A ocupação da Casa do Estudante Indígena em Porto Alegre (RS) foi iniciada neste domingo (6/03), por universitários indígenas dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani. A retomada ocorre por demanda antiga de estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que impossibilita que crianças habitem, junto às mães estudantes, a Casa do Estudante Universitário (CEU). O regimento interno da CEU não permite a permanência de crianças nas dependências, o que coloca as estudantes em uma difícil situação. Há relatos de crianças escondidas na moradia universitária, o que acarreta na intimidação das mães por parte da coordenação da moradia e de alguns moradores, e um ambiente insalubre para o desenvolvimento infantil.
Compõem o coletivo que ocupa a Casa do Estudante Indígena 50 estudantes, dos 75 universitários indígenas que estão na UFRGS. Destes, a maioria são mulheres com crianças. Hoje, no Dia Internacional da Mulher, é necessário que se apoie a luta em defesa dos direitos das mães estudantes e de suas crianças. Não é admissível que uma universidade, com toda a gama de diversidade de alunos, não ofereça a possibilidade de permanência para os estudantes indígenas. Que não dê a eles espaços de acolhimento, nem respeite sua cultura e formas de viver.
Em conversas com os estudantes, Tailine Franco, graduanda em Odontologia pela UFRGS, reitera que a reivindicação de uma casa do estudante indígena é antiga entre os universitários. Afirma que os estudantes não têm resposta concreta das instâncias da faculdade frente à situação visível da falta de possibilidade de permanência das mães com crianças e da comunidade indígena em geral na universidade. “Só iremos sair daqui com uma resposta”, diz Tailine, “pois não adianta a universidade garantir a vaga e não o acesso”.
Angelica Kaigang, mãe e mestranda em Política Social e Serviço Social, também pela UFRGS, coloca que, na pós-graduação, as condições de permanência são ainda menores. Não há quase nenhuma política pública para pós-graduandos. “Ao vir de nossas aldeias, não temos acesso a nenhuma política pública específica para educação. Viemos dos nossos territórios e ficamos desassistidos de tudo”, complementa.
Tailine Franco (acima) é estudante de Odontologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foto: Isabelle Rieger/Amigos da Terra Brasil
Solidariedade popular está presente na ocupação. Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) entregou diversas marmitas para estudantes e apoiadores
Na segunda-feira (7/03), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) distribuiu marmitas produzidas pela Cozinha Solidária da Azenha. As cozinhas solidárias são iniciativas do movimento para alimentar as populações vulneráveis. Em 2020, cerca de 50% dos brasileiros sofriam algum tipo de insegurança alimentar, segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). Sendo assim, a rede de alimentação solidária possibilita que, mesmo diante da falta de ações por parte dos governos em geral e, especialmente do Federal de Bolsonaro, para tirar o país do Mapa da Fome, as pessoas em maior situação de vulnerabilidade consigam se alimentar de forma digna, construíndo, desta forma, solidariedade popular.
Marmitas da Cozinha Solidária da Azenha, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), são entregues na Casa do Estudante Indígena. Foto: Isabelle Rieger/Amigos da Terra Brasil
Para apoiar a Ocupação, ajude com doações!
PRECISA-SE DE: alimentos e utensílios de cozinha, botijão, água, fios, canos, compensados, martelos, pregos, produtos de limpeza, sacos de lixo, luvas, vassouras.
Nesta 5ª feira (7/10), o presidente Jair Bolsonaro vetou o PL 4968/19, já aprovado pelo Congresso Nacional, que garantia a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda. Mais um ataque ao direito à saúde das meninas e das mulheres pobres e que mais necessitam de ajuda!
“O Brasil tá complicado. Eu acho até uma ofensa a gente precisar estar discutindo isso, parece até que estamos na Idade Média”, declara a militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres e atuante na Aliança Feminismo Popular, Cláudia Prates. Nesta quinta-feira, dia 7 de outubro, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda. A medida de disponibilização desses artigos de higiene estava prevista no Projeto de Lei 4968, de 2019, aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
No lugar de aprovar uma iniciativa que seria prática e eficiente para a saúde das mulheres, o presidente sancionou a criação de um Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual com uma “estratégia” para a “promoção da saúde e atenção à higiene feminina”, como coloca. Tal programa irá proporcionar a implementação de “campanhas informativas e de conscientização da população acerca da importância do tema”, medida claramente desprovida de qualquer auxílio ou mudança no cotidiano daquele que seria o público-alvo do projeto. “Tem mulheres que usam miolo de pão, que usam jornal, que usam panos laváveis e reaproveitáveis para conseguir utilizar no período da menstruação”, explica Prates. Mesmo assim, o presidente insiste em descartar a solução adequada.
“Esse conceito de pobreza menstrual é a falta de acesso das mulheres e meninas à compra e ao uso do absorvente, e também está relacionado a todas as questões de riscos à saúde que podem decorrer do uso de jornal como absorvente, por exemplo”, explica Cláudia. Segundo a Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância) em enquete realizada com pessoas que menstruam, 62% afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar de que gostam por causa da menstruação, e 73% sentiram constrangimento nesses ambientes. Mesmo assim, enquanto este homem, embebido pelas bases do patriarcado e do machismo, se recosta confortavelmente na cadeira de seu escritório para trabalhar, incontáveis alunas de escolas da rede pública passam desconforto e vergonha enquanto deveriam poder estar focadas apenas no estudo. “Quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na sua escola” (Unicef Brasil). Ao mesmo tempo, mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, presidiárias e adolescentes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa sofrem mensalmente e ficam ainda mais vulneráveis.
