Nota de solidariedade à comunidade quilombola Vista Alegre (Maranhão). Alcântara é quilombola!

 

A comunidade quilombola Vista Alegre é uma das 150 comunidades residentes no território de Alcântara (Maranhão), reconhecida pelo Estado Brasileiro desde 2004. Há anos, as comunidades da região têm conflitos com a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) pela Aeronáutica, que tem restringido o acesso ao território, disputando a terra com projetos de expansão, e inúmeras ameaças às comunidades. O município de Alcântara integra a região metropolitana de São Luís, sendo a luta das comunidades quilombolas pelos seus direitos territoriais na região um dos casos mais emblemáticos da causa quilombola no país. Isso se deve tanto pelo tamanho do território como pela ancestralidade da ocupação, que remonta o século XVIII.

No último mês, a Polícia Federal realizou uma reintegração de posse violenta, afetando a vida de 50 famílias. O despejo foi resultado da ação movida pela Advocacia Geral da União (autos nº. 1003280.80.2022.4.01.3700, 3ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Maranhão) contra a construção de um pequeno restaurante no local, que estava desativado desde maio de 2022. Não houve qualquer tentativa de construção de mediação do conflito, mesmo se tratando de território quilombola e da previsão expressa na legislação para uso do mesmo.

Representantes das comunidades estiveram em contato com a Casa Civil, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Igualdade Racial, Ministério da Justiça e Segurança Pública e secretarias estaduais para intermediar um diálogo, sem que obtivessem resposta até hoje.

As comunidades quilombolas sentiram-se desrespeitadas com a presença da Polícia Federal em suas casas, intensificando as já tensas relações entre as comunidades e a presença da Força Aérea Brasileira (FAB). Ainda que o conflito envolvesse um agente privado, este estava dentro de uma organização coletiva do território, de modo que afetou a todos os membros da comunidade, em desrespeito a seus modos de vida culturais.

A Amigos da Terra Brasil manifesta sua solidariedade às comunidades quilombolas, colocou-se como parceiro na defesa do território étnico quilombola de Alcântara em sua inteireza e plenitude. Afirmamos, em coro com as comunidades, que Alcântara é quilombola! Clamamos ao Estado brasileiro que tome medidas para construir uma mediação do conflito em acordo com os aprendizados da ADPF nº 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). De igual modo, recomendamos o cumprimento das diretrizes estabelecidas na Resolução nº 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos. 

 

Amigos da Terra Brasil (ATBr)

 

Nota em Repúdio à liberação do trigo transgênico


A Amigos da Terra Brasil tomou conhecimento, a partir do
Fórum Nacional de Combate aos impactos dos agrotóxicos e transgênicos, da autorização realizada na 259ª Reunião Ordinária da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) realizada em 1 de março de 2023, que na análise do processo nº  01250.014650/2019-71, autorizou a liberação do trigo transgênico (IND-ØØ412-7) no país.

A liberação foi realizada sem a devida realização de estudos de impacto ao meio ambiente e à saúde humana. Sabe-se que a autorização do plantio de transgênicos no país não tem sido realizada mediante o devido debate público, e a utilização de estudos idôneos e independentes das empresas transnacionais que comprovem a segurança alimentar e biofísica. Cabe lembrar que o PL nº. 2755/2021 visa justamente proibir o plantio e comercialização de trigo transgênico no Brasil em razão dos riscos à saúde humana.

CLIQUE AQUI para acessar a nota do Fórum Nacional

Estudos realizados por pesquisadores de Universidades Públicas apontam que a técnica de transgenia que envolve o trigo tem a adição de 62 mil pares de bases de DNA, no caso da soja transgênica são 4 ou 5 mil pares, e portanto envolve uma alteração genética de proporções ainda desconhecidas. Ainda mais grave, é que um dos genes inseridos na modificação da resistência ao herbicida, o glufosinato de amônio, pode causar impactos no sistema nervoso. Não à toa, a transgenia do trigo está proibida na Europa. 

Ao contrário de outros produtos liberados, como a soja, o trigo está presente no dia a dia de todo brasileiro e de toda brasileira. Com a liberação, a população estará exposta a contaminação sem qualquer mecanismo de controle. Dessa forma, a liberação desrespeita a Constituição Federal e a necessidade de um meio ambiente equilibrado, a obrigação de prevenção de danos à saúde, além dos Protocolo de Cartagena de Biossegurança e da Convenção sobre a Diversidade Biológica. 

Não podemos seguir privilegiando os interesses das empresas do agronegócio em detrimento da saúde da população brasileira e dos danos ambientais. Exigimos que seja suspendida imediatamente a liberação do trigo transgênico, e sejam realizados estudos independentes sobre os possíveis impactos.
 

Amigos da Terra Brasil

¹ Disponível em:  https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/mara-gama/2021/06/02/se-liberado-trigo-transgenico-fara-brasileiro-de-cobaia-diz-especialista.htm.

Rejection note to the liberation of transgenic wheat


Friends of the Earth Brazil had knowledge in the
National Forum of Struggle against the Impacts of Pesticides and Transgenics of the authorisation made in the 259th Ordinary Meeting of CTNBio which took place on 1 March, 2023, which analysing the suit nº 01250.014650/2019-71 authorised the liberation of transgenic wheat (IND-ØØ412-7) in the country. 

The liberation was carried out without the due development of studies concerning the impacts on the environment and human health. It is known that the authorisation to grow transgenics in the country has not been happening with the due public debate and the use of idoneous and independent studies about transnational corporations to verify dietary and biophysical safety. It is worth remembering that bill nº 2755/2021 aims exactly at prohibiting the growth and commercialisation of transgenic wheat in Brazil due to the risks to human health. 

CLICK HERE to access the National Forum note

Studies carried out by researchers in Public Universities point out that the technique of gene delivery of wheat involves the addition of 62 thousand DNA base pairs. In the case of transgenic soy, it is 4 or 5 thousand pairs, therefore it involves a genetic alteration of unknown proportions. Even more serious is one of the genes inserted in the modification of resistance to the herbicide glufosinate-ammonium, about which there are studies of the impacts on the nervous system. It is not for no reason that wheat gene delivery is prohibited in Europe. 

Differently from other liberated products like soy, wheat is present in the daily life of all Brazilians. With the liberation, the people will be exposed to contamination without any control mechanism. Therefore, the liberation does not respect the Federal Constitution nor the need for an equilibrated environment, the obligation to prevent damage to health, besides the Cartagena Biosafety Protocol and the Convention on Biological Diversity. 

We cannot keep privileging the interests of agribusiness companies to the detriment of Brazilian people’s health and environmental damage. We demand the immediate suspension of the liberation of transgenic wheat, and that independent studies about the possible impacts be carried out. 

Friends of the Earth Brazil 

Available on:  https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/mara-gama/2021/06/02/se-liberado-trigo-transgenico-fara-brasileiro-de-cobaia-diz-especialista.htm.

Nota en Rechazo a la liberación del trigo transgénico


Amigos de la Tierra Brasil tuvo conocimiento a partir del
Foro Nacional de Combate a los impactos de los productos fitosanitarios y transgénicos de la autorización realizada en la 259.ª Reunión Ordinaria de CTNBio realizada el 1 de marzo de 2023, que en el análisis del proceso n.º 01250.014650/2019-71 autorizó la liberación del trigo transgénico (IND-ØØ412-7) en el país.

