo “Rio Grande do Sul, Minas Gerais”, também do engenheiro ambiental Eduardo Raguse, do Comitê de Combate a Megamineração no RS e da Amigos da Terra Brasil

Clique aqui para conferir na íntegra as imagens utilizadas nessa reportagem, assim como galeria de fotos dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa

Organizações denunciam violência e ação de milícia na Terra Indígena de Serrinha (RS)

Com notas divulgadas no final de semana, organizações como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Instituto Kaingang e indígenas da terra de Serrinha, norte do Rio Grande do Sul, denunciam violências e assassinatos ocorridos recentemente na região.

Vítimas da prática de arrendamento de terras para o agronegócio, indígenas da região relatam a ação de milícias que controlam o território, compostas principalmente por homens não-indígenas armados. A prática de arrendamento provoca conflitos entre os povos e corrompe as dinâmicas tradicionais da região sem consultar, de forma democrática, todos os indígenas que moram no território.

Em protesto realizado para chamar atenção ao conflito, homens armados apareceram e atiraram nos indígenas reunidos. Alguns conseguiram escapar, entre eles crianças, mas duas pessoas foram mortas na ação.

Leia as notas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Instituto Kaingang (INKA).

Revisitando o passado: após a ditadura, segunda onda de militarização da Amazônia se intensifica

Os estados que compõem a Amazônia, em especial o Amazonas, estão em situação de colapso com o sistema de saúde pela pandemia de Covid-19. Em meio a isso, há um projeto de avanço exploratório sobre essa região declarado pelo próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que quer aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, o que significa desregular a legislação ambiental brasileira. 

O momento é visto como oportunidade para colocar em prática ações que já estavam na perspectiva do governo. Em 2019, quando as queimadas e o desmatamento tomaram projeção nos jornais ao redor do mundo, a resposta de Bolsonaro foi a execução de decreto para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que colocou militares para conter as queimadas.  Governando sob decretos, Bolsonaro transferiu, em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) do Ministério do Meio Ambiente, ao qual pertencia desde 1995, para a Vice-Presidência da República a cargo do General Mourão.  O CNAL agora é composto por 19 militares, excluindo Ibama e Funai da participação e sem qualquer presença ou diálogo com a sociedade civil, ou mesmo com os governadores dos estados que abrigam a Amazônia Legal.

CNAL nas mãos da Vice-Presidência e 19 militares, mas sem a participação de representantes do Ibama e da Funai. | Imagem: Reprodução/TVBrasil

A posição de afastamento de representações dos povos indígenas, quilombolas, pescadores e comunidades locais emite um alerta para ações autoritárias de um governo que pouco preza pelo diálogo e pela transparência. Se afastando de instituições que conhecem a fundo a realidade do bioma amazônico, o governo sinaliza que deve seguir com seu projeto desenvolvimentista para a região. Ações que caminham para remontar projetos de exploração realizados durante a ditadura, que apresentou como resultados a expansão do modelo colonizador para a região com violência contra as populações locais, além de uma ampliação da fronteira agrícola e de extração mineral. 

Em janeiro deste ano, Bolsonaro decretou a criação da Força Nacional Ambiental, que estará sob tutela do vice-presidente quando for implementada. A política verticalizada e que ignora as peculiaridades e os modos de vida da região indica uma possibilidade de aumento de conflitos e criminalização de movimentos sociais. O plano de Mourão ao estender a Operação Verde Brasil 2 pelos próximos meses tem a intenção de minimizar a crise de imagem que a gestão tem no exterior. A ação é uma tentativa de liberar as verbas do Fundo Amazônia, financiado por Noruega e Alemanha e suspenso desde 2019, para proteção do bioma. O caminho de militarização para a região não tem apresentado resultados positivos: os focos de queimada na Amazônia neste mês de junho foram os maiores desde 2007, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A ineficácia também se apresenta pelos altos gastos públicos. O valor orçamentário do Ibama é 10 vezes menor que o destinado para o Ministério da Defesa, segundo reportagem do InfoAmazônia, no fundo de R$ 1 bilhão criado para reduzir desmatamento na Amazônia, após acordo da Lava Jato.

