INUNDAÇÃO NO RS: A emergência é climática, a responsabilidade é política. A solidariedade, a nossa força

Passados apenas oito meses do que se acreditava ter sido a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, voltamos a vivenciar uma situação ainda pior. Chuvas intensas e de altos volumes, que chegaram a mais de 700 mm em algumas localidades, assolaram quase todos municípios do estado a partir de 29 de abril, provocando uma cheia sem precedentes. A chuva acumulada entre 22 de abril e a segunda-feira (6) chegou a igualar toda a média de precipitação prevista para cinco meses. Arroios e rios alcançaram níveis ainda mais altos do que os eventos de setembro de 2023, houveram deslizamentos de terra, destruição de estradas e rodovias, alagamento de cidades, mortes e destruição.

Levantamento da Defesa Civil (08/05) aponta cem pessoas mortas,128 desaparecidas e 372 feridas em 417 dos 497 municípios, atingindo uma população de mais de 1,4 milhão de pessoas em todo o Rio Grande do Sul. Estes números ainda devem aumentar, já que há soterramentos em pontos isolados do interior a serem averiguados e cidades da região metropolitana alagadas. Muitos animais domésticos e para subsistência estão mortos. O número de refugiados climáticos divulgado hoje foi de mais de 230 mil pessoas, 66,7 mil em abrigos e 163,7 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos). Exército, Bombeiros, Defesa Civil, polícias militares e civis do RS e de vários outros estados do país, voluntários individuais e militantes de organizações e movimentos sociais, estão há uma semana resgatando vidas por helicóptero, barcos, jetskis e por terra, abrindo estradas mato a dentro. Os prejuízos materiais são bilionários. A reconstrução das cidades, das economias e das vidas levará muito tempo.

Estradas que chegam na capital estão fechadas. O aeroporto está desativado pelo menos até 30 de maio. Mais de 70% da população de 2 milhões de habitantes de Porto Alegre está sem luz e sem água, com dificuldade de comunicação e de abastecimento de itens básicos de sobrevivência. A água potável tem sido um dilema cotidiano para toda a população, e está em falta nas prateleiras de muitos supermercados. Regiões e municípios do interior gaúcho seguem isoladas, sem poder receber ajuda.  Muitas famílias não têm notícias uns dos outros. 

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

As regiões atingidas pelas cheias do ano passado, especialmente os vales dos rios Jacuí, Taquari e Pardo e a Serra Gaúcha, sofreram um novo impacto, de maiores proporções. Cidades que nem haviam se reconstruído, entre elas Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Santa Tereza e Estrela, acabaram sendo destruídas totalmente ou parcialmente, mais uma vez. Municípios do litoral Norte, como Maquiné, e nos vales dos rios Paranhana, Caí e Sinos, que foram o foco das inundações em junho do 2023, voltaram a ter prejuízos, especialmente as cidades da região metropolitana, a 5ª mais populosa do Brasil, abrigando cerca de 4,3 milhões de habitantes. Santa Maria e a Região Central também sofreram fortes impactos. 

Porto Alegre, vivencia a pior inundação de sua história. Até então, figurava nos registros e nas lembranças dos moradores mais velhos a enchente de 1941, quando o Rio Guaíba atingiu 4,77m e alagou parte do centro e da orla do rio pela cidade. Desta vez, o rio Guaíba, que recebe as águas das regiões norte e centro do Estado, chegou a 5,30m, retomando o que já foi seu leito e avançando em vários pontos da cidade. Porto Alegre segue sitiada. Até mesmo a sede da Amigas da Terra Brasil foi atingida pelas águas após o desligamento de bombas pelo risco de eletrificação, o que fez o rio avançar sobre os bairros da Cidade Baixa e da Azenha, onde está localizada.

Nesta primeira semana, todos os esforços conjuntos seguem no sentido de salvar vidas. Presenciamos uma rede de solidariedade poucas vezes vista, envolvendo todo o país nos resgates, nas doações de alimentos, roupas, materiais de higiene e de limpeza e dinheiro para ajudar os desabrigados e desalojados, instalação de abrigos, fornecimento de marmitas de comida. A Amigas da Terra Brasil esteve junto em solidariedade ativa, colaborando na cozinha comunitária do Morro da Cruz com a Marcha Mundial das Mulheres e Periferia Feminista, e na Cozinha Solidária do MTST da Azenha  (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que se uniu a outros movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), fornecendo até 1.800 marmitas de comida por dia para as pessoas afetadas em Porto Alegre e região metropolitana. Nesse momento de luto pelas vidas perdidas, em meio à dor e ao sofrimento, oferecemos nossos corações e braços para ajudar quem necessita do básico para se manter vivo.

