Chega de Impunidade Corporativa no Brasil!

#RegrasParaAsEmpresas #DireitosParaOsPovos

De 25 a 29 de Outubro acontece a 7ª Sessão de Negociações do Tratado Vinculante sobre Transnacionais na ONU, em Genebra (Suíça). Em paralelo, lançamos a cartilha popular para apoiar as lutas nos territórios contra a impunidade corporativa. Amigos da Terra Brasil (ATBr), Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragens (MAB), Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas e Transnational Institute (TNI) abordam a importância de marcos jurídicos e da luta das organizações e movimentos sociais por reparações justas.

Acesse a cartilha popular “Chega de Impunidade Corporativa no Brasil” clicando AQUI

Pelos quatro cantos do mundo, empresas transnacionais têm sido responsáveis por violações de direitos humanos. No Brasil, nos últimos anos vimos os interesses dessas empresas se sobreporem à democracia brasileira, como o golpe de Estado em 2016 e o avanço sobre o petróleo, a triste realidade do rompimento das barragens, o avanço do agronegócio sobre a Amazônia. Esse avanço dos negócios das empresas transnacionais confrontam os direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores, mulheres, atingidos, sem-terra. As empresas transnacionais estão cada vez mais concentrando riquezas e buscando obter mais lucros a custo de muitas vidas. 

Essa realidade conforma uma arquitetura da impunidade no Brasil. Podemos facilmente observar isso, nos casos de rompimento de barragens na bacia do Rio Doce e litoral capixaba (ES) e em Brumadinho (MG), no qual centenas de vidas, oportunidades, famílias e futuros foram ceifados, junto com o equilíbrio ambiental daquelas áreas. Esse é um dos muitos exemplos de como as transnacionais operam, e assim o fazem porque sabem que gozarão de impunidade. Um dos pilares que garante essa arquitetura de impunidade é a falta de marcos normativos nacionais e internacionais que as responsabilizem pelos crimes e pelas violações. No caso brasileiro, mesmo com tanta destruição, as comunidades atingidas continuam até hoje pressionando para que suas necessidades e opiniões sejam levadas em consideração, mas a batalha parece nunca ter fim. 

Após décadas de mobilização popular, foi proposto pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) um grupo de trabalho de composição aberta sobre um instrumento juridicamente vinculante para regular empresas transnacionais com respeito aos direitos humanos, conhecido como Tratado Vinculante de Direitos Humanos e Empresas. Este tratado tem como objetivo responsabilizar as empresas transnacionais pelas violações aos direitos humanos, determinando responsabilização direta, reparação integral e garantias de não repetição. Tal iniciativa é fruto da luta e solidariedade internacionalista dos movimentos sociais e organizações há décadas articulados contra as transnacionais, atualmente organizados na Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reclamar a Soberania dos Povos e Pôr Fim à Impunidade. 

No Brasil, movimentos e organizações se articulam para impulsionar  a elaboração de uma Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas. O objetivo é pressionar as empresas e transnacionais brasileiras a respeitarem os direitos humanos e assumirem e se responsabilizarem pelos crimes por elas cometidos. 

O lançamento da cartilha ocorre no primeiro dia de negociações da 7ª sessão do Tratado Vinculante, que acontece de 25 a 29 de outubro, na cidade de Genebra, na Suíça. “Chega de Impunidade Corporativa no Brasil” é um convite a pensar sobre a necessidade da criação de regras para as empresas, de respeito aos direitos dos povos e, assim como uma chamada para que o Tratado tenha apoio de todos, todas e todes.

# Por um marco normativo nacional em matéria de direitos humanos e empresas!

# Por um Tratado Juridicamente Vinculante na ONU que responsabilize as transnacionais por seus crimes!  

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Como o Brasil dirá à ONU que vai privatizar a preservação florestal para salvar a Amazônia

Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26) em Glasgow (Escócia), a posição do governo brasileiro tem sido favorável em colocar as florestas no jogo de compensações de emissões de gases de efeito estufa e passar o chapéu para obter créditos florestais.