Bolsonaro declara que a distribuição de absorventes contrariava o interesse público por não existir “compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino”. Relata que o PL não apresentava indicação orçamentária, medida compensatória ou fonte de custeio dos dispositivos, apesar do projeto originalmente apresentado colocar as dotações disponibilizadas anualmente pela União ao funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde) como fonte de recursos financeiros. Contudo, a falta de produtos femininos de higiene básica não é discutível, mas sim um problema de saúde pública. “É muito sério, é muito grave, é muito mais do que uma perfumaria. Isso é um item de cesta básica, é um item primordial na vida das mulheres, ao qual elas deveriam ter acesso”, sublinha Prates.
É de grande importância incluir o assunto de forma correta dentro das organizações feministas. Como explica Cláudia Prates: “A pobreza tem cara de mulher, e cara de mulher negra. Falamos sobre os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, a falta de acesso das mulheres à informação, à falta de conhecimento das mulheres sobre o seu corpo, não conhecerem os direitos e as políticas públicas em relação à pílula do dia seguinte, ao aborto legal… O absorvente, fornecido de forma gratuita para as mulheres carentes, tem que estar na nossa pauta também quando a gente fala de tudo isso, não pode estar desconectado”.
A Unicef declara que “todas as pessoas que menstruam têm direito à dignidade menstrual, o que significa ter acesso a produtos e condições de higiene adequados”. Ou seja, em um dia como este, em que a liberdade menstrual foi mais uma vez negada às mulheres, ficar calada não é uma opção viável. Precisamos seguir enfatizando a importância do acesso de mulheres e meninas a itens de higiene, saúde e outros já disponibilizados gratuitamente nos postos de saúde. Distribuir e falar sobre absorventes não deve ser tabu ou motivo de vergonha, faz parte da vida das mulheres. É direito de todas, e é dever do Estado garanti-los. Isto é urgente!
O grupo fundamentalista islãmico Talibã, expulso de Cabul há 20 anos pelos Estados Unidos (EUA) após os ataques de 11 de setembro de 2001, tomou o Afeganistão e reassumiu o poder. Há dias, notícias invadem diariamente os olhos de todos, uma enxurrada de medo, terror e desesperança. O ex-presidente, Ashraf Ghani, fugiu do país após se render pacificamente ao cerco do Talibã, já aguardado desde o anúncio do presidente estadunidense Joe Biden de que retiraria todas as suas tropas do país até 11 de setembro deste ano. Sua cadeira mal esfriou e, horas depois, o grupo entrou no palácio presidencial na capital Cabul, tomando o controle já no domingo, dia 15 de agosto. Desde então, os governos do mundo todo agora trabalham para retirar seus cidadãos do país o mais rápido possível, lotando o aeroporto e provocando cenas chocantes, como pessoas escalando janelas de aviões para conseguirem entrar. Tiros aconteceram, existem rumores inclusive de que uma parte do local tenha pegado fogo, segundo a CNN Brasil.
Com o retorno do Talibã ao poder, o qual se organiza em forma de milícias religiosas, as grandes vítimas são as meninas e mulheres. Elas, que sangraram por seus direitos, como o exemplo de Malala Yousafzai, que com apenas 14 anos de idade, levou um tiro por estar lutando pelo direito feminino à educação. Isso não foi novidade, pois, antes dela, muitas mulheres lutaram para conquistar seus direitos mesmo anteriormente ao Talibã e outras forças religiosas extremistas serem criadas e fortalecidas para derrubar o primeiro governo popular do país nos anos 1980.
Já tendo sido uma questão de livre arbítrio religioso no Afeganistão, as burcas hoje se tornaram uma ordem, não mais uma opção. Estudantes em idade escolar e jovens universitárias já precisaram se despedir de seus estudos, sem saber se algum dia irão retornar. Elas estão se escondendo, apavoradas com a perspectiva de serem obrigadas a se casar com comandantes talibãs, como já foi pedido a todas as famílias com mulheres solteiras, que foram ordenadas a entregarem suas filhas. Zarifa Ghafari, a primeira prefeita mulher do Afeganistão, espera temerosa que uma perseguição do grupo terrorista a atinja. “Eu estou esperando que o Talibã vá até pessoas como eu e me mate”, relata em entrevista ao i News. Ela explica que não tem ninguém que possa salvá-la, e espera sentada em seu apartamento com a sua família, aguardando que o ataque aconteça. A líder não pode deixar a sua família, e adiciona: “além do mais, para onde eu iria?”.
O Talibã, em seus discursos televisionados, insiste em dizer ao mundo que ninguém será prejudicado, que as mulheres terão seus direitos assegurados de acordo com a sharia (lei islâmica), com algumas concessões a mais. Contudo, enquanto tais palavras são ditas, assassinatos acontecem como forma de vingança, mulheres são demitidas de seus empregos e as famílias tentam fugir enquanto há tempo, embora hoje já seja possível dizer que as horas para se salvar, já acabaram.