Militarização não resolve o desmatamento que segue em crescimento | Foto: Exército Brasileiro

O olhar desenvolvimentista e de caráter colonizador para a Amazônia remonta as ações realizadas durante a ditadura militar brasileira. O que mostra que pouco mudou na mentalidade ideológica militar dos anos 1960 para os anos 2020. A perspectiva militar empregada tem raízes no colonialismo europeu e  nas relações com os Estados Unidos. Ela está aliada a um modelo de desenvolvimento que elimina os modos de Bem Viver tradicionais e impõe uma integração pelo modo de vida de produção capitalista. Um projeto  que considera a Amazônia fonte de lucro e não a reconhece como fonte de vida secular para os povos que aí vivem, nem mesmo como berço de toda biodiversidade que engloba.

Entendemos que o único papel das forças armadas seria no apoio às instituições de proteção da Amazônia. Fornecer apoio tático, operacional e logístico aos agentes de fiscalização, de forma subordinada aos técnicos. Quando Bolsonaro transfere para os militares a decisão sobre fiscalizações ambientais na Amazônia, ele subverte a lógica de proteção e impõe tutela. Atualmente, os Comandos Militares do Norte e da Amazônia se negam a fornecer esse apoio e relutam em cumprir a lei, segundo o artigo 111 do decreto 6.514, de 2008, que ordena a inutilização e/ou destruição de equipamentos em situação irregular utilizados para práticas criminosas quando não se pode removê-los, pois são propriedade de garimpeiros e madeireiros ilegais. Ou mesmo a proteção dos próprios agentes contra ataques em casos de flagrante criminosos

A militarização da Amazônia não se relaciona apenas com a entrega da coordenação das operações para autoridades militares, mas também com a militarização dos cargos de chefia das instituições, sobretudo o Ibama. Logo após uma operação do IBAMA para combater garimpos ilegais e impedir a disseminação do coronavírus, assistimos [mais uma vez] a exoneração de funcionários de carreira pelo Ministro do Meio Ambiente e pelo presidente do IBAMA. Os nomeados no lugar dos técnicos que há anos exerciam as funções de coordenar a fiscalização ambiental foram policiais militares da ROTA, conhecida por ser uma das tropas de elite mais violentas do estado de São Paulo. E quais eram as experiências dos militares que agora estarão liderando as operações que deveriam assegurar a repressão a crimes ambientais nas regiões com os mais altos índices de desmatamento? No caso do coordenador-geral, sua única experiência na área ambiental inicia em outubro de 2019 já como superintendente do IBAMA. Ele foi flagrado emitindo licenças de exportação de forma retroativa, o que é ilegal. Fazendo isso, “legalizou” o envio de madeiras da Amazônia de forma irregular. A maior beneficiada nesse processo foi a empresa transnacional de origem britânica Tradelink. Naquela ocasião, o superintendente ainda fez a ressalva de que a ação não contribuiria somente com a Tradelink e que poderia repetir a agilidade na emissão de licenças de exportação para outras empresas quando necessário.

O discurso de Bolsonaro, em julho de 2019, comparando a Amazônia a uma virgem “que todo o tarado de fora quer” deflagra a objetificação tanto do território como das mulheres, e nos traz elementos para pensarmos o projeto de governo que vem sendo implementado em relação à floresta. Por trás de um discurso ufanista de proteção da “soberania nacional” existe uma lógica mercantilista e violadora que vem sendo estabelecida na relação militares-amazônia desde a extração do pau-brasil, durante o período colonial. 