A exemplo da chamada “chantagem florestal” feita pelo então Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante a COP 25, em 2019, o governo chega a Glasgow para barganhar os termos da privatização do território nacional.

Agora com Joaquim Leite como ministro, que segue a mesma cartilha de Salles,  o Brasil busca traçar caminhos para concretizar essas posições, ainda que nesse momento, as negociações para a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris não deva avançar para questões setoriais, além do regramento inicial dos mecanismos de mercado de carbono, fruto de muitas críticas por serem considerados falsas soluções à crise climática. 

Como, então, esse ator que vem perdendo espaço nas negociações internacionais pela falta de credibilidade do governo Bolsonaro tem se estruturado em âmbito doméstico? De 2019 pra cá, o governo brasileiro tem avançado com o “desmonte” e o “remonte” das políticas ambientais tendo como foco as florestas, o que resulta no aprofundamento acelerado dos  processos de privatização, e ainda revela a estruturação de incentivos à entrega das florestas para o mercado.

O “desmonte” da política ambiental, no caso de Unidades de Conservação ocorrido a partir de 2019, por exemplo, se deu principalmente com a redução drástica dos recursos orçamentários ao ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

O “remonte” desta política se deu em alinhamento ao estabelecimento de mercados e mecanismos de compensações com florestas (offsets florestais), por meio da criação de vínculo de dependência entre a política de proteção florestal e o financiamento internacional e privado, como o Programa Adote um Parque e o Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais via BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento, com a Política de Desestatização.

É importante destacar que quando falamos em compensações com florestas e mercado de carbono, estamos nos referindo a um mecanismo que permite a um país vender reduções de emissões de CO₂, além das necessárias para cumprir suas metas climáticas, para que outro país possa contabilizar essas reduções em suas ações para cumprir a meta dele.

Ou seja, na prática é um incentivo para que os Estados-nação poluidores não alterem seu regime de consumo de recursos e produção, assim as empresas que irão receber aqueles créditos vão poder seguir poluindo, como fazem hoje.

O Programa Adote um Parque foi criado em 2021 como política de incentivo a investimentos privados em Unidades de Conservação, especialmente na Amazônia. Com doações de bens e serviços, empresas poderiam beneficiar comunidades locais em troca da possibilidade de visibilizar sua política de sustentabilidade e de obter o uso direto do território com intervenção no manejo de recursos madeireiros e não-madeireiros na Unidade.

A iniciativa de transferência de responsabilidade e captura de territórios despertou interesse de empresas como Coca-Cola, MRV Engenharia, Heineken e Carrefour, que assinaram protocolos de intenções com o Ministério do Meio Ambiente para fazerem parte da gestão de Unidades de Conservação no Brasil. 

O Programa de Estruturação de Concessões de Parques Naturais do BNDES, anterior ao Programa Adote um Parque, promove a privatização de Parques por todo Brasil. O que seria apenas a concessão de serviços de gestão de Unidades se revela um mecanismo de controle de territórios com consequências territoriais e de controle da sociobiodiversidade.

Nestes programas, estão previstas mais de 200 Unidades de Conservação em todo o território nacional. O governo federal, que tem adotado práticas antidemocráticas, como a retirada da participação da sociedade civil de conselhos de gestão de políticas públicas, demonstra que os atores envolvidos na política de florestas serão apenas as corporações. Enquanto isso, as populações locais, principais afetadas por estas decisões, não foram sequer consultadas.

Populações tradicionais são as principais afetadas pelo “remonte” das políticas públicas de entrega da governança para a iniciativa privada, no entanto as comunidades não são consultadas / Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

A privatização de florestas deixa reféns ou dependentes as comunidades tradicionais em relação ao financiamento internacional e por empresas. Na COP, em que a pauta é a meta da neutralidade de emissões de gases de efeito estufa, a poluição é compensada com incentivos à proteção ambiental, mesmo que esses mecanismos não alcancem justiça climática para comunidades locais.