É um momento de muita tensão e que demanda solidariedade ao povo afegão e, especialmente, às mulheres afegãs. Como já disse a escritora feminista Simone de Beauvoir, no sistema capitalista, basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados e, muita vezes, tirados. O destino de nossas irmãs está sendo traçado, da pior maneira possível, com o punho de ferro do patriarcado em riste. Não podemos deixar que décadas de luta das mulheres no Afeganistão pela conquista de direitos sejam jogados fora.
Não podemos mais permitir que mulheres sejam tolhidas de seus direitos! Gritemos e lutemos com as mulheres afegãs!
CONFIRA MAIS NO DEBATE PROMOVIDO PELA MARCHA MUNDIAL DE MULHERES (MMM) NO RIO GRANDE DO SUL (RS) E PÃO COM OVO SOBRE A TEMÁTICA TALIBÃ E MULHERES NESTE LINK >> https://fb.me/e/IFkhf3Wx?ti=wa
Na tarde de quarta-feira, dia 04 de agosto de 2021, no Setor Estiva, da Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora, a jovem de apenas 14 anos de idade, Daiane Griá Sales, indígena Kaingáng e moradora do Setor Bananeiras da Terra Indígena do Guarita sofreu um crime bárbaro cometido contra seu próprio corpo.A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) e o Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul (Cimi Sul), publicaram no dia 05 de agosto manifestos de repúdio à barbárie e a Amigos da Terra Brasil não poderia deixar de apresentar seus mais sinceros sentimentos e apoio à família, a aldeia e toda toda nação Kaigang.
O assassinato de indígenas, independente de idade, gênero ou localização geográfica continua sendo presente na realidade dos povos indigenas. O caso do assassinato de Daiane foi um crime não só a um povo, mas também mais uma demonstração da desumanização dos corpos femininos. “Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas, precisa parar!”, explica a ANMIGA em seu manifesto. Desde a invasão do Brasil por parte dos europeus, o povo autóctone sofre contínua desvalorização e uma tentativa de apropriação física e cultural que ultrapassa todo e qualquer limite. Não é a toa que nosso povo miscigenado tem origem da exorbitante quantidade de estupros promulgados por aqueles vindos da Europa, informação que é até hoje ignorada por muitos e que tem também como consequência a banalização e a naturalização das violências praticadas por um certo setor da sociedade: “Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil.”
Hoje, o Brasil é povoado por 448 mil mulheres indígenas, portadoras da voz de um povo e de uma ancestralidade dilacerada e agredida diariamente pela violência. Ontem, hoje e amanhã elas se mantêm valentes e fortes, motivadas pelo desespero de se manter de pé, de não deixar seu povo morrer e suas bocas serem caladas. As lágrimas são agora derramadas pelo sangue de Daiane Griá Sales, uma vida que era essencial para sua família, para seu povo e para as mulheres, indígenas ou não, que clamam por justiça e que estão cansadas de fugir, de precisar correr da morte. Já é passada a hora de ser necessário sangrar pela vida.
Nós da Amigos da Terra Brasil somos todes Daiane Griá Kaingang. Ontem, hoje, amanhã e sempre. Lutamos por justiça e medidas de proteção aos territórios e aos direitos dos povos indígenas. Gritemos pelo fim da impunidade frente ao genocído e feminicídio!
A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco. Nessa crise sistêmica em que vivemos, as primeiras a serem atingidas são as mulheres, principalmente as negras e empobrecidas. Com a pandemia, mais da metade das mulheres ficaram fora do mercado de trabalho. Somam 8,5 milhões de mulheres que ficaram sem trabalho remunerado, apenas no terceiro trimestre de 2020, segundo dados do PNAD. A responsabilidade atribuída às mulheres pelos cuidados, o chamado trabalho não remunerado, é um dos fatores que contribui para esse aumento do desemprego entre as trabalhadoras. O contexto de ampliação do desemprego, o aumento do preço dos alimentos, do gás, e o corte do auxílio afetam principalmente as mais de 11 milhões de famílias chefiadas por mulheres. Não é justo que paguemos a conta da crise. Recuperação justa frente ao COVID-19!
É urgente a necessidade de vacinação para todas as pessoas e do auxílio emergencial de R$600,00. Com a inflação que estamos vendo semana a semana aprofundar é difícil projetar um futuro de esperança e sabemos que as mulheres são e serão as mais afetadas por esse contexto. Agora, a gestão genocida de Bolsonaro tenta passar a PEC 186 que retira recursos do SUS e educação para manter o auxílio de forma capenga, atendendo metade da população em necessidade, com o valor de apenas R$ 250,00.
Que os super ricos paguem a conta! O momento que vivemos escancara a face mais cruel das classes dominantes que ignoram o colapso da saúde e a ampliação da fome no país, por isso defendemos a importância da retomada e fortalecimento da política do Programa de Aquisição de Alimentos para a população não passar fome! Soberania alimentar é o primeiro passo para que a população possa ter saúde para lutar contra essa doença.
A pandemia traz realidades muito distintas de proteção da vida quando se trata do isolamento social, que em alguns casos pode ser estar em casa com seu abusador. O contexto aprofundou a violência de gênero, com um aumento de 40% nos casos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os casos de estupro e estupro de vulnerável com vítimas mulheres aumentaram e as denuncias caíram em até 50%, conforme os dados levantados pelo FBSP. Que as mulheres possam ter direito a uma cidade inclusiva, que respeite integralmente suas necessidades, entre elas o direito à moradia, ao acesso às políticas públicas e sociais, ao emprego e à renda digna!
