O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza

Foi o Acre o primeiro estado brasileiro a implementar políticas de financeirização da natureza. O que significa isso? Significa que o estado foi uma espécie de laboratório para medidas que transformam a natureza – as árvores, os rios e a terra, tudo isso que não podemos (ou não deveríamos) valorar – em algo quantificável, transformado em produto e, para além disso, em ativos em bolsas de valores que servirão como moeda de troca e de valorização de alguma empresa depois. Daí decorre um mar de problemas:

Essa é a parte 3 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos voltando à página central ou pelos links abaixo:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: [você está aqui] O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Veja também: O cerco explicado em um mapa

Primeiro, a privatização das terras: as empresas precisam ter áreas para a “captura de carbono”; ou seja, áreas verdes para “compensar” a poluição que geram no mundo. Assim, grandes indústrias poluidoras, como as petroleiras, as mineradoras e as empresas da aviação poderiam seguir suas atividades normalmente, com o mesmo ou até com maiores níveis de poluição, contanto que tivessem, em alguma parte do mundo, sua “fazenda de captura de carbono”.

Leia aqui a publicação “10 alertas sobre REDD para as comunidades”, preparada pela WRM (Movimento Mundial Pelas Florestas Tropicais, na sigla em português).

Aí outro problema: a própria “compensação” é, em si, uma violação de direitos. Para seguir poluindo, as empresas se adonam de um território que não é seu, em negociatas que ou não envolvem as comunidades ou são baseadas em mentiras, com promessas de compensações financeiras jamais concretizadas. Os povos originários, as comunidades tradicionais e as trabalhadoras e trabalhadores rurais, que historicamente viviam e se sustentavam da floresta, em equilíbrio, veem-se proibidos de manejar a mata a seu modo, com seus jeitos e culturas. Lhes é roubado o território e, com isso, suas existências são postas em risco: as famílias acabam sendo empurradas para as periferias das cidades, tornando-se parte da camada empobrecida da população. A riqueza fica atrás, na terra que não mais as pertence. Ora, resta-nos a dúvida: quem compensa a “compensação”?

Assim que a situação vai se complexificando: para “compensar” a poluição que emitem, as empresas violam direitos e proíbem os modos de vida tradicionais, em especial no Sul Global, e lucram também com isso ao transformar esses territórios em ativos financeiros; em resumo, quanto mais direitos violarem, mais poderão poluir e expandir seus ganhos: é lucro para poluir e para destruir e lucro pra “compensar” depois.

Veja abaixo, com mais detalhes, o “ganha-ganha” das empresas por trás das queimadas da Amazônia, em material produzido pela Amigos da Terra Brasil junto à regional do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) no Acre:

– Como o agronegócio e o mercado financeiro lucram com a devastação da maior floresta tropical do mundo

– Quanto valem a preservação e as falsas soluções do capitalismo “verde”, e quem compensa as compensações?

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Leia também a parte 2 da introdução:
Quem é favorecido pelas respostas de Bolsonaro às queimadas?

Ou avance para a parte final da introdução:
Parte 4: Afinal, quem está por trás desses crimes?

Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Ora, e muito falamos sobre o Mercado, as Empresas, a Indústria, Os Ruralistas. Porém, essas entidades transcendentais têm nomes, fazem parte do nosso mundo, podemos e devemos citá-las para que carreguem suas culpas: as gigantes da indústria da carne, do agronegócio e seus financiadores do mercado financeiro são as maiores incentivadoras dos ataques aos povos da Amazônia – e, óbvio, quem mais lucra com isso.

Publicação do Grupo Carta de Belém e do Grain, especial para a COP-25 que ocorreu em dezembro de 2019 no Chile e na Espanha, nomeia algumas das grandes corporações por trás das queimadas na Amazônia. Aqui o texto completo

Embora o atual governo tente culpabilizar as camadas empobrecidas da sociedade pela devastação da biodiversidade, na Amazônia e no Brasil, uma interessante reportagem do The Intercept Brasil mostrou que, por trás de queimadas e desmatamento, estão figuras poderosas: “Dados públicos do Ibama, o órgão do governo federal responsável pela preservação do meio ambiente, compilados e analisados pelo De Olho nos Ruralistas, mostram que os 25 maiores desmatadores da história recente do país são grandes empresas, estrangeiros, políticos, uma empresa ligada a um banqueiro, frequentadores de colunas sociais no Sudeste e três exploradores de trabalho escravo”.

Essa é a parte 4 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: [você está aqui] Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E também veja: O cerco explicado em um mapa

É em meio a isso tudo – à grilagem, às queimadas, à soja e seus agrotóxicos, aos portos que impedem a pesca, aos megaprojetos que destroem modos de vida – que resistem as comunidades, ainda que sofrendo pressões extremas e ameaças à vida. Também essas Comunidades e Povos são transformadas em entidades abstratas, contudo ali estão pessoas: gente simples, de hábitos comuns, gosto pelo futebol, almoço em família, banho no rio, descanso na rede. Pequenas e pequenos agricultores, pescadoras e pescadores, extrativistas das reservas legais, comunidades quilombolas e povos indígenas que queriam, caso fosse opção, apenas seguir suas vidas no local ao qual pertencem e manter a floresta com a qual convivem e da qual dependem em pé.

Outro mundo não é possível, só há esse. Por isso a luta
Não há convivência possível com a infinita gana destrutiva da expansão capitalista: seu veneno escorre pelos arredores, os lagos poluem e secam, a terra é contaminada, as pessoas são expulsas de seus territórios, atacadas, covardemente assassinadas. O discurso de ódio de Bolsonaro e as políticas de desmonte da área ambiental e agrária, em defesa dos interesses do agronegócio e das indústrias extrativistas estrangeiras, materializam-se em violência: por exemplo, os assassinatos de indígenas cresceram 22,7% em 2018.

Contra isso, resta a luta: cotidiana, trabalho de formiga, aos poucos – tão difícil e brutal quanto necessária e recompensadora. É o que mostram as histórias que ouvimos na recente visita à região do Tapajós, no Pará. Elas evidenciam o cerco do capital à Amazônia, com a grilagem de terras, o avanço dos megaprojetos sobre comunidades inteiras, o ataque à floresta e aos rios e as ameaças e ataques a quem se opõe a isso, erguendo-se em defesa dos modos de vida tradicionais e dos direitos dos povos. Não à toa essa gente recebe a alcunha de Guardiãs e Guardiões da Floresta: não teríamos pensado em nome mais justo.

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Leia também as partes 2 e 3 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza

E também veja: O cerco explicado em um mapa

 

O cerco explicado em um mapa

No vídeo abaixo, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), Manoel Edivaldo Santos Matos, o Peixe, explica, a partir de um mapa da região do Tapajós, o cerco do capital à Amazônia:

Santarém: um Plano Diretor sob medida para a expansão do capital na Amazônia
Na última sessão legislativa de 2018, ignorando por completo toda a participação popular que havia acontecido até ali, os vereadores de Santarém – sem vergonha alguma – aprovaram a Lei nº 20534, que institui um novo Plano Diretor para a cidade: um plano feito sob medida para sojeiros, ruralistas em geral, grileiros, investidores de megaprojetos, garimpeiros e para a indústria do turismo.

Essa é a primeira história da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) [você está aqui] O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio

De um lado, ampliou-se a área portuária, convenientemente envolvendo toda região do Lago Maicá, onde há planos para a construção de cinco portos privados voltados ao escoamento da soja. De outro, cresceu a zona urbana, o que permite a construção de prédios e empreendimentos turísticos à beira do Rio Tapajós. Isso envolve toda a área em direção a Alter do Chão, considerada uma das praias mais bonitas do Brasil e que foi foco das queimadas em 2019. Ora, nada é por acaso, e o ciclo se repete: queimadas, grilagem, venda ilegal da terra – seja para a expansão do agronegócio, seja para a venda de lotes para indivíduos ou para empreendimentos turísticos. De toda forma, significa violência contra os povos e comunidades locais e a derrubada da floresta.

Fecha-se o cerco: madeireiros ilegais; grilagem; soja; agrotóxicos; pecuária; portos; mineração; ferrovias; contaminação do solo e das águas; especulação imobiliária; expulsão de famílias quilombolas, indígenas e de pequenas e pequenos agricultores para as periferias da cidade; ameaças e ataques a quem resiste. Repetimos: não há convivência possível com o ciclo de morte do capital.

Agronegócio e empreendimentos para escoar a produção avançam sobre comunidades tradicionais gerando conflitos diretos e indiretos. Fotos: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

Ou avance para a próxima história:
Um porto entalado na boca do rio

 

Um porto entalado na boca do rio

– Visagem? Não tem aparecido visagem na mata, não, moça; é na água, e a visagem toma outras formas, dá sempre jeito de assustar. (Visagem significa, em vocabulário local, “assombração”). Na região do Maicá, sudeste de Santarém, a visagem tem tomado formas bastante concretas, todo mundo vê e se preocupa: é a forma de um porto.

