Animações explicam o que é economia feminista e princípios da sua construção na agenda de movimentos sociais

Está chegando o dia #8M, data que marca globalmente as jornadas de luta do feminismo popular,  construído diariamente nos territórios. De forma propositiva, a @capiremov, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Amigos da Terra Internacional produziram duas animações que abordam a economia feminista, expondo também os princípios para a construção desta na agenda dos movimentos sociais e na construção de uma mudança de sistema. De forma criativa e lúdica, os vídeos se propõe a explicar o conceito e introduzir alguns princípios feministas, sendo recomendados para o uso de movimentos sociais em suas atividades de formação.

O que é a economia feminista?

 A Economia feminista é uma estratégia política para transformar a sociedade e as relações entre pessoas e pessoas e a natureza. Passa por reconhecer e reorganizar o trabalho doméstico e do cuidado, que dentro do patriarcado recaem com força sobre as mulheres. É, ainda, uma resposta à atual crise econômica, ambiental e social. 

As mulheres são sujeitos econômicos e protagonistas na luta contra o modelo econômico dominante. A economia feminista aponta o trabalho que sustenta a vida e a produção econômica, evidenciando todas as pessoas que o fazem – sendo a maioria delas mulheres, pessoas negras e imigrantes.

 É uma economia que se propõe ainda a reorganizar as relações de trabalho, de gênero e raciais na nossa sociedade, fazendo com que o trabalho de cuidado se torne uma responsabilidade compartilhada entre todas as pessoas e o Estado. Ponto que passa tanto por discussões de políticas públicas, retomada de espaços comuns, frear as privatizações e a atransformação de bens comuns como a água e a energia em mercadorias, revogações de medidas de retirada de direitos de pessoas trabalhadoras, mais direitos, qualidade de vida, educação e saúde públicos gratuitos e de qualidade para todas as pessoas. 

Na economia feminista, a sustentabilidade da vida está no centro. Isto significa priorizar as necessidades dos povos e dos territórios ao invés do lucro. Os cuidados são uma necessidade humana fundamental. Todas as pessoas são vulneráveis e interdependentes. Todo mundo precisa de cuidados ao longo da vida, independente da idade ou do estado de saúde.  E para além disso, os trabalhos conectados a essa esfera são de baixa intensidade ecológica, não exigindo extração de recursos da natureza em larga escala e podendo se aliar a uma transição energética, climática e ecológica realmente justa. 

Economia feminista, sociedade sustentável e sociedade do cuidado 

Para transformar nosso atual modelo econômico, precisamos fazer da solidariedade e da reciprocidade uma prática nas nossas vidas, nos nossos movimentos e nos nossos esforços políticos cotidianos. A economia feminista nos lembra que a biodiversidade é fruto da relação com as povos tradicionais e seus modos de vida. Devemos respeitar o ciclo de regeneração da natureza e repensar nossa relação com a alimentação, valorizando práticas agrícolas e culinárias locais e garantindo que as comunidades tenham meios de cultivar alimentos em seus próprios territórios. A economia feminista propõe uma alternativa de sociedade construída a partir da centralidade da sustentabilidade da vida, da interdependência e ecodependência.

Uma sociedade sustentável precisa ser uma sociedade do cuidado, mas um cuidado fora das amarras do capital. Assinalar a importância do trabalho de cuidado, que sustenta a vida de todas, todes e todos é um passo para a valorização deste e para a construção de outras formas de se relacionar.

A economia feminista apresenta ainda atividades compatíveis com a redução da exploração de recursos, o que aponta uma saída para um crescimento econômico clássico, pautado pelo acúmulo infinito de capital em um planeta finito. Processo que se dá por meio da superexploração do trabalho e da natureza, do ecocídio, da criação de zonas de sacrifício, do racismo ambiental e da extinção.

O modelo capitalista divide a nossa sociedade entre as esferas de produção e reprodução da vida, isso faz com que pareça que pareçam coisas independentes. O trabalho que tem relação com o dinheiro é considerado produtivo e a sociedade o valoriza. Já o trabalho doméstico e de cuidados é considerado reprodutivo. E apesar de ser fundamental para sustentar a vida, é invisível para a sociedade e não é considerado parte da economia. A economia tradicional se constrói dentro desse modelo, privilegiando as experiências dos homens e negando as das mulheres. A Economia feminista torna visíveis todos os trabalhos que sustentam a vida, sendo o trabalho reprodutivo fundamental para que o próprio trabalho produtivo aconteça. Não há separação.