Se antes da pandemia os serviços que garantem o aborto legal já sofriam com a omissão, agora a situação se aprofunda com um governo conservador com a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Damares Alves, agiu nos bastidores para impedir que uma criança de 10 anos estuprada pelo tio fosse submetida ao procedimento. Enquanto Argentina aprovou a lei de regulamentação do aborto, o Brasil anda a passos largos para o corte dos direitos das mulheres com uma ministra que afirma que o Brasil está firme na defesa “da vida a partir da concepção”.
Gravidez forçada é tortura! A luta das mulheres é, antes de mais nada, para ter direito a decidir sobre seus corpos. A reprodução não pode ser compulsória, pelo direito a ter filhos se quiser e no momento em que for propício. Para não morrer, aborto legal e seguro já!
A luta das mulheres está em cada casa, em cada comunidade, nas ruas, nos campos e nas cidades. A todas aquelas que vieram antes de nós e nos mostraram o caminho de luta, nossa reverência. A Amigos da Terra Brasil, a Marcha Mundial das Mulheres e o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (RS) estão em aliança construindo #FeminismoPopular por entendermos que juntas somos mais fortes.
A crise sistêmica mostra que é hora de transformação social baseada no ambientalismo popular e na economia feminista. Por um sistema de solidariedade e em defesa da vida. A economia não pode estar à frente das nossas vidas. Vacina para todes, auxílio emergencial de R$600,00 e #ForaBolsonaro para barrar o genocídio.
A publicação é uma transcrição editada do seminário web realizado no dia 30 de junho pela ATI, MMM Brasil e REMTE. A atividade fez parte do Fórum Social Mundial das Economias Transformadoras e contou com duas convidadas principais. Foi aberta com uma apresentação da feminista Nalu Faria, da REMTE e do Comitê Internacional da MMM. Faria aparece agora como o autora do capítulo 1: “Economia Feminista: A sustentabilidade da vida como eixo central diante da crise da Covid-19”.
Mais de 100 pessoas de pelo menos 17 nacionalidades participaram ao vivo do debate de 30 de junho, e muitas tomaram a palavra para aprofundar as reflexões e contribuir com possíveis caminhos que nos levariam a uma recuperação justa. Algumas dessas possíveis saídas para as crises indicadas pelos movimentos sociais presentes no seminário podem agora ser encontradas nesta nova publicação. A convergência dos movimentos sociais, a solidariedade internacionalista e a construção da soberania alimentar através da agroecologia são alguns dos caminhos discutidos.
A produção traz uma perspectiva global de ação urgente para o contexto em que estamos atravessando. “Devemos pensar em como organizar a economia de acordo com um projeto político popular a partir de uma perspectiva local, mas que vá além do território e que integre os movimentos, com uma visão internacionalista, de classe, anti-racista e antipatriarcal”, diz o capítulo 3 do novo trabalho sob o título “A crise do Covid-19 e os desafios para os movimentos do Sul global: tecendo intercâmbios”.
“A recuperação justa requer uma ruptura total com este modelo hetero-patriarcal, capitalista, racista, colonialista e destrutivo da natureza. Portanto, nossa resposta também deve ser abrangente, propondo uma ruptura com a lógica do capital e a construção de outro modelo. Na economia feminista, propomos a necessidade de colocar a sustentabilidade da vida no centro. […] Temos que pensar sobre o que vamos produzir, como e para quem, a fim de responder às nossas necessidades, mas também tendo em mente a reprodução, que é tão importante com base no trabalho doméstico e de cuidado”, diz Nalu Faria da MMM.
Para a presidenta da Amigos da Terra Internacional, a uruguaia Karin Nansen o que se entende por Recuperação não pode ser a volta a uma convivência com vírus na forma a que se considerava como “normal”: porque essa é precisamente a origem da crise. […] Precisamos reverter isso e avançar em direção à justiça em todas as suas dimensões – ambiental, social, de gênero e econômica – e também em direção à construção e ao fortalecimento da soberania de nossos povos e do poder popular”.
– Visagem? Não tem aparecido visagem na mata, não, moça; é na água, e a visagem toma outras formas, dá sempre jeito de assustar. (Visagem significa, em vocabulário local, “assombração”). Na região do Maicá, sudeste de Santarém, a visagem tem tomado formas bastante concretas, todo mundo vê e se preocupa: é a forma de um porto.
A Embraps (Empresa Brasileira de Portos de Santarém) pretende instalar um porto na Boca do Maicá, entrada do rio que se estica por um braço a partir do Rio Amazonas, retornando ao mesmo rio para então seguir seu fluxo em direção a Macapá (AP) e ao Oceano Atlântico. Suas águas têm rica biodiversidade e banham cerca de 50 comunidades, todas postas em risco caso o projeto do porto avance.