A lógica por trás desses mecanismos de compensações se repete nos programas Adote um Parque e concessões de Parques Naturais.

Estas falsas “políticas climáticas” que atendem apenas aos interesses financeiros empresariais vêm causando impactos avassaladores na expropriação de territórios, apropriação de recursos naturais, na violência real e simbólica sobre populações e seus modos de vida. Enquanto decisões são tomadas por decreto, estas definem os rumos das políticas que afetam a vida das populações que vivem em uma relação intrínseca com a floresta. 

Ao mesmo tempo em que avança o remonte das políticas ambientais com uma lógica neoliberal de que tudo é produto e, portanto, passível de lucro, essa visão também atende aos interesses de exploração da natureza pelo setor agropecuário, que vem avançando sobre territórios com as práticas já costumeiras de queimar para grilar áreas públicas.

Até 23 de agosto deste ano, o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou mais focos de incêndio do que o total registrado nos oito primeiros meses completos de 2020 na Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pantanal, com um aumento de 8,5% nos focos de queimadas em relação ao mesmo mês de agosto do ano passado.


Comunidades da região do Tapajós se manifestam contra a criação de portos para escoar a produção de commodities que afetariam diretamente seus modos de vida e alimentação com a pesca / Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra Brasil

A situação, que já era complexa, agora se torna dramática com ações por todo o país de expansão do complexo agroindustrial brasileiro, incluindo as infraestruturas logísticas de trens, linhões e mecanismos de escoamento de produção que colocam na linha de frente os corpos e os territórios de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, povos e comunidades tradicionais, camponeses e agricultores familiares, de todos os biomas do Brasil.

No momento que atravessamos, a COP 26 representa uma mesa de negociação para encaminhar ações paliativas, que mantêm a lógica desenvolvimentista e de lucro a todo custo em jogo. Na prática, é a consolidação do regime de governança climática internacional e, por isso, é importante a defesa de um projeto político para os biomas brasileiros, em especial a Amazônia, construído para e com os povos locais, respeitando os seus modos de viver.

Ao invés de entregar a governança das florestas para a iniciativa privada, soluções já existentes hoje são mais efetivas para redução das emissões dos gases de efeito estufa sem desrespeitar os direitos de centenas de povos e comunidades tradicionais espalhadas por todo o país; essa solução reside na demarcação de terras indígenas e quilombolas e na defesa das terras coletivas e dos direitos territoriais.

O protagonismo dos povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e camponeses/as e suas práticas de fortalecimento de iniciativas agroecológicas contribuem para a conservação da sociobiodiversidade, encurtamento dos circuitos de comercialização e a soberania alimentar.

*Texto elaborado por Pedro Martins, advogado, e Carol Ferraz, jornalista, integrantes do Grupo Carta de Belém, com contribuições de demais membros do Grupo Carta de Belém. A Amigos da Terra Brasil integra a articulação Grupo Carta de Belém.

* Artigo publicado no jornal Brasil de Fato em 25/10/2021 neste link: https://www.brasildefato.com.br/2021/10/25/como-o-brasil-dira-a-onu-que-vai-privatizar-a-preservacao-florestal-para-salvar-a-amazonia
Crédito da foto de destaque: Mídia Ninja

Manifesto do Grupo Carta de Belém rumo à COP 26: em nome do clima, avança a espoliação dos territórios

A 26ª. Conferência das Partes/COP 26 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climática/UNFCCC será realizada no início de novembro de 2021, em Glasgow, no Reino Unido.

Manifest towards COP 26, click here:
https://www.cartadebelem.org.br/manifest-towards-cop-26/

Manifiesto hacia la COP 26, pulse aquí: https://www.cartadebelem.org.br/manifiesto-hacia-la-cop-26/

Essa COP ocorrerá quando o mundo já vive os efeitos da emergência climática. A grande expectativa para Glasgow é a finalização do Livro de Regras do Acordo de Paris. Firmado em 2015, o Acordo aguarda a decisão sobre o famoso ‘Artigo 6’. Este artigo irá regular o papel dos mercados de carbono – e de transações envolvendo ‘resultados de mitigação’ – para atingir os objetivos de estabilização da temperatura do planeta.