La liberación fue realizada sin la debida realización de estudios de impacto en el medio ambiente y en la sanidad humana. Es sabido que la autorización del plantío de transgénicos en el país no ha sido realizada mediante el debido debate público y la utilización de estudios idóneos e independientes de las empresas transnacionales que comprueben la seguridad alimentaria y biofísica. Nos toca acordar que el PL n.º 2755/2021, tiene justamente el objetivo de prohibir el plantío y la comercialización de trigo transgénico en Brasil en razón de los riesgos a la sanidad humana. 

PULSE AQUÍ para acceder a la nota del Foro Nacional

Estudios realizados por investigadores de Universidades Públicas apuntan que la técnica de transgénesis en el trigo involucra la adición de 62 mil pares de bases de ADN. En el caso de la soja transgénica son 4 o 5 mil pares, y por tanto involucra una alteración genética de proporciones todavía desconocidas. Aún más grave es uno de los genes inseridos en la modificación de la resistencia al herbicida glufosinato de amonio, sobre el cual existen estudios de impacto en el sistema nervioso. No es por nada que la transgénesis del trigo está prohibida en Europa. 

Al contrario de otros productos liberados, como la soja, el trigo está presente en la vida cotidiana de todo brasileño y brasileña. Con la liberación, la población estará expuesta a contaminación sin cualquier mecanismo de control. De esa manera, la liberación no respeta la Constitución Federal y la necesidad de un medio ambiente equilibrado, la obligación de prevención de daños a la salud, además del Protocolo de Cartagena de Bioseguridad y la Convención sobre la Diversidad Biológica. 

No podemos seguir privilegiando los intereses de las empresas del agronegocio en detrimento de la salud de la población brasileña y de los daños ambientales. Exigimos que la liberación del trigo transgénico sea suspendida inmediatamente, y que sean realizados estudios independientes sobre los posibles impactos. 

Amigos de la Tierra Brasil

Disponible en:  https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/mara-gama/2021/06/02/se-liberado-trigo-transgenico-fara-brasileiro-de-cobaia-diz-especialista.htm.

A Cozinha Solidária da Azenha está se transformando: campanha possibilita mais refeições a quem precisa e redução da produção de lixo

Nesse mês de abril, a Cozinha Solidária da Azenha, de Porto Alegre (RS), está se transformando. Para garantir ainda mais refeições para quem precisa, está sendo realizada uma campanha de arrecadação de potes, copos, canecas, colheres ou garfos e facas de plástico. Os utensílios podem ser doados diretamente na Cozinha Solidária, na Av. Azenha, 608, de segunda-feira à sexta-feira, das 9h às 14h. A ideia é substituir gradualmente as embalagens de isopor, reduzindo os custos com a compra de embalagens e o impacto ambiental. 

Isaura, militante da Cozinha Solidária da Azenha | Foto: Isabelle Rieger

As marmitas de isopor começaram a ser utilizadas por questões sanitárias durante a pandemia de covid-19. Eram necessárias para evitar o contágio e garantir a segurança de todos. Além do custo das embalagens, que quase se equiparavam a verba utilizada na compra de alimentos para o preparo das refeições, o isopor tem um impacto na geração de lixo. Fazem parte da construção da soberania alimentar os debates sobre cuidados com a terra, vínculos entre campo e cidade, as relações de solidariedade e a redução da produção de lixo. Por isso, para além de alimentar mais bocas e mais sonhos, a Cozinha tem na campanha a ideia de dialogar sobre como podemos construir espaços de nutrir pensando em alternativas que são, também, mais ecológicas. 

Campanha de arrecadação de utensílios garante mais refeições a quem precisa.

E o principal: alimentar mais pessoas. Com a arrecadação de utensílios, mais gente vai poder compartilhar das refeições da Cozinha da Azenha e acessar o espaço. Com potes, copos, talheres e canecas, as embalagens de plástico não serão mais necessárias e a verba que anteriormente era destinada a elas pode ser revertida para a compra de mais alimentos, ampliando o número de pessoas que o projeto vai conseguir atender. O que se desdobra, ainda, no fortalecimento de alianças importantes, como a relação de maior vínculo da Cozinha Solidária com movimentos sociais, entre eles o Movimento Sem Terra (MST) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que a abastecem com alimentos sem veneno e saudáveis, tão especiais no preparo dos almoços distribuídos a quem precisa. 

Além de assegurar condições para que mais pessoas possam ser alimentadas, a iniciativa expande o debate sobre como construir soberania alimentar, laços comunitários e uma relação de mais cuidado com o planeta. Com a arrecadação dos utensílios e substituição das embalagens de plástico, a Cozinha segue firme na luta pela construção de espaços em que alimento é direito de todas, todos e todes, e não uma mercadoria. 

Hoje, a companheirada segue propondo ações para alimentar cada vez mais pessoas. E nessa trajetória, faz da solidariedade um dos vínculos mais fortes para a construção da soberania alimentar e de um Brasil sem fome. É com partilha, coletividade e engajamento que acontecem as transformações. 

Vem com a gente nessa transformação e no combate à fome? Tem potes, copos e pratos sobrando por aí? Faça a sua doação direto na Cozinha Solidária da Azenha, ou combine com a companheirada da Cozinha ou do  MTST_RS como você pode somar na luta.

O que doar: Potes, copos, talheres (colheres ou garfo e faca de plástico) e canecas

Onde doar:  Av. Azenha, 608, Porto Alegre (RS)

Quando? De segunda a sexta, das 9h às 14h

Tem dúvidas? Chama o @mtst_rs no Instagram 

Quer ajudar de outra forma? Fala com o MTST_RS 

Quer ajudar a Cozinha Solidária com pix? A chave é o e-mail rededeabastecimento@gmail.com

Cozinha Solidária da Azenha segue na luta pela soberania alimentar e contra a fome | Foto: Isabelle Rieger

Com a arrecadação de potes, copos, canecas, colheres ou garfos e facas de plástico, a Cozinha vai se transformando e ampliando a sua capacidade de acolhimento e atendimento. Outras iniciativas, como os jantares “Tempero de Luta” e a “Lojinha do MTST”, também se somam na construção de diálogo sobre a cidade, as ocupações urbanas, a importância do combate à fome e da construção de soberania alimentar. Acompanhe o MTST RS e fique por dentro das novidades. 

Saiba mais sobre a história da Cozinha Solidária da Azenha aqui

Leia também: A Urgência de um projeto político para as populações marginalizadas das cidades brasileiras

Dia Mundial da Água 2023: não à privatização das empresas públicas! Agrotóxico não!

 

✊🏽💧 Hoje, 22 de Março, é o #diamundialdaagua . É a água que torna a vida possível; é o que nos garante higiene, saúde, alimento. Durante a pandemia, vimos e sentimos a importância de poder lavar as mãos, de tomar água de qualidade, de consumir alimento saudável, e o impacto disso na imunidade e na saúde das pessoas.

Atualmente, nem todos os brasileiros e as brasileiras, e muito menos em âmbito mundial, têm o acesso à água garantido. A Amigos da Terra Brasil e parceiros vêm realizando estudos nos territórios e têm constatado que essa água é assegurada de forma precária. Em boa parte das cidades já se detecta o problema na captação, onde a água chega contaminada, seja por agrotóxicos, devido à mineração e à siderurgia, entre tantos outros vários fatores e irregularidades.

A água é um dos direitos fundamentais, o direito à vida, como consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Portanto, o acesso à água potável deve ser garantido a todos os assentamentos humanos, mas não é a realidade de muitas ocupações irregulares, aldeias indígenas não demarcadas, quilombos não titulados, nas periferias, especialmente das grandes cidades.

