Revisitando o passado: após a ditadura, segunda onda de militarização da Amazônia se intensifica

Os estados que compõem a Amazônia, em especial o Amazonas, estão em situação de colapso com o sistema de saúde pela pandemia de Covid-19. Em meio a isso, há um projeto de avanço exploratório sobre essa região declarado pelo próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que quer aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, o que significa desregular a legislação ambiental brasileira. 

O momento é visto como oportunidade para colocar em prática ações que já estavam na perspectiva do governo. Em 2019, quando as queimadas e o desmatamento tomaram projeção nos jornais ao redor do mundo, a resposta de Bolsonaro foi a execução de decreto para Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que colocou militares para conter as queimadas.  Governando sob decretos, Bolsonaro transferiu, em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) do Ministério do Meio Ambiente, ao qual pertencia desde 1995, para a Vice-Presidência da República a cargo do General Mourão.  O CNAL agora é composto por 19 militares, excluindo Ibama e Funai da participação e sem qualquer presença ou diálogo com a sociedade civil, ou mesmo com os governadores dos estados que abrigam a Amazônia Legal.

CNAL nas mãos da Vice-Presidência e 19 militares, mas sem a participação de representantes do Ibama e da Funai. | Imagem: Reprodução/TVBrasil

A posição de afastamento de representações dos povos indígenas, quilombolas, pescadores e comunidades locais emite um alerta para ações autoritárias de um governo que pouco preza pelo diálogo e pela transparência. Se afastando de instituições que conhecem a fundo a realidade do bioma amazônico, o governo sinaliza que deve seguir com seu projeto desenvolvimentista para a região. Ações que caminham para remontar projetos de exploração realizados durante a ditadura, que apresentou como resultados a expansão do modelo colonizador para a região com violência contra as populações locais, além de uma ampliação da fronteira agrícola e de extração mineral. 

Em janeiro deste ano, Bolsonaro decretou a criação da Força Nacional Ambiental, que estará sob tutela do vice-presidente quando for implementada. A política verticalizada e que ignora as peculiaridades e os modos de vida da região indica uma possibilidade de aumento de conflitos e criminalização de movimentos sociais. O plano de Mourão ao estender a Operação Verde Brasil 2 pelos próximos meses tem a intenção de minimizar a crise de imagem que a gestão tem no exterior. A ação é uma tentativa de liberar as verbas do Fundo Amazônia, financiado por Noruega e Alemanha e suspenso desde 2019, para proteção do bioma. O caminho de militarização para a região não tem apresentado resultados positivos: os focos de queimada na Amazônia neste mês de junho foram os maiores desde 2007, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A ineficácia também se apresenta pelos altos gastos públicos. O valor orçamentário do Ibama é 10 vezes menor que o destinado para o Ministério da Defesa, segundo reportagem do InfoAmazônia, no fundo de R$ 1 bilhão criado para reduzir desmatamento na Amazônia, após acordo da Lava Jato.

Militarização não resolve o desmatamento que segue em crescimento | Foto: Exército Brasileiro

O olhar desenvolvimentista e de caráter colonizador para a Amazônia remonta as ações realizadas durante a ditadura militar brasileira. O que mostra que pouco mudou na mentalidade ideológica militar dos anos 1960 para os anos 2020. A perspectiva militar empregada tem raízes no colonialismo europeu e  nas relações com os Estados Unidos. Ela está aliada a um modelo de desenvolvimento que elimina os modos de Bem Viver tradicionais e impõe uma integração pelo modo de vida de produção capitalista. Um projeto  que considera a Amazônia fonte de lucro e não a reconhece como fonte de vida secular para os povos que aí vivem, nem mesmo como berço de toda biodiversidade que engloba.