A economia dentro da economia feminista, portanto, é o modo como garantimos a vida. Sem cuidados e sem alimentos, por exemplo, não há economia  e nem  vida possível. Por isso a economia feminista reconhece e valoriza os trabalhos de cuidado como parte da economia. E vai mais além: reorganizando esse trabalho pra que seja de todas pessoas, coletivo, e para que hajam políticas públicas a respeito.

O capitalismo se desenvolveu às custas da exploração da natureza e do tempo das pessoas. Tudo em função do mercado. Na África, Ásia e na América Latina as pessoas foram expulsas de suas terras para dar lugar a monocultivos de alimentos e agrocombustíveis para a exportação. Empresas minerárias contaminam as águas, seguem destruindo a diversidade da natureza e colocam em risco a vida de quem vive em territórios próximos. Não é casualidade que nessas áreas de disputa apareçam conflitos armados e as mulheres enfrentem muita violência.

Nas cidades, grandes empresas construtoras se beneficiam com a especulação imobiliária. Para isso, desalojam pessoas de seus lares e comunidades para construir grandes projetos que afetam sobretudo as populações periféricas, migrantes, negras e indígenas. E quem segura as pontas nas comunidades, garantindo que todo mundo tenha habitação, comida e cuidado, são as mulheres.

Para manter as taxas de lucro das grandes empresas, a exigência é de mais trabalho, com menos direitos e mais vigilância. Na lógica da ganancia transformam os bens comuns em mercadorias e superexploram o trabalho das pessoas. Quando menos esperamos, o que era público vira propriedade privada, o que era de acesso comum passa a ser só para quem pode pagar.

Mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas com o trabalho em casa e fora de casa, da reprodução e produção da vida. E com um olhar para a ecomomia feminista, a partir do cotidiano de quem cuida da vida, é evidente que os tempos e as lógicas de vida, da natureza, são incompatíveis com os ritmos do capital.

Além de ser muito  invisibilizado, muitas vezes o trabalho de cuidado é não renumerado ou mal renumerado, trazendo ainda mais violências para o cotidiano de quem historicamente assume essa responsabilidade. Situações como a da pandemia de covid-19 escancaram o quão imprescindível é uma economia que tenha o cuidado em primeiro plano, pautando um modo de vida solidário, com o fortalecimento dos espaços comuns, de escolas, creches, lavanderias, hortas e cozinhas comunitárias.

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 01”:

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 02”:

Fonte: Capire 

 Leia também a nossa última coluna no Jornal Brasil de Fato, que também aborda o tema.

 

8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante na ONU: “Tratado Azul” é defendido pelas organizações e comunidades para responsabilizar as transnacionais


#RegrasParaAsEmpresas #DireitosParaOsPovos

Neste ano de 2022, a Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade, uma coalizão com mais de 200 organizações, movimentos, sindicatos  e comunidades atingidas de todo o mundo, comemora 10 anos. Por meio deste espaço, do qual integra a Amigos da Terra, os participantes incidem de forma organizada e forte nas negociações do Tratado Vinculante para regular as Empresas Transnacionais em matéria de Direitos Humanos na ONU (Organização das Nações Unidas). Também aprofundam a solidariedade, o apoio entre as diferentes lutas contra as transnacionais e a construção do direito internacional a partir de baixo.

Juntos na Campanha Global, as organizações, movimentos e comunidades atingidas construíram o Tratado Azul, que é a proposta de texto desta coalizão para o Tratado Vinculante junto à ONU. Este documento foi apresentado pela Campanha Global em 2017 ao OEIGWG (por sua sigla em inglês, Grupo de Trabalho intergovernamental de composição aberta, que discute e redige o tratado). Desde então, os integrantes têm contatado governos para entregar o Tratado Azul e discutir as suas propostas, a fim de que também sejam assumidas e defendidas pelos países. 

A caminhada não tem sido nada fácil. A coordenadora da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos, comenta que o GT já está redigindo o terceiro rascunho do texto do Tratado Vinculante e critica que o instrumento está cada vez mais esvaziado, deixando de responsabilizar as empresas pelos crimes cometidos. “Também em 2017, a presidência do GT estava com o Equador, país que tinha um governo progressista na época, que apresentou um documento de elementos para ser a base para a negociação. Nós da Campanha Global percebemos que havia espaço para avanços da sociedade civil e das comunidades atingidas e entregamos o Tratado Azul. No entanto, houveram mudanças na linha política do governo, alinhando-se com o neoliberalismo e, desde então, as negociações do Tratado Vinculante têm regredido a fim de atender os interesses das empresas transnacionais e de governos comprometidos com elas”, diz.