A água é um direito ainda a ser conquistado! E nesse sentido, a privatização das empresas públicas de água e saneamento vêm na contramão do acesso à água potável. Este bem essencial deve ser garantido pelo Estado e não ser entregue à iniciativa privada, com a falsa promessa de que vai garantir esse direito para todos e todas. Temos exemplos no Brasil e no mundo de que a privatização não resolveu a questão do acesso, pelo contrário: a partir do poder econômico, as pessoas ficaram excluídas, sem ter água potável para beber, alimentar-se, para viver! Os custos dessa água privatizada aumentaram, e os investimentos feitos pelas empresas privadas não ampliaram, de forma necessária, os sistemas e nem as estruturas.

Neste #diamundialdaagua é que se torna cada vez mais urgente a ação do Estado e governos que garanta o acesso às águas e que responsabilize os agentes que contaminam.

Neste dia de reflexão e de luta, a Amigos da Terra Brasil destaca a voz de agricultores agroecológicos e contra a privatização. Veja os vídeos abaixo: 

Animações explicam o que é economia feminista e princípios da sua construção na agenda de movimentos sociais

Está chegando o dia #8M, data que marca globalmente as jornadas de luta do feminismo popular,  construído diariamente nos territórios. De forma propositiva, a @capiremov, a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Amigos da Terra Internacional produziram duas animações que abordam a economia feminista, expondo também os princípios para a construção desta na agenda dos movimentos sociais e na construção de uma mudança de sistema. De forma criativa e lúdica, os vídeos se propõe a explicar o conceito e introduzir alguns princípios feministas, sendo recomendados para o uso de movimentos sociais em suas atividades de formação.

O que é a economia feminista?

 A Economia feminista é uma estratégia política para transformar a sociedade e as relações entre pessoas e pessoas e a natureza. Passa por reconhecer e reorganizar o trabalho doméstico e do cuidado, que dentro do patriarcado recaem com força sobre as mulheres. É, ainda, uma resposta à atual crise econômica, ambiental e social. 

As mulheres são sujeitos econômicos e protagonistas na luta contra o modelo econômico dominante. A economia feminista aponta o trabalho que sustenta a vida e a produção econômica, evidenciando todas as pessoas que o fazem – sendo a maioria delas mulheres, pessoas negras e imigrantes.

 É uma economia que se propõe ainda a reorganizar as relações de trabalho, de gênero e raciais na nossa sociedade, fazendo com que o trabalho de cuidado se torne uma responsabilidade compartilhada entre todas as pessoas e o Estado. Ponto que passa tanto por discussões de políticas públicas, retomada de espaços comuns, frear as privatizações e a atransformação de bens comuns como a água e a energia em mercadorias, revogações de medidas de retirada de direitos de pessoas trabalhadoras, mais direitos, qualidade de vida, educação e saúde públicos gratuitos e de qualidade para todas as pessoas. 

Na economia feminista, a sustentabilidade da vida está no centro. Isto significa priorizar as necessidades dos povos e dos territórios ao invés do lucro. Os cuidados são uma necessidade humana fundamental. Todas as pessoas são vulneráveis e interdependentes. Todo mundo precisa de cuidados ao longo da vida, independente da idade ou do estado de saúde.  E para além disso, os trabalhos conectados a essa esfera são de baixa intensidade ecológica, não exigindo extração de recursos da natureza em larga escala e podendo se aliar a uma transição energética, climática e ecológica realmente justa. 

Economia feminista, sociedade sustentável e sociedade do cuidado 

Para transformar nosso atual modelo econômico, precisamos fazer da solidariedade e da reciprocidade uma prática nas nossas vidas, nos nossos movimentos e nos nossos esforços políticos cotidianos. A economia feminista nos lembra que a biodiversidade é fruto da relação com as povos tradicionais e seus modos de vida. Devemos respeitar o ciclo de regeneração da natureza e repensar nossa relação com a alimentação, valorizando práticas agrícolas e culinárias locais e garantindo que as comunidades tenham meios de cultivar alimentos em seus próprios territórios. A economia feminista propõe uma alternativa de sociedade construída a partir da centralidade da sustentabilidade da vida, da interdependência e ecodependência.

Uma sociedade sustentável precisa ser uma sociedade do cuidado, mas um cuidado fora das amarras do capital. Assinalar a importância do trabalho de cuidado, que sustenta a vida de todas, todes e todos é um passo para a valorização deste e para a construção de outras formas de se relacionar.

A economia feminista apresenta ainda atividades compatíveis com a redução da exploração de recursos, o que aponta uma saída para um crescimento econômico clássico, pautado pelo acúmulo infinito de capital em um planeta finito. Processo que se dá por meio da superexploração do trabalho e da natureza, do ecocídio, da criação de zonas de sacrifício, do racismo ambiental e da extinção.

O modelo capitalista divide a nossa sociedade entre as esferas de produção e reprodução da vida, isso faz com que pareça que pareçam coisas independentes. O trabalho que tem relação com o dinheiro é considerado produtivo e a sociedade o valoriza. Já o trabalho doméstico e de cuidados é considerado reprodutivo. E apesar de ser fundamental para sustentar a vida, é invisível para a sociedade e não é considerado parte da economia. A economia tradicional se constrói dentro desse modelo, privilegiando as experiências dos homens e negando as das mulheres. A Economia feminista torna visíveis todos os trabalhos que sustentam a vida, sendo o trabalho reprodutivo fundamental para que o próprio trabalho produtivo aconteça. Não há separação.

A economia dentro da economia feminista, portanto, é o modo como garantimos a vida. Sem cuidados e sem alimentos, por exemplo, não há economia  e nem  vida possível. Por isso a economia feminista reconhece e valoriza os trabalhos de cuidado como parte da economia. E vai mais além: reorganizando esse trabalho pra que seja de todas pessoas, coletivo, e para que hajam políticas públicas a respeito.

O capitalismo se desenvolveu às custas da exploração da natureza e do tempo das pessoas. Tudo em função do mercado. Na África, Ásia e na América Latina as pessoas foram expulsas de suas terras para dar lugar a monocultivos de alimentos e agrocombustíveis para a exportação. Empresas minerárias contaminam as águas, seguem destruindo a diversidade da natureza e colocam em risco a vida de quem vive em territórios próximos. Não é casualidade que nessas áreas de disputa apareçam conflitos armados e as mulheres enfrentem muita violência.

Nas cidades, grandes empresas construtoras se beneficiam com a especulação imobiliária. Para isso, desalojam pessoas de seus lares e comunidades para construir grandes projetos que afetam sobretudo as populações periféricas, migrantes, negras e indígenas. E quem segura as pontas nas comunidades, garantindo que todo mundo tenha habitação, comida e cuidado, são as mulheres.

Para manter as taxas de lucro das grandes empresas, a exigência é de mais trabalho, com menos direitos e mais vigilância. Na lógica da ganancia transformam os bens comuns em mercadorias e superexploram o trabalho das pessoas. Quando menos esperamos, o que era público vira propriedade privada, o que era de acesso comum passa a ser só para quem pode pagar.

Mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas com o trabalho em casa e fora de casa, da reprodução e produção da vida. E com um olhar para a ecomomia feminista, a partir do cotidiano de quem cuida da vida, é evidente que os tempos e as lógicas de vida, da natureza, são incompatíveis com os ritmos do capital.

Além de ser muito  invisibilizado, muitas vezes o trabalho de cuidado é não renumerado ou mal renumerado, trazendo ainda mais violências para o cotidiano de quem historicamente assume essa responsabilidade. Situações como a da pandemia de covid-19 escancaram o quão imprescindível é uma economia que tenha o cuidado em primeiro plano, pautando um modo de vida solidário, com o fortalecimento dos espaços comuns, de escolas, creches, lavanderias, hortas e cozinhas comunitárias.