No Brasil, os efeitos desta crise se somam às consequências socioambientais resultantes dos ataques aos direitos socioterritoriais de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares e camponeses. Assim como nas cidades, e principalmente nas periferias urbanas, com o povo empobrecido em regiões com infraestruturas precárias e sujeitas a eventos extremos, somada ao fim de políticas públicas de combate à fome, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O desmonte da institucionalidade ambiental é notório, levando a recordes sucessivos de desmatamento e queimadas nos biomas brasileiros. A violência no campo e na floresta é também uma das maiores das últimas décadas.

Para salvar o clima, a obsessão nos mercados de carbono

Apesar dos fracassos dos mecanismos de mercados em produzir reduções reais de emissões em todo mundo, estes seguem sendo promovidos como a grande aposta estrutural para viabilizar a descarbonização e o objetivo de neutralidade climática.

Há duas décadas, a aposta nos mercados de carbono e nos mecanismos de compensação (offset) vêm sendo duramente criticadas pela sociedade civil como falsa solução à crise climática, assim como pelos impactos causados nos territórios do Sul Global que são submetidos à condição de sumidouros de carbono.

O atual contexto da Amazônia brasileira exige especial atenção pela paralisação das demarcações de Terras Indígenas e pela invasão de territórios de comunidades tradicionais, em especial, áreas de uso comum e territórios coletivos. Além disso, incêndios florestais se intensificam desde 2019, colocando em risco de desertificação regiões ecológicas como a Amazônia, Pantanal e Cerrado brasileiro.

Mercado de carbono é licença de poluição. Por isso, entre os efeitos da sua implementação estão a expansão de atividades destrutivas nos campos da mineração, do extrativismo em escala industrial e queima de combustíveis fósseis (que podem ser compensadas/neutralizadas em outro lugar). No Brasil, tal racionalidade encontra-se refletida nos programas Adote um Parque e Floresta+ Carbono.

Portanto, considerando que essa COP 26 conta com as piores condições para a participação democrática na história das negociações climáticas, apoiamos a posição de ampla coalizão da sociedade civil que demanda o seu adiamento, até que se apresentem condições mais equânimes de participação.

Governança ambiental global e retomada verde pós-COVID: corporações e finanças no centro

Na nossa avaliação, esta não será apenas mais uma COP. A COP 26 pretende dar um passo definitivo para cristalizar a complexa arquitetura de governança ambiental global que vem sendo negociada há anos.

O último relatório do IPCC reforçou o tom da emergência climática e há urgência para um horizonte de recuperação econômica global e retomada verde (Green Deal) pós-Covid, no qual a dinâmica motriz do novo ciclo econômico é guiada pelas estratégias combinadas de descarbonização e transformação digital da economia.

À arquitetura do clima se soma a Convenção de Diversidade Biológica (COP 16), que será realizada em Kunming, China, em abril/maio de 2022. Na ocasião, os países irão decidir sobre o Marco Global para Biodiversidade pós-2020, por meio de um plano estratégico até 2030, que conta com o objetivo de ampliar para 30% a superfície terrestre e marinha sob o regime de áreas protegidas/unidades de conservação.

Além disso, vem ganhando tração a problemática e muito criticada agenda movida pelas corporações. Trata-se da Cúpula dos Sistemas Alimentares, que foi organizada no âmbito das Nações Unidas e vem promovendo verdadeira transformação da governança dos sistemas alimentares globais.

Neste mesmo caminho vêm as propostas de Soluções Baseadas na Natureza (NbS, na sigla em inglês). Estas incluem, entre outros, a promoção de monoculturas de eucaliptos, agrocombustíveis e a aposta em transformar a agricultura numa grande oportunidade de mitigação em escala associada ao mercado de carbono de solos.