Essa história faz parte da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelos conteúdos:
Pois então não é visagem: é a realidade que assombra; e é entre contações de histórias e risadas que Narivaldo dos Santos fala do Estudo de Impacto Ambiental da Embraps – Sabe, eu pesco aqui pirarucu, tambaqui, surubim, pacu, acará, pescada, aracu, carauaci, arauanã, acari, fura-calça, mapará, que é branquinho né… e tem bem mais, porque quando eu falo em acará, tem umas oito espécies só aqui na nossa região: o roxo, o bararuá, o boca-de-pote, o escama-grossa, o tinga, o açu… O tucunaré também: tem o açu, o pinima e o comum, e o surubi cabeça-chata, pinima e pintado e assim por diante. É tanto que a gente pode dizer – Hoje eu não quero esse, aí solta e pega o próximo, é um cardápio rico. Aí no estudo da empresa aparece quase nada de tipos de peixes, e nem de pássaros, jacarés, capivaras, tatus, nem o peixe-boi, que tá em extinção e a gente acha aqui no nosso rio... É, talvez os pesquisadores da Embraps não saibam pescar.
Narivaldo é líder da comunidade quilombola de Bom Jardim, tem 42 anos e não parece: corre rápido pelos troncos de palmeira caídos que servem como caminho até a área onde descansam as canoas e embarcações da comunidade pesqueira – das cerca de 120 famílias, pelo menos 90 pescam no Maicá, algumas para o comércio, outras apenas para a subsistência. Com os passos ágeis, ele faz parecer fácil o que definitivamente não é: mas embora tortuoso, as toras são ainda um caminho, e após cerca de dez minutos de frágil equilíbrio sobre as madeiras chegamos a uma bonita enseada, onde a grama verde encontra as calmas águas do rio, e ali agitam-se com leveza as canoas. A remo, o centro de Santarém está horas distante.
Pescadoras e pescadores artesanais estarão em risco caso projetos de portos avancem. No topo, Narivaldo observa enseada do Maicá. Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Vez que outra um peixe se aventura num salto, como que a exibir a riqueza do rio – Não precisa nem ir longe pra achar mais que dois tipo de peixe, ri de novo o Narivaldo, antes de voltar a falar sério – Do governo a gente percebe que não estão nem aí pra Amazônia, pros nossos rios. De certa forma, já foi dada a ordem para a construção do porto. Só parou pela ação da FOQS [Federação das Organizações Quilombolas de Santarém], que protocolou o pedido pela consulta prévia junto ao MPF [Ministério Público Federal]. Se depender do governo o porto sai, as comunidades quilombolas querendo ou não: mas o que a gente puder fazer para evitar, vamos fazer. Eles dizem que os impactos podem ser compensados, mas isso não existe: a gente quer viver como vivemos hoje.
A instalação de um porto no Maicá (não só um: existem projetos para cinco portos no rio) vai significar a destruição daquele modo de vida e é um ataque direto às 12 comunidades quilombolas do entorno, a do Bom Jardim entre elas. Em testamento, os antigos donos de escravizados da fazenda local, que não tinham herdeiros, deixaram a terra para as seis famílias que eram exploradas ali. Isso há 142 anos: são quase dois séculos de pertencimento e luta naquele espaço. Agora, em nome do lucro de poucos, tudo pode desaparecer.
Consulta prévia e a Convenção 169 da OIT Contudo, a mobilização popular e jurídica, com o apoio da Terra de Direitos, surtiu efeito e o licenciamento do projeto foi suspenso. A empresa deverá realizar consulta prévia, livre e informada a todas as comunidades atingidas – quilombos, indígenas e pescadores -, em acordo com a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Os estudos da Embraps eram tão rasos que sequer consideravam o componente quilombola, tão relevante naquela área, o que também deverá ser acrescentado em um novo estudo a ser apresentado pela empresa. Embora não tenha poder de veto, a obrigatoriedade da consulta às comunidades atingidas pode ser considerada uma vitória: após a decisão judicial favorável, as 12 comunidades organizadas na FOQS apressaram-se para construir seu próprio Protocolo de Consulta, o que também foi feito pelas comunidades indígenas e pesqueiras impactadas.
Fotos: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
A suspensão do licenciamento também atrasa o cronograma do projeto, que é de alto impacto, permitindo maior tempo para a disseminação de informação na região. A previsão da Embraps era de que, somente no primeiro ano de funcionamento, 4,8 milhões de toneladas de grãos de soja poderiam ser exportadas pelo porto instalado no Maicá, grande parte vinda da região Centro-Oeste do Brasil por meio da BR-163. Vejam que também a infraestrutura de escoamento causa impactos aos territórios: caso semelhante ao da rodovia BR-163 é o da Ferrogrão, projeto de ferrovia que ligará a cidade de Sinop (MT) até Itaituba (PA) e que também causará danos ao longo de seu trajeto, em especial em unidades de conservação e em terras indígenas.
Um porto onde não pode haver porto Um fato estranho, porém: no mesmo local onde seria instalado o porto da Embraps, um outro empreendimento surgiu – um posto de combustível para embarcações, à revelia de estudos de impacto ou da participação da comunidade. A empresa responsável é a Atem’s, distribuidora de petróleo que opera no Norte do país. Os danos já são sentidos, em especial na pesca, com o derramamento de combustível e o aterramento da área, que mudaram o fluxo de correntes d’água e de peixes. Em março deste ano, o Ministério Público paraense denunciou a empresa, seu sócio administrador e o engenheiro responsável pelo projeto pela prática de crimes ambientais. Para o órgão, a obra avançava sem a licença do órgão ambiental competente, além de ter sido apresentado um licenciamento divergente à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, que se referia a cargas não perigosas – quando era sabido, desde o princípio, o objetivo de construção e instalação portuária para distribuição de combustível (carga perigosa).