Tratado Azul: propostas da Campanha Global para responsabilizar as transnacionais e reparar as comunidades atingidas

Para marcar seus 10 anos e reforçar seu posicionamento na 8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante, que ocorre nesta semana na sede da ONU em Genebra, na Suíça, a Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade lançou um material em que explica 7 pontos-chave defendidos no Tratado Azul.

Clique na imagem abaixo para acessar a cartilha da Campanha Global:

O primeiro ponto-chave é o alcance  do Tratado Vinculante. Na visão da Campanha Global, o tratado tem que respeitar a resolução que criou o GT, que é voltado para regular as empresas transnacionais ou de caráter transnacional. “É um ponto chave porque acreditamos que se o documento não for centrado nas transnacionais, vai se tornar ineficaz porque esta é justamente a falha no Direito Internacional, em que são as transnacionais que encontram vazios legais para violar”, avalia a coordenadora da Amigos da Terra, Letícia Paranhos. 

Outra questão muito cara é a primazia dos direitos humanos sobre os acordos de livre comércio no Direito Internacional. Isso porque as normas comerciais têm prevalecido frente aos direitos dos povos, fazendo com que muitos países sejam processados por empresas transnacionais por fazerem cumprir direitos, como acesso à saúde.

O terceiro ponto-chave é o estabelecimento de  obrigações diretas para as empresas. “Entendemos que se o documento é justamente para responsabilizar as empresas, não faz sentido criar obrigações apenas para os Estados. As transnacionais violam direitos dos territórios, então é imprescindível ter obrigações para elas também”. Paranhos contou que a Campanha Global tem debatido, com os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras, a necessidade de colocar no texto do Tratado Vinculante a responsabilização das empresas em crimes e irregularidades cometidas também na cadeia global de produção. “No Tratado Azul, entendemos que a responsabilidade da violação tem que ser da empresa matriz. Não importa se é uma terceirizada ou quarteirizada, quem tem maior lucro e gestiona as demais empresas é a matriz, que em geral está localizada no Norte Global”, argumenta.

Outro ponto-chave destacado por Paranhos é a criação do Tribunal Internacional sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos, para que as comunidades atingidas e os Estados possam demandar as empresas. Atualmente, existe uma corte arbitral sediada no Banco Mundial, mas para defender os interesses das empresas. Por exemplo, se em um acordo de livre comércio as empresas entenderem que uma política pública está prejudicando seus negócios, podem demandar os Estados nesta corte. No entanto, o contrário não é permitido.

O Tratado Azul também defende os Direitos das Comunidades Atingidas, buscando avançar no direito internacional para reconhecer a importância do protagonismo das pessoas e comunidades afetadas na condução dos processos de prevenção e reparação.

A Campanha Global se preocupa, ainda, que o Tratado Vinculante traga mecanismos que evitem a captura corporativa por parte das empresas sobre os espaços democráticos. “Não podemos imaginar que as empresas que violam direitos humanos, além de não estarem submetidas a nenhum procedimento de legitimidade democrática, estejam dirigindo as negociações”, aponta Paranhos.

Neste vídeo, a coordenadora de Justiça Econômica da Amigos da Terra Internacional (ATI) e integrante da Amigos da Terra Brasil (ATBr), Letícia Paranhos, fala sobre a importância da coalizão da Campanha Global e das propostas das organizações e das comunidades trazidas no Tratado Azul:

Vídeo da coordenadora Letícia Paranhos em que faz um breve balanço sobre a 8ª Sessão de Negociações:

8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante na ONU: os 10 anos da Campanha Global

8ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante na ONU: os povos afetados exigem normas vinculantes para as empresas transnacionais, a nível local e internacional

As grandes empresas estão devastando o meio ambiente e as vidas humanas em todas as partes do mundo. Os Princípios Orientadores das Nações Unidas (ONU) e a abordagem de devida diligência não conseguiram conter a impunidade empresarial. É urgentemente necessário um instrumento internacional juridicamente vinculativo para regular as empresas transnacionais em matéria de direitos humanos, tal como o que está sendo atualmente negociado na ONU. Também são necessárias leis nacionais que se baseiem e deem suporte a este tratado internacional.

Normas vinculantes para as grandes empresas 

A indústria do gás está provocando destruições em Cabo Delgado, na zona norte de Moçambique, e fomenta violações de direitos humanos, pobreza, corrupção, violência e injustiça social. Durante décadas o Estado de Israel e sua empresa Mekorot negaram à população palestina o acesso e controle de suas terras, fronteiras e recursos naturais. As comunidades do Brasil seguem esperando indenização e justiça frente ao colapso da represa da Vale/Samarco/ BHP Billinton, em 2019. Estas são apenas três das  incontáveis atrocidades que cometem as empresas transnacionais e que afetam, em particular, o Sul Global.  