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 01”:

📽️ Confira aqui o vídeo “O que é Economia Feminista 02”:

Fonte: Capire 

 Leia também a nossa última coluna no Jornal Brasil de Fato, que também aborda o tema.

 

Pulverização de agrotóxicos é debatida no Fórum Social Mundial de Porto Alegre

Famílias assentadas, organizações e movimentos sociais debatem problemáticas da pulverização de agrotóxicos no Fórum Social Mundial de Porto Alegre e constroem aliança para garantir a produção de alimentos sem veneno

Importância da solidariedade internacionalista e da articulação entre países da América Latina para combater o avanço dos agrotóxicos é enfatizada nos debates. Foto: Maiara Rauber

Nos dias 23 e 24 de janeiro, as famílias Sem Terra participaram do Fórum Social Mundial de Porto Alegre e debateram sobre as problemáticas da pulverização aérea de agrotóxicos na mesa ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’.

Também estiveram presentes representantes do Movimento Ciência Cidadã, em colaboração com Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), Red Nacional de Accion Ecologista (Renace – AR), Instituto de Salud Socioambiental da Universidad de Rosario (AR), Famílias do PA Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP), Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST RS), Rede Irerê de Proteção à Ciência, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Terra de Direitos, Amigos da Terra Brasil, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), Comissões de Produção Orgânica (CPORG), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (COCEARGS), Instituto Preservar, Jornal Brasil de Fato RS, Rede Soberania e GT-Saúde/Abrasco.

A mesa, dividida entre dois encontros, contou com troca de relatos e experiências entre companheiros de luta do Brasil e da Argentina. A partilha foi de vivências forjadas pelas desigualdades do capitalismo, que avança com um modelo de produção de alimentos primário exportador (o agronegócio) de alto impacto negativo nos biomas, responsável por danos irreversíveis nos territórios além de inúmeras violações de direitos destes e dos povos. Modelo assinalado ainda por uma relação de dependência econômica do Sul Global em relação ao Norte, que incide no cotidiano de pequenos produtores rurais por meio da violência, destruição da sociobiodiversidade, poluição, envenenamento, falta de incentivo via políticas públicas, desestruturação de suas formas de produção e de vida e perseguição política.

Mas para além do descaso do estado e do desamparo presente nos relatos, o otimismo da vontade foi o horizonte das pautas discutidas. De forma propositiva, também foram elencadas estratégias para barrar a deriva de agrotóxicos, a pulverização aérea de veneno e as violências contra pequenos produtores rurais, propondo o direito à terra, trabalho, comida e à produção de alimentos saudáveis. Na confluência de saberes e realidades, os movimentos e coletivos presentes se fortaleceram, dando início a uma aliança latinoamericana para dar um basta às violações dos corpos, territórios e da natureza imposta por uma minoria muito rica que comanda o agronegócio.

Visita a assentamentos conta com troca de experiências entre Argentina e Brasil e proposição de reivindicações coletivas para barrar as violências dos agrotóxicos nos países

No primeiro dia da atividade ‘Povos contra agrotóxicos na República Sojeira’’, foi realizado um roteiro de reconhecimento dos espaços atingidos pela pulverização aérea nos últimos anos. Inicialmente os participantes reuniram-se no Viveiro Bourscheid, no Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS). O viveiro é o único com certificado orgânico no Rio Grande do Sul. Espaço que resiste às derivas e as ameaças latentes advindas dos agrotóxicos pulverizados nas proximidades, apontando que outros caminhos para a produção de ervas, temperos, hortaliças e medicinas da natureza, assim como o sonho de uma alimentação saudável, são uma realidade não apenas possível, mas que já vem sendo construído na prática. Realidade que também se traduz na segunda visita do dia, realizada em outra propriedade de assentados da região, muito reconhecida pela produção de morangos orgânicos.

Nos locais os visitantes tiveram uma contextualização histórica sobre o processo de produção de alimentos orgânicos e agroecológicos, assim como das lutas cotidianas travadas pelos assentados. Houve a identificação dos problemas enfrentados, das estratégias adotadas e das implicações das pulverizações de agrotóxicos na vida das famílias afetadas. Também foram apresentadas as articulações com comunidades urbanas e laços estabelecidos com a sociedade local e regional.

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita. Foto: Maiara Rauber

As famílias dos assentamentos de Reforma Agrária Itapuí, Santa Rita de Cássia II e Integração Gaúcha relembram os momentos que enfrentaram em 2020 e 2021, nas quais foram atingidos pela deriva de agrotóxicos pulverizados por aviões agrícolas utilizados por grandes produtores de arroz convencional do município de Nova Santa Rita. Os herbicidas afetaram a saúde de agricultores, moradores, culturas orgânicas, animais e agroecossistemas locais, como consequência de voos rasantes de aviões com agrotóxicos sobre e nas proximidades das áreas dos assentamentos, onde se concentram também algumas das áreas de maior produção de arroz agroecológico da América Latina.

Entre os diversos sentimentos presentes, esteve a tristeza pelas violações nos territórios, com impactos traduzidos em estiagens prolongadas, como a de 2020, no envenenamento das águas, e nas ameaças constantes das pulverizações. Foram evidenciados casos de câncer devido ao contato com o veneno, doenças de pele, alergias, bolhas na pele, adoecimento e enfermidades tantas.

A partilha de relatos sobre a realidade da vida no campo, com enfoque na produção agroecológica, contou com falas como a da companheira argentina Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona. Ela abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo, que muitas vezes passam por situações como abortos espontâneos pelo contato com o veneno, ou nascimento de crianças com doenças e deformações. Além de um cotidiano evidenciado pela perda de suas crianças, revelou ainda que o câncer alcança índices elevados em seu território, afetando drasticamente as companheiras. Contexto situado dentro da conivência do estado Argentino, que como expôs sua fala, adota políticas que dão as costas aos pequenos agricultores. “E a justiça não nos escuta”, acrescentou. Caso semelhante ao do Brasil, e até mesmo de Santa Rita, com fiscalização que em uma das denúncias feitas demorou 15 dias para ser realizada.

Flavia Zenotigh, da organização Mujeres Rurales Campo Hardy y Zona, abordou os impactos do modelo do agronegócio e dos agrotóxicos na vida das mulheres argentinas do campo na Argentina. Foto: Maiara Rauber

O assentado e produtor de mudas Adir Bourscheid, um dos primeiros a relatar a deriva da pulverização de agrotóxicos na região de Santa Rita, comentou: “Em 2015 fomos atingidos pela primeira vez e ninguém dizia que era veneno, era falado que era falta de água. Tinha veneno por cima de tudo, eu denunciei. Chegamos aqui e construímos o que construímos para persistir na terra, persistir em ir contra o veneno. É difícil fazer uma muda orgânica, mas não vamos parar, porque primeiro de tudo vem a saúde”.

Os impactos das derivas também se dão na vida econômica dos produtores, com perdas que podem comprometer a subsistência das famílias, a ida a feiras e o abastecimento com alimentos em regiões inteiras. Adir resgatou ainda a conexão política com a pauta, mencionando a importância do Movimento Sem Terra e das políticas do governo de Lula para que pudessem tocar o projeto do viveiro.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Olympio, além de contar a história de sua propriedade e a importância da produção agroecológica, que garante inclusive a potabilidade das águas e o equilíbrio ecológico dos locais, destacou a importância dessa forma de produção na fertilidade do solo, na diversidade da vida. E o quanto desde que se assentou no local, numa relação afetuosa com o espaço e sem uso de venenos, foi possível perceber melhorias neste.