Em resumo, esse é o desenho do cerco do agronegócio aos territórios: expulsão de famílias de suas terras para o plantio da soja, contaminação das terras vizinhas pelo uso do agrotóxico, o transporte dos grãos rasgando territórios – seja via caminhão ou via trem -, sua chegada em portos que destroem os modos de vida tradicionais das redondezas, a exportação para que gere riquezas ao capital internacional. Para resistir a essa engrenagem, é necessária muita união e força. O andamento do projeto da Embraps representa ainda a remoção de famílias e a demolição de casas para a ampliação de vias, a chegada de centenas de trabalhadores de outros estados, uma mudança completa no cotidiano da região: a estimativa é que cerca de 900 carretas diárias passem pelas ruas do bairro Pérola do Maicá no percurso até o porto.
A luta contra a Embraps se dá desde 2013 (nessa linha do tempo, organizada pela Terra de Direitos, veja a cronologia das resistências à construção de portos no Maicá). São ao todo cinco portos planejados para a região, de três empresas – todos voltados para a exportação de grãos e commodities, em especial a soja. Além da Embraps, a construção de outros portos visa favorecer as atividades do Grupo Cevital, da Argélia, que atua no ramo agroalimentar e está envolvido com plantações da região Centro-Oeste do Brasil, e a empresa Ceagro.
O cenário de incerteza, de medo e de insegurança devido ao aprofundamento da crise social e de saúde pública com a pandemia do Coronavírus no Brasil fazem com que esse 1º de maio, Dia das e dos Trabalhadores, seja de reflexão e de organização da luta por direitos. A data foi criada em alusão à greve de 1886, iniciada nos Estados Unidos, quando se reivindicava melhores condições de trabalho. Os trabalhadores organizados conquistaram a redução de 14h para as 8h de trabalho diárias na jornada que temos atualmente a partir de greves por todo país. Hoje, em meio à pandemia, fica ainda mais evidente a necessidade da classe trabalhadora para que a sociedade continue assistida e, na visão das grandes corporações, para que ainda haja lucro. Hoje, em meio a pandemia, vemos que boa parte do mundo segue articulando a resistência por motivos similares ao de gerações passadas: a luta por direitos e pelo reconhecimento de que sem classe trabalhadora não há sociedade.
Enquanto uma pequena parcela da população pode trabalhar de casa e ter como preocupação uma possível contaminação em ir ao mercado para abastecer a dispensa por um largo período, milhares de pessoas não têm sequer acesso a água para manter higienização. Ao passo que populações de baixa renda têm menor acesso à saneamento básico e atendimento de saúde de qualidade, a população preta é também a que está na linha de frente quando se trata de maior exposição aos riscos de contaminação. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mulheres negras são 50% mais suscetíveis ao desemprego. Seja pelo alto índice de desemprego que torna trabalhos precarizados uma opção, seja por compor a maior parte do índice de trabalhadores de limpeza e manutenção, a população negra está mais exposta aos riscos do COVID-19. A desigualdade no Brasil coloca a maioria de sua população, preta e indígena em especial, no grupo de risco. Podemos entender esta como mais uma das manifestações necropolíticas do racismo institucional.
O medo de perder o emprego é ainda mais forte em um cenário de crise, incertezas, e demissões em massa. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a taxa de desemprego do Brasil pode saltar de 11,6% para 16,1% neste trimestre. Isso significa que 5 milhões de pessoas podem entrar na fila do desemprego em apenas três meses, elevando de 12,3 milhões para 17 milhões o número de pessoas sem trabalho no país. Os dados também revelam a precarização do Estado a partir de políticas neoliberais de desmonte de diversos setores públicos que acabam servindo como justificativa para a privatização a partir de um discurso de que “o Estado não funciona, então precisamos colocar a gestão nas mãos de uma empresa privada”.
A retirada de direitos conquistados após anos de luta e articulação dos trabalhadores e trabalhadoras também se articula por meio de Medidas Provisórias, como é o caso das MPs 972 e 936, que possibilitam que os patrões antecipem férias, a redução de jornada e salário na mesma proporção, além da suspensão do contrato de trabalho. Na contramão de países como nosso vizinho, Argentina, que proíbe demissões por 60 dias por conta da crise do Coronavírus, ou da Dinamarca, onde o governo se comprometeu a pagar 75% do salário dos trabalhadores de empresas afetadas diretamente pela pandemia e ainda bancar 90% dos salários dos trabalhadores que recebem por hora. As ações políticas dos governos no enfrentamento da crise revelam a importância fundamental da “mão visível do Estado”, capaz de direcionar para onde vão os recursos, com quais finalidades e interesses. Espera-se desse Estado o compromisso com a vida das pessoas em primeiro lugar, mas é justamente em momentos como esse que os governantes mostram o que consideram essencial.