Os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos são uma diretiva fraca e não vinculativa aprovada em 2011. Ainda que se estabeleça que “as empresas devem proceder com a devida diligência em matéria de direitos humanos”, o documento fracassou imensamente na hora de fazer com que as grandes empresas sejam responsabilizadas por suas violações destes direitos. 

A coordenadora do Programa de Justiça Econômica da Amigos da Terra Internacional, Letícia Paranhos, explica: 

“A devida diligência não tem sido de todo suficiente. É por isso que as pessoas celebraram uma vitória no Conselho dos Direitos Humanos da ONU em 2014. Com a adoção da Resolução 26/9, foi criado um novo Grupo de Trabalho Intergovernamental para negociar um Tratado Vinculante sobre Empresas Transnacionais e Direitos Humanos. Este foi um marco fundamental para pôr fim à impunidade empresarial”. 

De 24-28 de Outubro de 2022, realiza-se em Genebra a oitava sessão de negociações deste tratado.

As comunidades afetadas de todo o mundo, com o apoio da Campanha Global para Reivindicar a Soberania dos Povos, Desmantelar o Poder Corporativo e Pôr Fim à Impunidade (Campanha Global), estão liderando o processo da ONU com uma lista clara de exigências relativas ao conteúdo do Tratado Vinculante. Agora, um elemento fundamental da estratégia para os movimentos sociais é, também, a promoção de leis nacionais que complementem e sustentem o tratado internacional.

Lutas complementares contra as grandes empresas do Sul Global e do Norte Global

As lutas diárias enfrentadas pelas comunidades afetadas pelas corporações exigem também uma ação a nível nacional. Do Sul Global, onde operam a maioria das empresas transnacionais, para o Norte Global, onde estas empresas estão sediadas. Nos últimos anos, tem havido um movimento de leis nacionais em vários países. 

A lei da França sobre o dever de vigilância

Num momento histórico em 2017, a França aprovou uma lei sobre o “dever de vigilância” (devoir de vigilance) das empresas-mãe e subcontratadas. “Este foi o resultado de esforços incansáveis – anos de campanha – da sociedade civil e das comunidades afetadas pelas operações das empresas transnacionais francesas no estrangeiro”, diz Juliette Renaud da Amigos da Terra França. Para além dos desafios, esta lei é um passo em frente, pois “aborda a complexidade jurídica das empresas transnacionais com as suas múltiplas filiais e subcontratadas bem como as diferentes formas de relações comerciais que frequentemente utilizam para assegurar a sua impunidade”.

A lei já está sendo utilizada: em 2019, seis organizações francesas e ugandesas, incluindo a Amigos da Terra França e a Amigos da Terra Uganda, entraram com uma ação judicial contra a gigante petrolífera francesa Total por violações dos direitos humanos e danos ambientais potencialmente irreversíveis na Uganda e na Tanzânia. O processo, que foi o primeiro a ser instaurado com base na nova norma “dever de vigilância”, segue em curso.

Agora outros países da União Europeia (UE) estão seguindo os passos da França, como Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Finlândia e Luxemburgo, que atualmente estão analisando propostas 

No início de 2022, a UE divulgou a sua proposta de lei sobre a devida diligência obrigatória para as empresas em matéria de direitos humanos e meio ambiente. Infelizmente, na sua forma atual, a lei “não garante justiça nem responsabiliza as empresas pelos seus impactos climáticos“. Em resposta, 220 organizações apelaram à UE para que resolvesse as principais falhas da diretiva. A participação do bloco europeu no processo do Tratado Vinculante da ONU tem estado longe de ser exemplar: desde os estados membro que votaram no bloqueio contra a resolução 26/9 em 2014, até às várias tentativas de desandar o processo ao longo dos últimos anos de negociações.

O projeto de lei do Brasil sobre um marco para as empresas e os direitos humanos

Com o colapso da barragem de Mariana e Brumadinho ainda fresco na memória, a luta para frear os abusos empresariais no Brasil atingiu um ponto-chave em 2022. As violações dos direitos humanos neste gigantesco país latino-americano são moeda corrente. E o fato de que existam grandes empresas por trás de muitas destas violações não é uma surpresa.

Apesar da contínua devastação provocada por Bolsonaro, em Agosto de 2022 o Brasil formulou o projeto Lei Marco Brasileira de Direitos Humanos e Empresas (PL 572 de 2022). Cabe destacar que movimentos sociais, organizações da sociedade civil, acadêmicos e sindicatos de pessoas trabalhadoras participaram na redação do texto. O projeto de lei irá beneficiar os povos indígenas, povos quilombolas (afrodescendentes), as comunidades afetadas por violações dos direitos humanos e a classe trabalhadora. Estes são os grupos mais afetados pelas violações corporativas. 