A Embraps (Empresa Brasileira de Portos de Santarém) pretende instalar um porto na Boca do Maicá, entrada do rio que se estica por um braço a partir do Rio Amazonas, retornando ao mesmo rio para então seguir seu fluxo em direção a Macapá (AP) e ao Oceano Atlântico. Suas águas têm rica biodiversidade e banham cerca de 50 comunidades, todas postas em risco caso o projeto do porto avance.

Essa história faz parte da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) [você está aqui] Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos

Pois então não é visagem: é a realidade que assombra; e é entre contações de histórias e risadas que Narivaldo dos Santos fala do Estudo de Impacto Ambiental da Embraps – Sabe, eu pesco aqui pirarucu, tambaqui, surubim, pacu, acará, pescada, aracu, carauaci, arauanã, acari, fura-calça, mapará, que é branquinho né… e tem bem mais, porque quando eu falo em acará, tem umas oito espécies só aqui na nossa região: o roxo, o bararuá, o boca-de-pote, o escama-grossa, o tinga, o açu… O tucunaré também: tem o açu, o pinima e o comum, e o surubi cabeça-chata, pinima e pintado e assim por diante. É tanto que a gente pode dizer – Hoje eu não quero esse, aí solta e pega o próximo, é um cardápio rico. Aí no estudo da empresa aparece quase nada de tipos de peixes, e nem de pássaros, jacarés, capivaras, tatus, nem o peixe-boi, que tá em extinção e a gente acha aqui no nosso rio... É, talvez os pesquisadores da Embraps não saibam pescar.

Narivaldo é líder da comunidade quilombola de Bom Jardim, tem 42 anos e não parece: corre rápido pelos troncos de palmeira caídos que servem como caminho até a área onde descansam as canoas e embarcações da comunidade pesqueira – das cerca de 120 famílias, pelo menos 90 pescam no Maicá, algumas para o comércio, outras apenas para a subsistência. Com os passos ágeis, ele faz parecer fácil o que definitivamente não é: mas embora tortuoso, as toras são ainda um caminho, e após cerca de dez minutos de frágil equilíbrio sobre as madeiras chegamos a uma bonita enseada, onde a grama verde encontra as calmas águas do rio, e ali agitam-se com leveza as canoas. A remo, o centro de Santarém está horas distante.

Pescadoras e pescadores artesanais estarão em risco caso projetos de portos avancem. No topo, Narivaldo observa enseada do Maicá. Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Vez que outra um peixe se aventura num salto, como que a exibir a riqueza do rio – Não precisa nem ir longe pra achar mais que dois tipo de peixe, ri de novo o Narivaldo, antes de voltar a falar sério – Do governo a gente percebe que não estão nem aí pra Amazônia, pros nossos rios. De certa forma, já foi dada a ordem para a construção do porto. Só parou pela ação da FOQS [Federação das Organizações Quilombolas de Santarém], que protocolou o pedido pela consulta prévia junto ao MPF [Ministério Público Federal]. Se depender do governo o porto sai, as comunidades quilombolas querendo ou não: mas o que a gente puder fazer para evitar, vamos fazer. Eles dizem que os impactos podem ser compensados, mas isso não existe: a gente quer viver como vivemos hoje.

A instalação de um porto no Maicá (não só um: existem projetos para cinco portos no rio) vai significar a destruição daquele modo de vida e é um ataque direto às 12 comunidades quilombolas do entorno, a do Bom Jardim entre elas. Em testamento, os antigos donos de escravizados da fazenda local, que não tinham herdeiros, deixaram a terra para as seis famílias que eram exploradas ali. Isso há 142 anos: são quase dois séculos de pertencimento e luta naquele espaço. Agora, em nome do lucro de poucos, tudo pode desaparecer.

Consulta prévia e a Convenção 169 da OIT
Contudo, a mobilização popular e jurídica, com o apoio da Terra de Direitos, surtiu efeito e o licenciamento do projeto foi suspenso. A empresa deverá realizar consulta prévia, livre e informada a todas as comunidades atingidas – quilombos, indígenas e pescadores -, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Os estudos da Embraps eram tão rasos que sequer consideravam o componente quilombola, tão relevante naquela área, o que também deverá ser acrescentado em um novo estudo a ser apresentado pela empresa. Embora não tenha poder de veto, a obrigatoriedade da consulta às comunidades atingidas pode ser considerada uma vitória: após a decisão judicial favorável, as 12 comunidades organizadas na FOQS apressaram-se para construir seu próprio Protocolo de Consulta, o que também foi feito pelas comunidades indígenas e pesqueiras impactadas.

Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

A suspensão do licenciamento também atrasa o cronograma do projeto, que é de alto impacto, permitindo maior tempo para a disseminação de informação na região. A previsão da Embraps era de que, somente no primeiro ano de funcionamento, 4,8 milhões de toneladas de grãos de soja poderiam ser exportadas pelo porto instalado no Maicá, grande parte vinda da região Centro-Oeste do Brasil por meio da BR-163. Vejam que também a infraestrutura de escoamento causa impactos aos territórios: caso semelhante ao da rodovia BR-163 é o da Ferrogrão, projeto de ferrovia que ligará a cidade de Sinop (MT) até Itaituba (PA) e que também causará danos ao longo de seu trajeto, em especial em unidades de conservação e em terras indígenas.

Um porto onde não pode haver porto
Um fato estranho, porém: no mesmo local onde seria instalado o porto da Embraps, um outro empreendimento surgiu – um posto de combustível para embarcações, à revelia de estudos de impacto ou da participação da comunidade. A empresa responsável é a Atem’s, distribuidora de petróleo que opera no Norte do país. Os danos já são sentidos, em especial na pesca, com o derramamento de combustível e o aterramento da área, que mudaram o fluxo de correntes d’água e de peixes. Em março deste ano, o Ministério Público paraense denunciou a empresa, seu sócio administrador e o engenheiro responsável pelo projeto pela prática de crimes ambientais. Para o órgão, a obra avançava sem a licença do órgão ambiental competente, além de ter sido apresentado um licenciamento divergente à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, que se referia a cargas não perigosas – quando era sabido, desde o princípio, o objetivo de construção e instalação portuária para distribuição de combustível (carga perigosa).

Histórico da luta
Em maio, enfim uma boa notícia, após longa mobilização dos movimentos sociais de Santarém contra mais esse empreendimento que, sem qualquer consulta às comunidades locais, violava direitos e comprometia a biodiversidade da região: a Justiça Federal suspendeu as licenças prévia e de instalação do empreendimento da Atem’s e determinou a paralisação imediata das obras.

Em resumo, esse é o desenho do cerco do agronegócio aos territórios: expulsão de famílias de suas terras para o plantio da soja, contaminação das terras vizinhas pelo uso do agrotóxico, o transporte dos grãos rasgando territórios – seja via caminhão ou via trem -, sua chegada em portos que destroem os modos de vida tradicionais das redondezas, a exportação para que gere riquezas ao capital internacional. Para resistir a essa engrenagem, é necessária muita união e força. O andamento do projeto da Embraps representa ainda a remoção de famílias e a demolição de casas para a ampliação de vias, a chegada de centenas de trabalhadores de outros estados, uma mudança completa no cotidiano da região: a estimativa é que cerca de 900 carretas diárias passem pelas ruas do bairro Pérola do Maicá no percurso até o porto.

A luta contra a Embraps se dá desde 2013 (nessa linha do tempo, organizada pela Terra de Direitos, veja a cronologia das resistências à construção de portos no Maicá). São ao todo cinco portos planejados para a região, de três empresas – todos voltados para a exportação de grãos e commodities, em especial a soja. Além da Embraps, a construção de outros portos visa favorecer as atividades do Grupo Cevital, da Argélia, que atua no ramo agroalimentar e está envolvido com plantações da região Centro-Oeste do Brasil, e a empresa Ceagro.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
– [você está aqui] Um porto entalado na boca do rio
Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos

Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos

Ninguém sabe ao certo: se sai, se fica, pra onde vai se sair, como fica se ficar. É uma tremenda insegurança e, de repente, toda essa terra na qual vivem começa a ter “donos” – donos que não são eles que vivem lá: alguém paga um IPTU como forma de reivindicar aquele espaço e aí crescem as ameaças, ouve-se nas esquinas – Quilombola é ladrão de terra, e vejam só que inversão, que quem chegou ali primeiro foram os negros, assim como foram os indígenas em outros locais, e é sempre assim: o invasor é outro.