A questão, que como o próprio assentado e produtor orgânico de morangos, Olímpio Vodzik, ressaltou, vai para além da terra. Foto: Maiara Rauber

A violência permeia os relatos da resistência contra a pulverização de agrotóxicos no Brasil e na Argentina. Mas para além dela, a indignação, na coletividade e construção das lutas, se torna mobilização para seguir. O assentado do MST, João Vitor de Almeida,  insistiu na cooperação, articulação das lutas, e pressão dos de baixo ao poder público e à justiça para garantir o direito à terra, produção, trabalho e vida digna. “A última vez que nós ficamos muito sufocados era cinco horas da manhã e o avião estava passando. E às cinco da manhã é hora que ninguém fiscaliza. E se as famílias não reclamam, elas não se movimentam. O agronegócio vai corrompendo e vai criando mecanismos que tornam tudo possível novamente. Então a lei é importante, mas mais importante é a consciência e a mobilização das famílias, de que não é possível conviver com agroecologia e agronegócio”, relatou. Evidenciando a importância das alianças de luta, João complementou: “ Temos que juntar todas nossas forças possíveis para que a gente possa produzir alimentos saudáveis, cuidar do ambiente, da terra e do nosso trabalho. E é isso que temos feito nos últimos anos, enfrentando todas as dificuldades possíveis. E o que estamos propondo, diante de todas as dificuldades que enfrentamos é que nós precisamos ampliar essa relação para um processo de luta maior a partir das comunidades locais. Porque uma árvore não se planta de cima para baixo, e nós temos que produzir a luta de baixo para cima”.

Encontro na Assembleia Legislativa apresenta reinvindicações das lutas e proposições para frear o agronegócio

No segundo dia (24) do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, o debate da temática, desta vez aberto ao público, teve sequência na Assembleia Legislativa do RS. Lá, trouxe reflexões a nível de América Latina, de Brasil, mas também abordou informações mais específicas dos casos ocorridos em Nova Santa Rita e Eldorado do Sul, assim como em Santa Fé (AR).

Carlos Manessi, da Multisectorial Paren de Fumigarnos (AR), explanou sobre a realidade Argentina. “As condições são as mesmas, temos agora na Argentina  o presidente Alberto Ángel Fernández ,respaldado pelo CEO da Syngenta, principal promotora desse modelo que temos agora em presidência. Falo para que tenham ampla ideia. Manessi acrescentou ainda que em Santa Fé há 20 milhões de hectares cultivados com soja: “Na nossa província, local da qual venho, temos três milhões e meio de hectares, 70% do nosso território está coberto com soja. Isso corresponde a 70% das terras cultivadas. É muitíssimo. É monocultura, monocultivo demais. Demais”, situou.

Em sua fala, abordou os casos de inundações, secas, contaminação de rios e desmontes decorrentes do modelo do agronegócio, diretamente relacionado ao uso de agrotóxicos e transgênicos. “Santa Fé perdeu 50% da colheita. Uma lagoa com 20km de peixes mortos pela seca em grande lagoa que temos. São impactos tremendos que estamos sofrendo”, contou, estabelecendo um paralelo com os impactos na saúde coletiva.  “Os impactos na saúde são muito grandes e não podemos seguir permitindo que nossos vizinhos sofram o que sofrem agora. Então a nossa ideia na Pare de Fumigarnos e esse coletivos de organizações é, para começar, garantir mil metros livres de fumigação… Não podemos permitir mais isso tudo. Vocês no Brasil, nós na Argentina, e paraguaios, uruguaios e bolivianos”.

Manessi também refletiu sobre a importância desse intercâmbio de informações entre organizações e movimentos de luta, inclusive como ação estratégica para frear a emergência climática: “Somos parte do ambiente, a cadeia do sistema agroindustrial é responsável por quase de metade dos gases de efeito estufa de efeito global. A mudança climática que presenciamos e sofremos está fortemente influenciada por esse modelo de produção agroindustrial. Esse sistema de produção agrária com toda cadeia de valor produz mais de 50% por cento dos gases de efeito estufa que nos leva à mudança climática”.

Somando nessa fala, Gabriel Adrian, do Instituto de Saúde Socioambiental da Universidade Nacional de Rosário (AR), elucidou que as articulações de luta reconhecem a necessidade de transformar o modelo do agronegócio, que gera doenças, mortes e consequências socioambientais nefastas. “Nesse século enfrentamos alguns desafios na saúde coletiva que tem a ver com aquecimento global, com surgimento de futuras pandemias. O modelo agroindustrial gera condições para que possam emergir novos microrganismos com potencial pandêmico, com a forma que são criados industrialmente os animais”, explicou, contextualizando que hoje vivemos em ambientes repletos de substâncias tóxicas como nunca ocorreu em outro momento da história. “Frente a todas essas ameaças, o que os companheiros querem reivindicar não se trata de nada mais que uma forma de produzir, um modo de vida.  Entendemos que os modos de vida agroecológicos são reivindicados porque são os modos de vida que nos permitem enfrentar todas essas ameaças e desafios”, sintetizou.

Adrian defendeu ainda que os sistemas agroecológicos são resilientes,  capazes de captar a sociobiodiversidade: “Frente a possibilidade de sofrimento de pandemias, os sistemas agroecológicos são os sistemas que defendem a imunidade coletiva, de toda sociedade. Contra a carga tóxica que há no ambiente, na água, no solo, no ar, os sistema agroecológicos são os que nos permitem recuperar os territórios para vivermos de modo saudável”, demarcou. Em sua exposição, reconheceu a importância da trajetória construída nas lutas, mas questionou quais compromissos  devem ser assumidos desde o setor da saúde para estar à altura histórica do momento em que estamos vivendo. “Por mais que tenhamos ideias e linhas de trabalho, é necessário recuperar desde as vivências que têm as comunidades e povos. É preciso transformar o sistema de saúde atual em um sistema capaz de produzir saúde”, comentou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Evidenciou que o Brasil é o maior consumidor de veneno,  assinalando  que grande proporção dos agrotóxicos consumidos aqui são proibidos em seus países de origem.  “No Brasil, nas nossas lavouras temporárias que deveriam ser produção de alimentos, estão destinados em três cultivos: soja, milho e cana. Falamos de cerca de 40 milhões de hectares de soja, outros 22 milhões de milho, nove milhões de cana..  Isso implica para nós uma imensa concentração de riqueza, uma imensa concentração de terra, uma imensa concentração de insumos, e nesse caso os agrotóxicos saltam aos olhos no caso brasileiro. Nós somos o maior consumidor de veneno do mundo”, anunciou.

Adalberto Martins, da direção nacional do MST, apresentou em dados a problemática do agronegócio em nosso país, relacionando ao caso argentino. Foto: Maiara Rauber

A advogada e ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Marina Dermmam destacou em sua fala o descaso do poder público em relação a fiscalização de crimes vinculados à agrotóxicos, mencionando a relevância do trabalho jurídico realizado para ajudar as famílias atingidas por pulverização aérea de agrotóxicos em Nova Santa Rita. “Os agrotóxicos podem violar uma série de direitos humanos, em especial os direitos que chamamos de DHESCAs (Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais). A gente tem uma série de legislações muito protetivas aqui no Brasil, especialmente que surgiram na década de 80 e 90: o nosso plano nacional de meio ambiente, a política nacional de meio ambiente, leis de crimes ambientais, de fato são muito protetivas, mesmo no que teve em desregulamentação no último momento que vivemos. Mas é um grande desafio quando vamos no sistema de justiça procurar responsabilidade”, mencionou. Marina manifestou ainda a importância dos polígonos de exclusão, locais em que a pulverização de agrotóxicos deve ser proibida.