Mourão, o vice e responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia, já na campanha eleitoral, proferia discursos racistas atrelando aos povos indígenas a “indolência” e, ao povo negro, a “malandragem”. Mas antes de Mourão, o que não nos faltam são maus exemplos de ações tomadas pela militarização da proteção à Amazônia. Quando olhamos para o passado, a perspectiva positivista empregada pelos militares com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) é a mesma política higienista e racista apresentada hoje por Bolsonaro quando se refere aos povos originários como quem precisa ser integrado a um modelo de “civilidade”. O que está por trás é um debate sobre como a Amazônia é vista: fonte de sociobiodiversidade incalculável vs fonte de lucro infindável. Além, é lógico, do racismo do presidente, que não está por trás, está escancarado. 

Em meio a pandemia, os riscos são de repetir a história e realizar o genocídio de populações indígenas, em especial aquelas em isolamento voluntário que não tem janela imunológica para sequer outros vírus. Em fevereiro deste ano, o governo assinou projeto que autoriza garimpo em terras indígenas, além de regularizar a exploração para turismo, agricultura, pecuária e extrativismo florestal. Em meio a pandemia, ações de garimpeiros se intensificam na Amazônia e ameaçam as populações originárias, em especial no território Yanomami, maior terra indígena do país, onde vivem cerca de 26 mil membros dos povos yanomami e ye’kwana, distribuídos em 321 aldeias. Neste contexto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) recorre ao STF contra genocídio institucionalizado pelo governo. Bolsonaro foi, também, denunciado no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crime contra a humanidade por sua postura ineficaz no combate ao avanço da Covid-19 no país. 

Nesta quarta-feira (8), o presidente sancionou, com vetos, o PL 1142 que prevê medidas para tentar proteger as populações indígenas e quilombolas. Com os vetos o governo se exime da obrigatoriedade de fornecer acesso a água potável, de distribuir gratuitamente materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias, de instalar internet nas aldeias e distribuir cestas básicas, ainda veta a obrigatoriedade de liberação pela União de verba emergencial para a saúde dos povos tradicionais. Em mais uma ação da necropolítica na gestão Bolsonaro, o Executivo demonstra não se preocupar com a contaminação destas populações e gesta pelo isolamento no acesso a informação destas comunidades. Depois de destinar Cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra o Coronavírus, para os povos Yanomami de Roraima.

Militares distribuíram 13,5 mil comprimidos de cloroquina, medicamento que não tem eficácia comprovada contra a Covid-19 às comunidades indígenas Yanomami, em Roraima. | Foto: Divulgação /Ministério da Saúde

Em 2019, os portais Intercept e openDemocracy reportaram falas do ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo, General Santa Rosa, que se demitiu em dezembro, sobre o projeto Rio Branco, tratando, inclusive de um receio de invasão chinesa pela fronteira com Venezuela e Suriname. O projeto segue em fase de discussão e trata de “integrar a Calha Norte do rio Amazonas”, o que consistiria na expansão da BR-163 até a fronteira com o Suriname, a construção de uma ponte sobre o rio Amazonas no município de Óbidos (AM) e a construção de uma hidrelétrica no rio Trombetas. Os documentos ainda tratam da execução do Plano Nacional de Mineração para os “minerais que impactam o mercado nuclear e a indústria aeroespacial”. O projeto já indicava ideologicamente as ações atuais do Executivo que governa sob decretos e deve, assim, dar continuidade ao plano. A série de reportagens da Amigos da Terra Brasil “A história do cerco à Amazônia” lançada em junho retrata a aplicação de políticas públicas que já vem sendo realizadas no sentido de aplicar um projeto desenvolvimentista para a região do eixo do Tapajós, no Pará, baseada na expansão do agronegócio. 