Essa é uma das histórias da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) [você está aqui] Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida

Hoje, no Pérola do Maicá, bairro onde será instalado o porto da Embraps, vive-se com medo. E tem que se estar sempre atento, em especial em um momento político em que um presidente da República é abertamente racista – já nem se importam em esconder, e mesmo quem tem o dever institucional de defender os direitos da população negra afirma absurdos como – O Brasil tem racismo Nutella. Racismo real existe nos EUA. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda. São mesmo tempos estranhos, e talvez o porto da Embraps, e os outros na região do Maicá, nem saia: mas os danos que ele traz chegaram com bastante antecedência, estão aí, e a Lídia de Matos Amaral, 38 anos, da comunidade quilombola do Pérola do Maicá, é que nos conta:

ela esteve já em regiões onde foram construídos portos. Histórias bem semelhantes a que ela e suas companheiras e companheiros de quilombo e vizinhas e vizinhos de bairro vivem hoje – É muito complicado. A violência vai triplicar, vai modificar todo o estilo de vida tranquilo que temos aqui, isso vai acabar. E falam em compensações: os empresários pensam que a tudo o dinheiro pode comprar, mas como compensar um modo de vida destruído?, uma tradição esquecida?, uma conexão com o território desfeita? Mesmo o pouco que prometem, os supostos desenvolvimento e progresso, postos de trabalho, mesmo isso não é verdade, porque olha quantos megaempreendimentos já destruíram comunidades Brasil afora e seguimos sem desenvolver, não progredimos – Olha o porto da Cargill: me diz quantos santarenos trabalham lá?, e talvez este outro porto, o da Cargill, instalado de maneira irregular sem respeitar os processos de licenciamento, sem se importar com a comunidade local, e que destruiu a Praia de Vera-Paz, antigo ponto turístico e área de lazer em Santarém, talvez ele devesse servir de exemplo (para lembrar as irregularidades da Cargill: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui): porque é assim que é, e não como as falsas promessas dos empresários e dos governos dizem, é ilusão. O que há de concreto é a destruição – Pra gente fica o prejuízo, bem sabe a Lígia, que já viu em outros lugares, e está ali o porto da Cargill para nos lembrar como o capitalismo de fato se “desenvolve”.

Quem sabe disso também é a Valda

[e não à toa outra mulher, a Lígia bem sabe disso também – As mulheres estão na linha de frente, dão a cara a tapa e sofrem muitas represálias. Por isso temos que nos fortalecer, e é uma defesa do território que é uma defesa do corpo e do corpo dos outros também, das filhas e dos filhos, é uma conexão profunda, axé – E muitas mulheres que eu conheci já não estão aqui hoje, eles dão o recado deles [é o patriarcado] – Mas eles tiram uma e nascem cinco, ainda mais fortes, e que dão sequência a essa luta cruel e desigual.]

Valda (acima) e Lídia, moradoras da região do Maicá, contam as histórias de resistências do local. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

A Valda é a Valdeci Oliveira Sousa, de 52 anos. Ela faz parte da CPP (Comissão Pastoral dos Pescadores) e é presidenta da associação de moradores do Pérola do Maicá. Ela também já sente os impactos do porto da Embraps – Há cinco anos sentimos esse impacto, desde que soubemos da existência do projeto: tudo mudou, desde o mais básico, como a convivência entre vizinhos – aumentaram os conflitos, agora há desconfiança entre as lideranças, quebrou-se a harmonia. De repente, nasceram novas organizações de bairro – há sempre quem se encante pelas falsas promessas de dinheiro e “desenvolvimento” -, feitas para facilitar a entrada do projeto, o veneno escorrendo pelas artérias do bairro, pelas pequenas ruas de barro, que serão ampliadas e passarão por cima das casas caso o porto vá de fato adiante, e famílias terão que ser removidas, no bairro e no quilombo, e ninguém sabe pra onde.

Além disso, políticas públicas para o bairro passaram a ser travadas: há anos o local vem sendo esquecido, num lento e doloroso processo de expulsão – Eles precisam que a gente queira sair daqui, então não se tem mais infraestrutura viária, nenhum investimento, tivemos muita dificuldade no último inverno [que é a época de chuvas, dezembro, janeiro, fevereiro, quando é verão na maior parte do Brasil], as ruas ficam com muitos buracos e a linha de ônibus teve horários reduzidos, é esse o recado – Não querem sair? Vão sofrer.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
Um porto entalado na boca do rio
– [você está aqui] Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida

De um lado, a soja. Do outro, a soja também

Acima do Tiningu e do Bom Jardim, chega-se à região de Curuaúna. De lá escorre veneno dos vastos campos de soja em direção aos quilombos e às águas do Rio Maicá.

Andando pela região, Francinaldo Miranda, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM), ensina a engenhosa arquitetura dos sojeiros, ou talvez a habilidade em design de ambientes – Esse é o puxadinho, que se resume a um pequeno avanço, não mais que dois ou três metros, do campo de soja em direção à mata em pé; queima-se aos poucos a floresta e, ano a ano, como se nada estivesse acontecendo, a soja toma todo o espaço disponível – como se precisasse crescer mais: pode se dizer, hoje, que no meio do campo de soja havia uma floresta (e havia uma floresta no meio do campo de soja) – E eles constroem esse muro pra que a visão da estrada seja bloqueada. Ninguém vê nada e parece estar tudo bem com a floresta. O muro em questão é uma fina faixa de árvores que, de fato, cumpre seu papel: é só ao dar a volta nela que se pode contemplar a imensidão da soja, soja a se perder de vista, de um lado, do outro lado, adiante e atrás. Porém, da estrada, é como se as árvores seguissem em pé, altivas.

Essa é uma das histórias da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos já publicados:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) [você está aqui] Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta

Os impactos na floresta e nas comunidades locais, obviamente, são tremendos: a soja representa grilagem, queimadas, desmatamento, agrotóxicos, além de necessitar de toda uma infraestrutura para seu transporte e exportação, o que também impacta os povos da região. Alguns casos, porém, beiram o absurdo: como a situação de uma pequena escola na comunidade de Boa Sorte (e o nome parece uma sádica ironia da vida). Ali, a distância entre a janela da sala de aula e o campo de soja não chega a dois metros, e o mais grave: o uso de agrotóxicos não respeita o horário escolar e se repete várias vezes ao ano. A contaminação das crianças é direta e repetida.

A região de Curuaúna é tão impactada pelo uso de agrotóxicos da soja (o principal é o glifosato – o Round-Up da Monsanto) que estudos com coleta de sangue de moradoras e moradores estão sendo realizados para dimensionar o tamanho do dano à saúde das pessoas. Os resultados dessa pesquisa ainda não foram divulgados. Outros estudos, entretanto, estão disponíveis: é o caso da dissertação de Nayara Luiz Pires, da Universidade de Brasília, que em 2015 pesquisou a expansão da fronteira agrícola na Amazônia e a contaminação por glifosato na região de Santarém. Nela, a pesquisadora afirma “um provável risco de exposição humana a agrotóxicos, principalmente pela via respiratória”.

Castanheira, árvore protegida por lei, sobrevive sozinha em meio a campo de soja. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Escola cercada por soja: uso de veneno não respeita horário escolar e crianças são diretamente atingidas. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Área queimada para a expansão do cultivo de soja: prática do “puxadinho” é muito usada na região amazônica, e consiste em aumentar o tamanho da terra aos poucos, queimando a floresta metro a metro, ano a ano, e avançando sempre à margem de qualquer tipo de controle. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Com o avanço dos monocultivos na Amazônia, a floresta vira cinzas. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Com o constante uso de agrotóxicos, pouca coisa cresce nas terras que antes eram bastante férteis. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Fugindo da soja: cidades-fantasma e abandono
Muitas famílias, claro, não esperam para descobrir o quanto os agrotóxicos são danosos e a que velocidade estão os matando. Assim, as comunidades vão aos poucos sendo abandonadas, sumindo do mapa, deixando de existir – Ali era um campo de futebol, – Ali tinha um monte de casas, – Aqui era uma escola, mostra Francinaldo conforme se avança pela estrada que corta os campos de soja.

Mesmo as tradicionais partidas de futebol entre as comunidades vizinhas correm o risco de deixar de acontecer, simplesmente porque cidades-fantasma não têm times de futebol: ninguém mais poderá desafiar o temido São Jorge, equipe a ser batida na região. Francinaldo, natural da área de Curuaúna, era goleiro e conta quando – O centroavante tava a poucos metros de mim e era daqueles que chutava forte, meu amigo até, mas chutou com raiva, e a bola foi tão forte, mas tão forte, que rasgou a barriga de Francinaldo, e isso ele só descobriu mais tarde, depois do jogo, pois se arrastou com a bicicleta até em casa para não acusar a dor na frente do adversário. Precisou até de cirurgia e demorou anos a se recuperar plenamente. O mais importante, porém, conseguiu: defendeu o chute.

Isso que significa o avanço da soja: além da morte e da contaminação e da grilagem de terras, o fim da cultura e da vida local.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
Um porto entalado na boca do rio
Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
– [você está aqui] Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
O rosto estampado na camiseta

O rosto estampado na camiseta

Os olhos apontaram certeiros para a estampa na camiseta e ali se perderam, demorando a voltar – É a Maria do Espírito Santo? É ela, não é?, e a resposta foi que sim.

Quem indagava sobre a imagem que aparecia na camiseta de um dos presentes à celebração dos 46 anos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR-STM) era Maria Ivete Bastos dos Santos, 52 anos – sete deles dedicados à presidência da organização, entre 2002 e 2008. Chico Mendes, Marielle Franco, Irmã Dorothy, Berta Cáceres, entre outras e outros, também a encaravam desde o tecido branco da camiseta, retribuindo o olhar sério. A estampa, Maria Ivete soube em seguida, era uma homenagem às defensoras e defensores de territórios assassinados no Brasil e na América Latina nas últimas décadas, além de um protesto pela ausência de soluções para esses crimes.