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

No impacto desta tragédia, rememoramos aquilo que defendemos há tempo, que também são pautas históricas de tantos territórios de vida em luta. Aquilo que os povos indígenas do Brasil vem alertando constantemente, e que marcou presença no Acampamento Terra Livre (ATL) mais uma vez neste ano: precisamos enfrentar a crise climática. Essa é uma emergência. E esse enfrentamento não virá com novas tecnologias de mercado, tampouco com a caridade de donos de transnacionais e suas campanhas de marketing sobre sustentabilidade, que maquiam práticas que são a continuidade de um projeto colonial, racista, machista, lgbtqifóbico, destruidor da natureza e da coletividade. A emergência climática é uma realidade imposta sobre as desigualdades estruturais e sistêmicas: as injustiças ambientais recaem sobre os menos responsáveis historicamente pelo problema, que são os mais desamparados para lidar com as consequências. Esta emergência, tão real, é o contexto na qual vivemos. E por mais dura que possa ser, ainda há muita vida para lutarmos por. Aí que habita o sentido de estarmos aqui. É possível puxar o freio de mão de lógicas nefastas que avançam sobre a terra, reduzir drasticamente os impactos e aumentar a capacidade de reconstrução em situações como a que vivenciamos no momento. Isso passa pela política. 

Cozinha Solidária da Azenha, em Porto Alegre, produz até 1800 marmitas por dia para afetados, em solidariedade com movimentos como Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Periferia Feminista e Amigas da Terra Brasil. Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

A começar por puxar o freio do agronegócio, especialmente quando no Brasil a alteração do uso do solo é o principal fator emissor de dióxido de carbono na atmosfera, gás que mais tem impacto no aquecimento global. E quando no RS políticas do governo do estado incentivam a prática e a liberação de agrotóxicos, muitos não permitidos em seus países de origem, o que gera uma série de violências e conflitos no campo, além de dificultar e até mesmo desincentivar a agricultura familiar e a agroecologia, que trazem respostas reais às crises deste século. Além disso, o agronegócio nos mantém em uma relação econômica e social de dependência dos países do norte-global, centro do capitalismo, o que gera ainda mais desigualdade e devastação da natureza, tornando bairros, cidades inteiras, zonas de sacrifício. Quando a boiada avança, precisamos reafirmar a que ela veio e que é na luta por soberania popular e pelos territórios preservados que está a resposta para outros caminhos, socialmente justos, ecologicamente equilibrados. 

A ofensiva da mineração no estado gaúcho é outro fator que nos traz até o cenário que vivemos. A maior parte do carvão disponível no país está concentrada no estado gaúcho, cerca de 90%, e sua extração é uma ameaça frente à crise climática, podendo potencializá-la. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto, que atingiria território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia, estaria hoje debaixo d’água, gerando drenagem ácida e contaminando as águas doces que temos. Felizmente, a mobilização popular e as denúncias das falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, acarretaram em seu arquivamento. A mina Guaíba também afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí e municípios do entorno atingidos em cheio pelas cheias, além do bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani. 

Agora, seis barragens conectadas a processos minerários correm o risco de se romperem e afetarem mais pessoas. Mais uma prova de como atua a mineração nos territórios, situação escancarada nas enchentes. Além disso, como menciona em nota o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), evidenciando o rompimento parcial da barragem da Usina Hidrelétrica (UHE) 14 de Julho, localizada na bacia do Rio Taquari-Antas, em Cotiporã (RS),  a emergência climática aumenta o risco de rompimento das barragens. Assim como, em uma realidade de eventos extremos da crise climática, nenhuma barragem é segura

As políticas adotadas nos últimos anos no RS flexibilizam licenciamentos e garantem o avanço do extrativismo sobre as vidas, e não é só o carvão. Cidades como São José do Norte, próximas à Lagoa dos Patos, vivem neste instante estado de alerta devido às águas que correm de todo RS em sua direção, para desembocarem no mar. Comunidades tradicionais, que vivem da pesca e da agricultura familiar estão sob evacuação. E já vivem, cotidianamente, na resistência a um empreendimento minerário chamado Projeto Retiro, que prevê a extração de titânio e outros minerais colocando em risco justamente as águas, assim como os modos de vida de comunidades pesqueiras, tradicionais, da agricultura familiar e o Quilombo Vila Nova. 