Acordo Mercosul-União Europeia: acordo comercial sem participação dos afetados intensifica projeto neocolonial de superexploração dos povos e territórios no Sul Global

Para além das lutas cotidianas nas bases dos territórios, abordadas nos encontros do “Povos contra agrotóxicos na República Sojeira”, foi dimensionada como estas se travam dentro da geopolítica global. Na correlação de forças entre centro e periferia do sistema capitalista, países embobrecidos por esta economia hegemônica, como os da América Latina, são grifados pela violenta situação de dependência escancarada no modelo primário agroexportador do agronegócio. Modelo que privilegia o desenvolvimento dos países colonizadores, como os membros da União Europeia, a partir do subdesenvolvimento e superexploração do Sul Global.

Na prática, um acordo que intensifica o racismo ambiental, o ecocídio, a mercantilização da natureza e o genocídio dos povos indígenas, quilombolas,  ribeirinhos, tradicionais, campesinos e das periferias, que são os mais afetados pela emergência climática. Emergência essa causada pelo capitalismo e diretamente fomentada pelo agronegócio, ainda mais tendo em vista que o maior motivo de emissões de gases poluentes da atmosfera no Brasil é a alteração de uso de solos, via desmatamento para a ampliação da fronteira agrícola.

Exemplos que escancaram essa realidade são acordos como a Alca, barrado pelas lutas anos atrás. Caso que a assentada do MST e atingida pela pulverização de agrotóxicos, Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula.

Graciela Almeida, trouxe a memória evidenciando a necessidade de uma rearticulação para também vetar o Acordo Mercosul- União Europeia, agora em abertura de diálogo no governo Lula. Foto: Maiara Rauber

Logo, na luta contra a exploração dos corpos, territórios e da natureza na América Latina, este acordo é mais um ponto a ser considerado. Ele se relaciona diretamente com o avanço do agronegócio, que traz o uso de agrotóxicos que poluem águas, solos, afetam a saúde e integram um modelo de produção desigual. Graciela abordou essa situação de dependência econômica prolongada pelo Acordo, assim como o uso de agrotóxicos como armas químicas a qual estão submetidas as comunidades. O Acordo Mercosul-União Europeia a maioria das pessoas  desconhece. Quem conhece um pouco, e um pouco porque nem sequer foi traduzido nas línguas dos países que supostamente estão envolvidos, sabe muito bem que é uma nova exploração dos nossos territórios.  É um aprofundamento da exploração do sistema capitalista nos nossos territórios e nos nossos corpos. E isso significa que a fronteira da soja, a república unida da soja como falava a Syngenta, vai querer se expandir muito além. E isso vai acontecer com todas as monoculturas se nós não paramos, não conversamos e dizemos para esse novo governo que não queremos mais exploração nos nossos territórios”, situou Graciela quanto a necessidade de incidência das lutas neste Acordo.

Encontros fortalecem as alianças entre movimentos e organizações que assumem o compromisso no processo de conscientização da sociedade da América Latina

Leonardo Melgarejo, do Movimento Ciência Cidadã, explicou a importância dessa atividade multi-institucional que envolveu ativistas que lutam contra o agrotóxicos na América Latina, e contou com uma comitiva de quatro instituições da Argentina. “Nós discutimos um fato básico, temos doenças que são as mesmas, que afetam as famílias de todos os países da América Latina, que são causadas por agrotóxicos que são os mesmos comercializados com instituições que são as mesmas. Precisamos estabelecer uma forma de defesa conjunta para atuarmos de uma mesma maneira e não isoladamente, para atuarmos conjuntamente contra este problema que se associa aos avanços das lavouras transgênicas, das lavouras geneticamente modificadas tolerantes agrotóxicos que estão inundando os nossos territórios”, declarou.

Foi concluído no final do debate a importância de superar processos de alienação da sociedade de todos os países da América Latina, pois segundo Melgarejo a água que habita, que dá vida aos territórios da América Latina está sendo contaminada de maneira irreversível sendo que essa água faz parte dos organismos, das crianças, idosos, e também nos rios, lagos e aquíferos. “Uma maneira de tirar esse veneno dos espaços é evitando que ele chegue lá. Para isso temos que estabelecer mecanismos de comunicação que ajudem a sociedade a tomar consciência do problema que está em andamento e esses mecanismos exigem que nós pautamos ações em comum em conjunto nos vários espaços ao mesmo tempo”, reforçou o integrante do MCC.

Um dos exemplos citados por Melgarejo é o documento produzido pelas famílias assentadas de Nova Santa Rita, o qual conta a sua história e as estratégias que vem desenvolvendo para estabelecer essas alianças com as populações urbanas. Para fortalecer o documento estão captando assinaturas de adesão para levar adiante a sociedade do que acontece aqui no Rio Grande do Sul e que por extensão é o que acontece em todo o conjunto da América Latina.

Por fim, Melgarejo encarou o encontro positivamente, ao destacar a relação estabelecida com companheiros de lugares diferentes da América Latina. E novas etapas dessa luta conjunta já estão previstas. Segundo Leonardo, em junho deste ano haverá um momento na Universidade de Rosário, na Argentina, durante o Congresso de Saúde Coletiva e Saúde Ambiental. Outro encontro será realizado em novembro na cidade do Rio de Janeiro, no Congresso Brasileiro de Agroecologia (ABA).

“Nesse meio tempo nós temos um compromisso de apoiar as instituições que trabalham nessa linha e ajudar a proteger esses ativistas que estão envolvidos com essas ações de proteção, pois eles são perseguidos, discriminados e ameaçados. Devemos construir gradativamente esse processo de conscientização da sociedade da América Latina, e tomar medidas em conjunto para superar essa crise”, finalizou Leonardo Melgarejo.

Acesse o documento na integra.

Texto por Maiara Rauber e Carolina Colorio Reck

Confira alguns dos registros das atividades na nossa galeria de fotos: 

 

Créditos: Carolina C.

Não foi possível estar presente? Confira a transmissão ao vivo  da atividade na Assembleia Legislativa, que conta com apresentação da Carta dos atingidos pela deriva de agrotóxicos e debate internacionalista, da sociedade civil, movimentos e organizações sobre a pauta

Transmissão ao vivo

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Saiba mais sobre a luta contra o Acordo Mercosul- União Europeia na matéria “Delegação brasileira faz Jornada na Europa para denunciar os impactos do Acordo Mercosul-União Europeia”

E aqui você confere  o posicionamento da Frente Brasileira Contra o Acordo Mercosul-UE, que foi apresentada ano passado no Parlamento Europeu 

A urgência de um projeto político para as populações marginalizadas das cidades brasileiras

Durante a pandemia os movimentos populares ocuparam espaços deixados pela negligência do Estado – Isabelle Rieger/Arquivo Amigos da Terra Brasil

Somos 213,3 milhões de brasileiros e de brasileiras vivendo nas cidades; destes, 21,9% se encontram concentrados em 17 municípios, que possuem mais de 1 milhão de habitantes. Segundo esses dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2021, chegamos a 49 municípios com mais de 500 mil habitantes.

A inversão de rural para urbano se deu nos últimos 50 anos sem planejamento, a única regra era a da segregação e exclusão criando muros e a periferização das cidades. Esta expansão aconteceu usando o povo empobrecido como ferramenta do setor imobiliário, que por meio desse crescimento também disseminou o seu território, e usou a máquina do Estado para expandir a infraestrutura como demanda social.