Entendemos que o único papel das forças armadas seria no apoio às instituições de proteção da Amazônia. Fornecer apoio tático, operacional e logístico aos agentes de fiscalização, de forma subordinada aos técnicos. Quando Bolsonaro transfere para os militares a decisão sobre fiscalizações ambientais na Amazônia, ele subverte a lógica de proteção e impõe tutela. Atualmente, os Comandos Militares do Norte e da Amazônia se negam a fornecer esse apoio e relutam em cumprir a lei, segundo o artigo 111 do decreto 6.514, de 2008, que ordena a inutilização e/ou destruição de equipamentos em situação irregular utilizados para práticas criminosas quando não se pode removê-los, pois são propriedade de garimpeiros e madeireiros ilegais. Ou mesmo a proteção dos próprios agentes contra ataques em casos de flagrante criminosos

A militarização da Amazônia não se relaciona apenas com a entrega da coordenação das operações para autoridades militares, mas também com a militarização dos cargos de chefia das instituições, sobretudo o Ibama. Logo após uma operação do IBAMA para combater garimpos ilegais e impedir a disseminação do coronavírus, assistimos [mais uma vez] a exoneração de funcionários de carreira pelo Ministro do Meio Ambiente e pelo presidente do IBAMA. Os nomeados no lugar dos técnicos que há anos exerciam as funções de coordenar a fiscalização ambiental foram policiais militares da ROTA, conhecida por ser uma das tropas de elite mais violentas do estado de São Paulo. E quais eram as experiências dos militares que agora estarão liderando as operações que deveriam assegurar a repressão a crimes ambientais nas regiões com os mais altos índices de desmatamento? No caso do coordenador-geral, sua única experiência na área ambiental inicia em outubro de 2019 já como superintendente do IBAMA. Ele foi flagrado emitindo licenças de exportação de forma retroativa, o que é ilegal. Fazendo isso, “legalizou” o envio de madeiras da Amazônia de forma irregular. A maior beneficiada nesse processo foi a empresa transnacional de origem britânica Tradelink. Naquela ocasião, o superintendente ainda fez a ressalva de que a ação não contribuiria somente com a Tradelink e que poderia repetir a agilidade na emissão de licenças de exportação para outras empresas quando necessário.

O discurso de Bolsonaro, em julho de 2019, comparando a Amazônia a uma virgem “que todo o tarado de fora quer” deflagra a objetificação tanto do território como das mulheres, e nos traz elementos para pensarmos o projeto de governo que vem sendo implementado em relação à floresta. Por trás de um discurso ufanista de proteção da “soberania nacional” existe uma lógica mercantilista e violadora que vem sendo estabelecida na relação militares-amazônia desde a extração do pau-brasil, durante o período colonial. 

Mourão, o vice e responsável pelo Conselho Nacional da Amazônia, já na campanha eleitoral, proferia discursos racistas atrelando aos povos indígenas a “indolência” e, ao povo negro, a “malandragem”. Mas antes de Mourão, o que não nos faltam são maus exemplos de ações tomadas pela militarização da proteção à Amazônia. Quando olhamos para o passado, a perspectiva positivista empregada pelos militares com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) é a mesma política higienista e racista apresentada hoje por Bolsonaro quando se refere aos povos originários como quem precisa ser integrado a um modelo de “civilidade”. O que está por trás é um debate sobre como a Amazônia é vista: fonte de sociobiodiversidade incalculável vs fonte de lucro infindável. Além, é lógico, do racismo do presidente, que não está por trás, está escancarado. 

Em meio a pandemia, os riscos são de repetir a história e realizar o genocídio de populações indígenas, em especial aquelas em isolamento voluntário que não tem janela imunológica para sequer outros vírus. Em fevereiro deste ano, o governo assinou projeto que autoriza garimpo em terras indígenas, além de regularizar a exploração para turismo, agricultura, pecuária e extrativismo florestal. Em meio a pandemia, ações de garimpeiros se intensificam na Amazônia e ameaçam as populações originárias, em especial no território Yanomami, maior terra indígena do país, onde vivem cerca de 26 mil membros dos povos yanomami e ye’kwana, distribuídos em 321 aldeias. Neste contexto, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) recorre ao STF contra genocídio institucionalizado pelo governo. Bolsonaro foi, também, denunciado no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crime contra a humanidade por sua postura ineficaz no combate ao avanço da Covid-19 no país. 