Consideradas indispensáveis pelo atual governo, as grandes empresas são também grande violadoras de direitos nesse delicado momento de pandemia. Um exemplo é a multimilionária JBS, que teve fábrica interditada em Passo Fundo (RS), após se tornar foco de infecção por COVID-19. Passo Fundo é, atualmente, a segunda cidade do Rio Grande do Sul com maior número de casos da doença. A empresa não implementou medidas de segurança e manteve os trabalhadores expostos a aglomeração nas fábricas, sem fornecer materiais de proteção. O Frigorífico Aurora, localizado em Chapecó, SC, é outro que não diminuiu a produção e mantém os cerca de 20 mil trabalhadores da agroindústria expostos a aglomerações tanto nos frigoríficos como nos transportes às cidades vizinhas sem sequer o uso de máscaras de proteção. Casos como esses se multiplicam de norte a sul no país pela falta de política que dê conta de regular a proteção aos trabalhadores.
O país que já vinha atravessando um momento de precarização do trabalho com a ampliação de modelos da chamada ‘uberização’ tende a piorar se medidas para reverter esse quadro não forem tomadas. Na falta de opções, estes trabalhos sem vínculo empregatício, direitos ou remuneração adequada acabam sendo a saída para uma parcela considerável da população. A força do capitalismo digital cresce sem regulação e joga milhares em condições de trabalho análogas à escravidão. O segmento de delivery já movimenta 17 bilhões por ano no Brasil. Com isso, constatamos que a tecnologia pode estar à serviço de uma exploração máxima das e dos trabalhadores. Com situações em que a média é de 12 horas trabalhadas e o retorno financeiro não gera, nem sequer, um salário mínimo. Este modelo é apresentado como caminho de “empreendedorismo” com benefício em uma suposta liberdade para que os trabalhadores façam seus horários. Sem nenhuma garantia ou proteção social, atingindo principalmente a população negra, migrantes e jovens – incluindo menores de idade. Para os donos das plataformas, este momento de pandemia e o isolamento social são uma janela para ampliação dos lucros e agigantamento de seus negócios.
O QUE QUEREMOS?
A solução para estes problemas não parece fazer parte da política do sistema capitalista, onde as pessoas só conseguem obter os meios de sobrevivência e garantir a sua subsistência e de sua família quando vendem a sua força de trabalho em troca de salário. Por isso, um caminho urgente é a criação de renda universal, garantindo renda mínima para a população. Uma solução econômica real seria a tributação dos super-ricos como um dos passos essenciais para diminuir a desigualdade social, defendida inclusive por alguns senadores. Essa ação também visa garantir investimentos no SUS e a proteção social necessária, ainda mais urgente durante a pandemia.
A crise sanitária mundial radicalizou desigualdades de gênero, raça e classe. Aprofundou a crise social, econômica e ambiental que vivemos de forma que não podemos simplesmente voltar à “normalidade”. É urgente e necessária uma mudança de sistema pois está nítido que a lógica capitalista neoliberal conflita não só com o mundo do trabalho, mas com todas as bases da vida. Foi o sistema atual que nos colocou no cenário de maior dificuldade para enfrentar a pandemia. É preciso construir unidade em alianças baseadas na solidariedade internacionalista, na defesa da democracia e na soberania popular para enfrentar as crises: sanitária, política, econômica, alimentaria, ambiental, social… As múltiplas crises, as crises sistêmicas.
Pensando neste 1º de maio em meio ao Covid-19, duas questões saltam aos olhos. De um lado a perversidade das empresas transnacionais e do governo #ForaBolsonaro #ForaMourão quando declaradamente não se importam com as nossas vidas e colocam a economia, seus lucros e privilégios, acima de tudo. Economia essa que não funciona sem as mãos das e dos trabalhadores. O momento é fértil para uma maior consciência em relação à exploração e opressão que sofremos enquanto classe social e, principalmente, de entender o poder que temos, o nosso poder quando organizados, frente aqueles que nos veem apenas como mecanismo do seu lucro.
Seguiremos lutando para que a vida esteja no centro da economia e das políticas. Viva a luta da classe trabalhadora!
Adiantamos, já de início: somente o mercado, os grileiros, o agronegócio. E o PL 2633 (antiga MP 910, a famigerada MP da Grilagem), é a maior evidência disso. E bem… Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, também deixou isso bem claro quando disse que a pandemia do coronavírus é uma grande oportunidade para desmantelar a regulamentação ambiental já que todo mundo está olhando para outro lado.
Mesmo em meio à pandemia do coronavírus, o PL 2633 pode ser votada a qualquer momento no Congresso Nacional; se aprovado, facilitará ainda mais a ação de invasores de terras públicas. Para o Grupo Carta de Belém, ” […] a legislação permite liquidação das terras e patrimônio público a preço de banana em favor de médios e grandes grileiros” – lembrando ainda que, enquanto isso, “a reforma agrária e a titulação de territórios coletivos seguem paralisadas”.
Essa é a parte 2 da introdução da reportagem “A história do cerco à Amazônia”. Navegue pelo conteúdo voltando à página central ou clicando nos links abaixo:
Para além da ameaça da grilagem de terras, surgem no horizonte como suposta solução aos problemas climáticos as medidas de “pagamento por serviços ambientais”. Em suma, são uma maneira de monetizar a relação com a natureza; a depender dos fluxos financeiros, pode ser interessante preservá-la em pé ou não. Tais medidas não enfrentam as questões estruturais da problemática do clima e muito menos protegem os povos e seus territórios: ao contrário, deixa-os à mercê das grandes indústrias poluidoras, que invadem a Amazônia para “compensar” suas violações de direitos em outros lugares e a poluição inerente a suas atividades. As comunidades perdem a autonomia sobre seus próprios territórios, transformados em ativos em bolsas de valores e em “fazendas de captura de carbono”, o que leva à criminalização de práticas e culturas ancestrais.