Essas áreas que o setor imobiliário deixava descoberto por sua milícia, eram áreas de preservação, córregos, arroios, banhados e áreas do Estado, assim ampliando a disponibilidade de terras e retirando o natural da cidade, canalizando, aterrando e ocupando uma paisagem, concretado e impermeabilizado, sem vento e nem sol. Até o sol nos tiraram, as próprias estrelas com que a sociedade dialoga há milhares de anos, acabou em 50 anos.

Esta é a dimensão do desafio das cidades brasileiras. Como alimentar, fornecer moradia adequada, luz, água, saneamento básico, educação, transporte, saúde, a essa população? E ainda, como adequar tudo isso para reduzir os danos ambientais, promovendo uma transição agroecológica com justiça ambiental e soberania alimentar?

O urbano 

Nos últimos 4 anos, caminhamos para o desmonte das políticas públicas para as cidades e nos colocamos, ainda mais distantes, da necessária Reforma Urbana. Logo, no dia 1° de janeiro de 2019 foi extinto o Ministério das Cidades, destruindo os 16 anos de construção do planejamento urbano no país.

O Programa Minha Casa Minha Vida foi cancelado em 2021, após ter entregue cerca de 4,5 milhões de casas e apartamentos, num país que vive por volta de 7,9 milhões de déficit habitacional. Em seu lugar, o governo implementou o Programa Casa Verde e Amarela, que suprimiu a FAIXA 1 de acesso ao financiamento, justamente a destinada às famílias de renda mensal inferior a R$ 1.800, o que corresponde a 92% do déficit de moradia. Em setembro deste ano, o governo anunciou o corte de quase 95% do orçamento habitacional previsto para 2023.

Outrossim, a pandemia desvelou uma realidade triste do Brasil: a dos despejos e das remoções. A lógica da propriedade privada e da especulação imobiliária sempre estiveram presentes no país. Ocorre que durante a crise sanitária, a necessidade de um teto para o exercício do isolamento social em condições dignas foi uma prioridade. Assim, movimentos populares e diversas organizações fundaram a Campanha Despejo Zero, que foi responsável pela articulação da ADPF nº.828 (Arguição Descumprimento de Preceito Fundamental), na qual os despejos ficaram suspensos até outubro deste ano.

A decisão proferida pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, em 31 de outubro não manteve a suspensão dos despejos, no entanto recomendou que fossem instaladas comissões de mediação coletiva antes da decisão judicial. Apesar da orientação, juízes já começaram a conceder reintegrações de posse, inclusive de áreas que são terras públicas federais ocupadas, as quais caberia perfeitamente um diálogo exemplar. Segundo a Campanha Despejo Zero, quase 1 milhão de pessoas estão em risco de despejo neste momento no país.

Temas candentes 

Os movimentos de moradia, com destaque ao MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), têm reivindicado a retomada do Ministério das Cidades e da constituição de um debate popular sobre a Reforma Urbana. Em face disso, propõe-se ao novo governo que seja retomado o Projeto Minha Casa Minha Vida Entidades, por meio do qual os movimentos puderam demonstrar ser possível construir moradias, com acessibilidade a hortas, transição energética, casas adequadas para a realidade das famílias e, sobretudo, com uma gestão popular, fora da lógica das grandes construtoras. Assim, a moradia, no Programa, retoma seu lugar como direito necessário à dignidade humana e não na perspectiva de geração de lucros às empresas.

Além dessas, outras propostas são apresentadas. O primeiro eixo envolve combater a mais valia urbana por meio de uma valorização do Estatuto da Cidade e uma radicalização da função social urbana da Constituição. O propósito é de que o Estado use os recursos das zonas mais ricas da cidade para investir em moradia, saneamento público, passe-livre nas zonas que carecem disso, promovendo uma distribuição de riquezas.

Repensar a organização socioespacial da cidade para disponibilizar aos trabalhadores e às trabalhadoras acesso ao transporte, trabalho, saúde e educação nas proximidades de suas casas. A especulação imobiliária, a exclusão das cidades, expulsam as populações de baixa renda do direito à cidade, submetendo-as a viver nas fronteiras distantes sem direitos. É urgente repassar as cidades excludentes e terminar com a segregação social, racial e de classe.

Também garantir o acesso à água e ao saneamento. Nos últimos anos, foram aprovados projetos de privatização do saneamento básico no Brasil, trazendo inúmeras incertezas sobre a concretização do direito à água, além da especulação com tarifas extraordinárias. Muitas ocupações e bairros de periferia ainda não acessam água encanada de qualidade. Sem contar na população em situação de rua, que está completamente privada deste direito. Hoje no Brasil, o direito universal que garante o acesso à água só é permitido a quem tem a posse regularizada, ou seja, ocupações, retomadas e aldeias não demarcadas e quilombos não titulados não têm este direito garantido.

A privatização também caminha para os espaços públicos e coletivos da cidade. Muitas dessas iniciativas são financiadas e desenhadas pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e não estão sendo acompanhadas do adequado processo de participação social. Isso é algo que o novo governo precisará rever. Em Porto Alegre (RS), por exemplo, discute-se a concessão do Parque da Redenção sem a realização de qualquer debate público por parte da prefeitura.

Fernando Campos, integrante da Amigos da Terra Brasil e militante do MTST, destaca que é necessário pensar na importância do retorno dos espaços de participação popular, previstos na Constituição e no Estatuto das Cidades. Para ele, pensar as cidades brasileiras é romper com a lógica do empresariado na gestão dos problemas da cidade e assegurar o caráter deliberativo aos Conselhos Municipais e às Conferências das Cidades, posto que trazem as propostas a partir da realidade dos territórios, sendo capazes de elencar as escalas de prioridades a serem enfrentadas pelo poder público. Assumir um compromisso público e político com a participação popular é tarefa urgente.

Na pandemia, fomos obrigados a repensar nossos valores de cuidados e solidariedade coletivas. Assim nasceu a iniciativa do MTST das cozinhas solidárias, hoje são 31 cozinhas no país, que distribuem refeições diárias, gratuitas, ajudando a combater a fome nas periferias. Pensar no combate à fome, que como anunciou Lula será uma das prioridades do governo, deve ser encarado conjuntamente com outras  políticas públicas como de moradia e de cidade. Bem como estar conectado ao fortalecimento público dessas iniciativas populares, que são promotoras da segurança alimentar e da aliança campo e cidade.

Com propostas concretas e possíveis, marchamos rumo à Reforma Urbana

Diante de um Estado negligente, os movimentos populares organizaram suas forças e resistiram, cumprindo um papel político e pedagógico durante a pandemia que caberia ao poder público. Certamente, esses atores estão plenamente capacitados para opinar e construir soluções às cidades brasileiras porque, ao longo de sua luta histórica, acumularam experiências alternativas, como a Cozinha Solidária, os mutirões de construção e as ocupações urbanas, que educaram e politizaram o povo brasileiro para participar ativamente da construção de sua cidade. O novo governo precisa romper a lógica de que “a cidade é um espaço sem opção” propagada por empresas e assumir a capacidade do povo de se organizar, resistir, ocupar e pensar sobre seus problemas candentes.

* Coluna publicada no site do jornal Brasil de Fato em: https://www.brasildefato.com.br/2022/12/06/a-urgencia-de-um-projeto-politico-para-as-populacoes-marginalizadas-das-cidades-brasileiras

COP 27: carta do Grupo Carta de Belém e de movimentos sociais critica “feira do clima” e cobra cumprimento dos compromissos

A primeira semana de negociações climáticas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Sharm El-Sheikh, no Egito, encerrou sem dar indícios de cumprir com a expectativa sobre a “COP da implementação” como vinha sendo chamada essa Conferência. Em vista disso, o Grupo Carta de Belém (do qual a Amigos da Terra faz parte), articulado com organizações da sociedade civil e movimentos sociais, abre a segunda semana da COP 27 com o lançamento da carta “Juntos para ação climática: com quem e para quê?“, em que crítica o que chama de “feira do clima”: a transformação em um balcão de negócios do espaço que traria soluções para o clima. A problemática é séria, os resultados das conferências podem decidir a possibilidade de garantir condições de vida humana a longo prazo na terra, ou estender a possibilidade de lucro sob o argumento da descarbonização.