Nesta quarta-feira (8), o presidente sancionou, com vetos, o PL 1142 que prevê medidas para tentar proteger as populações indígenas e quilombolas. Com os vetos o governo se exime da obrigatoriedade de fornecer acesso a água potável, de distribuir gratuitamente materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias, de instalar internet nas aldeias e distribuir cestas básicas, ainda veta a obrigatoriedade de liberação pela União de verba emergencial para a saúde dos povos tradicionais. Em mais uma ação da necropolítica na gestão Bolsonaro, o Executivo demonstra não se preocupar com a contaminação destas populações e gesta pelo isolamento no acesso a informação destas comunidades. Depois de destinar Cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra o Coronavírus, para os povos Yanomami de Roraima.

Militares distribuíram 13,5 mil comprimidos de cloroquina, medicamento que não tem eficácia comprovada contra a Covid-19 às comunidades indígenas Yanomami, em Roraima. | Foto: Divulgação /Ministério da Saúde

Em 2019, os portais Intercept e openDemocracy reportaram falas do ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo, General Santa Rosa, que se demitiu em dezembro, sobre o projeto Rio Branco, tratando, inclusive de um receio de invasão chinesa pela fronteira com Venezuela e Suriname. O projeto segue em fase de discussão e trata de “integrar a Calha Norte do rio Amazonas”, o que consistiria na expansão da BR-163 até a fronteira com o Suriname, a construção de uma ponte sobre o rio Amazonas no município de Óbidos (AM) e a construção de uma hidrelétrica no rio Trombetas. Os documentos ainda tratam da execução do Plano Nacional de Mineração para os “minerais que impactam o mercado nuclear e a indústria aeroespacial”. O projeto já indicava ideologicamente as ações atuais do Executivo que governa sob decretos e deve, assim, dar continuidade ao plano. A série de reportagens da Amigos da Terra Brasil “A história do cerco à Amazônia” lançada em junho retrata a aplicação de políticas públicas que já vem sendo realizadas no sentido de aplicar um projeto desenvolvimentista para a região do eixo do Tapajós, no Pará, baseada na expansão do agronegócio. 

Pelas ações deste governo, o modelo de desenvolvimento para a Amazônia está posto: desenvolver infraestrutura, aumentar a exploração dos minérios da região, converter a floresta em pasto e monoculturas, densificar a população e a inserir em uma sociedade de consumo mesmo que para isso os modos de vida tradicionais precisem ser exterminados. O lucro? Assim como os impactos da destruição da Amazônia, será em escala global, mas ficarão nas mãos de poucos, aquele 1% da sociedade, representado por instituições financeiras e empresas transnacionais. As perspectivas se cruzam entre passado e presente. Novamente militares em diferentes áreas do poder. Novamente uma perspectiva positivista sobre a Amazônia e seus povos.

É imprescindível a defesa dos povos responsáveis por esta floresta ainda estar em pé, aqueles que sempre estiveram no território cuidando e defendendo, aqueles que possuem relações de interdependência históricas com a natureza e que muito aportam para caminhar na necessária mudança de sistema por uma sociedade justa. É claro que precisamos defender os povos da Amazônia e os movimentos que articulam e organizam a resistência pelos modos de vida tradicionais, mas de que maneira garantir esses modos de vida em um contexto de genocídio declarado, seja pela bala, seja pelo vírus? 

