8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante na ONU: os povos afetados exigem normas vinculantes para as empresas transnacionais, a nível local e internacional

As grandes empresas estão devastando o meio ambiente e as vidas humanas em todas as partes do mundo. Os Princípios Orientadores das Nações Unidas (ONU) e a abordagem de devida diligência não conseguiram conter a impunidade empresarial. É urgentemente necessário um instrumento internacional juridicamente vinculativo para regular as empresas transnacionais em matéria de direitos humanos, tal como o que está sendo atualmente negociado na ONU. Também são necessárias leis nacionais que se baseiem e deem suporte a este tratado internacional.

Normas vinculantes para as grandes empresas 

A indústria do gás está provocando destruições em Cabo Delgado, na zona norte de Moçambique, e fomenta violações de direitos humanos, pobreza, corrupção, violência e injustiça social. Durante décadas o Estado de Israel e sua empresa Mekorot negaram à população palestina o acesso e controle de suas terras, fronteiras e recursos naturais. As comunidades do Brasil seguem esperando indenização e justiça frente ao colapso da represa da Vale/Samarco/ BHP Billinton, em 2019. Estas são apenas três das  incontáveis atrocidades que cometem as empresas transnacionais e que afetam, em particular, o Sul Global.  

Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos são uma diretiva fraca e não vinculativa aprovada em 2011. Ainda que se estabeleça que “as empresas devem proceder com a devida diligência em matéria de direitos humanos”, o documento fracassou imensamente na hora de fazer com que as grandes empresas sejam responsabilizadas por suas violações destes direitos. 

A coordenadora do Programa de Justiça Econômica da Amigos da Terra Internacional, Letícia Paranhos, explica: 

“A devida diligência não tem sido de todo suficiente. É por isso que as pessoas celebraram uma vitória no Conselho dos Direitos Humanos da ONU em 2014. Com a adoção da Resolução 26/9, foi criado um novo Grupo de Trabalho Intergovernamental para negociar um Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos. Este foi um marco fundamental para pôr fim à impunidade empresarial”. 

De 24-28 de Outubro de 2022, realiza-se em Genebra a oitava sessão de negociações deste tratado.

As comunidades afetadas de todo o mundo, com o apoio da Campanha Global para Reivindicar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Pôr Fim à Impunidade (Campanha Global), estão liderando o processo da ONU com uma lista clara de exigências relativas ao conteúdo do Tratado Vinculante. Agora, um elemento fundamental da estratégia para os movimentos sociais é, também, a promoção de leis nacionais que complementem e sustentem o tratado internacional.

Lutas complementares contra as grandes empresas do Sul Global e do Norte Global

As lutas diárias enfrentadas pelas comunidades afetadas pelas corporações exigem também uma ação a nível nacional. Do Sul Global, onde operam a maioria das empresas transnacionais, para o Norte Global, onde estas empresas estão sediadas. Nos últimos anos, tem havido um movimento de leis nacionais em vários países. 

A lei da França sobre o dever de vigilância

Num momento histórico em 2017, a França aprovou uma lei sobre o “dever de vigilância” (devoir de vigilance) das empresas-mãe e subcontratadas. “Este foi o resultado de esforços incansáveis – anos de campanha – da sociedade civil e das comunidades afetadas pelas operações das empresas transnacionais francesas no estrangeiro”, diz Juliette Renaud da Amigos da Terra França. Para além dos desafios, esta lei é um passo em frente, pois “aborda a complexidade jurídica das empresas transnacionais com as suas múltiplas filiais e subcontratadas bem como as diferentes formas de relações comerciais que frequentemente utilizam para assegurar a sua impunidade”.

A lei já está sendo utilizada: em 2019, seis organizações francesas e ugandesas, incluindo a Amigos da Terra França e a Amigos da Terra Uganda, entraram com uma ação judicial contra a gigante petrolífera francesa Total por violações dos direitos humanos e danos ambientais potencialmente irreversíveis na Uganda e na Tanzânia. O processo, que foi o primeiro a ser instaurado com base na nova norma “dever de vigilância”, segue em curso.

Agora outros países da União Europeia (UE) estão seguindo os passos da França, como Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Finlândia e Luxemburgo, que atualmente estão analisando propostas 

No início de 2022, a UE divulgou a sua proposta de lei sobre a devida diligência obrigatória para as empresas em matéria de direitos humanos e meio ambiente. Infelizmente, na sua forma atual, a lei “não garante justiça nem responsabiliza as empresas pelos seus impactos climáticos“. Em resposta, 220 organizações apelaram à UE para que resolvesse as principais falhas da diretiva. A participação do bloco europeu no processo do Tratado Vinculante da ONU tem estado longe de ser exemplar: desde os estados membro que votaram no bloqueio contra a resolução 26/9 em 2014, até às várias tentativas de desandar o processo ao longo dos últimos anos de negociações.

