Amigos da Terra Brasil se solidariza com o Assentamento Quilombo Campo Grande

Ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade

[Español abajo // English below]

A Amigos da Terra Brasil expressa solidariedade ao Assentamento Quilombo Campo Grande, localizado no município de Campo do Meio, sul de Minas Gerais, e extremo repúdio às violências sofridas pelas cerca de 450 famílias na sexta-feira, 14 de agosto. A ação de reintegração de posse com uso da força policial comandada pelo governador do estado, Romeu Zema (Partido Novo), e respaldada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, demonstra a mais sórdida face da política de morte do Estado Neoliberal. Além de destruírem a Escola Popular Eduardo Galeano, o barracão coletivo onde moravam três famílias, as plantações de milho, café, pitaia e outros produtos que tornam o assentamento referência em agroecologia na região, a expulsão destas famílias da terra em que vivem há mais de 20 anos os coloca em risco iminente de contaminação pela pandemia de Coronavírus.

Antes da ação de reintegração de posse, nenhum caso de Covid-19 havia sido registrado no assentamento, apesar de o município de Campo do Meio ter 19 confirmações da doença. Como conceber a ideia de que, em meio a uma pandemia que já levou mais de 110 mil vidas no Brasil, o Estado articule uma ação violenta de expulsão de famílias de trabalhadoras/es que vivem nestas terras por não terem sido indenizadas/os com a falência da Usina Ariadnópolis, em 1996, e que por décadas trabalharam sem carteira assinada?

A ação movida por Jovane de Souza Moreira e seu filho, Jovane Jr. — que colecionam relatos de ameaças contra os assentados — tenta reativar a usina falida. A ofensiva começou quando o Governo de Minas Gerais publicou um decreto, em 2015, que atestava as terras da usina Ariadnópolis como interesse social para fins de reforma agrária. No ano passado, o governador Zema revogou o decreto. 

Ainda em 2017, Jovane pode quitar as dívidas trabalhistas, após firmar contrato com a empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., prevendo a recuperação judicial da empresa para produção de café. Contudo, ele ainda deve cerca de R$ 400 milhões para a União referentes à contribuições previdenciárias, FGTS e impostos federais. O argumento é de que, se reativada, a usina poderia gerar até 400 empregos. Agora, a decisão judicial favorece os empresários, apesar de o governo do estado negar que a ação fosse ocorrer. Quando expulsam essas pessoas da terra em que vivem sob essa lógica, o Estado fortalece a ideia de que populações campesinas devem ser subordinadas e não autônomas.

Conforme denúncia do MST, a ação violenta extrapola os caminhos legais, uma vez que a área de 26 hectares inicialmente constatadas no processo judicial n. 6105218 78.2015.8.13.0024, que já estavam desocupados, foi ampliada para 52 ha no último despacho da Vara Agrária e a operação policial foi além da determinada pela liminar, destruindo a casa e lavouras de sete famílias.

A política é de morte, pois ceifa vidas, ceifa sonhos, ceifa a possibilidade de outros futuros possíveis para além da lógica coronelista e colonial de concentração de terras histórica no país. Em meio a uma crise de saúde e economia, ao invés de buscar soluções baseadas na solidariedade e na inclusão popular, o governo de Zema comete crime ao comandar a expulsão das famílias com violência, sem nem ao menos preocupar-se com possibilidades de destinos que não sejam a migração para as cidades com a perpetuação e aprofundamento do ciclo de pobreza e desigualdade.

Neste momento as famílias estão se reorganizando. A reconstrução da escola é a prioridade. Para além de um espaço de educação, a importância simbólica de não abrir mão da organização e coletividade se fazem absolutamente necessárias neste momento. Reocupar o espaço, cumprindo a função social da terra e garantindo que a comunidade continue seu caminho de resistência, com organização e produção agroecológica, reafirma a luta pela vida.

Viemos a público reforçar nosso repúdio e responsabilizar o governo do estado de Minas Gerais e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o que venha a ocorrer com estas famílias. Estamos juntas e juntos na defesa destas famílias e para que outras comunidades não sofram este tipo de violência. A ação violenta do Estado impele a ação popular de solidariedade, como medida de apoio em caráter de urgência. Salientamos a importância de mobilização na denúncia nacional e internacional, e no apoio financeiro para que possam reconstruir a escola e estar em segurança neste momento delicado da pandemia que atravessamos.

Apoie a Campanha de Solidariedade para o Assentamento Quilombo Grande!

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Amigos de la Tierra Brasil se solidariza con el Asentamiento “Quilombo Campo Grande”

Acción violenta del Estado impulsa la acción solidaria popular

Amigos de la Tierra Brasil expresa solidaridad con el Asentamiento Quilombo Campo Grande, ubicado en el municipio de Campo do Meio, al sur de Minas Gerais, y rechazo extremo a las violencias sufridas por unas 450 familias en el viernes, 14 de agosto. La acción de recuperación de propriedade con el uso de la fuerza policial comandada por el gobernador del estado, Romeu Zema (Partido Nuevo), y respaldada por el Tribunal de Justicia del estado de Minas Gerais, demuestra la cara más sórdida de la política de muerte del Estado Neoliberal. Además de destruir la “Escola Popular Eduardo Galeano”, la choza colectiva donde vivían tres familias, las plantaciones de maíz, café, pitaya y otros productos que hacen del asentamiento referencia en agroecología en la región, la expulsión de estas familias de la tierra donde han vivido durante más de 20 años los pone en riesgo inminente de contaminación por la pandemia del Coronavirus

Antes de la acción de recuperación de la propiedad, no se había registrado ningún caso de COVID 19 en el asentamiento, aunque el municipio de Campo do Meio tenía 19 confirmaciones de la enfermedad. Cómo concebir la idea que, en medio de una pandemia que ya se ha cobrado más de 110 mil vidas en Brasil, el Estado articule una acción violenta de expulsión de las familias de trabajadores que viven en estas tierras por no haber sido indemnizados con el quiebre de Usina Ariadnópolis, en 1996, y que han trabajado durante décadas sin derechos laborales? 

La acción jurídica interpuesta por Jovane de Souza Moreira y su hijo, Jovane Jr., quienes recopilan denuncias de amenazas contra los campesinos, intenta reactivar la planta fallida. La ofensiva comenzó cuando el Gobierno de Minas Gerais publicó un decreto, en 2015, que certifica las tierras de la planta de Ariadnópolis como de interés social a efectos de la reforma agraria. El año pasado, el gobernador Zema revocó el decreto.

Aún en 2017, Jovane puede saldar deudas laborales, después de firmar un contrato con la empresa Jodil Agropecuária e Participações Ltda., con una previción de la recuperación judicial de la empresa para la producción de café. Sin embargo, todavía debe alrededor de 400 millones de reales al Gobierno Federal en concepto de cotizaciones a la seguridad social, derechos laborales e impuestos federales. El argumento es que, de reactivarse, la planta podría generar hasta 400 puestos de trabajo. Ahora, la decisión judicial favorece a los empresarios, a pesar de que el gobierno estatal niega que la acción se lleve a cabo. Al expulsar a estas personas de la tierra donde viven bajo esta lógica, el Estado fortalece la idea de que las poblaciones campesinas deben ser subordinadas y no autónomas.

Según denunció el Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST), la acción violenta va más allá de los caminos legales, ya que el área de 26 hectáreas inicialmente encontrada en el proceso judicial núm. 6105218 78.2015.8.13.0024, que ya estaban desocupadas, se amplió a 52 ha en la última orden del Juzgado Agrario y el operativo policial fue más allá de lo determinado por el amparo, destruyendo la casa y cultivos de siete familias.

La política es de muerte, porque extirpa vidas, extirpa sueños, extirpa la posibilidad de otros futuros posibles además de la lógica coronelista y colonial de la concentración histórica de tierras en el país. En medio de una crisis sanitaria y económica, en lugar de buscar soluciones basadas en la solidaridad y la inclusión popular, el gobierno de Zema comete un delito al ordenar la expulsión de familias con violencia, sin siquiera preocuparse por las posibilidades de destinos que no sea la migración a las ciudades con la perpetuación y profundización del ciclo de pobreza y desigualdad.

En este momento, las familias se están reorganizando. La reconstrucción de la escuela es la prioridad. Además de un espacio educativo, la importancia simbólica de no renunciar a la organización y la colectividad es absolutamente necesaria en este momento. Volver a ocupar el espacio, cumplir la función social de la tierra y hacer que la comunidad continúe su camino de resistencia, con organización y producción agroecológica, reafirma la lucha por la vida.

Vinimos a público para reforzar nuestro repudio y responsabilizar al gobierno del estado de Minas Gerais y al Tribunal de Justicia de Minas Gerais por lo que les ocurra a estas familias. Estamos juntas y juntos en la defensa de estas familias y para que otras comunidades no sufran este tipo de violencia. La acción violenta del Estado impulsa la acción popular de solidaridad, como medida de apoyo de forma urgente. Destacamos la importancia de movilizar denuncias nacionales e internacionales, y brindar apoyo económico para que puedan reconstruir la escuela y estar seguros en este delicado momento de la pandemia que atravesamos.

Apoya la Campaña Solidaria para el Assentamento Quilombo Campo Grande! Lea más.

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Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the settlement “Quilombo Campo Grande”

We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to the families. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through. Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement

Friends of the Earth Brazil stands in solidarity with the Landless Workers Settlement “Quilombo Campo Grande”, located in the municipality of Campo do Meio, south of the state of Minas Gerais, and shows extreme repudiation to the violence suffered by about 450 families on August 14th. The eviction of families with use of the police force – commanded by the state governor, Romeu Zema (of the neoliberal “New Party”) – and supported by the Court of Justice of Minas Gerais, demonstrates the most sordid face of the death policy of the Neoliberal State. In addition to destroying the “Eduardo Galeano Popular School”, the collective shack where three families lived, the plantations of corn, coffee, pitaia and other products that make the settlement a reference in agroecology in the region, the expulsion of these families from the land where they have lived for over 20 years puts them at imminent risk of contamination by the Coronavirus pandemic.

Before the evictions, no case of Covid-19 had been registered in the settlement, although the municipality of Campo do Meio had 19 confirmations of the disease. How to conceive the idea that, in the midst of a pandemic that has already taken more than 110 thousand lives in Brazil, the State articulates a violent action to expel families of workers who lived in these lands for not having been compensated with the bankruptcy of Usina Ariadnópolis, in 1996, and who worked for decades without a formal contract?

The lawsuit filed by Jovane de Souza Moreira and his son, Jovane Jr. – who have several reports of threats against the settlers – tries to reactivate the failed plant of Usina Ariadnópolis. The offensive began when the former Government of Minas Gerais published a decree, in 2015, which attested the lands of the Ariadnópolis plant as a social interest for the purposes of agrarian reform. Last year Governor Zema revoked the decree.

Still in 2017, Jovane could settle labor debts after signing a contract with the company “Jodil Agropecuária e Participações Ltda.”, predicting the judicial recovery of the company for coffee production. However, he still owes around 400 million reais (Brazilian money) to the Federal Government regarding social security contributions and federal taxes. The argument is that, if reactivated, the plant could generate up to 400 jobs. Now, the court decision favors businessmen, despite the state government denying that the eviction would take place. When they expel these people from the land where they live under this logic, the State strengthens the idea that peasant populations should be subordinate and not autonomous.

As denounced by the Landless Workers Movement (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; MST), the violent action goes beyond legal paths, since the area of 26 hectares initially found in the judicial process no. 6105218 78.2015.8.13.0024, which were already unoccupied, was expanded to 52 ha in the last order of the Agrarian Court and the police operation went beyond that determined by the injunction, destroying houses and crops of seven families.

It is a death policy, because it mows lives, mows dreams, mows the possibility of other possible futures besides the colonial logic of historical land concentration in Brazil. In the midst of a health and economic crisis, instead of seeking solutions based on solidarity and popular inclusion, the Zema government commits a crime by commanding the expulsion of families with violence, without even worrying about the possibilities of destinations that let it not be migration to cities with the perpetuation and deepening of the cycle of poverty and inequality.

Right now, families are reorganizing. School reconstruction is the priority. In addition to an educational space, the symbolic importance of not giving up organization and collectivity is absolutely necessary at this time. Reoccupying space, fulfilling the social function of the land and ensuring that the community continues its path of resistance, with organization and agroecological production, reaffirms the struggle for life.

We come to public to reinforce our repudiation and hold the government of the state of Minas Gerais and the Court of Justice of Minas Gerais responsible for whatever happens to these families. We are together in the defense of these families and so that other communities do not suffer this type of violence. The violent action of the State impels the popular action of solidarity, as a measure of support on an urgent basis. We emphasize the importance of mobilizing national and international complaints, and financial support so that they can rebuild the school and be safe in this delicate moment of the pandemic that we are going through.

Support the Solidarity Campaign for the Quilombo Grande Settlement! Read more.

Em defesa da biodiversidade, do Brasil e da democracia: frente ao fascismo não pode haver hesitação

Muitos dos retrocessos expressos na candidatura de Jair Bolsonaro podem ser irrecuperáveis. O desprezo pelos valores básicos da democracia e a intolerância em seu discurso de ódio são evidentes. Na pauta ambiental, o cenário é também grave, seja pelo fim do Ministério do Meio Ambiente ou pela ausência de propostas relativas a desmatamento e saneamento básico; seja pela expansão extrativista na Amazônia ou pelo ataque aos povos originários e tradicionais, entre outros impropérios de uma candidatura construída sobre mentiras, fake news e desinformação.

O discurso de ódio já se materializa nas ruas do Brasil, causando mortes como a de Moa do Katendê, liderança negra da Bahia, assassinado por revelar ter votado em Haddad no primeiro turno. Frente a isso, a Amigos da Terra Brasil publica nota oficial, demarcando seu posicionamento histórico em defesa da democracia e da biodiversidade brasileiras, postas em risco nas eleições deste ano.

“Divergências à parte em relação às gestões do PT ao longo dos anos, o momento atual exige um posicionamento claro: a nossa defesa é pela vida, pela liberdade, pela diversidade. Pela soberania e autonomia dos povos sobre seus territórios. Hoje, é algo fundamental e inegociável que está em jogo: a própria democracia. O direito à discordância e à oposição está em xeque; a diferença é posta como o inimigo da vez. Contra isso, portanto, não se trata mais de um “voto útil”. O voto a ser dado é de sobrevivência – o que vai muito além de disputas partidárias”

Confira a nota na íntegra:

EM DEFESA DA BIODIVERSIDADE, DO BRASIL E DA DEMOCRACIA: FRENTE AO FASCISMO NÃO PODE HAVER HESITAÇÃO

Os perigos são vários – e iminentes. Uma candidatura violenta e despreparada desponta como a favorita à vitória, erguida sobre mentiras, notícias falsas, desinformação e medo. Neste momento, são as nossas chances de futuro que precisam ser defendidas. Afinal, para muitas das políticas e intenções de Jair Bolsonaro não haverá cura posterior; certos danos não podem ser desfeitos. O candidato do PSL pretende acabar com o Ministério do Meio Ambiente, subordinando questões ambientais à pasta da Agricultura, ou seja, aos interesses do agronegócio. A mineração avançará sem restrições sobre terras ancestrais indígenas na Amazônia e em todo o território nacional, destruindo a nossa biodiversidade. O ataque aos povos originários e tradicionais será sistemático, sem demarcação de terras ou garantia de direitos adquiridos. Propostas sobre temas complexos e importantes, como saneamento básico e desmatamento, inexistem; o candidato ataca as Unidades de Conservação, os tratados internacionais que regulamentam as políticas de clima, como o Acordo de Paris, critica as regras do licenciamento ambiental, algo, para ele e seus financiadores, dispensável. Ibama e o ICMBio são vistos como adversários. Risível, não fosse trágico: está já anunciada a criminalização de todo o tipo de ativismo, de ONGs e todas as organizações da sociedade civil que se colocam no caminho da devastação, lutando, em parceria com povos e comunidades, por autonomia – no país que mais mata defensoras e defensores dos territórios, o futuro é sombrio. No campo da saúde e da educação, Bolsonaro foi favorável ao congelamento de gastos pelos próximos 20 anos; em segurança, apresenta ideias macabras como a liberação do porte de armas, que trará somente mais mortes e violência, em especial nas áreas rurais e nas periferias das cidades. Quem mais morre hoje vai morrer ainda mais amanhã.

Percebe-se, assim, que o adversário de Fernando Haddad nesta eleição não é um mero opositor, alguém que diverge em ideias e políticas econômicas; isto seria próprio da democracia. Não: do outro lado está uma candidatura que se constrói da violência e da intolerância. Jair Bolsonaro afirmou aos ventos já: julga que uma colega deputada só não deveria ser estuprada devido ao fato de ser “feia”; que sua filha, única mulher, foi resultado de uma “fraquejada”; que mulheres merecem receber salários inferiores aos de homens porque engravidam; que quilombolas não servem sequer para reproduzir, reduzindo a existência do negro a de um animal reprodutor; disse que não demarcará um centímetro de terras indígenas – pelo contrário, vai atacá-las em favor de um extrativismo insustentável; que as minorias devem se curvar às maiorias, ou então desaparecerem; e, entre outros absurdos, que o erro da ditadura foi torturar ao invés de matar, a maneira mais eficaz de silenciar um opositor. O seu absoluto desprezo pela democracia ele deixou claro ao homenagear, em seu voto a favor do impeachment de Dilma Rousseff, um sádico torturador que violentou mulheres – a ex-presidenta inclusive – das maneiras mais macabras durante a ditadura civil-militar brasileira.

Aos que alegam serem só palavras, percebam que o discurso de ódio já toma forma nas ruas: seus apoiadores assassinaram Mestre Moa do Katendê, liderança negra na Bahia, pelo simples fato de ele ter votado em Haddad; uma jovem porto-alegrense teve o corpo violado, tendo uma suástica, a cruz nazista, “tatuada” com um canivete em sua pele por utilizar um adesivo com a inscrição “Ele Não”; um estudante do Paraná foi espancado por estar usando um boné com a identificação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”. Além destes, existem diversos outros casos, tão horríveis e chocantes quanto, e a eleição sequer acabou. É bem verdade que o Brasil é, historicamente, um país racista, patriarcal e homofóbico. Os números mostram: é o país que mais assassina LGBTs no mundo; o assassinato de quilombolas cresceu 350% entre 2016 e 2017. Contudo, caso a eleição de Bolsonaro se concretize, não restam dúvidas de que o cenário irá piorar: as violências históricas estarão justificadas – e serão mesmo incentivadas – pelo ocupante da maior representação política do país, o presidente.

Divergências à parte em relação às gestões do PT ao longo dos anos, o momento atual exige um posicionamento claro: a nossa defesa é pela vida, pela liberdade, pela diversidade. Pela soberania e autonomia dos povos sobre seus territórios. Hoje, é algo fundamental e inegociável que está em jogo: a própria democracia. O direito à discordância e à oposição está em xeque; a diferença é posta como o inimigo da vez. Contra isso, portanto, não se trata mais de um “voto útil”. O voto a ser dado é de sobrevivência – o que vai muito além de disputas partidárias. Não queremos que os nossos morram, nem apanhem, nem silenciem, nem se amedrontem. Queremos direitos garantidos e ampliados. Bolsonaro é uma ameaça a isso tudo. E a tendência, agora, é um Congresso ainda mais retrógrado, com o crescimento da bancada BBB – Bala, Bíblia e Boi, ou seja, armamentista, conservadora-evangélica e do agronegócio, que atacarão ferozmente a natureza ainda protegida das monoculturas e do desmatamento – proteção essa garantida exatamente pelos modos de vida indígena, quilombola e campesino, postos, por isso, sob grave ameaça.

Frente ao fascismo, não pode haver dúvida ou hesitação: Bolsonaro representa o que de mais nefasto existe, a tortura, a barbárie, a violência, o racismo e a misoginia. É tal qual um símbolo deste neoliberalismo patriarcal tosco que aponta seus canhões ao Brasil – e antes ao Paraguai, ao Haiti e a Honduras, entre outros, em uma onda fascista que periga invadir a América Latina agora que se derrama por um dos países mais proeminentes da região: em 2016, após a promoção deliberada da instabilidade política, testemunhamos um golpe de estado – incentivado por nossas podres instituições, o Judiciário, o Legislativo e a mídia -, a fim de entregar nossas riquezas a transnacionais e governos estrangeiros. Agora, em um risco talvez não tão calculado por uma elite que não suporta a soberania popular, assistimos à ascensão do fascismo, que poderá, paradoxalmente, ser eleito pelas vias democráticas para destruir o pouco de democracia que aqui havia, já reduzida a escombros com o apequenamento de suas instituições nos últimos anos – vide a embaraçosa atuação do Poder Judiciário em julgamentos recentes, com claros fins políticos. Juízes, procuradores e desembargadores veem agora, do alto de seus pedestais, o fantasma do fascismo se materializar e nada fazem; apenas observam – alguns com indisfarçada satisfação.

O confronto está posto e, dada a massiva votação do candidato fascista no primeiro turno, turbinado pela proliferação de notícias falsas, pode mesmo parecer perdido. Há tempo, porém – embora curto -, e o desespero nada nos trará de benefício. Ninguém está eleito ainda. Além disso, a luta contra o fascismo é histórica e se estende para além das urnas; a disputa por cargos legislativos e executivos, ainda que importante, é apenas parte de um embate mais amplo contra as injustiças sociais, econômicas e ambientais e contra todas as formas de opressão. O crescimento dos ideais da extrema-direita, avessos à diversidade, deixará sequelas e cicatrizes difíceis de superar ou de esconder, e impõe-se sobre nós a responsabilidade de nosso tempo: é então hora, enfim, de enfrentarmos o histórico racismo e patriarcalismo incrustados em nós, em nossa sociedade e em nosso país. Enfrentemos o neoliberalismo colonialista que, ganancioso, apropria-se de nossas riquezas naturais e impede os nossos modos de vida. Hoje estas mazelas expressam-se por meio da bestialidade de Jair Bolsonaro, que deve ser derrotado. Para isso, são muitas as frentes e os grupos que se organizam, já com algum atraso, em um justo e necessário esforço. Tais alianças devem ser mantidas mesmo após o pleito de 28 de outubro: a defesa da democracia e da diversidade dos modos de vida deve ser permanente, independente do que digam urnas – e reafirmamos aqui o nosso compromisso em sustentá-la.

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