Agronegócio e empreendimentos para escoar a produção avançam sobre comunidades tradicionais e ameaçam as relações de interdependência com a natureza. | Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

O caminho para a resposta é árduo e complexo, mas há alguns pontos cruciais para nós da Amigos da Terra Brasil. É necessária uma mudança radical de sistema que coloque a vida no centro da economia e da política. Para isso, seguiremos fortalecendo nossa articulação enquanto membro da Federação Internacional Amigos da Terra e nossas ações locais construindo alianças com movimentos campesinos, indígenas, feministas, sociais, sindicais que possuam um projeto político que nos permita avançar na convergência de pautas e agendas. A mudança de sistema se dará na luta de classes e na construção do poder popular para alcançar a soberania e a autodeterminação dos povos.Com a solidariedade internacionalista, rompendo fronteiras, enfrentamos o ufanismo da soberania nacional que sustenta regimes ditatoriais. 

Em outro momento, quase um ano atrás, quando incidimos contra os incêndios na Amazônia, elaboramos 9 ações para defender a floresta que seguem sendo essenciais. Mas hoje, diante do cenário atual de militarização e sucessivos golpes ou tentativas de golpes na região da América Latina, queremos reafirmar que para defender a Amazônia é preciso lutar pela democracia. É preciso enfrentar Bolsonaro, enfrentar Mourão e a militarização genocida da política que implementam.

O contexto de militarização na Amazônia brasileira repercute, também, junto a Federação Internacional Amigos da Terra, confira a nota divulgada entre os grupos membro em espanhol e inglês.

Amigos da Terra Brasil sofre ataque do governo Bolsonaro

Ameaça de despejo da organização socioambiental é mais um ataque a quem defende os direitos dos povos e do meio ambiente no Brasil

#CasanatResiste #AmigosdaTerraExiste

Há mais de 50 anos em atividade, a Amigos da Terra Brasil vem sofrendo desde novembro de 2019 uma tentativa de despejo do imóvel que ocupa na Rua Olavo Bilac, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. A ordem vem da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, responsável pela gestão do Patrimônio da União no governo Bolsonaro. O imóvel, que é cedido pela União à Amigos da Terra desde 2004, também sedia o Centro de Documentação Magda Renner, uma vasta biblioteca e memorial da história do ambientalismo brasileiro e gaúcho.

O contrato de cessão do local prevê renovações automáticas a cada oito anos, sob a condição de que a Amigos da Terra se comprometa com a recuperação e a manutenção da área, que era antes nada mais que uma edificação precária em um terreno abandonado. E assim tem sido feito: a Casanat, como é chamada a casa recuperada (da sigla Criação em arquitetura Sócio-Ambiental para o núcleo Amigos da Terra), tornou-se um centro de referência para práticas sustentáveis em meio urbano no coração de Porto Alegre. Além das reconstruções estruturais, ali foram instaladas diversas tecnologias sociais, desde o “círculo de bananeiras”, que beneficia o saneamento sustentável, até o uso de cisternas para a captação da água da chuva, usada depois no sistema interno da casa. O acervo do centro de documentação é aberto ao público, para consulta, e já foi visitado por diversas pesquisadoras e pesquisadores para que aprofundassem seus estudos sobre o tema socioambiental.

Inimigo dos povos que defendem a natureza – povos originários, campesinos, quilombolas, quebradeiras de coco, seringueiras e seringueiros, entre outros -, Bolsonaro ataca também as organizações que defendem essa bandeira, a da natureza e dos direitos dos povos. A súbita notificação de rescisão do contrato de cessão, entregue pessoalmente pelo superintendente da pasta de desestatização no Rio Grande do Sul, Gladstone Themóteo Menezes Brito da Silva, e a negativa a todas tentativas de diálogo feitas desde então apenas reforçam a tese de que este é um ataque político à Amigos da Terra Brasil e a todas e todos que dedicam suas vidas na luta por justiça ambiental e contra todas as formas de opressão.

Em fevereiro, foi entregue um extenso dossiê ao superintendente que comprova a recuperação do imóvel e seu evidente uso de interesse público, com a realização de diversos eventos ao longo dos últimos anos, como palestras, oficinas, feiras e rodas de conversa. O material foi prontamente ignorado e persiste a ameaça de despejo. Nos próximos dias, seguiremos o único caminho possível frente a um governo que se nega a dialogar, que é a judicialização.

COMO AJUDAR?
Você pode ajudar de diferentes formas! Algumas sugestões:

1) Assine nesse link o abaixo-assinado em solidariedade à Amigos da Terra;
2) Nos envie uma carta institucional de apoio. Modelo aqui
3) Compartilhe os conteúdos que publicarmos nas suas redes pessoais e das organizações a que pertence, sempre usando as hashtags #CasanatResiste e #AmigosDaTerraExiste e marcando @amigosdaterrabr
4) Publique vídeos prórios (pode ser no Stories do Instagram!) falando sobre a importância da Casanat e da atuação da Amigos da Terra Brasil. Ao publicar, marque o nosso perfil @amigosdaterrabr – assim poderemos republicar o conteúdo em nossas páginas também!
5) Vem nos visitar! Em breve divulgaremos uma série de atividades previstas para as próximas semanas, com mostra de filmes, debates e rodas de conversa. Seguiremos nossas atividades para manter o caráter público do imóvel recuperado e devolvido à sociedade pela Amigos da Terra Brasil, após décadas de abandono por parte da União.

Aqui mais informações sobre a CaSAnAT

A intenção de Bolsonaro é desarticular, mas o tiro sairá pela culatra: unidos na solidariedade, vamos transformar mais esse ataque em oportunidade para denunciar a morbidez desse governo fascista e fortalecer a luta dos povos por seus direitos!

Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?

Adiantamos, já de início: somente o mercado, os grileiros, o agronegócio. E o PL 2633 (antiga MP 910, a famigerada MP da Grilagem), é a maior evidência disso. E bem… Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, também deixou isso bem claro quando disse que a pandemia do coronavírus é uma grande oportunidade para desmantelar a regulamentação ambiental já que todo mundo está olhando para outro lado.

Frente à urgência e à crescente preocupação da comunidade internacional em relação às queimadas de 2019, a gestão Bolsonaro reagiu com saídas voltadas a interesses financeiros, que de forma alguma abrangem os problemas enfrentados pelos povos da Amazônia. Ao contrário, os colocam em risco ao privilegiar políticas favoráveis aos ruralistas e ao fortalecer medidas de financeirização da natureza. Avançaram no Congresso Nacional projetos que fortalecem medidas como o PSA (Pagamento por Serviços Ambientais), ao mesmo tempo que o governo aproveitou para avançar na proposta de anistia a grileiros de terra, expressa no PL 2633 – incentivando exatamente a prática que está por trás do aumento das queimadas.

Mesmo em meio à pandemia do coronavírus, o PL 2633 pode ser votada a qualquer momento no Congresso Nacional; se aprovado, facilitará ainda mais a ação de invasores de terras públicas. Para o Grupo Carta de Belém, ” […] a legislação permite liquidação das terras e patrimônio público a preço de banana em favor de médios e grandes grileiros” – lembrando ainda que, enquanto isso, “a reforma agrária e a titulação de territórios coletivos seguem paralisadas”.

Essa é a parte 2 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelo conteúdo voltando à página central ou clicando nos links abaixo:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: [você está aqui] Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E veja também: O cerco explicado em um mapa

Para além da ameaça da grilagem de terras, surgem no horizonte como suposta solução aos problemas climáticos as medidas de “pagamento por serviços ambientais”. Em suma, são uma maneira de monetizar a relação com a natureza; a depender dos fluxos financeiros, pode ser interessante preservá-la em pé ou não. Tais medidas não enfrentam as questões estruturais da problemática do clima e muito menos protegem os povos e seus territórios: ao contrário, deixa-os à mercê das grandes indústrias poluidoras, que invadem a Amazônia para “compensar” suas violações de direitos em outros lugares e a poluição inerente a suas atividades. As comunidades perdem a autonomia sobre seus próprios territórios, transformados em ativos em bolsas de valores e em “fazendas de captura de carbono”, o que leva à criminalização de práticas e culturas ancestrais.

