A causa Palestina é também de direitos humanos e justiça climática

A Palestina é uma causa de direitos humanos e justiça climática. As lutas contra a ocupação israelense, que se baseia na exploração ilegal das terras e dos recursos naturais palestinos, fazem parte de uma luta de libertação, como PENGON – Amigos da Terra Palestina nos conta nesta entrevista. Nos reunimos com Rasha Abu Dayyeh e Abeer Butmeh, representantes da organização, que compartilharam conosco qual é a realidade na Palestina hoje.

Como ativista ambiental, como você relaciona suas lutas na Palestina com a justiça climática e os direitos humanos?

É imperativo reconhecer que a abordagem das questões ambientais não pode ser separada do reconhecimento do direito dos povos à soberania nacional em suas próprias terras. Nossa luta pela libertação está interconectada com os movimentos globais que defendem os direitos indígenas, os direitos à terra e a luta contra a indústria dos combustíveis fósseis e o colonialismo climático. Isso é parte integrante da luta coletiva por um mundo onde todos tenham o direito de viver com dignidade, livres da opressão.

Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, os palestinos são impedidos de acessar, utilizar e se beneficiar dos recursos naturais. A ocupação israelense controla ilegalmente mais de 65% da Cisjordânia e restringe as práticas agrícolas em 35% das terras agrícolas da Faixa de Gaza (Áreas de Acesso Restrito – ARA), o que impede os palestinos de enfrentar e lidar com as mudanças climáticas. Sem o fim da ocupação e do bloqueio, as estratégias de adaptação terão um impacto limitado.

Quais são os impactos ambientais da guerra em Gaza e da ocupação das terras palestinas?

A comunidade global está testemunhando atualmente uma série de ataques realizados pelas forças de ocupação de Israel contra a população palestina, suas terras e a infraestrutura civil em Gaza. O genocídio ambiental é praticado na Faixa de Gaza, seguidos quase dois meses de ataques das forças aéreas israelenses e combates terrestres. Grandes áreas de Gaza foram arrasadas, terras agrícolas foram destruídas, oliveiras que permaneceram por gerações foram queimadas e os recursos hídricos cada vez mais escassos estão agora contaminados.

O bombardeio contínuo deixou para trás materiais perigosos que contaminam o solo e as águas subterrâneas, representando uma ameaça significativa ao ecossistema. Além disso, Israel pulveriza periodicamente pesticidas químicos altamente tóxicos em áreas próximas ao perímetro do muro, agravando ainda mais os danos ambientais e o apartheid hídrico*.

“A ocupação israelense controla ilegalmente mais de 65% da Cisjordânia e restringe as práticas agrícolas em 35% das terras agrícolas da Faixa de Gaza, o que impede os palestinos de lidar com as mudanças climáticas.” – Abeer Butmeh

O bloqueio de Israel à entrada de combustível e equipamentos necessários para a sustentabilidade do setor de energia em Gaza criou imensos desafios para atender às necessidades energéticas da população. É preocupante o fato de que até mesmo infraestruturas essenciais, como hospitais, com painéis solares instalados em seus telhados, tenham sido alvo das forças israelenses durante a guerra em curso em Gaza.

Isso tem consequências ambientais diretas, como a contaminação de fontes de água, derramamentos de esgoto e interrupção de serviços essenciais, com severas implicações ambientais e de saúde a longo prazo.

” Para aqueles que foram despojados de sua terra natal, de seus recursos e do direito básico de existir, é impossível trabalhar nos desafios ambientais enquanto lhes é negada a oportunidade de construir resiliência e alcançar a soberania coletiva sobre recursos essenciais, como alimentos, energia e água.” – Rasha Abu Dayyeh

Como vocês respondem como organização pela Justiça Ambiental a todos esses desafios?

PENGON, que reúne 15 organizações ambientais na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, sempre lutou para resistir e se unir a comunidades além das fronteiras para expor como é resistir às injustiças.

Sempre encontramos alternativas nas comunidades marginalizadas com as quais trabalhamos. Em cooperação com nossos membros, fortalecemos as capacidades de comunidades a aumentar sua firmeza e permanência em suas terras, implementando projetos ambientais de desenvolvimento, energia solar, redes de água, reabilitação de terras etc.

Empoderamos as comunidades palestinas para que possam defender seus direitos ambientais. Nossa organização está mobilizando ativamente nossos aliados e apoiadores nas organizações ambientais internacionais para defender um cessar-fogo imediato. Além disso, estamos atualmente utilizando fundos de emergência para fornecer apoio crucial à população de Gaza, especialmente às mulheres, para atender às suas necessidades urgentes.

Como nossa federação e seus apoiadores podem ajudar a luta palestina?

1. Entre em contato membros do Congresso em seu país e solicite um cessar-fogo imediato;

2. Ajude a chamar a atenção para o que está acontecendo em Gaza, levantando as vozes palestinas, compartilhando as realidades de diferentes maneiras para apoiar a luta;

3. Participar de protestos, marchas ou mensagens na mídia é uma forma poderosa de demonstrar publicamente solidariedade com Gaza e apoiar as lutas palestinas;

4. Reunir-se prontamente para refutar a desinformação israelense, seja ela disseminada pela mídia ou propagada pelo governo;

5. Demandem aos seus governos que endossem o apelo palestino para a imediata reativação do Comitê Especial da ONU contra o Apartheid.

A COP28 deveria proporcionar uma ação climática justa e equitativa, não falsas soluções, alerta a Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi)

 

A Amigas da Terra Brasil publicou, recentemente, artigo no jornal Brasil de Fato sobre as negociações e cúpulas do clima. CLIQUE AQUI para acessar

English version: http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/11/09/where-do-we-go-with-climate-negotiations/

Versión española:
http://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2023/11/09/adonde-vamos-con-las-negociaciones-del-clima/

 

Os países ricos, que são os mais responsáveis pelas mudanças climáticas, devem assumir a liderança em uma transição justa e equitativa para longe de todos os combustíveis fósseis e fornecer financiamento para os países em desenvolvimento, em vez de perder tempo com mercados de carbono, remendos tecnológicos arriscados e outras soluções falsas (1), afirma a Amigos da Terra Internacional (FoEI) no momento em que as negociações climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas) são retomadas em meio a um contexto político global sombrio.

A maior federação ambiental de base do mundo está presente na COP28 (Conferência das Partes do Clima da ONU), em Dubai, para exigir uma ação climática baseada na justiça e na equidade, enfrentar os grandes poluidores e se solidarizar com os povos oprimidos nos Emirados Árabes Unidos, na Palestina e em todo o mundo.

A FoEI prevê que os países desenvolvidos, como os Estados Unidos (EUA), o Reino Unido e os Estados-membros da União Europeia (UE), continuarão tentando remover princípios fundamentais da conferência climática global, esquivando-se de sua responsabilidade por causar a crise climática e de sua consequente obrigação de reduzir suas emissões mais cedo e mais rápido do que quaisquer outras partes, bem como de fornecer financiamento climático para uma transição justa, para adaptação e perdas e danos nos países em desenvolvimento. Isso tem implicações para as discussões sobre praticamente todas as questões em negociação e, provavelmente, levará a conflitos e impasses nas salas de negociação.

Outro elemento que compromete ainda mais a possibilidade de se chegar a resultados justos é o fato de que os delegados ligados às principais empresas poluidoras de petróleo e gás do mundo participaram das negociações climáticas da ONU pelo menos 7.200 vezes nos últimos 20 anos e estarão presentes com força total na COP28 (2). O fato de o presidente da COP28 dos Emirados Árabes Unidos estar usando reuniões bilaterais com países na cúpula para promover acordos sobre combustíveis fósseis, como foi revelado recentemente, é muito alarmante e extremamente preocupante (3).

Lise Masson, da Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi), disse:

“Enquanto os impactos climáticos estão ficando mais intensos, a COP28 está estendendo o tapete vermelho para os grandes poluidores, as estrelas da lavagem verde e das falsas soluções para as mudanças climáticas. Os mercados de carbono, as compensações e as remoções de carbono não serão a salvação – são de fato uma distração perigosa promovida pelos países ricos e pelos grandes poluidores corporativos, desesperados por manter os negócios como sempre”.

Em um contexto de extrema repressão estatal, a FoEI comparece à cúpula deste ano para levantar as vozes dos defensores dos direitos humanos, da democracia e da justiça ambiental em todo o mundo, incluindo muitos que optaram por não participar da COP28. Juntamente com outras organizações internacionalistas, a FoEI exige um cessar-fogo em Gaza e o fim do colonialismo de ocupação e do colonialismo climático em todo o mundo.

Abeer Al-Butmeh, da PENGON/Amigos da Terra Palestina, disse da Cisjordânia:

“Nossa luta contra o regime colonialista israelense está intrinsecamente ligada a todas as lutas por direitos humanos e justiça climática. Israel está usando a COP28 como uma ferramenta de lavagem verde para desviar a atenção das críticas à sua opressão sistemática do povo palestino e para se projetar como um salvador do clima, enquanto comete genocídio ambiental em Gaza. Como mulher palestina, em nome da justiça climática, não participarei da COP28”.

Lise Masson acrescenta: “O conflito, o colonialismo e o poder corporativo estão atiçando as chamas do colapso ambiental e destruindo vidas consideradas descartáveis, desde a Palestina até as que estão na linha de frente dos impactos climáticos no Sul. Estamos aqui para lembrar os líderes mundiais da urgência de agir, para seu próprio bem e pela justiça e equidade com que devem tomar todas as decisões”.