A carta foi construída e é assinada por uma série de organizações da sociedade civil e movimentos sociais brasileiros que somam a crítica da preponderância do setor privado como ator chave na implementação das ações climáticas, pintando de verde a economia mundial, mas sem aprofundar ações para uma transição justa transformadora. O grupo aponta que a ação prioritária é o cumprimento dos compromissos já adotados pelos países desenvolvidos, principais causadores do aquecimento global pelo acumulado das emissões de carbono historicamente e que a questão climática não pode ser usada como meio para endividamento dos países em desenvolvimento, maiores impactados pelo problema e que carecem de recursos para implementar condições para que suas populações possam resistir às secas mais rigorosas, às chuvas torrenciais e às ondas de calor extremo.

A carta destaca ainda que a ação climática não pode jogar a conta sobre povos originários, comunidades quilombolas e povos tradicionais do mundo para resolver o problema causado pelas grandes corporações, enquanto estas seguem lucrando no mesmo modelo desenvolvimentista que nos trouxe até aqui, propondo como saída a compensação de suas emissões, sem ação real para mudar a situação. “É necessário produzir uma ação climática que seja capaz de reparar os efeitos atualizados da colonialidade, e oferecer soluções de reconstrução contra os efeitos climáticos extremos, sem transferir para povos indígenas e quilombolas, comunidades tradicionais e rurais, o peso de combater as mudanças climáticas, enquanto corporações globais, inclusive produtoras de combustíveis fósseis, se desresponsabilizam pela poluição que as suas atividades econômicas provocaram, historicamente, ao contabilizar carbono florestal nos seus balanços de sustentabilidade.

Leia a carta na íntegra abaixo, ou acesse aqui em português.
Lea en español.
Read in english.

Juntos para ação climática: com quem e para quê?


O lema da COP 27, em Sharm el Sheik, no Egito, é “juntos para implementação” (#together for implementation). Como primeira COP focada na “implementação”, assistimos a uma cacofonia de vozes e propostas que competem para vender oportunidades de negócios, tecnologia, financiamento (e endividamento) para alcançar a descarbonização, a neutralidade climática e um lugar no futuro net-zero (emissões líquidas zero).


Diante desta grande “feira do clima” e considerando aquilo que o termo “ações climáticas” vem apontando na prática, nós, organizações e movimentos da sociedade civil brasileira, entendemos que é fundamental perguntar: juntos com quem e para quê?

O centro das nossas preocupações é em particular a ofensiva dos mercados para participar de ações de mitigação vinculadas à terra, às florestas e a promoção de pretensas Soluções baseadas na Natureza (NbS), uma vez que ações climáticas neste setor vêm se configurando como uma grande oportunidade de investimentos – e portanto, de lucros e de especulação, inclusive financeira – o que não pode ser igualado à verdadeira sustentabilidade e a transição justa que o mundo precisa.

Reafirmamos aqui nossa posição de que as florestas devem permanecer fora dos mecanismos de mercado. As florestas são o espaço de enorme biodiversidade e de muitos povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, agricultores familiares que buscam convivência digna e sustentável com seus ecossistemas, devem ser objetos de políticas públicas e sistemas de governança, transparente e democrática. Tem sido uma posição histórica de negociação do Estado brasileiro – tanto como de vários segmentos da sociedade civil do país reiterada ao longo dos anos – manter as florestas fora dos mercados de carbono. Temos enfrentado e resistido às inúmeras formulações que ao longo das negociações do clima vêm tentando subordinar florestas, terras, territórios e populações do Sul global às lógicas e aos mecanismos vinculados aos mercados e à especulação financeira – mesmo que em nome do clima.

Ao invés disso, defendemos que o financiamento climático internacional para florestas e para combater o desmatamento sejam subordinados a políticas públicas estruturantes e fontes de financiamento no marco do orçamento público, da institucionalidade, da governança pública brasileira e da soberania – seguindo o estabelecido no Art. 5 do Acordo de Paris e o Marco de Varsóvia para REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que prevê pagamentos por resultados efetivos para a conservação e recuperação de áreas de florestas. Defendemos ainda que as doações internacionais relacionadas a estes resultados devem ser desvinculadas do teto de gastos do orçamento.

Esta COP é a primeira após a conclusão do Livro de Regras do Acordo de Paris, finalizado em Glasgow, em novembro de 2021, no qual ficou sacramentada a centralidade do Art. 6, que trata da transferência internacional de resultados de mitigação e para a operacionalização de mercados de carbono na execução dos objetivos do Acordo – ou de como, afinal, os resultados de mitigação serão creditados e computados na planilha global da conta climática. O item 6.4 do Artigo trata especificamente do mercado de carbono no âmbito da UNFCCC, sob a formato do “mecanismo de desenvolvimento sustentável”. As atuais negociações técnicas sobre o Art. 6.4 avançam rapidamente, haja visto o interesse de certos atores de operacionalizar este acesso aos atores do setor privado e financeiro – em detrimento da responsabilidade dos Estados dos países desenvolvidos – e vem sendo promovido como principal via para financiamento e aposta para a mitigação.

Representamos vozes da sociedade civil brasileira que discordam da visão que aposta na centralidade dos mercados de carbono e naturaliza a narrativa de que o setor privado seria o parceiro chave e com papel preponderante no financiamento, na implementação das ações climáticas e na transição de modelo econômico para uma economia ´mais verde´. Ao invés disso, defendemos que os países desenvolvidos e maiores responsáveis históricos pelas emissões causadoras do aquecimento global precisam cumprir com os compromissos assumidos relativos às metas de financiamento e devem disponibilizar os recursos de pagamento por resultados, assim como levar a sério a agenda de perdas e danos.

A ação climática não pode servir ao aprofundamento das injustiças ou à promoção do racismo ambiental e da dívida climática. É necessário produzir uma ação climática que seja capaz de reparar os efeitos atualizados da colonialidade, e oferecer soluções de reconstrução contra os efeitos climáticos extremos, sem transferir para povos indígenas e quilombolas, comunidades tradicionais e rurais, o peso de combater as mudanças climáticas, enquanto corporações globais, inclusive produtoras de combustíveis fósseis, se desresponsabilizam pela poluição que as suas atividades econômicas provocaram, historicamente, ao contabilizar carbono florestal nos seus balanços de sustentabilidade.

Assinam:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Coalizão Negra por Direitos

Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS)
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS)
Grupo Carta de Belém (GCB)

Marcha Mundial de Mulheres (MMM)
Memorial Chico Mendes

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Sem Terra (MST)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
FASE
INESC
Instituto de Referência Negra Peregum
Terra de Direitos
Uneafro Brasil

Acesse os outros textos do Grupo Carta de Belém sobre a COP 27, Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Mudanças Climáticas, que acontece de 6 a 18 de Novembro em Sharm El Sheikh, no Egito :

Grupo Carta de Belém chega ao Egito para a COP 27: saiba porque você precisa prestar atenção nas negociações

Primeira semana da COP 27 encerra sem avanços: pressão deve aumentar sobre os países do norte na segunda semana


* Texto retirado do site do GCB

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