Marielle Franco, Mestre Moa do Katendê, Berta Cáceres, Nicinha, Chico Mendes, Zé Cláudio, Maria do Espírito Santo, Irmã Dorothy Stang e Amarildo: essa era a estampa da camiseta que surpreendeu Maria Ivete. Arte: Amigos da Terra Brasil

A voz tremeu por um segundo antes de voltar à firmeza habitual: ver ali o rosto da amiga Maria do Espírito Santo pegou a outra Maria, a Ivete, desprevenida – Não esperava ver isso hoje, e a partir daí ela lembrou: e a lembrança às vezes é um fardo pesado, dói.

Essa é uma das histórias da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) [você está aqui] O rosto estampado na camiseta
7) A noite das motos

No estado do Pará, dos mais perigosos para quem defende os direitos dos povos, as duas lutaram lado a lado. Maria Ivete, presidenta do STTR-STM, além de outros cargos que desempenhou no sindicato ao longo dos anos; e Maria do Espírito Santo que, junto a seu esposo Zé Cláudio, trabalhava e vivia no Assentamento Agroextrativista Praia Alta Pirandeira, em Nova Ipixuna, região de Marabá. Por enfrentarem madeireiros ilegais e ruralistas da região, o casal recebia constantes ameaças. Zé Cláudio sabia já do seu destino, que ia morrer, e contou isso ao mundo sem que o esforço fizesse maior diferença: ambos foram assassinados ao serem emboscados por pistoleiros dentro da reserva na qual trabalharam e preservaram por 24 anos.

A covarde emboscada ocorreu em 2011. De lá pra cá, são nove anos de lamentação para Maria Ivete – Eu disse pra ela não pegar a moto naquele dia, embora a Maria Ivete saiba ser esse um mero detalhe – Não é ameaça o que a gente sofre: é sentença, e é quase como se fosse questão de tempo até que a morte encomendada encontre a encomenda. No entremeio, a ameaça é uma espécie de antecipação da morte à vida, uma absurda inversão na ordem natural das coisas. A sentença que paira sobre tantas cabeças impede que a vida seja vivida plenamente, por mais que, a rigor, se esteja vivo, e o coração ainda bata e ainda se respire e o cérebro ainda lembre, a duras custas.

Como o caso tomou grandes proporções e teve repercussão internacional, os dois pistoleiros que assassinaram Maria do Espírito Santo e Zé Cláudio foram condenados pela Justiça; o mandante do crime, após ser absolvido em 2013, foi a novo julgamento três anos depois e declarado culpado. A pena: 60 anos de prisão. Entretanto, apenas um dos atiradores está na cadeia. José Rodrigues Moreira (o mandante) e o irmão, Lindonjohnson Silva Rocha (executor), estão foragidos desde novembro de 2015 – Não sei falar de justiça, então eu falo é de injustiça, e essa é a referência, afinal: a injustiça é o que se conhece e se experiencia, restando ao seu oposto – à justiça – algum lugar no horizonte, distante e irreal.

Maria Ivete foi presidenta do Sindicato Rural de Santarém entre 2002 e 2008. Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Proteção a defensoras e defensores dos direitos dos povos ainda é insuficiente
Somente no Pará – e ainda em 2017 -, 90 pessoas estavam em lista para ingresso no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) – o estado é o terceiro com maior número de pessoas dentro do programa. Para Maria Ivete, já são cerca de dez anos convivendo com escoltas, restrições de horários e de movimentos: hoje, ela é acompanhada pelo Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos no Pará, que acompanha 77 pessoas no estado. Não é segurança o que ela sente, pelo contrário: conviver com a proteção é lembrar diariamente da ameaça – Não vou em festas, nos lugares que a gente vai a gente não sai pra ir na esquina, num barzinho, nada.

O PPDDH, embora um avanço importante (surgiu como reação ao assassinato da irmã Dorothy Stang, também no Pará, em 2005), ainda é bastante precário. Ele precisa de articulação nos estados; contudo, tem programas implantados por meio de convênios em apenas seis — Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Maranhão. No Pará, a operacionalização se dá por meio de uma central em Brasília.

A principal questão, entretanto, é outra: o programa se mostra útil quando a situação já é extrema, em casos de perseguição e ataques. Imagina-se que a vigilância por parte do Estado possa em um mínimo constranger o trabalho dos assassinos. Contudo, acabar com os ataques às defensoras e defensores dos direitos dos povos exige uma resposta estrutural: regularização fundiária das pequenas e pequenos agricultores, demarcação de terras indígenas e das comunidades tradicionais. Em suas recomendações ao Estado brasileiro, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos fala em “políticas de garantia do direito a terra e território”, que incluem o respeito a convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho); a garantia da participação das comunidades nos processos de licenciamento de grandes projetos; a demarcação de terras indígenas e quilombolas; a reestruturação do Incra e da Funai, para melhor atendimento à população; o avanço da reforma agrária.

Assim, com medidas estruturais de defesa dos territórios, que menos rostos estamparão camisetas em homenagens tardias a quem perdeu a vida em nome dos direitos dos povos.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
O cerco explicado em um mapa
Um porto entalado na boca do rio
Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
– [você está aqui] O rosto estampado na camiseta
A noite das motos

A noite das motos

Vruuuum vruuum vruuuuuum e o barulho fez despertar José Marques da Costa, trabalhador rural de Alenquer, pequeno município do Pará com pouco mais de 50 mil habitantes. Dos 53 anos que José carrega nas costas, boa parte deles foram de noites mal dormidas: assim são as noites em muitos recantos do Brasil para aqueles que ousam defender os direitos de quem trabalha na terra – exatamente o que ele faz, e quando ouviu o quarto vruuum José Marques se pôs em pé, alerta.

Essa é uma das histórias da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) [você está aqui] A noite das motos
8) Se organizar, todo mundo luta

Poucos meses antes, novas mensagens haviam chegado até ele (sempre de maneira indireta, aviso acovardado, “manda dizer”) – Vamos matar uns cinco, nem vão saber e – A Justiça é lenta, na bala a gente resolve mais rápido, e se antes José dormia com um olho aberto, passou a abrir os dois em noites de pouco ou nenhum descanso. E se a televisão parecia bom remédio para trazer o sono, o que ocorria na verdade era o oposto: a voz arrastada do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, ecoava do aparelho e apenas agravava a insônia ao dizer coisas como – Quem tinha que estar preso era o pessoal do MST, gente canalha e vagabunda. Os policiais reagiram para não morrer, e Vamos fuzilar a petralhada do Acre, hein!, discursos de ódio que incentivam e materializam a violência contra trabalhadoras e trabalhadores rurais na Região Amazônica e no Brasil – ou seja, contra ele, José. A primeira fala de Bolsonaro faz referência ao Massacre de Carajás, quando policiais militares do Pará assassinaram a sangue frio 19 trabalhadores sem terra; a segunda foi feita durante a campanha presidencial de 2018.

Vruuuum vruum seguia o barulho, e José Marques arriscou espiar a rua.

Motos. Muitas motos – Uma, duas, três, meia dúzia, nove, dez, ia contando ele, mas a tarefa era dificultada pelo constante movimento circular dos veículos, que aceleravam e desaceleravam em frente à casa. Umas vinte, devia ser algo em torno disso, e logo José passou a se concentrar não nas motos, mas em quem as pilotava: essa era certamente questão de maior importância. Foi aí que viu vizinhos, amigos, colegas, e o medo que havia se instalado no peito cedeu um pequeno espaço para a curiosidade – O que fazem aqui a essa hora? e, em seguida, para a comoção: o circo ali montado não era uma emboscada. Pelo contrário: era uma escolta para protegê-lo exatamente de um ataque e possível assassinato.

Desde o fim do dia corria pela pequena cidade o boato de que pistoleiros – Todos muito traiçoeiros, ainda tomam um café na tua casa antes de te matar, esses traiçoeiros pistoleiros estavam à espreita na estrada, prontos para atacar José Marques quando ele saísse de casa. Morte encomendada pelos grandes fazendeiros da região. As vinte e tantas motos serviriam – e serviram de fato – de escudo para levar José Marques até algum lugar seguro. Assim foi que ele subiu em sua moto, em meio à noite da pequena Alenquer, arrancou e viveu para lutar mais um dia entre e pelos seus.

No topo, José Marques; nas duas fotos seguintes, registros de irregularidades e violações de direitos cometidos pelos grileiros, que derrubaram árvores e destruíram a ponte de acesso ao local. Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Grilagem: CAR sobreposto e “Quatro Anos de Tormenta”
O que levou pistoleiros a perseguirem José Marques tem relação com o cargo de nome comprido que ele carrega: presidente da Associação Comunitária de Moradores e Pequenos Agricultores da Comunidade de Limão Grande, localizada em Alenquer. Ali viviam e trabalhavam 86 famílias em uma área de cerca de dez mil hectares – até que, em 2016, começou o que José chama de “Quatro Anos de Tormenta”.

