Guarani sofrem ataque de intimidação enquanto EIA-RIMA da Mina Guaíba é questionado

Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil

Em um mesmo final de semana de setembro, três aldeias guarani foram atacadas no Rio Grande do Sul. Uma delas foi a Aldeia Guajayvi, localizada no munícipio de Charquedas, a 50 km de Porto Alegre e a três km de onde a empresa Copelmi pretende instalar a Mina Guaíba, empreendimento de mineração de carvão a céu aberto e que está sofrendo forte resistência da comunidade do estado. No começo de dezembro, fomos escutar o Cacique Cláudio Acosta, 51 anos, sobre as ameaças, que aconteceram simultaneamente a uma investigação do Ministério Público Federal sobre irregularidades no licenciamento ambiental do empreendimento. Segundo o relato do Cacique Cláudio Acosta, foram três dias de tensão, sexta (13), sábado (14) e domingo (15). Em uma sexta-feira, chegou na porteira um carro branco, que ficou estacionado por 20 minutos, tirando fotos, filmando. No dia seguinte, um carro vermelho, com dois homens diferentes. Dessa vez, com armas, exibidas na cintura. “Falaram que tinham ordem de que se fizéssemos qualquer movimento estranho era para atirar e matar”, relata Cláudio. No domingo, um terceiro carro, com homens que filmaram os índígenas da cerca. “Tentamos fotografar, mas temos medo”, admite. O Cacique Cláudio Acosta registrou boletim de ocorrência na 17ª Delegacia de polícia Regional do Interior e protocoulou, em Charqueadas, junto ao Ministério Público Federal, um pedido para que as autoridades da região proteja sua vida e a de outros integrantes da aldeia Guajayvi.

Em 2013, com três famílias, os guarani retomaram estas terras através de uma concessão do estado do Rio Grande do Sul. O terreno era usado pela Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) para plantação de eucaliptos e confeccção de postes de luz. Hoje é usufruto guarani, que já plantaram mais de 2 mil mudas nativas na região e acompanham o ressurgimento da mata. No meio dos eucaliptos, resistiu uma árvore Guajuvira, que dá nome à aldeia e é usada pelos indígenas no artesanato e na medicina. Neste período de sete anos, nunca tinham vivido um incidente semelhante ao final de semana de ataques. “Nesse tempo que estamos aqui ninguém foi parar no hospital. Então a gente vê que espiritualmente é uma área boa”. No entanto, atualmente, o cacique Cláudio Acosta está receoso: “eu já não saio mais para a cidade de Charqueadas com medo”.
O ataque aos mbya guarani da aldeia Guajyvi aconteceu em um momento de forte contestação do Estudo de Impacto Ambiental produzido pela empresa Copelmi. Após o ataque, no dia 23 de setembro, o Comitê de Combate à Megamineração no RS lançou uma nota de repúdio ao incidente e em solidariedade aos guaranis. “Aldeia pode estar sendo vista como uma ameaça à instalação do projeto Mina Guaíba, uma vez que sua presença torna flagrante o fato de a empresa Copelmi não ter realizado em seus Estudos de Impacto Ambiental (EIA) o chamado Componente Indígena, desrespeitando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao não realizar consulta prévia à esta Aldeia e à outros territórios indígenas do entorno, bem como ao não avaliar os impactos socioambientais e de saúde à estas comunidades, questões que já estão sendo acompanhadas por inquérito do Ministério Público Federal”.
O artigo “As aldeias Guajayvi e Pekuruty e suas invisibilidades no EIA-RIMA”, produzido por Guilherme Dal Sasso e Lorena Fleury e exposto no Painel dos Especialistas, mostra que há pelo menos duas aldeias na Área de Influência Direta do empreendimento, sem que essas tenham sido consultadas nos estudos produzidos pela Copelmi. O texto traz elementos, como a existência de 37 sítios arqueológicos na região, que evidenciam a presença indígena há pelo menos 600 anos na região.
Nos dias 2 a 4 de outubro, a comunidade guarani da aldeia Guajayvi se reuniu com o Conselho Missionário Indigenista para criar estratégias de aumento da segurança e também para cobrar do poder público a execução de Audiências Públicas sobre a Mina Guaíba dentro das comunidades indígenas.
Quando visitamos a aldeia, no dia 5 de dezembro, havia dois dias que o Ministerio Público tinha ligado para o Cacique Cláudio Acosta questionando sobre a Mina Guaíba. No dia 17 de dezembro, o Ministério Público manifestou-se favorável a uma Ação Civil Pública que pede à Justiça Federal a suspensão do processo de licenciamento da mina alegando justamente que a Copelmi não respeitou a Convenção 169. A Justiça Federal ainda não julgou a ação.
A Copelmi não consultou a comunidade guarani porque a resistência é óbvia. “A mina vai trazer muita doença, espirtualmente e no corpo”, defende o cacique. “Ficamos preocupados em geral porque está acontecendo muita coisa no mundo, terremoto, cidades alagadas. O ser humano não se dá conta porque está acontecendo isso aí. Mas aí chega esse projeto da mina que vai furar não sei quantos metros para baixo. Daqui a alguns anos vai faltar um pedaço de terra, e isso nos preocupa”.
O ataque à aldeia Guajayvi aconteceu no mesmo final de semana em que outras duas comunidades mbya guarani foram atacadas, a aldeia Yjerê, na Ponta do Arado, em Porto Alegre, e a Aldeia Yy Purá, no município de Terra de Areia. O Amigos da Terra Brasil registrou o depoimento das lideranças das três comunidades, pois acreditamos que os incidentes são movimentos articulados de ofensiva crescente contra os povos originários do nosso país, muitas vezes com megacorporações por trás.

Foto: Heitor Jardim/Amigos da Terra Brasil

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Visita ao assentamento Apolônio de Carvalho e ao loteamento Guaíba City evidencia danos sociais e ambientais do projeto Mina Guaíba, da Copelmi

Visita às comunidades que serão atingidas pelo projeto da Mina Guaíba – que pretende ser a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil -, comprova os impactos socioambientais do empreendimento. Plano é instalar mina a cerca de 15km do centro de Porto Alegre, à beira do Delta do Jacuí. Narrativa que Copelmi, empresa responsável pelo projeto, tenta construir é a de que as pessoas destas comunidades vivem sem “dignidade humana” e que a empresa melhoraria suas vidas. Ora, fomos até lá fazer o que a Copelmi não fez: ouvi-las.

Junto à AMA Guaíba, ao MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), ao grupo de pesquisa TEMAS (Grupo de Pesquisa em Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade), da UFRGS, e a comunicadores do Jornal Sul21 e do Coletivo Catarse, visitamos no último sábado (1/6) o Loteamento Guaíba City e o Assentamento Apolônio de Carvalho, território conquistado por lutadoras e lutadores pela reforma agrária do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 2007. A área fica entre os municípios de Charqueadas e Eldorado do Sul e estas são as comunidades que a empresa Copelmi quer “reassentar involuntariamente” devido a implantação da Mina Guaíba: se for adiante, ela será a maior mina de carvão do Brasil, à beira do Delta do Jacuí, uma das últimas áreas de proteção ambiental da Região Metropolitana e cujas águas abastecem todo o sistema hídrico  da região com mais de 4 milhões de habitantes, que serão atingidas caso o projeto avance – hoje, ainda precisa de licenciamento ambiental fornecido pela Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental). No dia 27 de junho, haverá uma audiência público relativa ao tema.

Sordidamente, a proposta da empresa prevê que as pessoas só seriam retiradas de suas casas e terras após 5 anos de extração do mineral. Ou seja: seriam 5 anos convivendo dia e noite com perfurações, detonações com dinamite, alto fluxo de veículos pesados e ainda a operação das plantas de beneficiamento dos minerais extraídos. Tais atividades trariam impactos como piora da qualidade do ar, ruído e rebaixamento do lençol freático, de onde as comunidades captam sua água para abastecimento. Um dos argumentos que a Copelmi utiliza em seu favor é a geração de empregos. Contudo, a promessa é vazia: serão apenas 331 postos de trabalho criados nestes primeiros anos, durante a fase de implementação; e até 2042, prometem-se outros 823. Deve-se ainda questionar a qualidade dos empregos ofertados; a saúde de trabalhadoras e trabalhadores na extração mineira é extremamente danosa à saúde e uma atividade perigosa: a mineração é a maior responsável por mortes no trabalho ao redor do mundo.

A narrativa que a Copelmi tenta construir é a de que as pessoas destas comunidades vivem sem “dignidade humana” e que a empresa iria melhorar suas vidas. Ora, fomos até estas comunidades fazer o que a Copelmi não fez: ouvi-las. E o que vimos e ouvimos é o oposto do que o engenheiro Cristiano Weber, principal porta-voz da empresa (o nome bonito dado a seu cargo é de gerente de Sustentabilidade Corporativa), declara, com certa arrogância, nos solenes debates em que participa.

É bem verdade que há uma evidente negligência dos poderes públicos municipais, principalmente quanto à qualidade das estradas e ao posto de saúde fechado há mais de dez anos; porém, estes foram os únicos aspectos negativos nas falas de moradoras e moradores. O que vimos foram duas comunidades angustiadas pela incerteza e pela possibilidade de perderem seu “paraíso” (palavra usada por mais de uma das pessoas ouvidas); e indignadas pelas afirmações da empresa, que as trata como indignas, claramente uma mentira. Há muita vontade de lutar pela permanência na área. No dia 11 de junho, haverá uma assembleia popular para tratar do tema; no final do mês, 27 de junho, uma nova audiência pública acontecerá.

O Loteamento Guaíba City é o lar de muitas famílias: algumas já vivem ali há 3 gerações. Há aquelas pessoas que vão somente aos finais de semana pois ainda têm que trabalhar na cidade, mas que pretendem ir para lá definitivamente ao se aposentarem: é seu plano de vida. Outras já conseguiram este feito de “fugir” da cidade. Nos lotes, que são pequenas chácaras, construíram suas casas, perfuraram seus poços, criam galinhas, vacas leiteiras, cavalos, têm pequenas roças e hortas, além de pescarem nos arroios locais (que serão desviados pela mina) e no Rio Jacuí. As crianças vão a pé ou de bicicleta para a escola Osmar Hoff Pacheco, ou de transporte escolar (que, segundo os relatos, funciona bem) para as escolas das cidades do entorno.

Em um abaixo-assinado que percorre o loteamento, uma derrota acachapante da Copelmi: em 82 assinaturas, 77 são contrárias ao projeto – apenas 5 estão ao lado da empresa, que não se cansa de tentar ludibriar a comunidade (no mesmo dia da nossa visita,  um micro-ônibus alugado pela Copelmi levou alguns moradores para uma “churrascada”; segundo relatos, já não era a primeira vez que isso acontecia). Cada assinatura representa um lote, correspondendo à quase 250 pessoas; nem todos os lotes assinaram ainda. A maioria das pessoas não cogita sair de lá “nem morto”, até por que lá existe um cemitério que guarda muitos de seus entes queridos.

O Assentamento Apolônio de Carvalho, apesar de ser relativamente novo (foi criado em 2007) e de todas as dificuldades para se implantar um assentamento, está em pleno funcionamento. Abriga 72 famílias, com grande sentimento de pertença ao território conquistado (que antes era um “haras” de um poderoso traficante). O carro-chefe do Apolônio é a produção do arroz orgânico, o terceiro maior produtor do país, que em conjunto aos demais assentamentos do RS forma nada menos que a maior produção de arroz orgânico da América Latina. Mas a produção vai além do arroz: o assentamento produz “de tudo” – e sem veneno: hortaliças, tubérculos, frutas, chás, temperos, leite, queijo, ovos, carne, peixes, sementes, compotas. Quase tudo necessário à subsistência, e o excedente é comercializado em dezenas de feiras ecológicas em Porto Alegre e Região Metropolitana (ainda atende locais específicos, como, por exemplo, uma clínica oncológica – e por que será?). Produzem também conhecimento e tecnologia, que tem muitos nomes: agricultura orgânica de base agroecológica, controle biológico de enfermidades nos cultivos, permacultura, agrofloresta, bioconstrução. Enfim, mostram na prática uma alternativa viável, que constrói vidas simples mas abundantes e em harmonia com o ambiente. Não seria esta a verdadeira sustentabilidade?

Após algumas tentativas da Copelmi de fingir que as comunidades, tanto do Guaíba City quanto do Apolônio, estariam dispostas a deixar o local onde vivem, foi necessário demarcar suas posições de maneira clara: “Somos contra, porque somos a favor da vida”. Além do que já conseguiram alcançar (terra para plantar, casa para morar, luz, água, o sustento garantido pelo lote), todos tem ainda muitos sonhos: aumentar a produtividade do arroz, ter demanda mais garantida (além das feiras e clientes específicos, faz falta o fornecimento antes feito a escolas através do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], praticamente acabado no contexto atual), que a cidade valorize mais o alimento produzido sem veneno no campo. Ficam a imaginar o quanto de alimentos sem veneno pode ser produzido e posto na mesa de famílias no campo e na cidade ao longo dos 23 anos que a mina pretende operar…

Em suma, é isto que existe a 30 minutos de Porto Alegre e 100 metros acima de um carvão com alto teor de cinzas e baixo poder calorífico. Há, por trás de tudo, a intenção dos países ricos de se livrarem dos danos causados pelas minas, seus impactos sociais, ambientais e trabalhistas: a contaminação das águas; os riscos de explosões e deslizamentos; o trabalho é exaustivo e arriscado; e há ainda a convivência com uma poeira que corrói os pulmões pouco a pouco. No ano passado, a Alemanha se despediu de sua última mina de carvão e o jornal “Bild” publicou o retrato da “última vítima das minas”, Markus Zedler, um trabalhador de 29 anos que falecera dias antes durante as obras de desmontagem de uma mina em Ibbenbüren. Vale ressaltar que a Copelmi conta com o investimento da norte-americana Air Products e da chinesa Zhejiang Energy Group, que serão também operadoras da planta carboquímica.

(O Sul21 também publicou hoje matéria sobre a visita, com relatos das pessoas que serão atingidas pelo projeto da Copelmi – as vozes se erguem contra o projeto de morte da mineração!)

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