O documentário “Mercado verde: a financeirização da natureza” explica e denuncia as falsas soluções que o capitalismo propõe para os males que ele próprio causa.

A terra, assim, atende somente aos humores do Mercado. A ele que Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, respondem, em detrimento da agro-socio-bio-diversidade amazônica. E vejam como não é acaso a escolha das palavras: o atual governo pensa a Amazônia sob o prisma da “bioeconomia”, ou seja, com o viés da exploração dos bens comuns em nome do lucro de poucos. É explícito: para eles, a Amazônia precisa de “soluções capitalistas”. Em outras palavras: devastação, exploração, privatização.

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Continue lendo a introdução:
parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Vale do Ribeira: estado de São Paulo derruba casas e expulsa comunidade caiçara de seu território

No dia 4 de julho, três casas foram arbitrariamente demolidas no Território Tradicional Caiçara do Rio Verde/Grajaúna, localizado na região do Vale do Ribeira, entre São Paulo e Paraná. Sob ordem do governo do Estado de São Paulo, as famílias caiçara foram despejadas de seus territórios, sem oferta de qualquer alternativa habitacional pelo Estado.

As autoridades justificam as demolições e a expulsão da comunidade pelo fato de as famílias estarem vivendo em uma área de Unidade de Conservação de Proteção Integral. Contudo, as famílias tradicionais caiçaras, ancestralmente presentes na região, são as responsáveis pela conservação da rica biodiversidade existente ali. O local em que vivem foi estabelecido como “Estação Ecológica Jureia-Itatins” e há anos é alvo de inúmeros conflitos socioambientais, que injustamente recaem sobre as famílias.

Caiçaras são povos tradicionais remanescentes de indígenas, negros e colonizadores europeus, que habitam a costa do sudeste do Brasil

 

Este modelo dos parques estaduais, que foi implementado de maneira autoritária pelo governo do Estado, ocorre sem diálogos com as comunidades tradicionais caiçaras, negando a existência dos povos no local. Cabe destacar que a ordem de expulsão promovida pelo governo de São Paulo viola princípios e direitos constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos consolidados nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, na Convenção 169 da OIT, no Decreto 6.040/2007, no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, na Lei da Mata Atlântica – que prevê a utilização de recursos naturais por comunidades tradicionais – e na Lei Estadual nº 14.982/2013, que garante expressamente o direito de permanência e existência digna das famílias caiçaras em qualquer área da Jureia, inclusive no Rio Verde/Grajaúna, região em disputa.

Modos de vida tradicionais ameaçados
As famílias destas comunidades estão na região há várias décadas, mantendo uma relação de convivência coletiva, incluindo a obtenção do sustento material com práticas tradicionais de preservação e sustentabilidade ambiental. A violação de direitos coletivos e dos povos contra as comunidades caiçaras ocorre há muitos anos: muitas famílias estiveram reféns da sobreposição de Unidades de Conservação de Proteção Integral, sendo proibidas de manter seu modo tradicional de vida. As dificuldades para continuar vivendo na região, advindas das medidas restritivas para proteção ambiental, levaram e ainda levam muitos moradores a saírem de suas comunidades e irem para os centros urbanos mais próximos, ocupando a periferia das cidades.

As famílias expropriadas de seus territórios relatam que “o que está em risco são as nossas famílias, a nossa cultura caiçara, o nosso modo de vida, rico em etnoconhecimento e, além de tudo, a natureza, com a qual a nossa tradição se formou. Natureza que mais uma vez volta a estar sob a sombra dos grandes interesses econômicos e políticos”.

Leia a carta da comunidade. Mais informações também no Cimi e Brasil de Fato.