Primeiro, houve a requisição, por parte de fazendeiros, de três mil hectares da área onde viviam as famílias. Em consulta ao Incra, com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer (STTR-ALQ), viu-se que o pedido era justo: as famílias aceitaram se retirar daquela área, redistribuindo-se irmãmente nos sete mil hectares restantes. Nesse meio tempo, foi realizado um georreferenciamento do terreno, passo necessário para que a comunidade fizesse seu cadastro no CAR (Cadastro Ambiental Rural).

Trabalho feito, voltaram ao Incra e aí a surpresa: quinze dias antes, diversas pessoas haviam cadastrado aquelas áreas como suas. De repente, a terra onde as famílias viviam desde 2007 tinha “donos” – e eram outros. Nunca houve fiscalização por parte do Incra para verificar se aqueles que fizeram o CAR de fato ocupavam a terra autodeclarada; houvesse uma, seria simples constatar quem de fato ocupa a área – Eles não sabem nem onde fica, contudo José sabe e isso parece de nada adiantar.

O cadastro, feito a partir das informações prestadas pelo requerente, não tem prazo para verificação pelo órgão público competente: alguns estados afirmam que a análise dos cadastros demoraria entre 25 e 100 anos. Entretanto, contrariando o imaginário popular de morosidade da Justiça e do poder público, antes que a devida vistoria pudesse ocorrer, foi decretada a reintegração de posse do local, o que aconteceu com forte aparato policial. Resumo: 86 famílias foram postas na rua, com requintes de crueldade. Tudo o que tinham ficou para trás – carroças, plantações, casas -, e o que ficou para trás foi incendiado e posto abaixo.

Os vídeos acima foram gravados pelas produtoras e produtores locais. O primeiro deles mostra o fogo consumindo uma construção ao lado de uma plantação; o segundo mostra as ruínas que restaram; o último vídeo denuncia a destruição da única ponte de acesso à área, serviço executado pelos capangas dos grileiros. Na foto, também disponibilizada por moradoras e moradores de Limão Grande, seguranças privados fortemente armados proíbem a circulação dos trabalhadores rurais no território em disputa.

 

Hoje, seguranças privados rondam o território. As espingardas falam alto e quem se aventura a buscar algo que talvez tenha restado em pé (e às vezes o desespero é afeito a aventuras) corre grave risco de ser atacado pelos capangas dos grileiros. E é isso o que houve: grilagem a partir da sobreposição de terras no CAR, que é autodeclarado. Diferentes CPFs se intitularam donos de uma área que não ocupam, antecipando-se aos verdadeiros ocupantes que preparavam os trâmites para se cadastrar no sistema. Sem vistoria alguma, a Justiça determinou a reintegração de posse em nome dos interesses dos grileiros.

Um detalhe chama atenção e evidencia a intenção de tomada total do território dos trabalhadores rurais: ao realizarem o CAR em diversos CPFs laranjas, uma área de quase 600 hectares não foi sobreposta – seria, portanto, direito das famílias permanecerem ali. No momento da reintegração de posse, porém, toda a área foi despejada, não restando nada nem ninguém para trás — Não houve qualquer respeito ao protocolo de remoções, reclama José, mas na terra em que a posse da terra é de quem não vive nem trabalha nela, espera-se quase nada de uma Justiça e de uma polícia a serviço dos grandes fazendeiros.

Desigualdade agrária e violência no campo
Os números da desigualdade agrária no Brasil são alarmantes: quase metade da área rural do país pertence a apenas 1% dos latifundiários. Dados do Censo Agropecuário de 2017 mostram que os grandes estabelecimentos rurais elevaram a concentração de terras para 47,5%, enquanto as pequenas e pequenos agricultores, cujas propriedades têm até 10 hectares de terra e representam metade das fazendas do país, ocupavam apenas 2,2% do território produtivo.

Tal desigualdade na distribuição de terras, além de ressaltar a urgência de uma reforma agrária, gera violência: os conflitos por terra mataram 2.262 pessoas entre 1964 e 2010 no Brasil. Só em 2017, foram 70 assassinatos, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ora, e tente adivinhar quem morre nesses conflitos? Sempre os pequenos: o Brasil está no topo de lista de países onde mais se mata defensoras e defensores dos direitos dos povos sobre seus territórios, divulgada em 2016 pela ONG Global Witness. E são exatamente essas pequenas e pequenos agricultores, perseguidos por defenderem seus territórios, que produzem mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, já que as grandes monoculturas exportam a maior parte da sua produção. Porém, o governo Bolsonaro escolhe privilegiar os interesses dos ruralistas, intensificando os ataques aos povos originários e tentando legalizar a grilagem com o PL 2633, o famigerado PL da Grilagem.

Todas essas informações estão contidas na Resolução nº10 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, de 17 de outubro de 2018.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) [você está aqui] A noite das motos
8) Se organizar, todo mundo luta

Se organizar, todo mundo luta

O trajeto era longo, entre Santarém e Alenquer são duas horas de balsa e mais três ou quatro horas de estrada, parte em asfalto, parte em terra, então o Totó, homem silencioso, e a Mara, mulher falante, aproveitaram para contar algumas histórias que presenciaram, ele como ex-presidente e hoje vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer (STTR-ALQ), ela como a atual presidenta da organização. Em todos os relatos, destaca-se a importância do sindicato para a conquista e garantia de direitos, para serviços de assistência técnica e para a segurança das e dos trabalhadores rurais.

Essa é a última história da reportagem “História do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos já publicados:

INTRODUÇÃO
Parte 1 (página central): A história do cerco à Amazônia
Parte 2: Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
Parte 3: O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Parte 4: Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

HISTÓRIAS
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) A noite das motos
8) [você está aqui] Se organizar, todo mundo luta

Alenquer é pequena, pouco mais de 50 mil habitantes. E é instável: prefeitos não tem o hábito de completar seus mandatos, já se tornou tradição. Naquele dia mesmo, enquanto Totó e Mara contavam histórias, o presidente da Câmara de Vereadores assumia o cargo de prefeito, em mais uma reviravolta da política local. Pois em determinado momento, anos atrás, indignados com a ausência de políticas públicas na região…

Uma pausa: Totó, que se chama João Gomes da Costa e tem 47 anos, olha o retrovisor e vê uma grande caminhonete branca ultrapassar. Já à frente do carro, ela passa a andar lentamente. Em seguida, acelera bruscamente e desaparece no horizonte. Mara, abreviação de Aldemara Ferreira de Jesus, 37 anos, percebe que a placa era de Santarém.

…indignados com a ausência de políticas públicas; com os salários atrasados das professoras e professores e dos profissionais da saúde; com a péssima condição das estradas; enfim, um pacote completo de indignações: aí que o povo resolveu trancar a estrada que dá acesso à cidade. Isso porque, antes, o prefeito se recusou em diversas ocasiões a dialogar – chegou a expulsar Totó e Mara de reuniões – e levou seu desinteresse a ponto de a estrada ter que ser trancada.

Uma multidão de trabalhadoras e trabalhadores de diferentes áreas se aglomerou no local – estavam ali trabalhadoras e trabalhadores rurais, organizadas pelo sindicato, e também a classe de professores e da saúde, e os garis, e o pessoal da paróquia, era todo mundo mesmo – e aí rapidinho apareceu o prefeito e secretários e juiz e desembargador e ficou combinada uma reunião na Câmara de Vereadores mais tarde naquele dia. Combinou-se que apenas 50 representantes da sociedade civil poderiam entrar e apresentar suas demandas. Ok.

Mara, presidenta do Sindicato Rural de Alenquer. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Totó, ex-presidente do sindicato e, hoje, vice. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Só que antes dos 50 chegarem chegou o “tático” da polícia, um grande exagero, e foi aquele constrangimento quando até as irmãs e os padres foram revistados pra entrar no local da reunião. Ali, o povo falou e, imediatamente depois, sem qualquer resposta ou manifestação ou uma mínima indicação de que prestou atenção, o prefeito se retirou.

Mara e Totó foram até a frente da Câmara de Vereadores contar o que havia ocorrido e se surpreenderam com a massa de gente que esperava o resultado da conversa, mais de mil pessoas que obviamente não se alegraram com a notícia: uma chuva de ovos e tomates caiu sobre as paredes e em escudos da polícia. De um canto, um grito desesperado – Totó, controla o povo, ao que ele, Totó, pensou – Como? mas respondeu – Se tem alguém descumprindo algo aqui são vocês, se comprometeram a dialogar e não dialogaram, e seguiam voando e zunindo e explodindo no prédio ovos e tomates, a multidão aumentando o tom, até que reaparecem o prefeito e os secretários, dessa vez todos muito dispostos a escutar. Retomada a reunião, finalmente acordos são feitos e compromissos, firmados. Mara ri – Se os trabalhadores unidos entendessem a força que têm… Não tomavam desaforo de ninguém.

Perseguição e ameaças
– Se posicionar do lado dos pobres tem uma consequência, diz o Totó, e ele bem sabe: preocupa-se com as ameaças que recebe, preocupa-se por ele e pela filha e pelo filho, e demorou alguns segundos até ele conseguir dizer – Eu tenho medo sim, a gente perde a liberdade. Penso nos horários, os meus e dos meus filhos, fico atento a qualquer coisa que esteja diferente, penso em como vai ser a chegada em casa, se tem alguma emboscada. Mas o sono é tranquilo, ele garante – A gente tem a consciência tranquila, embora sempre atenta e preocupada.