Notas aos editores:

A COP28 está se preparando para ser uma batalha e decisões sobre:

# A responsabilidade dos países ricos de financiar a ação climática nos países em desenvolvimento – e seus esforços para evitá-la;

# A governança do fundo de perdas e danos – que, de forma preocupante, provavelmente será gerenciado pelo Banco Mundial e dependerá apenas de contribuições voluntárias;

# Os detalhes de um mercado global de carbono nos termos do Artigo 6 do Acordo de Paris, que acelerará falsas soluções que não reduzem as emissões na fonte e causam sérios danos no Sul Global;

# Uma meta global de energia renovável – que, sem financiamento para implementá-la e sem salvaguardas para proteger as pessoas e os povos de uma nova onda de extrativismo, corre o risco de se tornar um novo fardo para os países em desenvolvimento;

# Tentativas de atrasar a eliminação gradual justa e equitativa dos combustíveis fósseis, incluindo brechas para permitir mais poluição;

# O “balanço global” dos esforços dos países, até o momento, para reduzir suas emissões – atualmente fraco, pois não aumenta a ambição nem inclui financiamento e apoio dos países desenvolvidos para ações climáticas nos países em desenvolvimento.

 

Referências:

(1) Veja os recursos recentes da FoEI sobre soluções falsas:

Position paper: Don’t be fooled by the hydrogen frenzy! (Documento de posicionamento: Não se deixe enganar pelo frenesi do hidrogênio) (novembro de 2023) >> https://www.foei.org/es/publicaciones/energia-del-hidrogeno/

Ferramentas para combater as falsas soluções climáticas (novembro de 2023) >> https://www.foei.org/es/publicaciones/herramientas-falsas-soluciones-climaticas/ 

Com Banco de evidências sobre os impactos negativos das “soluções baseadas na natureza”: Orientação sobre mercados de carbono e como se opor a eles; e Fichas técnicas sobre “soluções baseadas na natureza” e agricultura de conservação do carbono do solo e restauração do carbono do solo (julho de 2023) >> https://www.foei.org/es/publicaciones/mercados-de-carbono-del-suelo/

(2) Comunicado de imprensa da campanha Kick Big Polluters Out, 21 de novembro de 2023.

(3) Artigo da Climate Reporting e da BBC, 27 de novembro de 2023.

 

* COMUNICADO DE IMPRENSA divulgado pela FoEi na 4ª feira, 29 de novembro de 2023, Dubai, Emirados Árabes Unidos 

** Artigo traduzido em português com ajuda do tradutor deepL. Artigo publicado originalmente no site da FoEi em https://www.foei.org/es/cop28-comienza/

Declaração da Campanha Global sobre a Sessão de Negociações por um Tratado Vinculante sobre Direitos Humanos e Empresas na ONU

 

TRATADO VINCULANTE SOBRE EMPRESAS TRANSNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS: OS PAÍSES DO SUL GLOBAL BLOQUEIAM O MOVIMENTO DAS POTÊNCIAS FORTES CONTRA O PROCESSO!

 

 

Declaração da Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade

Novembro de 2023

 

A 9ª sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta (OEIGWG, por sua sigla em inglês) para elaborar um Tratado Vinculante da ONU sobre Empresas Transnacionais (ETNs) e outras empresas de caráter transnacional com relação aos direitos humanos foi realizada em Genebra de 23 a 27 de outubro de 2023. Essa rodada de negociações representou um marco importante na luta contra a impunidade das ETNs por violações dos direitos humanos e do meio ambiente e foi concluída com uma mensagem clara: movimentos sociais, sindicatos, povos indígenas, comunidades afetadas e organizações da sociedade civil, juntamente com muitos estados do Sul Global, estão comprometidos em proteger esse processo dos interesses daqueles que insistem em colocar os lucros das empresas acima dos direitos dos povos e do planeta.

Como todos os anos, a Campanha Global para Recuperar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Acabar com a Impunidade (Campanha Global) organizou uma semana de mobilizações com atividades dentro e fora do prédio da ONU (veja a agenda abaixo). Com uma delegação de 73 pessoas vindas da Ásia, África, América Latina, Estados Unidos e Europa, os membros da Campanha Global participaram de sessões, organizaram eventos dentro da ONU, uma exposição de fotos e manifestações, comprometidos com a elaboração de um ambicioso Tratado Vinculante que reflita as necessidades e os interesses dos povos afetados pelas violações das ETNs.


Um novo bloco de países do Sul Global enfrenta a Presidência

A abertura da semana de negociações começou de forma combativa: por mais de quatro horas, um grupo de países do Sul Global rejeitou a tentativa da presidência de impor um texto ilegítimo como base para as negociações. Conforme destacado pelo Grupo Africano, que representa os 54 Estados africanos, a minuta atualizada do tratado emitida em julho de 2023 pelo Presidente do OEIGWG, o Embaixador do Equador, foi construída de forma não transparente e não inclusiva, adicionando e/ou excluindo elementos e disposições sem critérios ou argumentos claros. Por esses motivos, o Grupo Africano exigiu que a minuta atualizada fosse retirada da mesa e que a terceira minuta revisada anterior fosse retomada como base para as negociações. Além disso, conforme consistentemente contestado por países latino-americanos, como Cuba, Honduras, Venezuela, Colômbia e Bolívia, e estados asiáticos, como Paquistão e Indonésia, juntamente com o Grupo Africano, o novo rascunho proposto pelo presidente procurou impor ao Grupo de Trabalho um escopo de aplicação do Tratado Vinculante fundamentalmente diferente daquele determinado pela Resolução 26/9, o documento que estabelece o OEIGWG que rege esse processo desde 2014. Essa Resolução define que o escopo de aplicação desse Tratado deve se concentrar nas ETNs e em outras empresas de caráter transnacional.

A maior parte do Sul Global falou em alto e bom som: esse processo foi iniciado com o objetivo de preencher a lacuna na legislação internacional que permite que as empresas transnacionais violem os direitos humanos e ambientais com impunidade. A expansão do escopo do Tratado para regular “todas as empresas”, conforme proposto pelo presidente e defendido abertamente pelos estados do Norte Global e pelos representantes do setor corporativo, contradiz a intenção original do processo. Com base nessa proposta, o Tratado estabeleceria disposições comuns para regulamentar empresas com estruturas e atividades muito diferentes, o que não seria apenas injusto, mas também tornaria a implementação complexa e ineficaz.


As negociações sobre o texto avançam, fortalecendo a Resolução 26/9

No final, o Presidente conseguiu rejeitar a solicitação do Grupo Africano de voltar à minuta anterior; no entanto, a pressão dos Estados do Sul Global prevaleceu para, pelo menos, usar a minuta atualizada em sua versão com acompanhamento de alterações (que inclui os elementos que foram arbitrariamente removidos da versão do Presidente). Muitos estados do Sul Global, juntamente com as organizações e movimentos da Campanha Global, continuaram a denunciar essas manobras e a questionar as intenções por trás delas.

Apesar desse primeiro dia agitado, as negociações do rascunho revisado começaram com uma participação forte e construtiva, sem precedentes, de Estados comprometidos com o mandato da Resolução 26/9, tanto em número quanto em qualidade das intervenções. Graças a essa participação, disposições importantes foram reintroduzidas no texto da negociação, tais como: obrigações diretas para as empresas transnacionais; a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de livre comércio e investimento; a importância de reconhecer e incluir o conceito de comunidades afetadas; a importância de estabelecer que as empresas transnacionais não apenas abusam dos direitos humanos, mas também os violam; e a necessidade de fortalecer as disposições para estabelecer a responsabilidade da empresa matriz ao longo das cadeias de valor e produção.

Durante os intensos dias de negociações que ocorreram nos últimos dias de outubro, esses Estados adotaram uma linha dura e se mantiveram firmes, se apropriando legitimamente de um processo do qual fazem parte e defendendo firmemente a Resolução 26/9.

Uma nova tentativa de golpe

Antes do final da semana de negociações, o presidente do Grupo de Trabalho colocou na mesa uma proposta que parecia uma manobra maliciosa: como conclusão da semana, ele propôs que o OEIGWG solicitasse uma nova resolução ao Conselho de Direitos Humanos com o objetivo de renegociar o mandato do processo, argumentando que havia falta de consenso e de recursos financeiros. Essa foi uma manobra com o único objetivo de inviabilizar o processo do Tratado Vinculante (vale a pena observar que, em julho de 2023, durante uma consulta do Grupo Ocidental, foi discutida uma proposta para “esclarecer” o mandato do OEIGWG por meio de uma nova resolução). A nova resolução proposta foi recebida primeiro com surpresa e depois com rejeição total pelos Estados presentes na sala, com exceção dos representantes dos Estados Unidos e da União Europeia. Graças a essa rejeição categórica de vários Estados, a proposta não foi aprovada.

O compromisso ativo do bloco de países do Sul Global, movimentos sociais, comunidades afetadas, povos indígenas, sindicatos e organizações da sociedade civil com o processo estabelecido pela Resolução 26/9 e com os direitos dos povos e do planeta pôs fim a essa tentativa de golpe do Presidente. A suposta “falta de consenso” que ele usou para justificar a necessidade de uma nova Resolução simplesmente não corresponde à realidade: mais de 60 Estados se manifestaram em uníssono sobre a clareza do escopo da Resolução 26/9, com foco nas ETNs e em outras empresas de caráter transnacional.