Pelas ações deste governo, o modelo de desenvolvimento para a Amazônia está posto: desenvolver infraestrutura, aumentar a exploração dos minérios da região, converter a floresta em pasto e monoculturas, densificar a população e a inserir em uma sociedade de consumo mesmo que para isso os modos de vida tradicionais precisem ser exterminados. O lucro? Assim como os impactos da destruição da Amazônia, será em escala global, mas ficarão nas mãos de poucos, aquele 1% da sociedade, representado por instituições financeiras e empresas transnacionais. As perspectivas se cruzam entre passado e presente. Novamente militares em diferentes áreas do poder. Novamente uma perspectiva positivista sobre a Amazônia e seus povos.

É imprescindível a defesa dos povos responsáveis por esta floresta ainda estar em pé, aqueles que sempre estiveram no território cuidando e defendendo, aqueles que possuem relações de interdependência históricas com a natureza e que muito aportam para caminhar na necessária mudança de sistema por uma sociedade justa. É claro que precisamos defender os povos da Amazônia e os movimentos que articulam e organizam a resistência pelos modos de vida tradicionais, mas de que maneira garantir esses modos de vida em um contexto de genocídio declarado, seja pela bala, seja pelo vírus? 

Agronegócio e empreendimentos para escoar a produção avançam sobre comunidades tradicionais e ameaçam as relações de interdependência com a natureza. | Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

O caminho para a resposta é árduo e complexo, mas há alguns pontos cruciais para nós da Amigos da Terra Brasil. É necessária uma mudança radical de sistema que coloque a vida no centro da economia e da política. Para isso, seguiremos fortalecendo nossa articulação enquanto membro da Federação Internacional Amigos da Terra e nossas ações locais construindo alianças com movimentos campesinos, indígenas, feministas, sociais, sindicais que possuam um projeto político que nos permita avançar na convergência de pautas e agendas. A mudança de sistema se dará na luta de classes e na construção do poder popular para alcançar a soberania e a autodeterminação dos povos.Com a solidariedade internacionalista, rompendo fronteiras, enfrentamos o ufanismo da soberania nacional que sustenta regimes ditatoriais. 

Em outro momento, quase um ano atrás, quando incidimos contra os incêndios na Amazônia, elaboramos 9 ações para defender a floresta que seguem sendo essenciais. Mas hoje, diante do cenário atual de militarização e sucessivos golpes ou tentativas de golpes na região da América Latina, queremos reafirmar que para defender a Amazônia é preciso lutar pela democracia. É preciso enfrentar Bolsonaro, enfrentar Mourão e a militarização genocida da política que implementam.

O contexto de militarização na Amazônia brasileira repercute, também, junto a Federação Internacional Amigos da Terra, confira a nota divulgada entre os grupos membro em espanhol e inglês.

Mais um Guajajara assassinado no MA: Zezico Rodrigues presente

Amigos da Terra Brasil se solidariza e exige justiça para o assassinato da liderança indígena da etnia Guajajara, Zezico Rodrigues. Ele foi morto por um tiro de espingarda, numa emboscada próxima à aldeia Zutiwa nesta terça-feira (31) no município de Arame (MA), segundo confirmou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ele era um dos líderes da Terra Indígena Araribóia, diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Azuru e professor há 23 anos. 

Desde o início da gestão de Jair Bolsonaro, os ataques aos povos indígenas se intensificaram no país, conforme o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil. Agora, em meio um cenário de pandemia mundial, que se aprofunda em nosso país, nos territórios e invisibiliza a violação sistemática dos direitos dos povos indígenas e a escalada de ataques às suas lideranças e aos seus  modos de vida, é ainda mais revoltante ter que enfrentar tão vil ação, orquestrada por interesses do grande capital no Maranhão. 

Zezico se tornou a principal voz de denúncia dos ataques de madeireiros ilegais na região nos últimos meses, após o assassinato de Paulino Guajajara e as ameaças recebidas por Laércio Guajajara. O líder local Paulino Guajajara, era membro grupo “Guardiões da Floresta”, formado para proteger o território contra madeireiros ilegais, e foi assassinado a tiros em primeiro de novembro de 2019. Ele voltava de um dia de caça acompanhado de outra liderança, Laércio Guajajara, quanto foi surpreendido por tiros nos braços e nas costas. Laércio sobreviveu ao ataque, mas após novas ameaças, teve de deixar a aldeia e ir morar em um novo local não divulgado sob orientação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Governo Federal.