De forma inovadora, o projeto de lei estabeleceria a primazia dos direitos humanos e incluiria obrigações diretas para as empresas transnacionais, o que é sem precedentes a nível mundial. Por conseguinte, poderia ser utilizado para responsabilizar as empresas por violações dos direitos humanos. A proposta em si é baseada nas experiências das comunidades afetadas no Brasil. Além disso, seriam atores-chave no estabelecimento de medidas de prevenção, controle e compensação. Isto é algo sem precedentes. O projeto de lei será posto em votação, mas ainda não foi definida uma data. 

“Claramente no caso do Brasil, o desejo de trabalhar a nível das bases para uma lei nacional foi em parte inspirado pela participação dos movimentos brasileiros no processo do Tratado de Vinculação da ONU”, afirma a brasileira Letícia Paranhos. A participação na Campanha Global fortaleceu a sua confiança e a capacidade de articular as suas exigências, o que abriu o caminho para uma forte participação a nível nacional. Esta lei nacional também será útil na criação de mecanismos para implementar normas internacionais dentro do Brasil.  

Letícia Paranhos acrescenta: 

“A América Latina está cansada da devida diligência e dos Princípios Orientadores, medidas que foram impostas de maneira neocolonial no Sul Global. A Lei Marco Brasileira De Direitos Humanos e Empresas está dentro do espírito da Campanha Global. Foi redigido com base na nossa proposta de Tratado Vinculante. Precisamos avançar nos nossos contextos nacionais com leis juridicamente vinculantes baseadas nas nossas demandas para o contexto internacional. Ao mesmo tempo, estas leis nacionais dariam respaldo a esse processo na ONU, para pressionar um instrumento internacional ambicioso verdadeiramente capaz de pôr fim à impunidade empresarial”.

*Texto divulgado originalmente no dia 26 de outubro de 2022,  no site da Amigos da Terra Internacional, no link: https://www.foei.org/es/grandes-empresas-pueblos-afectados-exigen-normas-vinculantes/ 

A Crise da COVID-19 é um sinal de alerta para mudarmos o sistema

A crise do Coronavírus só pode ser enfrentada com a soberania dos povos e com justiça ambiental, social, de gênero e econômica

Amigos da Terra Internacional expressa sua profunda consternação e solidariedade neste momento em que o mundo enfrenta a crise da COVID-19, que já está afetando tantos povos ao redor do mundo, especialmente daqueles que sofrem o impacto das desigualdades estruturais. A perda dramática de vidas humanas nos comove profundamente, em um mundo que não estava preparado para enfrentar uma catástrofe como esta. Essa é uma crise que vai muito além dos incontáveis impactos sanitários da pandemia, revelando injustiças ambientais, sociais, de gênero e econômicas que são sistêmicas, além de causas e consequências políticas absolutamente nocivas.

Esta crise é alimentada pelo atual sistema político-econômico, que exacerba seus impactos e impõe obstáculos significativos para respostas estruturais. As horríveis consequências do Coronavírus são o resultado da crescente concentração de riqueza e da imposição de uma doutrina neoliberal que sacrifica a preservação da vida. Hoje está mais evidente do que nunca que a economia baseada no livre mercado é o problema, não a solução.

O neoliberalismo conduziu à privatização e ao sucateamento dos sistemas de saúde pública, seguridades social e dos serviços públicos, ao desmantelamento dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores e à precarização dos empregos e à maior exploração do trabalho das mulheres. Além disso, outorgou poderes e privilégios extraordinários às empresas transnacionais, ao mesmo tempo em que reduziu o papel e a posição do Estado, aumentando a vulnerabilidade de nosso mundo ante impactos da crise.

A pandemia está desvelando e agravando as violentas desigualdades do capitalismo entre e dentro dos países. Está debilitando nossas necessidades humanas básicas e deixando milhões de pessoas vulneráveis a uma perda repentina de acesso aos meios de sobrevivência. Muitas pessoas simplesmente não podem se isolar, cumprir o distanciamento social ou deixar de trabalhar. Os despejos serão a norma quando as pessoas não puderem pagar seus aluguéis ou prestações do Minha Casa, Minha Vida. As mais afetadas serão as classes trabalhadoras rurais e urbanas, as populações indígenas, as mulheres, os povos que sofrem com o racismo, as/os imigrantes, refugiadas/os, os povos em zonas de guerra e conflitos e os que vivem em países que sofrem com bloqueios econômicos. Será cada vez maior o número de trabalhadores que perderão seus empregos e de imigrantes que enfrentarão uma negação criminosa de seus direitos humanos, bem como muros mais altos e largos.