Preocupação que Mara compartilha, como quando sua filha pergunta – Mãe, o que é isso que estão falando de você no Facebook?, e até explicar a uma criança o que se passa é complicado, é complexo, é desgastante e é grave: é grave porque por vezes as ameaças vêm do próprio Estado, representado nos homens de farda que deveriam dar proteção a todos. Totó relata receber ligações com ameaças de policiais – Estamos com o fazendeiro tal, dizem na intenção de intimidá-lo. A mensagem é clara e – Ali onde você acharia alguma proteção você não tem nenhuma. Ele reclama e reza, confia em Deus: e para alguns, frente à negligência do Estado, resta apenas a proteção divina mesmo – útil quando somada à união e à força das e dos trabalhadores.

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Leia também as partes 2, 3 e 4 da introdução:
Quem é favorecido com as respostas de Bolsonaro às queimadas?
O “ganha-ganha” das empresas com a financeirização da natureza
Mas afinal, quem está por trás desses crimes?

E as histórias:
1) O cerco explicado em um mapa
2) Um porto entalado na boca do rio
3) Antes do porto chegar (se chegar), chegaram já os impactos
4) Posto de saúde e escola quilombola: a luta muda a vida
5) Curuaúna: de um lado, a soja; do outro, a soja também
6) O rosto estampado na camiseta
7) A noite das motos
8) [você está aqui] Se organizar, todo mundo luta

[EN] The win-win situation hidden behind the Amazonia fires – part 1

How agribusiness and the financial markets profit from the devastation of the world’s largest tropical forest

Text and photos: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

With his feet upon the ashes where once the forest existed, the Pajé (Shaman) Isaka Huni Kuin expresses his profound sadness. “They do not know the medicine that exists inside the forest. They think it is useless, that it is only woods, but it is extremely valuable. From there, we get our hardwoods from which we construct our homes. When one of our children is sick, I know how to treat them, I know which medicine I have to look for. It is our pharmacy that is alive. If they finish off the forest, the wealth of knowledge that I have ceases with it; all of this fire makes me so very sad.”

Pajé Isaka lost his live pharmacy. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

On August 22 in a few hours, the flames blazed and burned the five hectares of forest, which corresponds to 50% of the total area of the Cultural Center of the Huwã Karu Yuxibu. Since October 2018, the Cacique Mapu family, Isaka’s son, has made this territory home for relatives that have come to the city to study and also a space to propagate the medicine of the Huni Kuin People, located 50kms from the center of Rio Branco city, capital of Acre State.

The Pajé Isaka, 80 years old, was eating lunch with his family when his wife heard the crack of the leaves burning. They started running with their machetes to try to impede the fire´s onrush upon the forest, but they were unsuccessful. With the arrival of the firefighters, they were able to save their homes. The orchards of papaya, banana, açai and other plants were consumed by the fire. The armadillos, turtles and monkeys were also affected.

They burnt the forest that was once the Huni Kuin’s pharmacy. Arson is suspected, an act that put at risk the life of Pajé Isaka and his family. For Isaka, it was an act of malice. About 250 kms from there, now in Amazonas State, in the Boca de Acre municipality, the Apurinã People´s forest also burned. On August 13, the Day of the Fire, 600 hectares of the Val Paraiso Indigenous Territory were razed. In the Apurinãs´ territory, the fire is more than just malice, it is one of the many steps in a well-articulated process of land grabbing of federal lands. The Cacique Antonio Jose condemns this scheme that, in the Legal Amazonia, not only affects their territory but also impacts diverse indigenous Peoples and federal lands overall. Through a cycle of destruction and profit, the invaders deforest, sell the precious woods, set the rest of the forest on fire, fence it off, begin to raise cattle in the enclosed area, sell the meat and then finally plant soybeans, corn or rice. And if that were not enough, the agribusiness sector that profits from the international market still even has the opportunity to continue profiting with environmental campaigns where they purport to be “saving” the Amazonia.

On the Acre roads, it is common to see tractor trailers loaded with gigantic trunks of wood. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

The Apurinã Caciques’ fight against land grabbing and in favour of the demarcation of their territories
There were 45,256 fires detected by the National Institute for Space Research (INPE) in the Amazonia from January to August 2019. 20% of the fires took place in public forests that still have not been designated as having a specific category: national parks, reserves or indigenous territories, among them, Val Paraiso Indigenous Territory. On August 13, the Day of the Fire, as denounced by Cacique Antonio Jose, a group of land grabbers burned 600 hectares that have been claimed by the Apurinãs.

Cacique Antonio Jose opens the gate which offers access to the Val Paraiso Indigneous Territory. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

After we have passed through the fifth gate, we are finally near the entrance to the forest of the Val Paraiso Indigenous Territory, on the banks of the Retiro Stream. The Cacique Kaxuqui gets off his motorcycle; he is Antonio Jose’s cousin and partner in the fight to regain their lands.

Antonio invites us to get out of the car because they would like to talk. On the one side of the fence is us and on the other innumerable heads of cattle, which cover the five lots that we have just crossed through. The Caciques explain to us what they see here. “They devastated our land, things that we have been preserving for the last 100 years, where our grandfather, our
great-grandfather and uncles were born,” decries Kaxuqui, 58 year-old.

Antonio Jose continues: I am 54 years old, and I have never left here. These people, those who claim to be the owner of this land where we are standing right now, they are not from here no, they are descendants of the Portuguese. And we who are indigenous, who have lived here forever, which we have proven, we are here without our right to the land”.

Cacique Kaxuqui and Antonio Jose denounce the land grabbing of
indigenous land (in Portuguese).

The Apurinãs have demanded the demarcation of the Val Paraiso Indigenous Territory since 1991. The process is in the hands of FUNAI (National Indigenous Foundation). The Indigenous People has been waiting for years for the completion of the studies to identify and delimit the area, where 46 people, consisting of seven families, live. In the beginning of the process, the Apurinãs had lodged a claim for 57 thousand hectares. Even though the area was under judicial review, their lands were invaded, forests were felled, transformed into fields and eventually became cattle ranches. Recently, they decreased the demarcation request to only 26 thousand hectares in order to facilitate the process. “We made an agreement with the plantation owners. What are fields is theirs and what is forest is ours. However, they continue to invade and bore the forest”, declares Antonio Jose. Bore is the verb that the Apurinãs use to describe the action taken by those who raze the forest. “It is not for lack of information, we have everything documented. IBAMA (Brazilian Institute for the Environment and Renewable Natural Resources), the Attorney General and the Legalize Land Agency are all aware that this here was claimed by us while there was still forest, when it was still intact. Only this forest exists now, that in front of us on the banks of the stream, because we have been trying to preserve it from 1991 until the present.

For Lindomar Dias, from the Indigenous Missionary Council, these articulations of invading territories have happened for a long time. In the case of the First Nations, since forever. “Effectively, Brazil was born, as a country, plundering and robbing territory from the First Nations. And it treats these peoples as though they were not native Peoples. They treat them as though they were foreigners, when in actuality they are the owners. They have acquired their right to possession not by purchasing the land but by living there, melding with it, merging with it.” For Dercy Teles, a traditional rubber tree tapper from the Xapuri municipality, whom we also listened to while traveling in Acre, the attacks are movements of extinction of populations that depend upon the forest. “For those who do not produce for capitalism’s development, there is no interest in their existence on this land,” she sustains.

Outraged, the Caciques point in the direction of each deforested or grabbed area. Antonio Jose names each individual who is responsible. “Joaquim felled 500 hectares for 2 thousand reals, and another 500 for another 2 thousand reals and sold them to Brana. This is on the other side of the Preto Stream, within the area we have legally demanded. All of this, they know is Indigenous Territory. And now the owner is Brana, some guy from Rio Branco city. Bezinho deforested 392 hectares of the Riachão plantation, alongside the Cruzeiro plantation, on the banks of Preto Stream, which is also part of our claim. Junior do Betão has already purchased it. We have all of this registered on our map”.

Blatantly illegal cattle livestock on federal lands

On the cattle pastures, the remains of trees denounce the prior fires. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

There are many names on the tip of his tongue, each one connected to another. Some are responsible for having entered and cut the trees. Other for land grabbing, enclosing them and filing some ‘documents’. When the “ripple” arrives, as Antonio Jose refers to the buzz to invade land, others come and buy them up. And then the place cattle on the land, it is the most common business in the region. According to IBGE (Brazilian Institute for Geography and Statistics), Boca do Acre has the second largest cattle herd in Amazonas State. It comes in second to its neighbor, Labrea. Together, the two have 510 thousand heads of cattle, 38% of the Amazonas’ cattle population. That is 6.4 heads per inhabitant.