Outros dois indígenas da mesma etnia, Raimundo e Firmino Guajajara, também foram assassinatos no dia 7 de dezembro de 2019. O crime ocorreu no município de Jenipapo dos Vieira, Maranhão, às margens da rodovia BR-226, ao sul da capital São Luís. Na ocasião, outras quatro pessoas ficaram feridas. 

Nós expressamos nossa profunda preocupação, considerando que estes fatos não são isolados. Nos posicionamos junto aos povos originários no pedido por justiça. Nos solidarizamos exigindo que o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Organização dos Advogados do Brasil (OAB) acionem a Justiça para garantir os direitos indígenas, sobretudo à proteção e demarcação territorial. É imprescindível garantir a proteção à vida e aos territórios indígenas no Brasil, em especial no Maranhão.

A Amigos da Terra Brasil se solidariza com a terra indígena Araribóia, com toda a nação indígena, em especial com o povo Guajajara, pela perda irreparável do companheiro de luta, Zezico Rodrigues Guajajara. Denunciamos mais este assassinato a um defensor dos direitos dos povos e do bem comum. Seguiremos resistindo pela floresta em pé e pelos povos vivos. Zezico Rodrigues presente!

Amigos da Terra Brasil, 01 de abril de 2020.

Leia as notas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

ATALC denuncia e repudia assassinato do defensor dos povos indígenas Sergio Rojas na Costa Rica

Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) denuncia e repudia o assassinato de Sergio Rojas — indígena costarriquenho defensor dos direitos dos povos originários e defensor do território Bribri de Salitre ao sul da Costa Rica. Durante sua vida foi um incansável lutador pela autonomia indígena, enfrentando os grileiros de terras de suas comunidades.

Na última segunda (18) Sergio foi emboscado em sua casa, localizada na comunidade de Yeri, onde foi baleado 15 vezes. Horas antes de seus assassinato, membros da comunidade e Sérgio denunciaram às autoridades locais o uso de terras por pessoas não indígenas em seus territórios e também as ameaças constantes sofriadas há anos sem resposta efetiva por parte dos investigadores costarriquenhos. Este fato nefasto ocorre especialmente após medidas cautelares serem entregues pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para Salitre, comovendo aos povos indígenas e aos movimentos sociais do país caribenho e de toda América Latina.

Como organização ambientalista comprometida na busca por justiça ambiental, social, econômica e de gênero, e que trabalha pelo direito dos povos e das/os defensoras/os dos territórios, extendemos nossa solidariedade ao povo costarriquenho, às comunidades indígenas e à família de Sergio Rojas.

Fazemos também um chamado ao governo da Costa Rica e as autoridades e instituições competentes para que se agilizem nas investigações que darão conta dos responsáveis diretos e mandantes deste infame assassinato. Acreditamos ser fundamental que se entreguem explicações claras de porquê povos indígenas e seus representantes, como é o caso de Sergio, que se encontram expostos a violência permanente por sua luta justa e na defesa de direitos, não contam com proteção especial, necessidade amparada pelas medidas cautelares entregues pela CIDH.

Consideramos que apenas mediante a luta contra a impunidade e o cumprimento estrito do direito e a autonomia dos povos indígenas na Costa Rica, e ainda a partir da ação efetiva do Estado é possível evitar que casos como o de Sergio se repitam, e as permanentes ações de exterminio dos povos contra seu direito à autonomia e aos seus territórios.

À comunidade internacional, às organizações e aos movimentos sociais da América Latina e do Caribe e de diferentes partes do mundo: chamamos a denunciar o assassinato de Sergio Rojas. Mantenhamos o alerta permanente frentes as injustiças que seguem acompanhadas da impunidade contra nossos povos.

 

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