A COVID-19 está revelando a magnitude da crise do cuidado em nossas sociedades: uma crise que vem sendo gestada há séculos pela incapacidade do sistema patriarcal, racista e capitalista de cuidar dos povos, da natureza e dos territórios, por um lado, e porque se sustenta sobre o trabalho e os corpos das mulheres para compensar e reparar os danos provocados pelo sistema de exploração capitalista neocolonial, por outro. Por meio da divisão sexual do trabalho, as mulheres têm sido e continuam sendo socialmente responsáveis pelo trabalho de cuidado e suportando em seus ombros essa carga. As mulheres, mães solteiras e famílias da classe trabalhadora são forçadas a escolher entre o confinamento em suas casas ou trabalhar para alimentar suas famílias, sob risco de serem infectadas pelo vírus. Isso é particularmente verdadeiro para mulheres que sofrem com o racismo. Profissionais de saúde na linha de frente do combate ao Coronavírus, que são em sua maioria mulheres, estão encarando uma exploração ainda maior, com compensações financeiras inadequadas aos riscos que correm e às responsabilidades que têm pelos outros.

A globalização do sistema de livre mercado, no qual empresas transnacionais exercem um papel-chave, tem conduzido a uma ruptura devastadora entre nossas sociedades e a natureza. A crise do Coronavírus está desmascarando a real extensão do quanto o controle corporativo da alimentação, da energia, das florestas e da biodiversidade é a causa principal da destruição dos ecossistemas que está facilitando de patógenos que afetarão cada vez mais nossa saúde. O agronegócio e a produção de commodities agropecuárias geram enormes problemas de saúde pública mediante a destruição de habitats naturais e/ou a intensificação da criação de gado e outros animais. Aqueles que sofrem com problemas respiratórios ou imunológicos devido à energia suja e outras poluições industriais estão particularmente sob risco de infecção.

Os impactos devastadores das indústrias extrativistas nos territórios indígenas estão os tornando ainda mais vulneráveis à COVID-19. Seus sistemas e práticas de conhecimentos tradicionais, que incluem cuidados de saúde e de produção, armazenamento e consumo de alimentos estão sendo enfraquecidos. Eles continuam sendo excluídos dos sistemas de saúde e não se está disponibilizando informações culturalmente apropriadas sobre a crise.

A pandemia está agravando as consequências de décadas de inação dos países ricos frente as mudanças climáticas, assim como às suas políticas nocivas. Os olhos do mundo estão postos com razão sobre a crise sanitária atual; mas as catástrofes relacionadas com a injustiça climática, tal como o recente ciclone que atingiu Vanuatu, repetem-se sem parar e é necessário encará-las. Os povos do Sul Global mais fortemente atingidos pelos impactos climáticos estão agora extremamente vulneráveis a contrair e disseminar a COVID-19 e carecem de acesso a sistemas de saúde robustos.

Avizinha-se uma crise alimentar profunda, principalmente em países que dependem de importações e onde as terras têm sido destinadas à produção de commodities agropecuárias. À medida que os povos perdem suas fontes de renda e seus meios de sobrevivência, não poderão acessar economicamente os alimentos, que por sua vez estão cada vez mais expostos à especulação financeira. Em muitos países, o fechamento dos mercados locais impede que os alimentos da produção campesina familiar e artesanal cheguem à população, ao mesmo tempo em que privilegia grandes empresas que priorizam seus lucros acima do direito a uma alimentação saudável.

Fazemos frente a esta pandemia num contexto em que a democracia já vinha sofrendo ataques, com eleições manipuladas mediante o controle empresarial de nossos dados e dos meios de comunicação e, inclusive, com golpes de Estado em alguns países. A ascensão da extrema direita e do neofascismo, com seus discursos e políticas misóginas, xenofóbicas, militaristas e racistas, resulta em um ataque frontal a direitos duramente conquistados pelas classes populares e pelo movimento feminista. Muitos governos já começaram a silenciar vozes que defendem uma democracia real e o poder e a participação dos povos pela criminalização e tentativa de desmantelamento de organizações e movimentos sociais.

As mulheres estão enfrentando um aumento brutal da violência e dos feminicídios em todo o mundo. Orientações para ficar em casa estão aprisionando muitas mulheres e seus filhos em lares inseguros, na companhia de agressores e criminosos, sem qualquer lugar para onde ir, nem possibilidade de receber ajuda.

Em tempos em que o escrutínio público e a capacidade de mobilização e protesto se reduzem, enfrentamos ameaças ainda maiores de um incremento dos ataques criminosos contra defensoras/es dos territórios e dos direitos dos povos, assim como a imposição de novos projetos empresariais prejudiciais. Os países com pouca ou nenhuma soberania para produzir muitos insumos fundamentais estão vulneráveis. O risco de que corporações lucrem com essa crise é muito grande – especialmente por meio do controle sobre os sistemas de saúde, alimentação e produção de medicamentos. Soma-se a isso o perigo real de que se usem fundos públicos para salvar grandes empresas, tais como empresas de combustíveis fósseis, que destroem o clima e a biodiversidade.

Nossas Demandas

Para fazer frente a essa crise e suas causas estruturais, Amigos da Terra Internacional se soma ao movimento feminista, campesino, sindical, aos Povos Indígenas e a outros movimentos sociais para exigir que os governos cessem imediatamente a repressão, abandonem as políticas de austeridade, detenham os despejos e incrementem os orçamentos públicos, a justiça fiscal e a distribuição de renda. Fazemos eco, ainda, ao chamado para anulação da dívida externa.

A centralidade da vida e do trabalho de cuidado deve ser reconhecida, com regulações ambientais mais fortes, com o fim da divisão sexual do trabalho e com uma resposta sistêmica para a crise direcionada à justiça ambiental, social, de gênero e econômica e a uma economia feminista.

Governos devem assegurar que os direitos fundamentais à saúde, previdência social, moradia, energia, água, educação, transporte, alimentação e cuidados serão garantidos por meio de serviços públicos providos pelo Estado. Eles devem apoiar financeiramente as classes trabalhadoras e as comunidades. Qualquer dinheiro público deve ser utilizado para colocar os trabalhadores, o clima e a saúde de nosso planeta e nossos povos a longo prazo em primeiro lugar.

Os pacotes de estímulo e recuperação econômica e financeira internacionais e os governos nacionais devem mirar na criação de milhões de empregos decentes que contribuam para impulsionar uma transição justa que nos liberte do capitalismo e da economia dependente de combustíveis fósseis e assegurar a autonomia das mulheres. Os governos não podem oferecer salvamentos incondicionais para grandes poluidores, como empresas de combustíveis fósseis e de aviação. Não podemos retornar aos negócios de sempre após esta crise. Nós devemos estabelecer as fundações de um mundo melhor. Não podemos permitir mais um ciclo de capitalismo agressivo e políticas neoliberais que destroem as vidas dos povos e nosso planeta.

Os governos devem indispensavelmente fortalecer os sistemas alimentares locais, os mercados locais descentralizados e os programas de compras públicas diretas que contribuam para garantir a venda da produção campesina familiar e artesanal e a disponibilidade de alimentos para aqueles que mais necessitam. Os programas públicos direcionados à infância, às pessoas com deficiência e a todas as pessoas que sofrem com a fome devem ser melhorados e ampliados radicalmente.

Precisamos reverter imediatamente a tendência atual de aumentar o poder, os lucros e a impunidade das grandes corporações, o que inclui pôr fim a todas as negociações comerciais e investimentos que dão ainda mais poder às empresas transnacionais, assim como garantir um tratado juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos no âmbito da ONU.

Devem-se abolir urgentemente os mecanismos arbitrais de solução de controvérsias entre investidores e Estados, que permitem que corporações transnacionais processem governos por tomarem ações que protejam a vida, argumentando que essas ações de interesse público são discriminatórias ou uma expropriação indireta de seus investimentos.

Os meios médicos de enfrentamento ao Coronavírus, incluindo uma futura vacina, devem ser acessíveis a todas e todos, com uma suspensão imediata de qualquer direito de propriedade intelectual sobre suprimentos, equipamentos e tratamentos médicos, incluindo medicamentos e vacinas.

Nossas Ações

Nossas ações agora darão forma ao que virá após a crise. Amigos da Terra Internacional e nossos aliados conhecem o caminho a seguir. Nós devemos usar essa oportunidade para lutar e construir uma mudança de sistema, por meio do desmantelamento do patriarcado, bem como outros sistemas de opressão e poder corporativo. Nós precisamos fortalecer nossos esforços para avançar rumo à soberania dos povos e à justiça ambiental, social, de gênero e econômica.

Este é um momento de reafirmar a esperança, alimentando e fortalecendo novos paradigmas ecológicos e emancipatórios, centrados na justiça e na sustentabilidade da vida e em uma nova relação com os trabalhos de cuidado.