This cattle’s principal destination is the Frizam/Agropam meat processing factory in Boca do Acre. According to research by Idesam (Institute of Conservation and Sustainable Development of the Amazon) in 2013, the slaughterhouse is responsible for 31.3% of the total meat processing in Amazonas state. Boca do Acre forms part of the Deforestation Arc, the region where the agriculture frontier advances upon the Amazonia’s primary forest. There are 372 areas embargoed by IBAMA in this municipality. This occurs when the inspector shows that a rancher deforested an area without prior approval or did not respect the legal reserve required on his or her private property. With an embargoed ranch, cattle ranching is prohibited. Cattle livestock occupies 80% of the deforested areas of Legal Amazonia, according to a 2015 report by the Environmental Prosecutor’s Office of the Federal Attorney General. Almost 40% of Brazil’s 215 million heads of cattle graze in the Amazon region.

The roads from Rio Branco to Boca do Acre have been taken over by cattle ranches. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

In Boca do Acre, even though there is a significant number of embargoed properties, Frizam/Agropam’s movement has not depleted in recent years. This happens because those cattle ranches that have been legally cited arrive with false documentation. The animals are registered as originating from ranches that have not been prohibited from commercialising. According to the meat processing factory, nothing can be done to audit this fraud. It just so happens that Frizam/Agropam has as one of its principal shareholders the Amazonian cattle rancher, Jose Lopes, who owns nine embargoed ranches in Boca do Acre.

According to the journalist, Leonildo Rosas from Blog do Rosas, Jose Lopes is the biggest cattle rancher, owner of more than hundred thousand heads of cattle. The “king of cattle”, as he is known locally, has been the treasurer of electoral campaigns and public funding and has strong influence over the growth of his meat empire. Lopes worked on the campaigns for Senator Eduardo Braga (PMDB) and for the Acre governor, Omar Aziz (PSD). He also worked on the campaign for the state governor’s campaign, Amazonino Mendes (PFL), who governed the State from 1999 to 2002. During that time period, in 2000, CIAMA (Amazonas State Development Company), a publicly-owned business, which has as one of its objectives the promotion of environmental development in the State, invested more than 14 million reals in the meat processing plant, Frisam/Agropam. As a result, CIAMA became one of four shareholders in the business. And it does not stop there: in the memorandum of the Frisam/Agropa’s Annual General Meeting on 06/03/2013, to which Amazonia Real had access, it shows that the factory has four shareholders: in addition to Jose Lopes and CIAMA, the list includes Jose Lopes Junior and Alessandra Lopes. “”These last two, Jose Lopes’ children, have in their name the land with cattle, fences and gates that we passed through upon entering Apurinã People’s Val Paraiso Indigenous Territory. Jose Lopes registered a property that came from my grandfather, I was in Bom Lugar and would come all the way to here to fish in the Poção do Arroz”, remembers Antonio Jose. “It was good for fishing. In 2010, Lopes registered this area as the Porão do Arroz and became the owner. It was us who opened this up, and Kaxuqui’s grandfather lived on the riverside. Here we have been living for so many years and nobody recognizes us”. Kaxuqui adds on: “We never sold a piece of land. Quite the opposite, we want to live here, give this right to our children and our grandchildren. What we want is what is ours. All we want is that they respect our culture, our rights and our way of living. We do not want ranches, nor cattle, once we are recognized, we do not need to be a rancher”.

Cacique Antonio Jose requests the demarcation of his People’s land. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

From 2013 IBAMA data, the fines for environmental crimes issued in the name of Jose Lopes added up to more than 3 million reals, resulting from the destruction of 955.14 hectares of primary forest in the Legal Amazonia. Recently, the cattle rancher was arrested in three Federal Police operations. In May 2018, in the Ojuara operation, he was accused by the Federal Attorney General of being involved in environmental crimes, along with another 21 suspects. They are accused of invading federal land, ordering deforestation and contracting Military Police agents to protect the machinery and the deforested areas. Among the accusations, a false IBAMA proceedings from Acre in September 2017 was used to alert the ranchers regarding a national operation for the following month. During that time, the IBAMA superintendent, Carlos Gadelha, was also accused by the Federal Attorney General’s Office of having created fake companies to offer administrative and legal defenses for illegal individuals who deforest in the south of Amazonas State, against his own entity’s, IBAMA actions.

On June 25 th, , Jose Lopes was released upon bail by the judge Monica Sifuentes, from the Federal District Court, who had substituted pretrial detention for temporary measures permitting his release while awaiting trial. He was once again arrested in the Maus Caminhos operation, where he was accused of receiving 1 million reals in bribes from the Dr. Mouhamad Moustafa, who was indicted as the leader of a criminal organization that diverted resources from the Amazonas state through the Novo Caminhos Institute. In addition to these accusations, the cattle rancher has been accused of environmental crimes in illegal timber commercialisation detected during the Arquimedes operation. “This character is arrested and he still keeps every right of raising cattle and selling it, on Federal Land. And he continues to deforest and orders others to do so. And here we are preserving our land and we have no right to our land”, vents Antonio Jose.

To top it off, a large part of the beef that is processed by Frizam/Agropam is not even enjoyed by the region’s population. Factory workers reveal that every month more than 20 tractor trailers leave the factory for foreign destinations. China, Japan, the USA are a few of the countries mentioned. “Here in Amazonas State, we do not eat the bull’s beef, only the cow. The young bulls, all of the fine meat, is exported. All of this cattle that causes so much prejudice here in Amazonas State is not even for consumption by the people of Amazonas. But yes by foreigners who end up supplying the resource for this deforestation”, protests Cacique Antonio Jose.

The majority of cattle slaughtered in Boca do Acre is meat that is exported. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Jose Lopes and his family is only one of the surnames that the Apurinãs resist against. There are various others. The dispute is unfair, in addition to the ranchers, the Apurinãs also confront the State’s omission. It may be through the denial of basic rights, such as health, energy, education – one of that factors that causes relatives to not remain in the forest. It may be due to the public agencies’ ineffectiveness in impeding and fining the land invaders. It may be because of those who wrongfully use the State to promote their discourse. Or those who use their discourse to become part of the State. This is not only the case of President Jair Bolsonaro but also the case of Francisco Sales de França, known as Mapara. He is a Boca do Acre council member who is a land grabber and has deforested the Val Paraiso Indigenous Territory. He ordered the deforestation of trees in 2017 and 2018. According to Antonio Jose, 200 hectares have been deforested by Mapara. He acknowledges his action. “He is fortified by his being a council member”.

Cacique Kaxuqui in front of the homes in the Val Paraiso Indigenous Territory. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

On August 19 th , the Cacique Apurinã recorded videos of condemnation on the banks of the Preto Stream. On the other side of the water, there is the noise of the chainsaw and trees falling. Antonio Jose narrates, “You can hear the buzzing of his chainsaw, I just wanted to be able to show this to the Attorney General, to FUNAI, just to show how the Val Paraiso Indigenous Territory’s forest is being destroyed”.

According to the Cacique, the largest fell of the year in the Indigenous Territory was 600 hectares and was encouraged by the Boca do Acre council member. Mapara was elected based on his campaign promise to legalise invaded lands, such as Val Paraiso. “Everybody knows that the council member does not have the legal authority to legalise federal lands,”
rebuts Antonio Jose. But we also know that discourses can mold legality. Our intention in visiting the Apurinãs, in addition to listening to the Caciques and showing solidarity, was to also register this “boring” of the 600 hectares. The following day, we would depart at sunrise. Before lying down in the recently hung hammocks, Antonio Jose grabs the folder that he carried with him. In it, sheets of recent satellite images of the area claimed by the Apurinãs. He gets closer to the kerosene lamp with the maps in his hands. Cacique Antonio Jose begins to describe the locality and how many hectares were deforested in the last year, repeating the gesture from hours before, near the fence. This time he points at the deforestation on the map. He also indicates, furiously, who is responsible for each “boring”. There are now thousands of hectares felled inside of the 26 thousand hectares demanded by the Apurinãs.

The recent exploration map of the Apurinã Indigenous land. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

INPE is the map’s source of information, elaborated with FUNAI’s assistance. On the wall of the OPIAJBAM (Organization of the Apurinã and Jamamadi Indigenous Peoples of Boca do Acre), the office where we meet Antonio Jose, maps hang on the wall showing signs from a recent course. The Apurinã and Jamamadi are studying how to use a cartography software, with the objective of being able to create the maps themselves. Cartography is a tool in the struggle for their land rights and also against deforestation.

It is important to remember that when the issue of forest fires came to light, President Bolsonaro demonstrated how his government would deal with science by firing the INPE director, Ricardo Galvão, on August 2nd. When a study was released demonstrating an increase in fires in Amazonia (68% in relation to July 2018), Bolsonaro declared that the Institute may be at the service of some NGO and that the damage must be incorrect.

Following Ricardo’s refuting Bolsonaro’s declarations, he was dismissed from his position. His removal was startling for the scientific world and for those who work on the situation of fires in Amazonia. Some days later, when asked about his dismissing Galvão, he responded, “I do not ask, I give orders”.

Illegal timber commercialisation
The next day we start out on our three hour hike. Our destination: the 600 hectares burned down on the Day of the Fire, August 13 th .