Após intensa negociação entre os Estados na manhã de sexta-feira, as conclusões oficiais da semana foram uma vitória retumbante para os defensores desse processo histórico. Não apenas a proposta de uma nova resolução, que durou pouco tempo, foi abandonada, como também foi reafirmada a importância de continuar as negociações de acordo com os objetivos e as disposições estabelecidos na Resolução 26/9. Além disso, os Estados concordaram com a importância de encontrar novos recursos financeiros para avançar nas negociações, inclusive por meio de consultas inter-sessões transparentes em que todos os Estados discutam e concordem democraticamente sobre como continuar o trabalho no Tratado. Pedimos que o Grupo de Trabalho se afaste dos debates e discussões informados por “especialistas”, dos quais já estamos fartos. Em vez disso, acreditamos que as vozes e experiências das pessoas e comunidades afetadas pelas violações das TNCs devem ser ouvidas e priorizadas, e que elas são os verdadeiros especialistas.

E agora?

Muitos desafios estão por vir. Sabemos que um Tratado Vinculante forte e eficaz mudará o desequilíbrio de poder predominante que permite que alguns lucrem com a desapropriação e a morte de outros. A rejeição inequívoca de uma nova resolução foi uma vitória retumbante para os estados do Sul Global e para a Campanha Global, e um verdadeiro desafio para as potências que buscam minar o Tratado e que não ficarão paradas diante desse resultado das negociações.

Essas tentativas constantes de boicotar e corroer o Tratado são a prova de que as ETNs e seus agentes usarão todas as suas forças para tentar impedir que esse processo avance. O setor corporativo, os Estados Unidos (que nunca ratificam tratados de direitos humanos) e a União Europeia (que ainda não tem mandato para negociar esse tratado) estão totalmente empenhados em destruir, ou pelo menos diluir, o processo. Outros países do Norte Global (Suíça, Israel, Japão, Austrália, Canadá), bem como alguns países do Sul Global subjugados aos interesses corporativos e imperiais do Norte, estão seguindo o mesmo caminho. A batalha por um Tratado Vinculante digno desse nome será, portanto, intensa.

Essas constantes tentativas de boicotar e corroer o Tratado são a prova de que as ETNs e seus agentes usarão todas as suas forças para tentar impedir que esse processo avance. O setor corporativo, os Estados Unidos (que nunca ratificam tratados de direitos humanos) e a União Europeia (que ainda não tem mandato para negociar esse Tratado) estão totalmente comprometidos em destruir, ou pelo menos diluir, o processo. Outros países do Norte Global (Suíça, Israel, Japão, Austrália, Canadá), bem como alguns países do Sul Global subjugados aos interesses corporativos e imperiais do Norte, estão seguindo o mesmo caminho. A batalha por um Tratado Vinculante digno desse nome será, portanto, intrincada e não isenta de armadilhas e obstáculos.

Olhando para o futuro, a Campanha Global continua totalmente comprometida com o Tratado Vinculante, unindo as necessidades e aspirações dos movimentos, sindicatos e comunidades afetadas com a redação jurídica de um Tratado capaz de mudar o mundo como o conhecemos. Fazemos eco aos apelos dos Estados do Sul Global por transparência e por uma metodologia clara capaz de gerar consenso para as negociações, e não de impor caprichos.

Por fim, denunciamos a crescente securitização do espaço da ONU. De um fórum que supostamente busca proteger e promover os direitos humanos, ele se tornou, na prática, um espaço que criminaliza expressões de solidariedade e dissidência e exacerba vulnerabilidades. Agora é um espaço que ironicamente ignora as múltiplas estratégias que aqueles de nós que defendem os direitos humanos têm o direito de utilizar. As tentativas de silenciar o apoio à Palestina foram frequentes durante toda a semana, apesar do genocídio que se desenrola diante de nossos olhos.

A manifestação em frente à Broken Chair na segunda-feira, 23 de outubro, co-organizada pela Campanha Global, mostrou que o poder do povo pode ressoar na sala de negociações. Ela mostrou que não se pode brincar com a Resolução 26/9. Como Paula Goes, do Movimento dos Atingidos por Barragens do Brasil, declarou em nome da Campanha Global:

“A Resolução 26/9 é uma vitória histórica, resultado de anos de luta de milhões de pessoas cujos direitos humanos são sistematicamente violados por corporações transnacionais. Esse processo é, portanto, um mandato para aqueles que foram assassinados em Marikana por terem feito greve para exigir melhores condições de trabalho na Lonmin; para as crianças indígenas que estão morrendo de câncer no Equador por causa dos vazamentos de petróleo da Chevron; para as trabalhadoras assassinadas em Rana Plaza e para os milhões de pessoas atualmente presas em Gaza e submetidas a um genocídio diretamente auxiliado e incentivado por empresas transnacionais”.

As memórias dos nossos povos exigem responsabilidade e justiça para as violações dos direitos humanos cometidas pelas empresas e, graças aos esforços de muitos Estados, da Campanha Global e de seus aliados, essa possibilidade continua em nossas mãos. Ao marcarmos uma década dessa luta no próximo ano, estaremos marchando mais fortes e mais comprometidos do que nunca.

 

Atividades da Semana de Mobilizações 2023:

Segunda-feira, 23 de outubro

Evento paralelo: “Como o Tratado Vinculante pode apoiar o trabalho parlamentar para defender os Povos e o Planeta contra as violações das ETNs?”

Vídeo: https://justice5continents.net/fc/viewtopic.php?t=1155

Manifestação: Dance pela mudança, mova a cadeira

 

Terça-feira, 24 de outubro 

Evento paralelo: “Tribunal do Povo: Empresas transnacionais em julgamento”.

Vídeo: https://justice5continents.net/fc/viewtopic.php?t=1156

Exposição de foto-documentários da Assembleia de Mulheres Rurais

 

Quinta-feira, 26 de outubro

Evento paralelo: “Casos de violações de direitos humanos e destruição ecológica”.

Vídeo: https://justice5continents.net/fc/viewtopic.php?t=1157

 

Documentos úteis da Campanha Global:

 

Comunicado de Primeiras Impressões sobre o Projeto de Tratado Atualizado (setembro de 2023)

Fronteiras de um Tratado Efetivo (2023)

10 anos passados, 10 anos pela frente. A Campanha Global rumo a 2032 (2022)

Elementos-chave defendidos pela Campanha Global, com base nas experiências de resistência das comunidades afetadas pelas ETNs (2022)

Documento de elementos para um Tribunal Internacional sobre ETNs e Direitos Humanos (2022)

Proposta de Tratado sobre ETNs e Direitos Humanos (2017)

 

Para obter mais informações: https://www.stopcorporateimpunity.org/binding-treaty-un-process/

Where do we go with climate negotiations?

In the next weeks, another UN Climate Conference of the Parties (COP 28) will take place in Dubai. The conference will have four main axes: accelerating energetic transition for reduction of carbon emissions until 2030; strengthening the fights against climate alterations, which fulfills old promises, among which turning the climate fund into a concrete reality; placing nature, people, lives and the means of survival in the centre of climate action; establishing itself as a space of inclusion. As we can observe, the challenges are not small, especially if we think about the disputes around it.

About energetic transition, the war in Ukraine increased the pressure for reducing the usage of fossil fuels, as it exposed European countries to a risky situation regarding gas supply. Due to that, developed countries started to increase investments for energy transition, with stimulation to wind and solar power, and to the use of electric vehicles, among other measures. It happens that such technologies, which are considered renewable, are responsible for the increase in the demand for metals like lithium, copper and nickel, which lead to the destruction caused by mineral extractivism in the Global South, continuing the colonialist practices which damage environmental justice.

Furthermore, energetic transition, as it is being thought, grants protagonism to corporations, specially transnational ones, keeping the concentration of the means of production and not sharing the control nor the technologies. Many corporations in the petrol and mineral sectors have adhered to the discourse on climate change, adopting “greenwashing” policies. An example of that is the adhesion to Net Zero mechanisms ,in which instead of reducing the production and emission of polluting gases, corporations compensate their polluting chain with carbon credits which are dirty, violent and polluting, and which make people lose rights. Not by chance, companies Vale S.A and Braskem will unfortunately be in Space Brazil at COP 28 talking about that issue.

Likewise, defending the organisation of the carbon market, governors in Brazilian states founded “Green Brazil Consortium” at COP 26, which must have a more prominent participation in the next conference. That consortium, which will also have panels in Space Brazil, points to the need to build a Brazilian Market for Reduction of Emissions (BMRE) and a national standard of payment for environmental services (PES). The governors are also interested in the Climate Action Plan (CAP 2050) released by the federal government with the goal of reaching net zero emissions until 2050. The plan describes several mitigating policies for economic sectors like transportation, energy and agriculture, creating business opportunities for the state governments with the promotion of climate actions.

For COP 28, it is expected that Brazil will be involved in the discussions about the creation of a Loss and Damage Fund, following Sharm El-Sheikh’s Implementation Plan of the Paris Agreements. In 2022, at COP 27, before his inauguration, president Lula highlighted his commitment to fighting deforestation – main cause of emissions in this country – connected to the development of policies against inequality. In his speech, the president mentioned the role indigenous people have in preservation. It remains to be known if that same line of discussion will be kept when decisions about who will have access to the funds need to be made. It is also worth mentioning that the Ministry for the Environment and Climate Change has been making efforts to create the Climate Fund.

The droughts in the Amazon and the floods in Southern Brazil are socioenvironmental disasters exemplary of the immediate consequences of climate change. Analysing their consequences, we may observe that the damages are distributed unevenly among poor people, women, black people and rural and peripheral communities. In general, the most serious climate damages are felt in communities which are already weakened by contexts of social inequality and lack of rights and of investments in infrastructure.

Considering those inequalities, when announcing a COP which aims to be really inclusive, there must be a paradigm shift so that the central position of nature, people, human life, historic debts and reparations may be in the centre of economy, not a simple ornament for the market. We know that the spaces of COP have been taken by the hegemony of the big transnational corporations’ views and their same old false market solutions which have brought us here with the green economy of the stock exchange’s dollar and focus on profit. Mitigation policies are not connecting the solutions of the peoples with the enforcement of human rights, access and permanence on land and territories of peoples and communities as an action to protect the woods, waters and forests, as can be seen in the best-preserved territories. Instead, they are reducing carbon metrics.

Popular movements and organisations of civil society defend a deep rethinking of multilateral climate spaces. We cannot go on building answers for climate alterations which do not confront the root of the problem, i.e. the extremely unequal way we produce, generate, circulate and commercialise in the capitalist society. Likewise, we need to acknowledge that the climate crisis does not reflect only the physical aspects of the planet. That approach is limited and limiting. Actually, climate crisis is intertwined with historical forms of gender, race and class violence, and with colonialism. There is a historical debt of environmental degradation in many countries which cannot be reduced to mitigating policies nor to financial indemnisation by a Fund.

The change starts by looking at the big picture of causes and consequences of climate alterations. Rethinking the role that determined actors will have in the negotiations of humanity’s future. In that sense, transnational corporation have a role more as defendant than protagonist in the solutions. Popular movements, women and representatives of civil society have been increasingly absent from the centres which decide about climate governance. The negotiations keep being sieved by the Global North towards the Global South. We recognise that in the last years, climate COPs have become unproductive spaces in which there are no concrete advances in the reduction of Earth’s destruction, precisely due to the way they are being organised.

What about Brazil? So far, the federal government follows the book of green economy. Many ministries have been working to regulate the carbon market, especially REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation), without carrying out studies on the impacts on the lifestyle of communities. Other initiatives like bioeconomy advance quickly towards building public policies. On the other hand, efforts to legalise the titles of quilombola territories, demarcate indigenous lands and against the thesis of “marco temporal”, to promote agroecology move slowly.

While climate justice, as an action to face climate alterations centering on the promotion of effective, fair, inclusive public policies which respect human and socioenvironmental rights, is not the main focus in the climate negotiations, there will be no repair to the planet. While those who destroy the climate are the owners of its governance, we will keep on making deals which will lead to failure.

Edition: Thalita Pires

Text originally published in Portuguese in the newspaper Brasil de Fato, in:  https://www.brasildefato.com.br/2023/11/07/para-onde-vamos-com-as-negociacoes-do-clima

¿Adónde vamos con las negociaciones del clima?

En las próximas semanas, será iniciada más una Conferencia de las Partes del Clima de la ONU (COP 28), en Dubái. La conferencia tendrá como enfoque cuatro ejes: la aceleración de la transición energética para reducción de las emisiones de carbono hasta 2030; avanzar en el fortalecimiento de la lucha contra las alteraciones climáticas, cumpliendo promesas antiguas, entre ellas la concretización del fondo climático; colocar la naturaleza, la gente, las vidas y los medios de subsistencia en el centro de la acción climática; marcarse como un espacio de inclusión. Como podemos observar, los desafíos lanzados no fueran pequeños; y más aún si pensamos en las disputas a su alrededor.

Cuanto a la transición energética, la guerra de Ucrania ha acelerado la presión para reducción del uso de combustibles fósiles, a medida que expuso países europeos a un riesgo en el fornecimiento de gas. Frente a eso, países desarrollados empezaron a acelerar inversiones para transición de energía, con estímulos para producción de energía eólica y solar, y el uso de vehículos eléctricos, entre otras medidas. Ocurre que tales tecnologías, consideradas renovables, son responsables por el alza en la demanda de metales como litio, cobre y níquel, los cuales presionan por la profundización de la destrucción del extractivismo mineral en el Sur Global, dando continuidad al colonialismo que ataca la justicia ambiental.

Además, la transición energética, como está siendo pensada, confiere protagonismo a las empresas, especialmente transnacionales, manteniendo la concentración de los medios de producción y no repartiendo el control ni las tecnologías. Muchas empresas del sector petrolífero y mineral han adherido al discurso del cambio climático, adoptando políticas de “pintar la cara de verde” (greenwashing). Un ejemplo es la adhesión a los mecanismos de emisión cero (Net Zero), en los cuales en vez de reducir la producción y emisión de contaminantes, las empresas compensan su cadena productiva contaminadora con créditos de carbono sucios, violentos, contaminantes y que retiran derechos. No por acaso, las empresas Vale S.A y Braskem, infelizmente, estarán en el Espacio Brasil de la COP 28 hablando sobre el tema.

De la misma manera, en la defensa de la organización del mercado de carbono, los gobernadores de los estados brasileños han fundado el Consorcio Brasil Verde en la COP 26, que deberá tener una participación más destacada en la próxima conferencia.  Ese Consorcio, que tendrá también paneles en el Espacio Brasil, apunta la necesidad de construir un Mercado Brasileño de Reducción de Emisiones (MBRE) y un estándar nacional de pago por servicios ambientales (PSA). Los gobernadores están también interesados en el Plan de Acción Climática (PAC 2050) lanzado por el gobierno federal, con metas para alcanzar la neutralidad de las emisiones hasta 2050. El Plan describe diversas políticas mitigadoras para sectores de la economía como transporte, energía, agricultura y ganadería, creando oportunidades de negocios para los gobiernos estaduales con la promoción de acciones sobre el clima.

Para la COP 28, se espera también que Brasil se involucre en las discusiones sobre la creación de un Fondo de Pérdidas y Daños, siguiendo el Plan de Implementación de Sharm El-Sheikh de los Acuerdos de París. En 2022, ya elegido, pero todavía no investido, el presidente Lula destacó, en la COP 27, su compromiso con el combate a la deforestación – principal causa de emisiones en el país – vinculado al avance de las políticas de combate a la desigualdad. En el discurso, el presidente evocó el rol de los pueblos indígenas para la preservación en el país. Resta saber si será mantenida esa misma línea de discusión cuando involucre quién accederá a los recursos de tales fondos en Brasil. Se puede destacar que el Ministerio del Medio Ambiente y Cambio Climático ha hecho esfuerzos para la creación del Fondo Clima.

Las sequías en la Amazonia y las inundaciones en el Sur de Brasil son desastres socioambientales ejemplificadores de las consecuencias inmediatas de los cambios climáticos. Al analizar sus consecuencias, observamos que los daños se distribuyen de manera desigual entre personas más empobrecidas, mujeres, negras y comunidades rurales y periféricas. En general, los daños climáticos son más graves en comunidades ya vulnerables por contextos de desigualdades sociales y la no garantía de los derechos e inversiones en infraestructura.

Frente a esas desigualdades, al anunciar una COP que pretende ser realmente inclusiva, debe haber un cambio de paradigma para que la centralidad de la Naturaleza, de la gente, de la vida humana, de las deudas históricas y reparaciones estén en el centro de la economía, no como un simple aderezo del mercado. Sabemos que los espacios de la COP han sido cada vez más hegemonizados por la visión de las grandes corporaciones transnacionales y sus falsas viejas soluciones de mercado que son más do lo mismo, y que nos han traído hasta aquí con la economía verde del dólar de la Bolsa de Valores e del rentismo. En vez de conectar las soluciones de los pueblos con la efectuación de los derechos humanos, el acceso y permanencia en la tierra y territorio de pueblos y comunidades; como acción para la protección de los bosques, de las aguas y de las junglas, con su comprobación, ayer y hoy, con los territorios más preservados, las políticas de mitigación están reduciendo las métricas de carbono.

Los movimientos populares y organizaciones de la sociedad civil defienden este profundo repensar de los espacios multilaterales del clima. No podemos seguir construyendo respuestas para las alteraciones climáticas que no enfrentan la raíz del problema, o sea, la manera profundamente desigual como producimos, generamos, circulamos y comercializamos en la sociedad capitalista. Igualmente, es necesario reconocer que la crisis climática no refleja solamente los aspectos físicos del planeta; éste es un abordaje limitado y limitador. En la realidad, la crisis climática se entrelaza a formas históricas de violencia de género, raza, clase y el colonialismo. Hay una deuda histórica de la degradación ambiental en diversos países que no puede ser reducida a políticas mitigadoras ni siquiera a la indemnización financiera por medio de un fondo.

El cambio empieza con una mirada hacia la totalidad de las causas y consecuencias de las alteraciones climáticas. Repensar el rol que determinados actores tendrán en las negociaciones sobre el futuro de la humanidad. En ese sentido, las empresas transnacionales ocupan mucho más el lugar de reo que de protagonista de las soluciones. Movimientos populares, mujeres y representantes de la sociedad civil están cada vez más ausentes de los centros decisorios sobre la gobernanza climática. Las negociaciones siguen regidas por el colador del Norte Global para el Sur Global. Reconocimos que, en los últimos años, las COPs del Clima se están convirtiendo en espacios improductivos, en los que no hay avances concretos en la reducción de la destrucción de la Tierra, justamente por la manera como son organizadas.