O projeto de lei do Brasil sobre um marco para as empresas e os direitos humanos

Com o colapso da barragem de Mariana e Brumadinho ainda fresco na memória, a luta para frear os abusos empresariais no Brasil atingiu um ponto-chave em 2022. As violações dos direitos humanos neste gigantesco país latino-americano são moeda corrente. E o fato de que existam grandes empresas por trás de muitas destas violações não é uma surpresa.

Apesar da contínua devastação provocada por Bolsonaro, em Agosto de 2022 o Brasil formulou o projeto Lei Marco Brasileira de Direitos Humanos e Empresas (PL 572 de 2022). Cabe destacar que movimentos sociais, organizações da sociedade civil, acadêmicos e sindicatos de pessoas trabalhadoras participaram na redação do texto. O projeto de lei irá beneficiar os povos indígenas, povos quilombolas (afrodescendentes), as comunidades afetadas por violações dos direitos humanos e a classe trabalhadora. Estes são os grupos mais afetados pelas violações corporativas. 

De forma inovadora, o projeto de lei estabeleceria a primazia dos direitos humanos e incluiria obrigações diretas para as empresas transnacionais, o que é sem precedentes a nível mundial. Por conseguinte, poderia ser utilizado para responsabilizar as empresas por violações dos direitos humanos. A proposta em si é baseada nas experiências das comunidades afetadas no Brasil. Além disso, seriam atores-chave no estabelecimento de medidas de prevenção, controle e compensação. Isto é algo sem precedentes. O projeto de lei será posto em votação, mas ainda não foi definida uma data. 

“Claramente no caso do Brasil, o desejo de trabalhar a nível das bases para uma lei nacional foi em parte inspirado pela participação dos movimentos brasileiros no processo do Tratado de Vinculação da ONU”, afirma a brasileira Letícia Paranhos. A participação na Campanha Global fortaleceu a sua confiança e a capacidade de articular as suas exigências, o que abriu o caminho para uma forte participação a nível nacional. Esta lei nacional também será útil na criação de mecanismos para implementar normas internacionais dentro do Brasil.  

Letícia Paranhos acrescenta: 

“A América Latina está cansada da devida diligência e dos Princípios Orientadores, medidas que foram impostas de maneira neocolonial no Sul Global. A Lei Marco Brasileira De Direitos Humanos e Empresas está dentro do espírito da Campanha Global. Foi redigido com base na nossa proposta de Tratado Vinculante. Precisamos avançar nos nossos contextos nacionais com leis juridicamente vinculantes baseadas nas nossas demandas para o contexto internacional. Ao mesmo tempo, estas leis nacionais dariam respaldo a esse processo na ONU, para pressionar um instrumento internacional ambicioso verdadeiramente capaz de pôr fim à impunidade empresarial”.

*Texto divulgado originalmente no dia 26 de outubro de 2022,  no site da Amigos da Terra Internacional, no link: https://www.foei.org/es/grandes-empresas-pueblos-afectados-exigen-normas-vinculantes/ 

Roda de conversa com movimentos sociais e candidaturas do RS pauta reabertura das negociações do Acordo Mercosul-UE

Nesta quarta (28),  às 19h, aconteceu a roda de conversa “Riscos às estratégias populares de combate à fome, defesa dos serviços públicos e cuidado dos territórios”. O encontro foi presencial na sede do Sintrajufe/RS, em Porto Alegre (RS) e teve transmissão ao vivo pelo Facebook da Amigos da Terra Brasil e Ong Fase. 

A atividade integrou o Curso Regional Sul e Sudeste da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul – União Europeia/EFTA, e foi coorganizado por uma articulação de instituições que integram a Frente: Amigos da Terra Brasil, FASE-RJ, REBRIP e CONTRAF.  Estiveram presentes ainda companheiras e representantes do Jubileu Sul, Conaq, Movimento Atingidos por Barragens (MAB), produtoras e produtores de assentamentos como o de Nova Santa Rita, advogados populares, Marcha Mundial das Mulheres, MTST e Aliança Feminismo Popular. 