O documentário “Mercado verde: a financeirização da natureza” explica e denuncia as falsas soluções que o capitalismo propõe para os males que ele próprio causa.
A terra, assim, atende somente aos humores do Mercado. A ele que Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, respondem, em detrimento da agro-socio-bio-diversidade amazônica. E vejam como não é acaso a escolha das palavras: o atual governo pensa a Amazônia sob o prisma da “bioeconomia”, ou seja, com o viés da exploração dos bens comuns em nome do lucro de poucos. É explícito: para eles, a Amazônia precisa de “soluções capitalistas”. Em outras palavras: devastação, exploração, privatização.
As ruas de La Plata (Argentina) foram tomadas pelas milhares de pessoas que estiveram participando do 34º Encontro Plurinacional de Mulheres, lésbicas, intersex, travestis, trans, bissexuais e não binário. Foram mais de 400 mil companheirxs marchando em defesa dos seus direitos e por uma sociedade plurinacional, feminista e popular, formando uma verdadeira maré multicolorida. Durante os dias 12, 13 e 14 de outubro de 2019, entre o clima frio e chuvoso, a cidade de La Plata viveu e sentiu o espírito feminista, de cumplicidade e sororidade entre xs companheirxs, compartilhando e reinventando a luta feminista contra o neoliberalismo e o patriarcado.
Em seu 34º encontro, as oficinas autogestionadas abordaram temas que vão desde a precariedade do trabalho para as mulheres e os impactos do capitalismo e do neoliberalismo na vida das mulheres até a saúde sexual e reprodutiva, identidades não binárias, maternidade, urbanismo feminista, feminização da pobreza, autodeterminação dos povos e entre outros. O que perpassa estes temas debatidos no encontro é a ofensiva do neoliberalismo, sustentado pelo racismo e o patriarcado.
É neste contexto de modelo desenvolvimentista predador, que as mulheres estão na linha da frente da luta contra as empresas transnacionais extrativistas que colocam a acumulação de capital sempre acima das vidas das pessoas e do respeito pela Natureza. Organizações financeiras mundiais, como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, elaboram reformas estruturais para o avanço do neoliberalismo que historicamente envolveram receitas para privatização, desregulamentação e liberalização do comércio. A precificando dos bens comuns, como as terras, as águas e o ar, ocorre em um contexto de convergência de crises, destacando-se as crises alimentares, energéticas, econômicas e climáticas. Para superar as crises gestionadas e o avanço do neoliberalismo, o capital transnacional atravessa os territórios, as atividades humanas, o próprio corpo das pessoas, especialmente das mulheres.
A América Latina é uma das regiões mais hostis para defensoras e defensores dos territórios e dos direitos dos povos, e nesta resistência contra o avanço do extrativismo que viola e ameaça os povos a luta em defesa da vida muitas vezes não é uma opção: é uma necessidade. As mulheres têm sido protagonistas em defesa da vida: em defesa do corpo-território, da vida comunitária, da vida dos seus territórios e da manutenção de seu modo de vida. É neste sentido que as mulheres passam a ser guardiãs dos territórios, sendo co-criadoras para rexistir e reinventar a luta em defesa das vidas humanas e não-humanas.
É neste sentido que o ecofeminismo tem avançado o seu debate, relacionando a dominação e a exploração da Natureza com a questão de gênero, bem como o avanço do capital sob os territórios e a objetificação dos bens comuns, transformados em mercadoria. As opressões entre a exploração da Natureza e as violências contra as mulheres não é uma causalidade, sendo o reflexo da colonização dos corpos e da Natureza, integrado a este modelo de produção e consumo neoliberal. O patriarcado é o sistema de todas as opressões, todas as explorações, toda violência e discriminação que a humanidade vive (mulheres, homens e pessoas intersexuais) e a Natureza, como um sistema construído e objetificado historicamente no corpo sexualizado das mulheres.
Assim, as mulheres debatem o avanço da monocultura da soja e de árvores exóticas, a extração de petróleo, a construção de megaempreendimentos de barragens, financeirização da natureza, a crise climática, onde violam os corpos e registram-se os impactos dos modelos produtivos dominantes exploração. Da mesma forma, as lutas contra os projetos de modelo extrativistas estão associados à violência patriarcal, por isso se faz necessário enfrentar as opressões que, no cotidiano, atravessam os corpos.
Em meio a crise ecológica, a ecologia neoliberal apresenta falsas soluções para superar a crise e as desigualdades de gênero, soluções com base em interesses econômicos e comerciais, para justificar a exploração massiva de recursos naturais e mercantilizar a natureza. A superação das crises impostas pelo próprio capitalismo neoliberal só será possível se for baseada em resistência territorial e comunitária, através da luta para desmantelar todas estruturas de opressão e pelos direitos dos povos e justiça social, ambiental, econômica e de gênero.
É na luta pela autonomia dos povos e descolonização do pensamento e dos corpos, que avançaremos num projeto por uma América Latina plurinacional, popular e ecofeminista. Sabemos que o patriarcado não tem fronteiras. É por isso que as lutas das mulheres e os feminismos organizados também não devem tê-las.