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

Defendemos que uma das grandes soluções para evitar catástrofes sob emergência climática são os povos nos territórios. Essa solução está na demarcação de terras indígenas, na titulação de comunidades quilombolas. Está na reforma agrária, na reestruturação fundiária nas cidades e na luta por moradia, contra a propriedade privada – é premissa a cessão de imóveis para que as gentes tenham onde habitar, especialmente quando há um número desproporcional destes desocupados, sem uso social, e muita gente sem ter onde morar, situação que se agrava com refugiados climáticos.  A expropriação de terras e de propriedades que servem a lógica da especulação imobiliária é imperativo.  A resposta também reside no investimento público permanente a partir de políticas construídas junto aos territórios, com participação popular.  Com o direito garantido aos povos e comunidades tradicionais de serem e existirem, preservando os seus modos de vida que, comprovadamente, são os que menos causam impactos socioambientais no planeta. Virá com o fim das políticas de austeridade, com a reversão do processo de aprofundamento neoliberal, que na prática privatiza os bens comuns como água e energia para que o poder corporativo e grandes empresários ampliem suas margens de lucro.

É nessas privatizações que vemos que quando o imperativo é o lucro (e não o interesse público do serviço prestado à população), esta é deixada à mercê da própria sorte, podendo passar até uma semana sem luz, como ocorreu em Porto Alegre em janeiro deste ano. Desta vez, 70% de sua população está sem energia e sem água. E aqui, salientamos as privatizações da CEEE e da Corsan, o desmonte das funções estatais de planejamento e o sucateamento do DMAE, a nível de gestão municipal, como processos que nos trouxeram até o colapso vivenciado. No caso de cidades como Porto Alegre, havia um sistema de defesa contra enchentes que falhou por falta de manutenção, mantido por várias gestões e detonado a partir da gestão do ex-prefeito da capital, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e pelo atual prefeito, Sebastião Melo (MDB).   

Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, virou ponto por onde chegam resgatados das ilhas da capital, que ficaram submersas, assim como de outras localidades do estado. Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

As constantes tragédias que assolam o Rio Grande do Sul mostram que municípios não estão preparados para enfrentar os eventos extremos do clima. Prefeitos ainda demoraram para alertar a população sobre os impactos das fortes chuvas previstas pelos institutos de meteorologia e pela Defesa Civil. Parte dos sistemas de contenção de água, diques e barragens de água extravasaram, obrigando a população a ser evacuada. A maior parte dos alagamentos ocorreram em locais que já sofrem historicamente com problemas de drenagem que não são resolvidos. A grande maioria das pessoas afetadas são empobrecidas e trabalhadoras, que moram nas áreas de várzeas, beiras dos rios e córregos, ou em encostas de morros, desvalidas de políticas concretas quanto a direitos básicos, como acesso a água, habitação popular para que efetivem a saída das áreas consideradas de risco para uma vida mais digna.

Mesmo sendo a 4ª e a pior tragédia climática de grandes proporções que o Rio Grande do Sul enfrenta em menos de dois anos, ainda há governos municipais e parlamentares negacionistas, que ignoram os efeitos das mudanças climáticas. Também há regiões afetadas que não se recuperaram de outras enchentes, como é o caso do Vale do Taquari, que além de uma série de violações de direitos humanos, contam com inúmeros relatos de moradores sobre verbas advindas do Governo Federal terem sido repassadas, sem a implementação por parte das prefeituras. 

Pesquisas científicas evidenciam que o desmatamento, inclusive na Amazônia, impacta diretamente na elevação das temperaturas e, por consequência, no aumento da incidência das chuvas e eventos extremos no Brasil e no planeta. No RS, a devastação do bioma Pampa e da Mata Atlântica para dar espaço ao agronegócio e sua sede voraz por terra também desemboca nas fortes enchentes que vivenciamos, assim como nos prolongados períodos de estiagem.  

Crédito: Carolina C. | Amigas da Terra Brasil

O governo do RS e a prefeitura de Porto Alegre, embora digam estar preocupados com a emergência climática, não o demonstram em ações concretas. E suas práticas vão na direção de uma intensificação das catástrofes. O orçamento estadual proposto para este ano pelo governador Eduardo Leite (PSDB) previa apenas R$ 115 milhões para enfrentar os eventos climáticos em 2024 em todo o RS, incluindo investimentos na Defesa Civil estadual.  Tanto a gestão de Leite quanto a de Melo têm atuado no desmonte e na “flexibilização” da legislação ambiental. Isto para beneficiar setores imobiliários de alta classe, as grandes empresas, o agronegócio e atividades econômicas destrutivas, como a mineração. O que provoca mais desmatamento, devastação de biomas naturais, contaminação de recursos de água e ocupação de áreas livres e às margens de rios, como a do próprio Guaíba. Em março deste ano, a Assembleia gaúcha aprovou projeto de autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos), que altera o Código Estadual de Meio Ambiente e flexibiliza regras em Áreas de Preservação Permanente (APP), liberando a construção de barragens e açudes nestas. 

No caso de Porto Alegre, a prefeitura lança alertas de evacuação sem orientar como será feita. Às pressas, improvisa abrigos em áreas de risco de alagamento, fazendo com que refugiados climáticos que perderam as casas tenham que migrar outra vez sem segurança alguma de futuro. Não há, sequer, política considerando os trabalhadores e sua locomoção pela cidade via transporte público, o que poderia ser garantido com passe livre e salvar vidas. Extremamente elitista, a recomendação do prefeito e Melo é que a população, ou parte dela a quem se dirige, pegue Uber, ou vá para suas casas de praia.

A nível de governo de Estado, destacamos a responsabilidade de Leite ao desfigurar o Código Estadual do Meio Ambiente, ignorando alertas da sociedade civil ao Estado do RS e seu governo sobre as responsabilidades frente à emergência climática. E enquanto os gaúchos sofrem com a maior tragédia socioambiental da sua história, tramita no Senado um projeto de lei (PL 4.015/2023) que faz mais mudanças no Código Florestal, permitindo que propriedades rurais em cidades da Amazônia Legal que tenham a maioria de seu território ocupada por unidades de conservação ou terras indígenas possam reduzir a reserva legal de 80% para 50%. A natureza não tem fronteiras, o que impacta um local, impacta todos. 

Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi tomado pelas águas no dia 05 de maio. Crédito: Carolina C. | ATBr
Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi tomado pelas águas. Crédito: Carolina C. | ATBr

Pela 1ª vez, vivenciamos refugiados climáticos em massa vagando em meio a água nas cidades do Rio Grande do Sul, vagando sem rumo por ruas e rodovias com os poucos pertences e animais que puderam carregar, esperando dias em cima de telhados por resgate, ficando amontoadas por dias em abrigos porque perderam suas casas, ou sem poder sair de suas casas para se abastecer de água e alimentos e com medo de saques e violências que aumentam diante do caos. O que gostaríamos de evitar para a próxima geração, vivenciamos hoje, aqui e agora. 

A solidariedade é premissa. Uma solidariedade de classe. Não a S.A, das corporações no seu lavado de responsabilidade social corporativa. Quem mais está sofrendo nesse momento são as pessoas que estão à margem do sistema, que não conseguem garantir uma dignidade de vida no dia a dia. Que hoje, mais do que nunca, estão mais precarizadas, sofrendo com um processo de empobrecimento, negação de direitos e impossibilidade de sustentação da vida. Se essas famílias já eram consideradas empobrecidas, elas vão ficar mais empobrecidas. Elas vão perder pessoas da família que garantem o cotidiano, em geral sobrecarregando mais ainda as mulheres, a população preta e periférica no trabalho não remunerado de cuidados. A capacidade dessas famílias de se sustentar, de se organizar, vai ser reduzida. Primeiro por perderem pessoas, depois por perderem moradias, por perder trabalho, condições de vida e pelos traumas, que são certos. Todo mundo que passa por uma situação dessas se depara com um trauma imenso, isso é inevitável.

Diante dos desmontes do estado nos diversos níveis e da destruição dos serviços e da capacidade de gestão e planejamento no interesse público, emerge a força da unidade. Da diversidade de modos de fazer e se organizar dos movimentos populares do campo e da cidade, conectando os territórios de vida, muitas vezes aqueles também ameaçados e sacrificados pelo sistema que dá origem à emergência climática. Essa solidariedade de classe, real e radical, seguirá em marcha. Reconstruindo e mobilizando o poder popular para retomar o lugar do povo trabalhador na política, enfrentar o clima (que já mudou), e mudar o sistema. 

Amigas da Terra Brasil, 8 de maio de 2024.

* Versão da nota em ESPANHOL: https://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2024/05/12/llamamiento-internacional-a-la-solidaridad-ante-las-inundaciones-en-rio-grande-do-sul-rs-brasil/

* Versão da nota em INGLÊS: https://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2024/05/12/international-call-for-solidarity-in-the-face-of-flooding-in-rio-grande-do-sul-rs-brazil/

Assembleia Geral Bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi) reforça solidariedade com a Palestina e articulação regional

A Amigas da Terra Brasil esteve, em novembro, em Nova Orleans, nos Estados Unidos (EUA), participando da assembleia geral bianual da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi). Compareceram nossa conselheira Lucia Ortiz, que é membra do Comitê Executivo da FoEi, e a presidenta Letícia Paranhos, também coordenadora internacional do programa Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo (JERN) da federação.

Na assembleia, organizações ambientalistas de base de todo o mundo que integram a Federação Amigos da Terra debateram o plano quinquenal da organização, estabelecido de forma democrática para o período 2021-2026, e avaliaram sua caminhada em direção ao cumprimento dos seus 3 objetivos principais: organizar e mobilizar para construir o poder popular e a soberania dos povos; contribuir no desmantelamento de todas as formas de exploração e de opressão e o poder corporativo das empresas transnacionais; assegurar mudanças urgentes necessárias para abordar as crises sistêmicas desde uma perspectiva de justiça (ambiental, social, de gênero e econômica).



Dentre tantos compromissos firmados pela assembleia, está o de seguir em solidariedade com a Palestina. Nós do Brasil, saímos comprometidas, entendendo ainda mais a importância latino-americana nessa solidariedade, pois os companheiros da Palestina contam com a gente. Temos capacidade de fortalecer a Campanha BDS, que é um movimento não violento da sociedade civil palestina que pede Boicote, Desinvestimento e Sanções às empresas transacionais vinculadas ao Estado de Israel e seu projeto colonial, imperialista e genocida do povo palestino. Esse sistema que oprime os trabalhadores e os povos da periferia dos países do Sul é o mesmo que permite o apartheid e a destruição do ambiente e das possibilidades de sustentação da vida na região; que possibilita os ataques e a violência de Israel contra os palestinos, com grandes empresas que atuam em nossos países exportando armas de guerra, tecnologias de vigilância, técnicas de privatização e controle de águas e as bases ideológicas para a manutenção de um estado de guerra, com apoio das grandes potências do Norte global. Queremos e lutaremos pela liberdade do povo e da terra palestina!

As organizações do nosso continente também fortaleceram a articulação regional, a ATALC (Amigos da Terra América Latina e Caribe). Realizamos uma bonita homenagem à Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) no Brasil e integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF), falecida neste ano. A atuação feminista da Nalu foi determinante a todas as organizações e movimentos sociais latino-americamos. Reforçamos o compromisso de seguir a marcha de Nalu, desmantelando o patriarcado e todas as formas de opressão!


#nalufariapresente #FoEi #ATBr  

Rodas de conversa da AFP: enfrentamento à fome, à violência e construção de soberania alimentar

A Aliança Feminismo Popular constrói, junto às mulheres, espaços de diálogos pelo fim da violência contra a mulher, do racismo estrutural, da falta de moradia e da fome. No mês de novembro, as companheiras relembraram a luta contra o racismo com o Dia da Consciência Negra (20) e o Dia de Enfrentamento da Violência contra as Mulheres (25), ressaltando que a luta é diária.
 
A Aliança também denuncia o absoluto descaso do governo federal frente às desigualdades e a falta de políticas públicas, pois a violência ocorre em todos os lugares e atinge mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. E a sua raiz está no sistema capitalista, patriarcal e racista, que exerce controle, apropriação e exploração do corpo, da vida e da sexualidade.
 
Esse debate é permanente na agenda da Aliança Feminismo Popular, que salienta que a violência não é um fenômeno isolado e individual de um homem contra uma mulher. Mas sim um instrumento de controle e de disciplina do corpo, da vida e do trabalho das mulheres.
 

No mês de novembro, para avivar a luta e memorar o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta Contra a Violência às Mulheres, a Aliança Feminismo Popular preparou o vídeo abaixo.

A coordenadora da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos, lê um trecho do manifesto publicado pela AFP para marcar a data:

Clique aqui e confira o manifesto preparado pela Aliança Feminismo Popular na íntegra

Em dezembro deste ano, dando continuidade às pautas de novembro, que são cotidianas na vida de todas nós, a AFP realizou atividades com mulheres em Porto Alegre (RS). Marcadas por dois encontros e muita construção coletiva.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No dia 15 aconteceu uma roda de conversa com as mulheres da Cozinha Solidária da Azenha, projeto do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) que desde o início da pandemia de Covid-19 assegurou, em Porto Alegre, de 200 a 250 almoços diários para a população em vulnerabilidade. A Cozinha Solidária da Azenha se soma a outras 31 Cozinhas Solidárias do MTST espalhadas pelo Brasil, e ao longo do ano, com carinho e afeto, distribuiu mais de 1,5 milhões de refeições gratuitamente.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Conheça mais sobre a Cozinha Solidária da Azenha aqui

Cerca de 15 mulheres que tocam o cotidiano da cozinha e são responsáveis pela organização e limpeza do espaço, pelo preparo das refeições e atendimento à população que circula por ali estiveram presentes, além das representantes da AFP. Conversaram sobre a dura condição das mulheres nesta sociedade capitalista e patriarcal e as violências que sofrem.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

No encontro, assistiram ao vídeo da Campanha Sem Culpa, Nem Desculpa, lançada pela Sempreviva Organização Feminista (SOF) e a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), em 2017. Ambas são organizações feministas que abordam de forma geral como a violência afeta a vida das mulheres, assim como as formas e formatos de violência que incidem em nossos cotidianos.

Abaixo você confere o vídeo Sem Culpa, Nem Desculpa:

A AFP também fez a entrega de kits de higiene para as companheiras da Cozinha Solidária. Todas ficaram comprometidas em buscar um outro momento para avançar na auto-organização das mulheres.

Roda de conversa na Cozinha Solidária do MTST

Dando sequência, o dia 18 de dezembro contou com mais uma roda de conversa, dessa vez com as mulheres envolvidas no projeto da horta comunitária do Morro da Cruz. A horta está completando dois anos de existência, e começou na pandemia devido à necessidade de fazer enfrentamento às situações de fome e insegurança alimentar.

Roda de conversa na Horta Comunitária do Morro da Cruz

Para além da resistência, e como anúncio de novas possibilidades para a alimentação, a Aliança pauta ainda a construção da soberania alimentar. Tendo isso em vista, desde 2020, teve início a construção de uma horta em espaço público da comunidade, que antes era utilizado como estacionamento de carros.

E assim vem se fortalecendo a organização das mulheres no espaço, que em dois anos conta com cerca de vinte companheiras com as suas famílias – entre crianças e companheiros, que também se envolvem nos debates e construções. O dia 18 foi um momento de confraternização e encerramento do ano, e contou também com a roda de conversa sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres, tema que perpassa a vida das mulheres e de suas famílias. Ainda nessa perspectiva, este dia também contou com apresentação e diálogo sobre o filme “Sem culpa nem desculpa”.

Horta Comunitária do Morro da Cruz

Tendo em vista que muitas vezes a falta de dinheiro pressupõe priorizar a comida ao invés de absorventes ou produtos de higiene, que ajudam na vida das companheiras, a Aliança distribuiu novamente kits de higiene neste encontro. Uma ação que também foi voltada a um resgate de processos de autocuidado e de autoestima das companheiras. Em conexão com outra pauta fundamental da horta comunitária, que é a alimentação, também foram distribuídos alimentos do Movimento Sem Terra (MST), que em aliança constante e solidariedade com a AFP constrói momentos assim. Feijão, arroz, leite e farinha láctea compuseram o kit alimentar.

Entrega de kits na Horta Comunitária do Morro da Cruz

O momento contou com cerca de 15 mulheres. A maioria segue participando dessa construção de luta desde o início: se auto organizando, se sentindo cada vez mais um grupo, e se percebendo em um espaço de segurança para conversar. E, sobretudo, para pensar a alimentação, no caso da horta, como um fomentador para o debate do feminismo e da vida cotidiana das mulheres na periferia de Porto Alegre.

A violência contra a mulher não é o mundo que queremos. O fortalecimento do feminismo popular segue, assim como a luta contra a exploração, as opressões, o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Estamos juntas para transformar o mundo.

Não deixe de acompanhar o blog da Aliança Feminismo Popular, onde é possível conhecer as construções coletivas e de luta das companheiras

 

Até quando as veias estarão abertas na América Latina?

Integrantes da Amigos da Terra, MST, RENAP (advogados populares) e APIB (indígenas) visitaram países europeus para denunciar os impactos do Acordo UE-Mercosul. Na foto, protesto na Alemanha. Crédito: Amigos da Terra Europa

A história da América Latina é marcada por uma espiral, na qual passado, presente e futuro se encontram e se distanciam em ciclos revisitados de exploração. Nossas independências nunca marcaram rupturas profundas com a hegemonia europeia. Desde que o capitalismo é capitalismo, temos um lugar periférico na divisão internacional do trabalho. Somos os que vivem sob as condições da superexploração do trabalho, dos territórios, para produzir uma riqueza extraordinária constante, que é diretamente transferida às potências globais. Assim, portanto, nosso subdesenvolvimento não é causa do nosso fracasso civilizatório, é estruturante para que outros se creiam desenvolvidos. 

A pilhagem colonial se reinventa nesses ciclos históricos. Antes, a barbárie da escravidão, da destruição da natureza, da violação dos corpos das mulheres, temas ainda cadentes e não resolvidos, que permitiram o acúmulo primitivo da riqueza dos países ditos desenvolvidos para constituírem seu avanço industrial e a estruturação de Estados sociais. Amargam ditaduras sangrentas quando a sombra de ideias revolucionárias perpassa o mundo, para que nos mantivessem presos na subordinação. Nos anos 90, a expansão do neoliberalismo nos prendeu nas dívidas externas, obrigando a vender todo nosso patrimônio nacional, a desregulamentar nossos setores, a sujeitar-nos aos comandos do Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC). Eis a produção e reprodução da dependência.

Uma luz surgiu no final dos anos 90 e anos 2000 em vários países. A Venezuela, sempre na liderança revolucionária na região, Equador, Bolívia, Brasil, Argentina, Uruguai, Honduras e Paraguai tiveram a experiência da chegada de governos progressistas. Ainda que na reprodução de um modelo de desenvolvimento hegemônico, centrado na produção e exportação de commodities, os avanços de setores industriais como o petróleo, a cooperação sul-sul e a efetivação de políticas sociais avançaram e incomodaram muito. Por isso, a contrarrevolução foi brutal, os golpes arquitetados contra nossas democracias, com todo o requinte da guerra híbrida, passaram, mas deixam as forças auxiliares presentes da extrema-direita. Os donos do mundo, as empresas transnacionais, usam alguns fantoches de países desenvolvidos para recolocar as regras do jogo, a lex mercatoria no lugar, e interferem na soberania dos países para assegurar suas melhores posições no mercado internacional.

Hoje, governos progressistas retornam à Abya Yala. À exceção de Equador, Uruguai e Paraguai, vivemos um novo momento da esquerda. Certamente a eleição no Brasil, com a vitória de Lula, deu peso a esta nova onda. Se de um lado a América Latina busca forças para seguir respirando, a Europa encontra uma crise econômica com sua dependência energética com a Rússia, e os Estados Unidos (EUA) tentam uma corrida de hegemonia com a China. Nesse cenário, a pressão por novos tratados e acordos comerciais que sejam favoráveis à recolocação dos países desenvolvidos está crescente.

O desenvolvimento é sempre a chave utilizada para as políticas imperialistas. Como a desigualdade de inserção no mercado internacional nos condiciona a produtores de matérias-primas (commodities), estamos sempre buscando investimento estrangeiro direto e reduzindo nossos padrões de proteção social e ambiental. A onda de acordos que estão em negociação com a região, entre eles o Acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul e o Acordo de Associação Transpacífico, prevê a expansão da exportação de commodities, sem mensurar seus impactos sociais e ambientais e, ainda, a transferência de produtos e tecnologias defasadas para nossa região e a privatização de setores de serviços. Claramente, acordos com vantagens econômicas aos países do Norte e o aprofundamento da dependência para nós. 

O Acordo UE-MERCOSUL e o Brasil

Há mais de 20 anos, a negociação do Acordo UE-Mercosul, a portas fechadas, ficou estagnada. Em 2019, os países anunciaram a conclusão do acordo. No entanto, começaram movimentos da sociedade civil e de parlamentos de países europeus para evitar uma assinatura com o Governo Bolsonaro, com medo de serem associados ao momento crítico do desmatamento no Brasil. O presidente Lula, juntamente com o ex-chanceler Celso Amorim, ainda em campanha, anunciaram a intenção de revisitar o acordo na próxima gestão, com particular preocupação quanto a elementos como restrições à implementação de políticas de reindustrialização, impacto da abertura das compras públicas às transnacionais europeias, maior regulamentação sobre direitos de propriedade intelectual, comércio e privatização de serviços e os impactos do comércio bi-regional sobre o meio ambiente. Por outro lado, a União Europeia tem pressa e faz pressão para garantir suas cadeias de suprimento de energia, agro e minero commodities afetadas pela guerra na Ucrânia, e está propondo um protocolo adicional, com promessas sobre os impactos climáticos, para amenizar as críticas e resistências.

 O acordo tem como eixo central a exportação de matérias-primas pelo Brasil – como grãos, carnes e minérios, cujo modelo de produção gera conhecidos conflitos socioambientais no nosso país, e a importação de produtos industrializados de transnacionais europeias, muitos que já não são mais utilizados ou são até proibidos na Europa – como os agrotóxicos, que tanto afetam a saúde das pessoas e dos animais, a biodiversidade e a qualidade das águas. Em suma, não se trata de um acordo no qual duas partes saem beneficiadas; é mais uma solução neocolonial para a crise europeia. 

Nesta linha, Luana Hanauer, da Amigos da Terra Brasil, destacou que “O que está em jogo nos capítulos dos acordos comerciais com a Europa é perpetuar e aprofundar a agenda de violações e retrocessos dos direitos. O acordo acentua a reprimarização da economia brasileira e atualiza os dispositivos coloniais que mantêm a dependência do país em relação à Europa, além de incentivar a violência racista contra povos indígenas, comunidades negras, camponesas e tradicionais. Isso porque o dano ambiental, associado à expansão do desmatamento e do agronegócio, recai desproporcionalmente sobre os povos negro e indígena e, em particular, sobre as mulheres”.

Inspiradas nas lutas dos anos 2000 contra o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), 120 organizações da sociedade civil e movimentos populares construíram a Frente contra o Acordo UE-Mercosul. Desde 2020, a Frente vem realizando formações e diagnósticos dos impactos do acordo na vida da população brasileira, apresentando documentos de posicionamento, como a Carta à equipe de transição do governo. A Frente reafirma as consequências do aumento da exportação de commodities em troca da importação de carros, agrotóxicos, das privatizações e dos riscos para a economia nacional da restrição das compras governamentais, evidenciando como o texto beneficia a atuação das empresas transnacionais.

Em turnê realizada na Europa, ativistas brasileiros que compõem a Frente reiteraram oposição ao acordo e demandaram participação social com debate público, após o anúncio do governo eleito no Brasil da intenção de reabrir os diálogos com o Mercosul e, posteriormente, com a Europa, sobre o Acordo, especialmente para que sejam apresentadas as críticas e propostas populares sobre outros modelos de comércio, condizentes com as necessidades do povo brasileiro. Reabrir as negociações e frear seu avanço rumo à ratificação do Acordo pelos parlamentos nacionais, com compromisso de diálogo e participação popular, é também reconhecer a possibilidade de dizer não ao acordo, de ouvir as vozes das populações atingidas diante dos seus impactos sociais, ambientais e econômicos para um projeto popular e democrático de nação. Nas palavras de Graciela Almeida, liderança do MST (Movimento Sem Terra) no Assentamento Santa Rita, afetado pela pulverização de agrotóxicos no Rio Grande do Sul, “no acordo UE – Mercosul se pretende que, países como Brasil, continue sendo exportador de commodities e importador de agrotóxicos, entre outros. Transforma o agronegócio num grande negócio para poucos, submetendo as comunidades dos territórios de reforma agrária, territórios ancestrais, a todo tipo de violação de direitos humanos e da natureza”.

Que projetos de nação nos esperam

Muitas dúvidas pairam sobre os novos governos progressistas da América Latina; as mesmas condições de crescimento, com o boom de commodities de anos anteriores, não estão dadas. Países estão falidos, seja pelo fascismo, pela pandemia de COVID, com populações empobrecidas, especialmente o Brasil. Qual será a resposta de inserção econômica no mercado mundial que irão construir? 

Luis Lacalle, presidente do Uruguai, anunciou na recente cúpula do Mercosul a intenção de assinar o Acordo de Associação Transpacífico, sem qualquer consulta ou diálogo com o Mercosul, fragilizando o bloco. Por isso, recebeu duras críticas de Alberto Fernández, presidente da Argentina, para quem a negociação de acordos comerciais internacionais cada vez envolve menos a solidariedade entre os países. No mesmo momento, o Peru, assim como a Argentina, vivem sob forte pressão da direita para retomar o poder, com o uso da máquina do lawfare. Desse modo, está a pleno as táticas de cooptação de lideranças e do exemplo pedagógico do terror, para engrossar o caldo dos desafios dos novos governos.

Embora os povos de nossa América sejam muito aguerridos, nas lutas e organizações políticas – não à toa a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), essência do projeto imperialista americano, foi derrotada no último ciclo de governos progressistas com base na  força de um referendum popular regional, nossa governabilidade é sempre um caminho de poucas escolhas diante de nossa subordinação ao mercado mundial. Os arranjos políticos que levaram a vitórias eleitorais e as derrotas ao fascismo certamente condicionarão essas escolhas. Resta saber que tipo de semente tais governos irão semear neste novo ciclo. 

Serão os primeiros passos rumo à superação de nossa dependência? Se este for o caminho, as velhas formas de acordos comerciais e tratados de livre comércio, revisitados criticamente e à luz do atual momento histórico e dos compromissos de um novo governo no Brasil, suleado pelo combate à fome e pela qualificação (e não privatização) dos serviços públicos essenciais à garantia de direitos, deverão nele florescer as iniciativas econômicas emancipatórias populares, solidárias e feministas que, na resistência, sustentaram a vida e a política nesses duros anos de obscuridade, abrindo alas para uma reconstrução democrática no país. Se as apostas trilharem outros rumos, norteados por interesses empresariais neocoloniais, a história se repetirá, e o ciclo da espiral novamente estará longe de se quebrar.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2022/12/20/ate-quando-as-veias-estarao-abertas-na-america-latina 

plugins premium WordPress