A Roda de Conversa teve como proposta dialogar com candidaturas do Rio Grande do Sul sobre os acordos. Na ocasião, organizações e movimentos sociais membros da Frente requisitaram compromisso de que o Acordo UE-Mercosul seja debatido com a sociedade como prioridade na agenda política do próximo governo. Reivindicaram também que haja consulta com os povos e populações atingidas para elaboração da política externa brasileira.

O encontro ocorreu em um momento estratégico, pré-eleições, em que é fundamental dialogar com candidaturas e firmar compromissos para o próximo período. No momento de diálogo com as candidaturas no RS foi tratado o aprofundamento de análises e de posicionamentos sobre as tendências relacionadas à possível reabertura das negociações do Acordo em 2023.

Caroline Rodrigues, da FASE-RJ e da Frente Importação, liberação e deriva de Agrotóxicos como armas de guerra: resistências e articulação de contra-propostas | Foto: Jonatan ATBr

Também foi debatida a arquitetura da impunidade e a aprovação do PL 572/2022, sobre empresas e direitos humanos,  ferramenta construída nas lutas. Dentro de um cenário de assimetria de poder entre comunidades atingidas por corporações e corporações, que saem ilesas de processos extremamente violentos às quais condicionam os territórios, a PL é uma ferramenta de resistência e garantia dos direitos humanos e dos povos. Seja desde a prevenção até a reparação dos danos.  Além dela, mobilização popular é fundamental. 

No encontro entre movimentos sociais e parlamentares foram ainda debatidos os  impactos dos acordos na vida cotidiana da população. Foram pautadas situações práticas nos territórios em luta, com exemplos latentes como a privatização da água no Rio de Janeiro, medida que mercantiliza um bem comum limitando o seu acesso em um país em que uma parcela considerável da população não tem direito básico a saneamento.  Ou o impacto de grandes projetos, como no caso Fraport, em que para expandir um aeroporto para Copa do Mundo, em Porto Alegre, a Vila Nazaré,  comunidade com mais de 60 anos de história, foi extinta do mapa urbano.  Outro caso apresentado foram as lutas no Rio Grande do Sul, como nos assentamentos de Nova Santa Rita, que em levante contra políticas de expansão do agronegócio e de liberação de agrotóxicos, que colocam em risco os meios de vida e de produção de produtoras e produtores de alimentos sem veneno, pautam outro horizonte político. Na luta os produtores que denunciam a pulverização aérea de agrotóxicos, que afeta suas lavouras, resistem e se levantam contra políticas de morte, reavivando um projeto político que coloca a vida no centro. 

Candidata a deputada federal pelo PSOL, Claudia Ávila e candidato a deputado estadual pelo PSOL, Matheus Gomes | Fotos: Jonatan ATBr
|Foto: Jonatan ATBr

A partir de relatos dos territórios em luta, o debate trouxe a conexão entre Acordos Internacionais e incidência desses na realidade cotidiana das  pessoas, expondo ainda demandas para resistir e construir soberania popular. Os desafios dos próximos anos, que passam  tanto pelas lutas da política institucional quanto da luta dos povos e movimentos, numa construção coletiva que pauta soberania, foram expostos. Tanto medidas como Dossiê de denúncia a Ricardo Salles e  que aponta o desmonte de legislação ambiental no Brasil, até construção de alternativas de coligação de forças, com perspectivas anticoloniais e antirracistas entraram na conversa.

O aprofundamento do capitalismo, via neoliberalização e avanço da iniciativa privada, impacta negativamente os biomas, sabedorias ancestrais e formas de organização social. E com acordos que fomentam o avanço da multinacionais e megacorporações na América Latina, como é o caso do Acordo Mercosul-UE, se intensificam lógicas como a das privatizações, desestatizações e incidência de maior militarização da vida e armas de guerra, como é o caso da liberação de agrotóxicos, expansão da mineração e do agronegócio e mercantilização e financeirização da vida, que resultam em mais ruptura no metabolismo ecológico sob emergência climática.

 Na esteira da neoliberalização, com políticas de estado que se traduzem nas violações de políticas econômicas, com privatizações e concessões, é imprescindível assumir compromissos para a conjuntura que se abre a partir da eleição de domingo, dia 02. Tendo isso em vista, a Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul – EFTA entregou carta compromisso para as candidaturas, visando a necessidade de participação social e controle social da política externa. Medidas que se contrapõe a uma ofensiva do acordo,  que intensifica a precarização da vida e das relações de trabalho, o avanço da mercantilização dos bens comuns e o aumento exponencial da violência e dependência econômica dos países da América Latina na relação política geoglobal.  

 Confira como foi o evento na íntegra acessando a nossa transmissão online: