#8M em Porto Alegre: Na luta pela vida e pelos direitos das mulheres

Chamamos a todas companheiras, companheires e companheiros para tomarmos às ruas na quarta-feira, 8 de março, fazendo ecoar nossas reivindicações políticas e a centralidade das mulheres nas lutas. Marchamos em não ao sistema capitalista, patriarcal e racista, que se sustenta via o ódio e a violência sistemática contra as mulheres.

Em Porto Alegre (RS), uma série de atividades marcarão a data. Entre elas, das 7h às 9h haverá denúncia de ameaça de rompimento da Barragem na Lomba do Sabão e Ato Ecumênico de denúncia do feminicídio de Débora Moraes, militante do Movimento Atingidos e Atingidas Por Barragens (MAB). Às 10h, a violência contra as mulheres e os desmontes das políticas públicas serão debatidos em Audiência Pública, no Plenarinho. E a partir das 17h começa concentração na Esquina Democrática para encerrar a data em ato unificado do #8M 2023, que começa às 18h.

Após quatro anos de Governo de Jair Bolsonaro, finalmente é possível respirar. O ódio do ex-presidente contra as mulheres e pessoas oprimidas, em especial aquelas que pertencem à classe trabalhadora, resultou em aumento do desemprego, da fome, do endividamento, da miséria, da violência física e psicológica, do extermínio de indígenas, do culto às armas, de chacinas nas comunidades negras e da perseguição às mulheres e crianças vítimas de estupro, além do desprezo pela vida das vítimas da COVID. Apesar de tudo, sobrevivemos! Não é possível permitir que aqueles que defendem a ditadura militar e a tortura, e que organizaram e financiaram a invasão dos três poderes em Brasília saiam impunes. A ação livre do Bolsonarismo ameaça a todas, e a prisão de Bolsonaro é urgente! Nesse #8M reivindicamos: #SemAnistia!

Desde o #EleNão, as mulheres foram incisivas na oposição e derrota de Bolsonaro, na defesa das liberdades democráticas e dos direitos e na vitória eleitoral de Lula. Mas a luta continua e é a hora de destruir todo o legado do golpe de 2016. Precisamos pôr fim à misoginia, racismo e à LGBTIA+fobia entranhados no Estado capitalista que destrói as políticas sociais tão necessárias às nossas vidas. É hora de ir além, de construir a transformação social que o Brasil tanto precisa.

Nossa luta é pelo fim do feminicídio, em defesa das liberdades democráticas, por nenhum direito a menos, pela revogação da lei de alienação parental, pelo combate à fome, por empregos, salários iguais entre gêneros, acesso à saúde, educação, moradia, alimento, água e energia a todas. Pelo perdão das dívidas de famílias empobrecidas. Pela revogação da reforma trabalhista, da previdência e do ensino médio, que nos impõe tantos retrocessos. 

Pela descriminalização e legalização do aborto e seu debate dentro da saúde pública. Em defesa do SUS e do SUAS. Pela educação sexual nas escolas para combater a violência de gênero. Por um programa nacional de habitação voltado a moradoras de áreas de risco e mulheres vítimas de violência doméstica e pela construção de casas abrigo para mulheres vítimas de violência.

Basta de violência! Pelo fim do feminicídio 

No primeiro semestre de 2022, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos registrou 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo a violência doméstica contra as mulheres. No Rio Grande do Sul uma mulher é agredida a cada 22 minutos, de acordo com dados de janeiro de 2023. Passados oito anos da promulgação da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, conhecida como Lei do Feminicídio, o assassinato de mulheres em situação de violência doméstica e familiar ou em razão do menosprezo ou discriminação à sua condição aumentaram no país. O Brasil bateu recorde de feminicídios, registrando 699 casos no primeiro semestre de 2022. Somos, há 14 anos, o país que mais mata pessoas trans; foram 131 em 2022. Prevenir e combater, sistematicamente, as diferentes formas de violência de gênero é dever do Estado, criando políticas públicas que dêem conta de erradicar a violência e acabar com o feminicídio. Queremos que o Estado tenha tolerância ZERO com os casos de violência doméstica e feminicídio e que criem ações para além do enfrentamento a violência, com políticas públicas no viés da transversalidade e que dêem conta das especificidades das mulheres.

Combate ao racismo

Ainda que todas nós mulheres estejamos expostas a essas violências, fica escancarado o racismo: as mulheres negras são 67% das vítimas de feminicídios e 89% das vítimas de violência sexual. As mulheres negras são as maiores vítimas também da violência urbana direta e indiretamente. A construção de uma sociedade feminista e antirracista é o caminho para que consigamos alcançar um país com justiça social e igualdade para todas, todes e todos. 

Urgente a revogação da Lei de Alienação Parental (LAP)

Desde a aprovação da LAP (2010) ocupamos o 5º lugar em feminicídios, há 13 anos em média quatro mulheres são assassinadas por dia e 80% das tentativas de feminicídios foram contra mães. Revogar essa lei misógina e punitivista para as mulheres/mães, que foi criada a partir de um conceito sem validade científica, é URGENTE. Precisamos banir e abolir este conceito que desqualifica e banaliza os testemunhos das vítimas mulheres/mães, obrigando a convivência com seus agressores. A violência é real: estuprador não é pai, agressor não é pai e violência não é vínculo.

Combate à fome, por empregos, salários iguais entre os gêneros e educação infantil

Existe uma diferença gritante entre homens e mulheres na questão da insegurança alimentar que se alastrou com a política assassina de Bolsonaro, em especial durante a Pandemia, fato este que colocou o Brasil de volta ao mapa da fome mundial. É necessário apoio à economia solidária, que tem papel central para uma nova economia, justa e livre da opressão capitalista. Sendo nós mulheres a principal fonte de renda da maioria das famílias trabalhadoras desse país, seguir existindo a diferença salarial entre homens e mulheres, e a diferença brutal se compararmos o salário entre homens brancos e mulheres negras, é contribuir para seguirmos vendo a desigualdade e a miséria aumentando. Além disso, é necessário que o Estado crie condições para que mães e pais possam trabalhar e isso passa por garantir vagas na Educação.

Inclusão e acessibilidade, acesso e permanência de mulheres na escola e na educação

O direito das mulheres com deficiência aos aspectos básicos da vida, como transporte (que é precarizado), acessibilidade e seu direito de ir e vir, que muitas vezes se torna uma situação perigosa, precisa ser garantido de forma plena. O acesso a oportunidades de trabalho e condições adequadas para poder executá-lo, direitos básicos para à sua sobrevivência e de sua família. As mães atípicas, muitas vezes sem uma rede de apoio, sem poder suprir as necessidades de seus filhos com deficiência, na luta para que tenham um atendimento adequado, acabam invisibilizadas, sem suporte, sem atendimento de saúde para si, acarretando em uma sobrecarga de trabalho e cuidados. Pelo direito dessas mulheres, mães/avós, muitas vezes sozinhas serem enxergadas e acolhidas pela sociedade. Pelo direito de permanecer na escola, seja mãe adolescente, seja uma chefe de família, incluindo aí, o direito dessas crianças à vaga nas escolas e creches. Pelo direito à educação, desde a educação infantil ao ensino superior, possibilitando o acesso ao conhecimento e a melhores oportunidades de trabalho e renda!

Confira o manifesto do #8mPOA aqui

Que horizontes são postos em debate para a região após a reunião da Celac

A integração latino-americana e caribenha é um projeto antigo, de longa caminhada. Desde as lideranças do haitiano Toussaint L’Ouverture no século XVIII, do cubano José Martí e do venezuelano Simón Bolívar no século XIX, lutas emancipatórias são travadas com o fim de construir soberania e autodeterminação para nossos povos. No nosso tempo, durante o final dos anos 90, a Revolução Bolivariana liderada por Hugo Chávez, e ao longo dos anos 2000, a emergência de diversos governos progressistas no Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Equador, Bolívia, Honduras, Nicarágua, El Salvador e a sempre histórica resistência cubana, fizeram avançar importantes agendas neste campo.

As lutas dos povos para derrotar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), projeto neoliberal formalmente abandonado em 2005 após a realização de um plebiscito popular continental, criaram pressão sobre os governos latino-americanos para avançar em outras iniciativas de diálogo e de relações com seus vizinhos. Neste cenário, em 2006, é fundada a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), uma proposta de Venezuela, Bolívia e Cuba, que trouxe radicalidade ao cenário de cooperação latino-americana. Não apenas uma aliança econômica; é que algo foi se definindo como um projeto para a América Latina a partir de sua própria história de resistência. Obviamente, a iniciativa incomodou muito os países interessados em continuar mantendo sua hegemonia na região, tal como foi, nos séculos anteriores, com as elites coloniais ou com o imperialismo norteamericano na época das ditaduras na região.

:: ‘Vocês fizeram falta, caro Lula’: primeiro-ministro alemão celebra ‘retorno’ do Brasil ao mundo ::

Rompendo o cerco, neste novo milênio, a mais importante iniciativa de integração regional se deu com a criação da Celac (Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos) em 2008. Composta por 33 países (exceto Estados Unidos/EUA e Canadá), com uma organização interna flexível, dedicou-se a refletir sobre os problemas candentes da região para construir um diálogo político entre os estados-membro a fim de promover a cooperação regional em diversas frentes, dentre elas energética, saúde e desenvolvimento sustentável. O Brasil dos governos Lula e Dilma promoveu a Celac como parte de uma política externa de estímulo às relações de cooperação Sul-Sul e com foco na promoção do desenvolvimento regional.

Já em 2020, com um discurso absolutamente senso comum sobre a Venezuela, Nicarágua e Cuba, o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, anunciou a saída do Brasil da Celac. O ministro, assim como todo o Governo Bolsonaro, assumiu um lugar subalterno para o país na inserção internacional, aceitando e reproduzindo a lógica imperialista norte-americana e, ao mesmo tempo, entreguista aos interesses neocoloniais comerciais da União Europeia, com o anúncio do fim das negociações do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia (UE), trancadas e mantidas longe do escrutínio público há mais de vinte anos.

:: Qual é a pequena ilha do Caribe, amiga de Cuba e Venezuela, que irá presidir a Celac? ::

A tragédia não foi só diplomática. Ao longo do Governo Bolsonaro, todos os projetos de integração regional foram sucateados. Propostas progressistas, como a Unila (Universidade da Integração Latino-Americana), foram desarticuladas diante do corte de verbas. O Programa Mais Médicos, que recebia os médicos cubanos no Brasil e ampliava as relações solidárias entre os dois países, foi encerrado, afetando o acesso à saúde de zonas remotas do Brasil. O acordo de cooperação que permitia que a população de Roraima acessasse energia elétrica por meio do fornecimento pela Venezuela, tendo em vista que o estado não está interligado à rede nacional, foi rompido, levando a apagões que precarizaram a vida da população e, logo, a que o Estado brasileiro gastasse mais dinheiro e emitisse mais gases de efeitos estufa pela produção de energia por meio da queima de óleo diesel.

Determinando uma nova política de relação para com os nossos vizinhos, o atual ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, anunciou já em 5 de janeiro o retorno do Brasil à Celac, comunicando a ruptura com a política externa anterior e informando da busca por uma maior parceria com os países da região. Nesse ritmo de inauguração das viagens diplomáticas internacionais, Lula chegou a Buenos Aires no dia 23 de janeiro, firmando três novos acordos de parceria comercial com a Argentina. Na oportunidade, os presidentes Alberto Fernández (Argentina) e Lula (Brasil) anunciaram a discussão da criação de uma moeda comum para a região. Já na abertura da VII Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da Celac, o retorno do Brasil foi motivo de calorosos aplausos, sinalizando que o país volta a caminhar ao lado de seus vizinhos. Foi assim também nas ruas lotadas de Montevideo, para onde o presidente Lula se dirigiu logo após, para uma conversa com o presidente uruguaio Lacalle Pou, focada na importância de fortalecer o Mercosul e sua agenda econômica antes que se firmem acordos comerciais bilaterais a partir do unilateralismo ou assimetrias, as quais  não resultam em benefício dos países do bloco. Nas palavras do presidente argentino Alberto Fernández: “Agora temos uma Celac completa”.

Quando a Celac foi criada, o Brasil liderava uma política externa inovadora, tendo um importante protagonismo na construção de relações Sul-Sul. Neste momento do retorno não encontra o mesmo cenário político, apesar da presença de outros governos de esquerda, e ainda enfrenta um duro cenário interno com ameaças da extrema direita que, não se pode negar, tem sido cada vez mais comuns na desestabilização das democracias de outros países da região. Em sua maioria, os países estão aterrados em profundas crises sociais, como o avanço da fome, o aumento das desigualdades sociais, da injustiça racial e de gênero e a falta de desenvolvimento da indústria, todos impactos das década anteriores de políticas neoliberais, agravadas com a pandemia dos últimos anos. Ao passo que há, também, uma pressão social com o crescimento da ultradireita e de todo o tipo de violência e militarismo, acompanhada da difamação, a partir de teses antipolíticas e da arma híbrida do lawfare contra governantes progressistas, como no caso de Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e do próprio Lula, que não pôde concorrer na eleição anterior vencida por Bolsonaro no Brasil.

A pressão de avançar em caminhos soberanos ficou destacada nas primeiras linhas da Declaração Final da VII Cúpula da Celac em Buenos Aires e, na sequência,  a defesa da democracia, da paz, da integração, da segurança alimentar e da sustentabilidade ambiental. Os líderes reunidos precisaram desenvolver uma leitura atual da crise do sistema capitalista na região, construir um balanço da conjuntura latinoamericana e dos processos de desestabilização nos territórios e atualizar os desafios da integração. Ainda não está claro qual a centralidade que foi dada ao combate ao fascismo e à construção de saídas às políticas imperialistas na região.

Os governos defenderam ainda a retomada do Fórum Celac com a China e União Europeia, tarefa que envolve um importante papel ao Brasil. A disputa de novos acordos comerciais com a China esquenta o clima da guerra híbrida e da disputa multipolar em curso. Ao mesmo tempo, a Europa, em uma profunda crise com a Guerra na Ucrânia, especialmente pela dependência energética, precisa acessar matérias-primas privilegiadas para sua transição e assegurar a contínua transferência de lucros extraordinários para suas empresas transnacionais. Os países do Norte Global, o FMI (Fundo Monetário Internacional), as grandes corporações e as elites estão longe de aceitar avanços progressistas na região. A ultra-direita já se organiza, como se pôde notar nos episódios de 8 de janeiro no Brasil, no golpe parlamentar no Peru, na onda golpista na Bolívia e na derrota da constituinte no Chile.

A agenda financeira comum, defendida pelo Brasil, envolve pensar numa maior integração das cadeias produtivas dos países. Foram apontados, na Declaração Final, a construção de um plano de recuperação econômica e produtiva pós-pandemia e a retomada de investimentos no desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação para superar a dependência externa. E outros setores tiveram destaque, como a questão ambiental, na qual se pronunciou pela promoção da justiça climática, com reconhecimento das responsabilidades diferenciadas entre os países e a reafirmação do papel dos países do Norte em compensar os prejuízos desiguais nos países do Sul.

Uma batata quente na órbita dos diálogos sobre integração será o Acordo UE-Mercosul. O Brasil já anunciou a necessidade de revisitar capítulos do acordo e propõe um maior debate nacional e regional sobre ele. Resta saber se, para tanto, o governo irá assegurar a participação social, visto que muitas organizações têm apontado críticas ao seu formato e conteúdo. O quão profunda será a revisão do governo nos interessa porque supostas cláusulas adicionais ao acordo, em elaboração pela Comissão Europeia, sem tradução ou transparência, podem afetar ainda mais o desenvolvimento da indústria nacional, enquanto não devem alterar o caráter neocolonial central do acordo: de intensificar o avanço da exploração de commodities nos territórios e a entrada de empresas europeias nos setores de serviços e compras públicas, à medida que garantem barreiras protecionistas para os países europeus.

O cenário de unidade latino-americana está bastante abalado. Internamente, muitos países sofrem a pressão de tentativas de golpe e o questionamento de governos democraticamente eleitos, como o Chile, Peru e a Venezuela. Externamente, alguns países, como Uruguai, furando o bloco do Mercosul, ou o Equador, fragilizam a centralidade regional ao dialogarem bilateralmente com outros países na área de “livre” comércio e na proteção de investimentos estrangeiros. Será um grande esforço para avançar na integração regional, que recairá sob o novo presidente da Celac depois da Argentina, o caribenho Ralph Gonsalves, de San Vicente y Granadinas.

E também na esteira das resistências, os movimentos populares devem manter a pressão sobre seus governos, seguindo em marcha com as iniciativas como a Alba Movimentos, a Jornada Continental pela Democracia e contra o Neoliberalismo e a Celac social, inaugurada neste ano na Argentina, conclamando a uma revisão profunda dos modelos produtivos neoliberais na América Latina e no Caribe e promovendo a integração e a solidariedade entre os povos.

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