In three places in the forest, we found gallon bottles of gasoline and burnt oil used in chainsaws. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Various time we traverse the stream, we pass through places that are now fields and those that are still within the forest. In the middle of the trail, we rest upon what remains of a trunk of cedar, recently sawed down. Antonio Jose states: “on August 19 th we passed through here to see that they had felled the 600 hectares and that over there was still intact”. According to the Cacique, the loggers enter in pristine jungle, cut it down, remove the hardwoods – such as cedar and itauba. Then the loggers cut down the rest of the forest on top of the trunks, “they do this so we cannot see what type of trees they have removed”. In the following year, they will burn with the intention of clearing the area and taking advantage of the remaining trunks. After that, they start to lay the pastures for cattle raising. “This is the model that they use to invade and grab indigenous territories that we protect. Here for example, five days ago, everything had been cut down, and even with IBAMA here in Boca do Acre, they still continue cutting down”, denounces the Cacique.

Trees that have recently been cut not but not yet removed from the Val Paraiso Indigenous Territory. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

The lumber that leaves this area is cut with chainsaws in summertime, according to Antonio Jose. In wintertime, the loggers enter on the stream in barges, load it up and embark, carrying it to the Boca do Acre port at sunset. Then, as the Cacique describes the process, the criminals have a scheme to load the timber in a container on a tractor trailer that travels to Rio Branco city during the nighttime. The cargo goes on the road as though it were whatever type of freight. In the Acre capital, this wood is referred to as “heated up”. This expression is used to describe timber that has been stamped as though it originated from the Acre forestry management system. “This is how they do the removal of the indigenous timber for exportation from the indigenous territory and federal lands. All the lumber that is removed from Amazonas is illegal”.

What remains of the trees cut down in the middle of the forest within the Val Paraiso Indigenous Territory. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

The Transacrean lumber mill is one of the principal destinations for the trunks that are managed in AC-90. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Cacique Antonio Jose and Kaxuqui in one of the fields burnt that we went through on our trek. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Traversing the Retiro Stream in direction of the razing. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

Following Antonio Jose’s description, we continue through the jungle, hearing in the background the chainsaw’s roaring. We walk a little further and, with great difficulty, the felling of the forest becomes a complicated barrier to cross, we finally arrived at the burned area. As in the Huni Kuin Indigenous Territory, where there once was green, now only ashes appear. Black trunks have fallen. Standing and sawed trunks are also charred.

Some small bushes resisted the fire and the thick forest vegetation that has been felled makes it difficult to see the horizon. However, if one climbs on top of a stump, viewing from one side to another, you cannot see a tree canopy still standing in the immediate area. A tract of destruction. Antonio Jose condemns this: “They paid others for the burning, and then take up their role, following up with the removal of the logs and planting grass and raising cattle. In this manner, they grab the federal lands located in the Amazonia. Here in Boca do Acre it works this way. Nobody has INCRA (National Institute of Colonization and Agricultural Reform) documentation for a settlement. Everybody grabs the land, everyone says its theirs. They get loans, register in the Rural Environmental Land Registry and become the owners”. The Caciques speak indignantly, focused on their opportunity to denounce this reality.

Cacique Antonio Jose looks over the destruction of the 600 hectares of forest. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

As much as seen on the highway for the Huni Kuin (Highway AC-90, the Transacreana) as for the Apuinã (BR-317) and for the Xapuri (also BR-317), it is poignant the extension of cattle ranches. Where once was jungle is now pastures. An immensity of grass. Some Brazil nut trees are still standing, trees protected by the law. Some of these are splendid and still alive. While others are dead, annihilated slowly but surely by the numerous fires to which they have been exposed. They are still standing, even though they are dead, and can resist for years.

Cacique Kaxuqui sitting on one of the Brazil nut trees that once offered sustenance. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

In this last 600 hectares that were razed on the Val Paraiso Indigenous Territory, none of these trees escaped. According to Antonio Jose and Kaxuqui, more than 150 specimens were destroyed. Sitting on the what remains of a trunk that has not yet been removed, Kaxuqui tells us how the Apurinãs would collect 500 cans of Brazil nut on that site. “This here was a Brazil nut tree that we would harvest our sustenance for our family. And now here she is burnt. This here will not come back to this land. The land that we once preserved, that land that we needed is now like this, destroyed by ranchers”, laments Kaxuqui.

A Brazil nut tree fossil is a sad monument to the forest that once existed here. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

On the highway, we see carcasses being eaten by the vultures, logs with diverse metered diameters on top of tractor trailers. We hear about the threats that the Caciques confront. In the meanwhile, the Brazil nut trees, charred by fire are a symbol, the most melancholic monument of the destruction that ravages these territories.

On the AC-90, the Transacrean highway, many trucks filled with logs can be found on the road. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

The Apurinãs resist, fenced in by the henchmen, ranchers and the international market’s rapacious stare. Kaxuqui has already received offers to leave the area. Upon rejecting them, a drone flew for days in and around his home in the forest. Antonio Jose has had his home burned down once, and he is not returned there since. “I am threatened, I am frowned upon for defending my land. I no longer live as I once did. In the city, I am looked upon as if I were evil for the people, bad for the world. I do not understand this”, I have lived here in the same place for 54 years, but respect is not the case. “I was born here in Bananal, I continue to live and defend the same land. Those who I consider my good friends are 50 years old or older. These
youngsters, 20-35 years old believe that I am hindering development. Because they want to be here to cut it all down, making money. This is not what we want, we want that everybody grows while also respecting the rights of all”. I have already requested from the 6th Federal Chamber of Brasilia a police escort, which has been granted. But the local police do not have a large enough officer reserve to respond to the demand. They suggested that I leave the area. “There is no way I can leave here, all of my knowledge is here”.

Antonio Jose and Kaxuqui show the maps they use to analyse the increase in the fires and land grabbing. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

What is happening to the Apurinãs is not an isolated case. On the contrary, it is a systematic attack against Indigenous Peoples and their territories throughout the Amazonia and all of Brazil. On the offensive, there are distinct protagonists. There are those who are at the forefront, the direct exploration, through land invasions, logging extraction, cattle raising and, even, mining. As has been demonstrated in the narrative above. And then there are those in the background, those who finance these crimes. For example, European countries demonstrated in defense of the Amazonia during the recent fires, but it is an entire continent that has been buying meat and timber from these deforested areas for years. JBS and Marfig, corporations with an international profile in animal protein production, the principal meat exporters from Brazil to Europe, purchase their meat from these illegal ranchers. In 2018, the Reporter Brasil wrote an article on the sale of illegal timber to Denmark. Seven of the principal retail construction stores were unaware of the origin of the Brazilian timber that they were selling.

On the AC-90, known as the Transacrean Highway, cattle graze upon ashes. Photo: Douglas Freitas / Friends of the Earth Brazil

The authors of these attacks are or have political representatives. Starting with Brazil’s president, Bolsonaro stated, during his campaign, that he would not demarcate not even 1cm of indigenous territory. The president’s brother works with the so-called ‘ruralists’ to impede, together with government representatives, the demarcations. The demarcation process, now with Bolsonaro in power, is being threatened to be transferred to the Federal Department of Agriculture, where the ‘ruralists’ rule. A similar proposal, Proposed Decree 215, is in the Congress, suggesting that the final decision should lay with the Congress regarding the consolidation of indigenous territories, a Congress where currently the largest and most powerful caucus is that of the ‘ruralists’. This caucus, called the Agrilivestock Parliamentary Front, is also a lobbying group financially supported by agribusiness associations and corporations, and has 257 members, including federal deputies and senators. On July 4th, Bolsonaro declared, in a meeting with these politicians: “This government is yours”. As another example of this attack, the Congress recently proposed the Proposed Decree 343, which would declare that FUNAI could be granted to the power to liberate up to 50% of indigenous territories to ‘ruralists’, prospectors and other sectors without prior consultation with the traditional communities who reside there.

In this list of protagonists, we must not forget Rede Globo, the largest news and television network in Brazil, that promotes for the last two years as its main advertisement during prime time and political campaigns the following: “Agribusiness is technical, it is popular, it is everything”. There has been a publicity campaign where it glorifies and presents false information about Brazilian agribusiness, claiming for example that the majority of our food comes from agribusiness. This is a lie. The majority of Brazilian food supply is provided by family agriculture. In addition to these advertisements, Rede Globo decides what is or is not at stake in a system of promiscuity with enormous agribusiness sectors, businesses and sectors that historically attack the Peoples of Brazil.

Below are a few examples of what indigenous and traditional Peoples confront in Brazil. Here, some experiences of actual physical violence against the Peoples, are just a few of the violent incidents that have occurred in only the last couple days of September:

– Reoccupation by the Guarani Mbya of Ponto do Arado (Indigenous People from Rio Grande do Sul) suffers gunfire attack, the second this year;
– FUNAI Indigenous collaborator is assassinated in Amazonas state;
– Men claiming to be police attack the Guaranis (Indigenous People) in Terra de Areia, Rio Grande do Sul;
– Mbya Guarani receive threats by armed men in the Guadjayvi Indigenous Territory in Charqueadas RS, an Indigenous Territory directly impacted by the proposed Copelmi-Guaiba Mining project.

These attacks are historical and perpetuating, and are also more complex than they appear at first glance. Read on the second part of the story “The win-win situation hidden behind the Amazonia fires: how much are preservation and ‘green’ capitalism false solutions worth?”