¿Y Brasil? Hasta ahora, el gobierno federal sigue la cartilla de la economía verde. Muchos ministerios han trabajado para la regulación del mercado de carbono, especialmente de REDD (Reducción de Emisiones causadas por la Deforestación y la Degradación forestal), sin realizar estudios sobre los impactos en los estilos de vida de las comunidades. Otras iniciativas, como la bioeconomía, caminan rápidamente en la construcción de políticas públicas. Por otro lado, esfuerzos para titulación de territorios quilombolas, demarcación de tierras indígenas y contra la efectuación de la tesis del marco temporal, avance de las políticas de promoción de la agroecología, andan lentamente.

Mientras la justicia climática, como acción para enfrentamiento de las alteraciones climáticas con centralidad en la promoción de políticas públicas efectivas, justas, inclusivas, con respeto a los derechos humanos y socioambientales, no sea el enfoque de las negociaciones sobre el clima, no habrá reparo para el planeta. Mientras aquellos que destruyen el clima sean los dueños de su gobernanza, seguiremos construyendo acuerdos que nos llevarán al fracaso.

Edição: Thalita Pires

Texto publicado originalmente en portugués en el diario Brasil de Fato, en: https://www.brasildefato.com.br/2023/11/07/para-onde-vamos-com-as-negociacoes-do-clima 

As negociações de um Tratado sobre empresas transnacionais e direitos humanos na ONU

 

Em 1972, Salvador Allende faz um discurso histórico na Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o acúmulo de poder nas mãos de empresas transnacionais. Naquele momento, países reunidos no projeto político do Terceiro Mundo disputavam os sentidos políticos das Nações Unidas e contestavam a presença das desigualdades sociais e do colonialismo, permitindo o avanço de iniciativas para regulação das empresas transnacionais.

Assim como Allende caiu no golpe de 1973, os demais governos progressistas foram sufocados pelo avanço da onda neoliberal no mundo. Na América Latina, a crise da dívida externa foi asfixiando as economias nacionais e estrangulando governos. Com isso, os espaços do multilateralismo foram cada vez mais ocupados pelo imperialismo norte-americano.

Já em 1999, havia um consenso do papel que as corporações tinham no rumo do desenvolvimento, firmado no Pacto Global. Esse foi apenas o primeiro passo na colonização do imaginário das empresas como atores-chave do desenvolvimento. Dessa forma, expandiu-se a crença de que as empresas transnacionais já não seriam parte do problema das violações aos direitos humanos, mas que teriam as soluções a elas. Por isso, a aposta por mecanismos de voluntariedade ao invés de marcos normativos que responsabilizem as empresas.

Em 2011, esse ideal se consolidou com a edição dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, o chamado Marco Ruggie. Somente em 2014, com a presença de governos progressistas na América Latina no Equador, Bolívia, Venezuela, e na África, especialmente na África do Sul, retoma-se as críticas à atuação das empresas transnacionais. O resultado foi a aprovação da Resolução 26/9 que cria o Grupo Intergovernamental para a construção de um Tratado Juridicamente Vinculante sobre Empresas Transnacionais.

Entre as várias sessões, incluindo ofensivas de boicote, chegamos na 9ª reunião do Grupo de Trabalho, que acontece nesta semana. Dessa vez, é a presidência do grupo, o Equador, que conduz, de maneira arbitrária e sem transparência, para o esvaziamento do conteúdo do texto. Nos últimos anos, o Equador tem cumprindo o papel de retirar conteúdos considerados pelos movimentos sociais e comunidades atingidas como fundamentais para a proposta, tais como a previsão de obrigações diretas às empresas transnacionais pelas violações aos direitos humanos; o foco nas empresas transnacionais; a previsão de uma Corte Internacional. Em sua última movimentação, apresentou um novo borrador para a negociação no qual, de forma antidemocrática, aceita sugestões de determinados países e exclui de outros, sem qualquer justificativa.

Segundo a Campanha Global pelo Desmantelamento do Poder Corporativo e pela Soberania dos Povos, é preciso focar na atuação das empresas transnacionais, as quais são responsáveis por gerir uma escala global de impunidade, não havendo normas internacionais que as responsabilize. Essas empresas se beneficiam da falta de normativas para promover uma violação estrutural aos direitos humanos. Para a Campanha, é importante inverter a lógica atual do lucro sobre a vida, afirmando a primazia dos direitos humanos frente aos acordos comerciais e de investimento e ao direito econômico. Os anos de voluntariedade não produziram modificações na efetivação dos direitos humanos. Empresas seguem violando, mesmo com suas certificações, relatórios de sustentabilidade, diretrizes e mecanismos de devida diligência. Assim, é preciso equiparar as forças, por isso, avançar para regras para empresas transnacionais.

Movimentos populares e a sociedade civil brasileira estão interessados em visualizar as posições do governo brasileiro. Até agora, o Brasil compôs o Grupo sem apresentar contribuições relevantes às negociações. Inclusive, nos anos pós-golpe e de governo Bolsonaro, a postura foi de cerceamento da presença e atuação da sociedade civil durante as negociações. Além de comentários vexatórios sobre aspectos de gênero no texto. Existem altas expectativas, que durante o Governo Lula, o país possa ter uma postura mais atuante, tanto na abertura para construção com a sociedade civil como num texto que supere a arquitetura da impunidade corporativa efetivamente.

Recentemente, o Ministério das Relações Exteriores recebeu lideranças da Campanha Global e suas propostas para o Tratado. Continua, em aberto, quais delas serão incorporadas nas negociações, e como o ministério dará continuidade aos diálogos com as comunidades, a sociedade civil e os movimentos populares.

No cenário nacional, o Ministério dos Direitos Humanos tem realizado debates sobre o PL nº.572/2022, que versa sobre direitos humanos e empresas, sinalizando a importância de avançar em marcos normativos. Muito embora sua gestão ainda seja marcada por um intenso diálogo com mecanismos como o Pacto Global e empresas. Resta saber qual será a postura do ministério e como influenciará nas negociações do Tratado.

As atuações do governo em espaços internacionais repercute com falas históricas sobre o combate às desigualdades, a preservação do meio ambiente, a proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como a aproximação Sul-Sul. Vale ressaltar, nas últimas semanas, o papel desempenhado pelo Brasil na busca por um cessar-fogo na faixa de Gaza, dentro do Conselho de Segurança da ONU.

E sobre esse tema, não podemos deixar de mencionar que dentre as principais empresas transnacionais está a indústria armamentista, uma das maiores consumidoras de minerais, por exemplo. Há tempos, campanhas como a do Movimento BDS denunciam a atuação dessas corporações nos territórios ocupados. No caso da Palestina, empresas como G4S, de Israel, utilizam o conflito como laboratório de práticas, que depois serão vendidas para gestão de presídios, construção de muros e empresas de segurança privada. Dificilmente, essas empresas são responsabilizadas pelo seu papel nos conflitos.

Inclusive, a Palestina é uma das nações mais aguerridas na defesa dos direitos dos povos nas negociações do Tratado. Em 2022, a representação Palestina defendeu firmemente a participação da sociedade civil e a continuidade das negociações sobre o texto acumulado ao longo dos anos. Em meio à grave situação de violência humanitária de Israel contra a Palestina, certamente este será um tema que virá à mesa na 9ª Sessão; esperam-se manifestações de solidariedade internacionalista das organizações presentes, assim como as discussões das transnacionais de segurança na Palestina.

Recordamos a Resolução 31/36 do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que determinou um estudo sobre a atuação de empresas na faixa de Gaza, e os resultados corroboram com sua cumplicidade com esse crime contra o povo palestino. No entanto, o sistema internacional de proteção aos direitos humanos segue fazendo vista grossa à Israel, por pressão dos EUA (Estados Unidos).

Regular o poder corporativo é uma necessidade para continuidade das formas de vida na Terra, sejam humana, animal, vegetal. As corporações, em sua regulação privada, não conseguiram superar os problemas que elas mesmas causam. Esse caminho já foi experimentado e não deu resultados. É hora e momento de experimentarmos uma via de controle e de responsabilização, sob pena de nos aprofundarmos ainda mais nas mazelas do capitalismo.

Direitos para os povos, regras para as empresas!

Edição: Rodrigo Durão Coelho

* Artigo publicado originalmente em https://www.brasildefato.com.br/2023/10/25/as-negociacoes-de-um-tratado-sobre-empresas-transnacionais-e-direitos-humanos-na-onu

Tratado Vinculante internacional na ONU e PL 572/2022 no Brasil: a luta para responsabilizar empresas transnacionais por seus crimes


Nas últimas décadas, o neoliberalismo impôs ao mundo uma profunda desregulamentação,
promovendo o desmonte de políticas públicas sociais gestadas pelo Estado para as populações mais empobrecidas, e a ampliação dos negócios das empresas transnacionais do centro do sistema capitalista, no Norte global, para todos os continentes. Comunidades, as populações nos países e trabalhadores tiveram direitos retirados e são constantemente desrespeitados; territórios e meio ambiente foram e ainda são explorados e, muitas vezes, destruídos. Tudo para que as grandes corporações continuem lucrando muito.

Esse processo foi intenso em países da periferia do sistema capitalista, os do Sul Global, onde está o Brasil, que sofre com a superexploração e genocídios em larga escala, enquanto os países centrais seguem enriquecendo. Para atender aos interesses das transnacionais, criou-se uma série de mecanismos econômicos, jurídicos e governamentais que protegem as operações dos investidores. Entre eles estão os acordos de livre comércio, tratados de proteção ao investimento e mecanismos de resolução de litígios entre investidores e Estados. Ao mesmo tempo, não existem marcos normativos internacionais e nem no Brasil que responsabilizem as grandes corporações pelos crimes e violações que cometem. Essa engrenagem é o que chamamos de arquitetura da impunidade, criada para proteger os lucros das empresas transnacionais (ao custo da vida das pessoas e do meio ambiente saudável) e evitar que as corporações sejam punidas em sua busca incessante por dinheiro e poder.

Por isso se discute, desde os anos 1970, junto à Organização das Nações Unidas (ONU), a proposta de um Tratado Vinculante de Direitos Humanos e Empresas que responsabilize as empresas transnacionais, faça a reparação integral às comunidades e povos atingidos e promova garantias para evitar que as corporações repitam seus crimes. Mas somente em 2014, após décadas de luta da sociedade civil articulada na Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade, conseguimos que o Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) criasse um Grupo de Trabalho Intergovernamental de Composição Aberta (OEIGWG) para negociar e redigir um Tratado Vinculante internacional para responsabilizar, de fato, as empresas transnacionais.

É verdade que a ONU já tinha dado alguns passos nesse debate sobre Direitos Humanos e Empresas três anos antes, em 2011, quando adotou os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, mas consideramos insuficientes. Essa diretiva é baseada no voluntarismo empresarial. Ao longo dos anos, foram se consolidando, nos países, marcos baseados nesses princípios, como os Planos Nacionais de Ação e, mais recentemente, a devida diligência, processo em que as próprias empresas devem tomar medidas para evitar (e, caso ocorram, para mitigar) danos ambientais e às comunidades em consequência de suas atividades econômicas. O que não acontece, e quando ocorre, é de forma injusta, sem reparar os prejuízos das populações e dos países atingidos.

Aqui no Brasil, vivenciamos situações que comprovam que o voluntarismo empresarial não funciona. Em Novembro, completará 8 anos do rompimento da barragem de rejeitos de mineração em Mariana, em Minas Gerais, e os atingidos brigam até hoje pela devida responsabilização das mineradoras e empresas envolvidas na atividade. Além disso, as mineradoras não revisaram suas medidas de prevenção e de segurança, e a tragédia de Mariana, em 2015, repetiu-se quatro anos depois com o rompimento da barragem de rejeitos na cidade de Brumadinho (MG), que teve impacto ainda maior. Os dois crimes envolvendo as empresas VALE, Samarco e BHP Billiton resultaram em quase 300 pessoas mortas e comunidades e meio ambiente destruídos. Outras situações também são marcadas pela impunidade, como o despejo forçado de moradores para a ampliação do aeroporto em Porto Alegre (RS) pela empresa alemã Fraport e os inúmeros casos de trabalho precarizado em todo o país praticado por empresas que, inclusive, integram o Pacto Global da ONU no Brasil.

A Campanha Global e nós, Amigas da Terra Brasil, apostamos no Tratado Vinculante internacional junto à ONU para responsabilizar as empresas transnacionais por seus crimes socioambientais, garantindo as indenizações necessárias e resguardando os direitos das comunidades atingidas em todo o mundo. Apenas um mecanismo sério e efetivo de cobrança, que convoque as partes envolvidas a responder por seus atos, pode impedir que os direitos dos povos sejam desrespeitados, promovendo a vida.

A Campanha Global construiu uma proposta de texto para o Tratado Vinculante, o Tratado Azul, que foi entregue ao GT Intergovernamental da ONU em 2017, o qual se contrapõe aos marcos voluntaristas por priorizar os direitos humanos acima de qualquer acordo de comércio ou de investimento (o que se chama de primazia no Direito Internacional). A proposta da sociedade civil aborda essa questão diretamente na economia, no que se refere às cadeias globais de produção das indústrias e empresas, e na Justiça nos tribunais dos países, sugerindo até mesmo a instituição de um Tribunal Internacional de Corporações Transnacionais e Direitos Humanos com a competência para receber, investigar, julgar e executar decisões.

As organizações da Campanha Global também buscam o apoio de parlamentares de seus países para o estabelecimento do Tratado Vinculativo junto à ONU. Até o momento, conseguiram a adesão de 246 parlamentares; desses, 14 são brasileiros.

No final de Outubro, entre os dias 23 a 27, estaremos participando da 9ª Sessão de Negociações na sede da ONU em Genebra, pressionando para que o tratado avance realmente. Acompanhe o site e as redes sociais da Amigas da Terra Brasil para mais informações 

Um Tratado Vinculante internacional poderia até mesmo contribuir em responsabilizar as empresas transnacionais que financiam e acabam perpetuando a violação de direitos humanos em território palestino, como explica Andressa Soares, do Movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções):


PL 572/2022 quer responsabilizar empresas nacionais e estrangeiras por direitos violados no Brasil 

Ao mesmo tempo em que pressionam pelo Tratado Vinculante em nível internacional, as organizações que compõem a Campanha Global articulam a criação de leis nacionais para reforçar o tratado junto à ONU. No Brasil, foi protocolado, no ano passado, o Projeto de Lei 572/2022, que cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. O PL foi apresentado pelos deputados federais na época Helder Salomão (PT/ES), Áurea Carolina (PSOL/MG) e Fernanda Melchionna (PSOL/RS), articulado com organizações e movimentos sociais, pesquisadores, universidades, assessores jurídicos populares, ambientalistas e comunidades atingidas, especialmente de Mariana e Brumadinho (MG). 

Atualmente, o PL 572/22 tramita na Câmara dos Deputados. Se aprovado no Congresso Nacional, será a primeira lei com este teor em todo o mundo. A lei marco avança para a responsabilização de empresas nacionais e estrangeiras com atuação no país por violações aos direitos humanos, reconhecendo obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelecendo, ainda, medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.

A aprovação do PL 572/22, um projeto constituído a partir dos atingidos pelas violações de direitos, também questionaria a arquitetura da impunidade e o poder corporativo das grandes empresas, que precisam urgentemente ser desmantelados.

A presidenta da Amigas da Terra Brasil, Letícia Paranhos, participou de um seminário virtual promovido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) sobre o PL. E em breve estará nas negociações da ONU, em Genebra, sobre o Tratado Vinculante. Confira sua manifestação no seminário no vídeo abaixo e saiba mais sobre a importância do projeto de lei e de um Tratado Vinculante para garantir direitos para os povos e regras para as empresas: 

Amigas da Terra Brasil

‘Não basta nos unirmos, devemos caminhar juntos’: pensar a integração e a soberania dos povos

 

As últimas semanas têm sido intensas na relação entre o governo e o Congresso Nacional. A direita se mostrou muito bem organizada na Câmara dos Deputados e disparou uma ofensiva contra o governo na aprovação de mudanças na estruturação dos ministérios, especialmente no esvaziamento das competências dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. O clima do Congresso esquentou a pressão sobre o governo federal, exigindo maior concessão de espaço político para a direita conservadora. A bancada progressista enfrentou inúmeros desafios para barrar retrocessos, sofrendo derrotas na votação.

O ataque também ocorreu contra os movimentos e organizações populares. Isso se deu por meio da aprovação de duas Comissões Parlamentares de Inquérito: a do MST e a das ONGs, por meio das quais a direita pretende desgastar a imagem da luta social. Não podemos deixar de mencionar ainda a aprovação do PL 490/2007, que trata da tese do marco temporal para demarcação dos territórios indígenas na Câmara Federal. O projeto promove uma verdadeira destruição dos direitos constitucionais dos povos indígenas aos seus territórios.

A direita e as elites brasileiras não querem perder suas margens de lucro e pretendem desgastar a imagem do governo, inviabilizando que as propostas de campanha de Lula sejam implementadas. Isso nos coloca em um movimento mais amplo de resistência ao neoliberalismo em nossa região. Desse modo, a derrota das forças conservadoras está intimamente articulada às lutas anti-imperialistas. Em um contexto de intensa disputa da hegemonia global, as potências imperialistas buscam reforçar o domínio sob a região latino-americana e caribenha, impedindo que uma nova onda progressista se fortaleça. Assim, a elite brasileira não pretende abrir mão de seus privilégios e distribuir o mínimo de direitos, por isso está alinhada com os interesses das empresas transnacionais e das potências colonialistas, é comprometida com um projeto político de continuidade da extração de valor da nossa região para os países do capitalismo central.

Obviamente que as lideranças políticas da região estão atentas às movimentações do cenário internacional. Por isso, Lula convocou, na última semana, o “retiro” de presidentes da região, em Brasília. No centro da discussão, estiveram propostas de cooperação e de integração da América do Sul. Em Carta Final,  os chefes anunciaram promover uma cooperação voltada à superação das vulnerabilidades e manter um calendário de encontros. Na oportunidade, Pepe Mujica, liderança uruguaia, enviou uma carta a Lula sugerindo que os erros do passado não se repitam e que sejam construídos projetos de integração com os povos, conclamando que os líderes não apenas estejam unidos, mas caminhem juntos.

Jornadas Continentais: um lugar para repensar a integração regional

Nos anos 90, os povos organizados da América Latina resistiram ao Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), que determinava o aprofundamento da subordinação dos países da região ao imperialismo norte-americano. Essa articulação venceu a iniciativa de aprofundamento da dependência, deixando um legado de organização popular e de integração de mobilizações que alimentou as lutas populares.

Em 2015, inspirados nessa luta, se funda a “Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo” em Havana, em Cuba. A Jornada Continental é composta por diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, que têm construído lutas locais, regionais e globais como frentes ao avanço do neoliberalismo, dos ataques à democracia e da retirada dos direitos dos povos da América Latina e do Caribe.

Reunidos em Brasília na semana passada, movimentos e organizações fizeram um balanço das jornadas. Para Nalu Farias, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), o avanço da direita na desestabilização da democracia trouxe muitas reflexões e aprendizados à esquerda, num cenário mais difícil “porque estávamos num contexto mundial de agudização do contexto capital x vida, em que cada vez mais esta ganância, esta força extrativista, neocolonial, se impunha com mais força, com muita perseguição aos movimentos e lideranças”, aprofundando, opinou ela, uma racionalidade conservadora.

Juma Xipaia, secretária de Articulação e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas, também esteve presente na reunião. Ao abordar sobre os ataques aos direitos indígenas, afirmou: “nós jamais vamos recuar, abaixar a cabeça. Jamais iremos negociar os nossos direitos, tampouco os territórios”. A liderança convidou a refletir sobre a integração latino-americana e do Caribe na percepção de como “tudo está conectado”, explicando que as barreiras, fronteiras e delimitações territoriais são uma criação que podemos transcender.

Na mesma esteira da ancestralidade, Juan Almendares, da Amigos da Terra Honduras, refletindo sobre o bloqueio político e econômico da Venezuela, Nicarágua, Cuba e Honduras, aponta um caminho de luta que envolve ciência, poesia, técnica e ética, sobretudo uma ética de consciência anticapitalista e anti-imperialista. Para ele, em nossa região, as respostas aos nossos problemas podem ser encontradas em nosso passado ancestral.

Um dos temas de ênfase da articulação foi o enfrentamento ao poder corporativo. As organizações integrantes da Jornada estão envolvidas na construção de marcos normativos vinculantes para responsabilização das empresas transnacionais pela violação aos direitos humanos, como o Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos junto ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), e o PL nº. 572/2022, que cria a lei marco brasileira sobre direitos humanos e empresas.

 


Em Brasília, Jornada Continental entregou, ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, as demandas dos povos por um instrumento que possa acabar com a impunidade corporativa / Edgardo Mattioli/Radio Mundo Real

 

Aproveitando a presença em Brasília, a Jornada mobilizou os parlamentares brasileiros para aderir a este movimento global. No âmbito internacional, existe a Rede Interparlamentar Global (GIN, sigla em inglês), na qual se engajam parlamentares comprometidos com a perspectiva de responsabilização das corporações. Na semana passada, 10 parlamentares brasileiros ingressaram na rede. Sobre a rede, Reginete Bispo, deputada federal pelo Rio Grande do Sul (RS), mencionou: “o capitalismo transnacional tem como base a supremacia. O centro do ataque somos mulheres negras e povos originários. Vamos nos articular e construir a integração regional para defender os povos indígenas, quilombolas e as mulheres da periferia”.

A Jornada Continental, em sua proposta política, entende que a integração e a cooperação regional devem ser pensadas a partir das necessidades dos povos para viver com dignidade, como o acesso à saúde, educação, trabalho e infraestrutura. Em suas declarações, defende a importância de investimentos públicos em projetos alternativos de desenvolvimento, de bases mais solidárias e cooperativas, que atendam à preservação das formas de produção da vida integradas a um respeito aos bens comuns, como as formas de viver dos povos indígenas.

Na Declaração final do encontro da Jornada, os movimentos destacam a importância da reunião da cúpula do poder da região em Brasília. Segundo a carta, vivemos um momento em que a retomada institucional de um projeto de integração regional, de organização da resistência à ofensiva conservadora, está no centro da agenda política. No entanto, o envolvimento das bases, dos povos, no processo será decisivo para os rumos, tal como as palavras de Pepe Mujica: “não há cúpulas sem montanhas nas quais se apoiar, e essas montanhas são os povos”.

Por muito tempo, as montanhas foram o habitar das forças de resistência às ditaduras e aos autoritários, atuaram como espaços da gestação de projetos de libertação regional. Este movimento promoveu uma junção simbólica entre povos e montanhas. Assim, na esteira de Mujica, se queremos que nos próximos anos as Cúpulas atuais estejam no poder, que não tenhamos que enfrentar novos movimentos fascistas na região, precisamos trabalhar na construção sólida das montanhas, tendo uma base popular que sustentará as transformações urgentes e necessárias que precisamos.

*Conteúdo publicado na íntegra no Jornal Brasil de Fato, em https://www.brasildefato.com.br/2023/06/07/nao-basta-nos-unirmos-devemos-caminhar-juntos-pensar-a-integracao-e-a-soberania-dos-povos

COP 27 encerra com acordo sobre fundo de ‘perdas e danos’, mas sem uma definição formal para reduzir o uso de combustível fóssil

Apoio financeiro para países em desenvolvimento impactados pelas mudanças climáticas é considerado acordo histórico, mas contém cascas de banana.

As divergências entre países para completar o texto final das negociações impediram que a 27ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, em Sharm El-Sheikh, no Egito, acabasse na sexta-feira (18), data prevista para o encerramento do encontro. A plenária final ficou para a manhã de domingo, dia 20. A dificuldade para definir acordos tem feito com que as discussões sobre o regime climático avancem para além dos dias programados para o evento, e já se tornou uma “tradição” das Conferências. Em 2022, estiveram no centro dos debates agendas há muito reivindicadas pelos países do Sul global, os que menos contribuíram historicamente para as mudanças climáticas e os que mais são afetados por elas: Financiamento, Adaptação, Perdas e Danos. A divergência está em quem paga a conta pelas mudanças climáticas, isto é, os países ricos maiores causadores do problema, ou aqueles que já estão sofrendo com os impactos das mudanças climáticas.

O texto final da COP 27 foi divulgado com progresso sobre perdas e danos. Além de a pauta ter sido incorporada à agenda do evento (uma luta até o último minuto), as nações com altas emissões concordaram com a criação de um fundo de financiamento para perdas e danos. A decisão, considerada histórica, foi recebida sob aplausos na sala de conferências. No entanto, o evento foi encerrado sem informar qual será o valor destinado ao fundo, nem as metodologias que serão usadas para captar recursos e operacionalizar o fundo, o que deve acontecer no próximo ano, quando deve ser apresentada a regulamentação do Fundo. O que, sim, já sabemos é que o documento final prevê um papel especial para a iniciativa privada e para a filantropia climática, em uma articulação com os bancos multilaterais de desenvolvimento e grandes investidores institucionais.

A cooperação oficial internacional para o desenvolvimento, já há muitos anos cambaleante, torna-se definitivamente fora de moda. No horizonte, já não mais estão os empréstimos entre países a juros baixíssimos, muito aquém dos praticados no mercado de capitais, ou mesmo a fundo perdido. Estamos diante de uma transformação da macrofinança global, por meio da qual o desenvolvimento deve se tornar lucrativo para quem o financia. O esforço de reconstrução de países vitimados por eventos climáticos extremos fica refém do sistema financeiro, uma vez que essa agenda histórica (e tão demandada pelos países em desenvolvimento) vai sendo descaracterizada pela entrada de empresas seguradoras e dos grandes investidores cujo interesse está no lucro e não na vida das pessoas. Por isso, fica ambígua a designação de quais países irão realizar repasses para este fundo, se farão esses aportes ou se vão transferir para a iniciativa privada essa responsabilidade, e qual o montante, sinalizando que a definição pode ficar apenas para a COP 28, que ocorrerá em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Outro resultado importante das negociações foi a entrega do arcabouço geral para a implementação dos mercados de carbono, estabelecidos no art. 6 do Acordo de Paris. O grupo negociador conseguiu entregar resultados para os três parágrafos cruciais desse item da agenda: o 6.2, que estabelece os parâmetros para compensação de poluição entre os países por meio de “abordagens cooperativas”; 6.4, que trata dos antigos projetos de desenvolvimento limpo ou sustentável; e o 6.8, que aborda mecanismos de não-mercado. No primeiro item, causa estranheza a possibilidade de que os países definam como sigilosas as informações de compensação de poluição, ferindo o princípio de transparência e abrindo para possibilidades de dupla contagem; no segundo, permanece ambígua a relação entre os mecanismos 6.2 e 6.4, tal qual instituída pela figura da “autorização” necessária, outorgada pela autoridade pública, para o uso do crédito de carbono pelo mercado voluntário, favorecendo, assim, a maquiagem verde de governos e empresas; e, no terceiro item (6.8), a disputa entre a criação de uma plataforma para facilitar a correspondência entre demanda e oferta de meios de implementação (ou seja, financiamento, capacitação e transferência de tecnologia) ou de uma abordagem holística para o instrumento de não-mercado foi decidida em favor da primeira.

É importante ressaltar que tudo isso acontece em um contexto em que os governos aceleram a aprovação de regulações nacionais para os mercados de carbono, muitas vezes, sem escutar os sujeitos políticos mais vulneráveis a esse tipo de falsa solução climática. No Brasil, as florestas entraram para esse mercado, por meio do modelo de concessões, o que significa a contratação por parte do Estado brasileiro de empresas para realizar a gestão florestal. Vale lembrar dos programas já em andamento, como o Adote um Parque e o programa de estruturação de concessões de parques via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Já encontra-se em discussão no Congresso Nacional a aprovação de um projeto de lei que visa “desburocratizar” a concessão florestal no país, com isso, acelerando a transferência de terras da União para a administração privada, que poderá explorá-la economicamente, em particular, por meio de projetos de captura de carbono e serviços ambientais.

Durante a COP 27, o Grupo Carta de Belém, em conjunto com outras redes e movimentos sociais, lançou um posicionamento contrário à inclusão de florestas nos mercados de carbono, por entendermos que esse modelo de comercialização de créditos de poluição abre espaço para graves violações de direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e rurais, em uma conjuntura em que as instâncias de monitoramento e controle contra crimes ambientais foi desmontada pela gestão Bolsonaro-Salles-Leite.

Enquanto as florestas tropicais do mundo vão consolidando a sua posição como instrumentos da política de mitigação climática global por meio da lógica de compensações e net-zero, a posição contrária da comunidade internacional contra os combustíveis fósseis sofre retrocede a olhos vistos. A realização de uma COP no terceiro maior produtor de petróleo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), é símbolo da conjuntura em que vivemos. O documento final peca pela falta de ambição nas ações de mitigação e por não abordar a causa do aquecimento global de maneira significativa: eliminar gradualmente a indústria de combustíveis fósseis. Com a pressão de China e Índia para que os países ricos assumissem um maior compromisso com financiamento para os países em desenvolvimento, em troca, manteve-se a decisão fraca de Glasgow (COP 26).

Em vez de mudar a linguagem adotada naquele momento para uma mais ambiciosa em relação a transição para energias renováveis, o altamente poluente carvão seguiu ocupando a posição de “energia de transição” para diminuir (não eliminar) o uso de combustíveis fósseis. A questão é séria e, como viemos afirmando, o problema não será sanado enquanto seus causadores sentam à mesa para negociar quanto tempo ainda tem para estender seus lucros com uma “compensação” nos países do Sul global. Mais uma vez o distanciamento entre as reivindicações da sociedade civil organizada e as negociações torna a COP um espaço de convergência climática hermética para países e empresas poluidoras.

Já batemos a marca de trinta anos de regime climático e 27 COPs. Até hoje não houve um acordo formal para reduzir o uso de combustível fóssil no mundo. Enquanto isso, as emissões continuam a subir e a meta de limitar as temperaturas a 1,5°C segue distante.  A verdade é que o acordo final ficou aquém do que a emergência exige. A sociedade civil global ainda terá muito trabalho pela frente. Além de continuar pressionando pela eliminação do uso de combustíveis fósseis e a adoção de fontes renováveis de energia, com atenção aos princípios de uma transição justa, será necessário criar capacidades para disputar o novo vocabulário das finanças verdes que entra com tudo na disputa pelo direcionamento do regime climático global.

Uma transição justa precisa contar com a participação de trabalhadores e trabalhadoras e comunidades atingidas

Frente às dificuldades de avançar com uma transição de matriz energética, para enfim eliminar o uso de combustíveis fósseis, é essencial que seja elaborada como se dará a transição no mundo do trabalho, de modo a garantir uma transição justa para todos. O Acordo de Paris, de 2015, menciona o termo “transição justa” como um reconhecimento de que os governos precisam levar em consideração a força de trabalho durante o processo de transição para uma economia verde.

Entre outros pontos que merecem destaque no Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh, se encontra o reconhecimento da necessidade do diálogo social significativo e eficaz para uma transição justa real através da participação das partes impactadas no processo de transição global, entre elas a força de trabalho. É preciso levar em conta que por trás dos números, há pessoas, que hoje desenvolvem trabalhos que poderão entrar em defasagem, mas que precisam ser incorporadas a este novo mundo do trabalho.

A transição justa tem sido a bandeira principal do movimento sindical nas negociações. O texto final ter incorporado a garantia da proteção social para mitigar os impactos do processo é um ganho importante para o mundo do trabalho, que já está sendo atingido pelas mudanças. Um desafio que se aponta agora é o de incorporar a transição justa nos planos nacionais, de forma cada vez mais explícita e com participação de trabalhadores e trabalhadoras e comunidades atingidas.

Artigo publicado originalmente no site do Grupo Carta de Belém, no dia 23 de novembro de 2022.  

8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante na ONU: “Tratado Azul” é defendido pelas organizações e comunidades para responsabilizar as transnacionais


#RegrasParaAsEmpresas #DireitosParaOsPovos

Neste ano de 2022, a Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade, uma coalizão com mais de 200 organizações, movimentos, sindicatos  e comunidades atingidas de todo o mundo, comemora 10 anos. Por meio deste espaço, do qual integra a Amigos da Terra, os participantes incidem de forma organizada e forte nas negociações do Tratado Vinculante para regular as Empresas Transnacionais em matéria de Direitos Humanos na ONU (Organização das Nações Unidas). Também aprofundam a solidariedade, o apoio entre as diferentes lutas contra as transnacionais e a construção do direito internacional a partir de baixo.

Juntos na Campanha Global, as organizações, movimentos e comunidades atingidas construíram o Tratado Azul, que é a proposta de texto desta coalizão para o Tratado Vinculante junto à ONU. Este documento foi apresentado pela Campanha Global em 2017 ao OEIGWG (por sua sigla em inglês, Grupo de Trabalho intergovernamental de composição aberta, que discute e redige o tratado). Desde então, os integrantes têm contatado governos para entregar o Tratado Azul e discutir as suas propostas, a fim de que também sejam assumidas e defendidas pelos países. 

A caminhada não tem sido nada fácil. A coordenadora da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos, comenta que o GT já está redigindo o terceiro rascunho do texto do Tratado Vinculante e critica que o instrumento está cada vez mais esvaziado, deixando de responsabilizar as empresas pelos crimes cometidos. “Também em 2017, a presidência do GT estava com o Equador, país que tinha um governo progressista na época, que apresentou um documento de elementos para ser a base para a negociação. Nós da Campanha Global percebemos que havia espaço para avanços da sociedade civil e das comunidades atingidas e entregamos o Tratado Azul. No entanto, houveram mudanças na linha política do governo, alinhando-se com o neoliberalismo e, desde então, as negociações do Tratado Vinculante têm regredido a fim de atender os interesses das empresas transnacionais e de governos comprometidos com elas”, diz.

Tratado Azul: propostas da Campanha Global para responsabilizar as transnacionais e reparar as comunidades atingidas

Para marcar seus 10 anos e reforçar seu posicionamento na 8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante, que ocorre nesta semana na sede da ONU em Genebra, na Suíça, a Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade lançou um material em que explica 7 pontos-chave defendidos no Tratado Azul.

Clique na imagem abaixo para acessar a cartilha da Campanha Global:

O primeiro ponto-chave é o alcance  do Tratado Vinculante. Na visão da Campanha Global, o tratado tem que respeitar a resolução que criou o GT, que é voltado para regular as empresas transnacionais ou de caráter transnacional. “É um ponto chave porque acreditamos que se o documento não for centrado nas transnacionais, vai se tornar ineficaz porque esta é justamente a falha no Direito Internacional, em que são as transnacionais que encontram vazios legais para violar”, avalia a coordenadora da Amigos da Terra, Letícia Paranhos. 

Outra questão muito cara é a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de livre comércio no Direito Internacional. Isso porque as normas comerciais têm prevalecido frente aos direitos dos povos, fazendo com que muitos países sejam processados por empresas transnacionais por fazerem cumprir direitos, como acesso à saúde.

O terceiro ponto-chave é o estabelecimento de  obrigações diretas para as empresas. “Entendemos que se o documento é justamente para responsabilizar as empresas, não faz sentido criar obrigações apenas para os Estados. As transnacionais violam direitos dos territórios, então é imprescindível ter obrigações para elas também”. Paranhos contou que a Campanha Global tem debatido, com os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras, a necessidade de colocar no texto do Tratado Vinculante a responsabilização das empresas em crimes e irregularidades cometidas também na cadeia global de produção. “No Tratado Azul, entendemos que a responsabilidade da violação tem que ser da empresa matriz. Não importa se é uma terceirizada ou quarteirizada, quem tem maior lucro e gestiona as demais empresas é a matriz, que em geral está localizada no Norte Global”, argumenta.

Outro ponto-chave destacado por Paranhos é a criação do Tribunal Internacional sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos, para que as comunidades atingidas e os Estados possam demandar as empresas. Atualmente, existe uma corte arbitral sediada no Banco Mundial, mas para defender os interesses das empresas. Por exemplo, se em um acordo de livre comércio as empresas entenderem que uma política pública está prejudicando seus negócios, podem demandar os Estados nesta corte. No entanto, o contrário não é permitido.

O Tratado Azul também defende os Direitos das Comunidades Atingidas, buscando avançar no direito internacional para reconhecer a importância do protagonismo das pessoas e comunidades afetadas na condução dos processos de prevenção e reparação.

A Campanha Global se preocupa, ainda, que o Tratado Vinculante traga mecanismos que evitem a captura corporativa por parte das empresas sobre os espaços democráticos. “Não podemos imaginar que as empresas que violam direitos humanos, além de não estarem submetidas a nenhum procedimento de legitimidade democrática, estejam dirigindo as negociações”, aponta Paranhos.

Neste vídeo, a coordenadora de Justiça Econômica da Amigos da Terra Internacional (ATI) e integrante da Amigos da Terra Brasil (ATBr), Letícia Paranhos, fala sobre a importância da coalizão da Campanha Global e das propostas das organizações e das comunidades trazidas no Tratado Azul:

Vídeo da coordenadora Letícia Paranhos em que faz um breve balanço sobre a 8ª Sessão de Negociações:

8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante na ONU: os 10 anos da Campanha Global

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