A solidariedade internacionalista entre os movimentos e através das fronteiras é fundamental, a medida que construímos uma resposta coletiva a esta crise, organizando e mobilizando nossas comunidades, organizações e movimentos para fortalecer nossas próprias iniciativas e lutar por nossas demandas.

Nossos grupos membros estão organizando e se somando a comitês locais de solidariedade para apoiar as/os mais afetadas/os. Estão somando-se, também, a plataformas políticas de movimentos sociais, junto a sindicatos, organizações campesinas e feministas, para lutar por respostas sistêmicas adequadas frente a esta crise e às múltiplas crises inter-relacionadas que enfrentamos – ambiental, climática e social. Nós seguiremos unidos aos nossos aliados para combater as injustiças que a COVID-19 tem revelado e exacerbado e para construir o mundo que necessitamos.

Shell enfrenta ação legal histórica na Holanda por não atuar sobre as mudanças climáticas

Amigos da Terra Internacional

Amsterdã, 4 de Abril de 2018: A organização Amigos da Terra Holanda anunciou hoje que levará a Shell ao tribunal caso a empresa não aja de acordo com as exigências de parar com a destruição do clima.

Donald Pols, diretor dos Amigos da Terra Holanda, disse: “A Shell está entre as dez maiores empresas poluidoras do clima a nível mundial. Sabe-se que há mais de 30 anos está a causar uma mudança climática perigosa, mas continua a extrair petróleo e gás e investe bilhões na prospecção e no desenvolvimento de novos combustíveis fósseis.”

O caso é apoiado pelos Amigos da Terra Internacional, federação ambientalista que desenvolve campanhas pela justiça climática e apóia comunidades atingidas por projetos de energia suja e pelas mudanças climáticas. Amigos da Terra Internacional têm 75 grupos membros nacionais ao redor do mundo, muitos deles trabalhando para impedir que a Shell extraia combustíveis fósseis nos seus países.

Karin Nansen, presidenta da federação Amigos da Terra Internacional, comentou: “Esse caso envolve pessoas em todo o planeta. A Shell causa enormes danos, as mudanças climáticas e a energia fóssil têm impactos devastadores pelo mundo afora, mas especialmente no hemisfério Sul. Com esta ação judicial, temos a possibilidade de responsabilizar legalmente a Shell.”

O caso dos Amigos da Terra Holanda faz parte de um crescente movimento global para responsabilizar as empresas transnacionais pela sua contribuição histórica para a mudança climática perigosa, bem como pelas violações dos direitos humanos e dos povos decorrentes de suas operações em todo o mundo.

Em janeiro, a cidade de Nova Iorque foi a tribunal para exigir uma indenização às cinco maiores empresas de petróleo, incluindo a Shell, pelas conseqüências das mudanças climáticas. As cidades de São Francisco e Oakland, assim como vários condados da Califórnia, estão fazendo o mesmo. Um agricultor peruano está processando a empresa alemã de energia RWE por contribuir para que os glaciares derretam acima da sua aldeia, resultado das mudanças climáticas.

Enquanto isso, no Brasil, o presidente ilegítimo Michel Temer indica o nome de ex-executivos da Shell para ocupar a o Conselho de Administração da estatal Petrobrás, fortalecendo os indícios de que o golpe de 2016 teria respondido aos interesses das transnacionais petroleiras. Vale lembrar que uma das primeiras mudanças de lei sancionadas após o impeachment da Presidente Dilma Rousseff foi a de alteração das regras de exploração do pré-sal, beneficiando diretamente as grandes da energia suja, como a Shell”, acrescentou Lúcia Ortiz, dos Amigos da Terra Brasil, coordenadora internacional do Programa de Justiça Econômica da federação.

O caso dos Amigos da Terra Internacional é único porque é o primeiro processo climático a exigir que uma empresa de combustíveis fósseis atue para parar de contribuir com a mudança do clima, ao invés de buscar compensações. Esse caso inovador, se for bem sucedido, limitará significativamente os investimentos da Shell em petróleo e gás a nível global, exigindo que se cumpram as metas climáticas acordadas pelos países na COP de Paris em 2015.

Nansen acrescentou: “Se vencermos este caso, haverá grandes consequências para outras empresas fósseis e se abrirá a porta para mais ações legais contra outros poluidores do clima. Amigos da Terra Internacional quer ver regras obrigatórias e vinculantes para corporações como a Shell, que muitas vezes se consideram acima da lei, inclusive quando se trata das metas climáticas”.

AQUI mais detalhes sobre as violações da Shell ao redor do mundo (em espanhol). Já aproveita e assina a petição online contra a Shell!

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