É nosso entendimento que as NbS fazem com que as ações de mitigação passem a depender prioritariamente do acesso e o controle da terra, em um contexto no qual os mecanismos de governança territorial públicos estão cedendo lugar a lógicas privadas e privatizantes que acirram os conflitos de terra e a violência. A principal ameaça em curso contra territórios coletivos se dá através da implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que vem promovendo e consolidando a grilagem digital de terras.

Neste cenário, vemos, ainda, atores como o FMI e Banco Mundial, com propostas de troca de dívida por ação climática (debt for climate/debt for nature swap). Note-se que dívidas privadas são garantidas pelos tesouros nacionais, gerando, assim, endividamento público. Consequentemente, aprofundam desigualdades sociais e geram transferências massivas de renda dos pobres para os já muito ricos. Ambos os organismos se movimentam para apoiar a nova engenharia financeira que se diz ser necessária para viabilizar um novo pacto social verde (Green Deal), no qual programas de retomada e recuperação passam, entre outras coisas, pela emissão dos títulos verdes (green bonds). Dessa maneira, a terra e outros “ativos” ambientais (carbono, biodiversidade, etc) são transformados em garantias para títulos que são negociados no mercado financeiro.

Por que dizemos não à espoliação em nome do clima?

“Em nome do clima”, uma série de agendas e mecanismos atendem aos interesses de atores nacionais e internacionais e vêm causando impactos avassaladores na expropriação e espoliação de territórios, apropriação de recursos naturais, na violência real e simbólica sobre populações e modos de vida.

Ao mesmo tempo, a expansão do complexo agroindustrial brasileiro e as infraestruturas logísticas a ele associadas colocam na linha de frente os corpos e os territórios (físicos ou imaginados) de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, povos e comunidades tradicionais, camponeses e agricultores familiares, de todos os biomas do Brasil.

Diante deste cenário e considerando o que a COP 26 representa na consolidação do regime de governança climática internacional, nós, organizações da sociedade civil brasileira, movimentos sociais, movimentos sindicais, entidades, fóruns, articulações e redes, ativistas, pesquisadores reunidos no Grupo Carta de Belém e demais organizações signatárias deste manifesto, vimos diante do público nacional e internacional afirmar que:

●    O debate sobre o clima é irredutível a questões técnicas ou a novas oportunidades de financiamento: insere-se na organização da sociedade; nas relações de poder, econômicas e políticas; contextos históricos; relações de classe e em correlações de forças;

Os mecanismos de mercado criados para a redução das emissões de gases de efeito estufa, representam um processo histórico de reconfiguração das formas de acumulação e promovem nova reengenharia global da economia em nome do clima.

Somos contrários à introdução das florestas, ecossistemas e da agricultura em mecanismos de mercado de carbono e rechaçamos a promoção de instrumentos do mercado financeiro como meio prioritário para financiar a ação climática dos países.

●  Denunciamos que o conceito muito popularizado de emissões líquidas zero (Net-zero) encobre mecanismos de compensação (offset) que perpetuam injustiças e atentam contra a integridade ambiental;

Rechaçamos as novas dinâmicas de espoliação promovidas sob a alcunha de Soluções Baseadas na Natureza que criam novas cercas aos espaços de vida, reduzindo a “natureza” à prestadora de serviços para o proveito de empresas e mercados.

Por isso,

● Enfatizamos a defesa de um projeto político para a Amazônia, construído para e com os povos amazônidas, respeitando os seus modos de vida, criar e fazer.

● Afirmamos que soluções efetivas para redução das emissões dos gases de efeito estufa residem na demarcação de terras indígenas e quilombolas; e na defesa das terras coletivas e dos direitos territoriais;

● Defendemos o protagonismo dos povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e camponeses/as para a conservação dos territórios, da biodiversidade e dos bens comuns;

● Trabalhamos para o fortalecimento de iniciativas agroecológicas, que contribuem para a conservação da sociobiodiversidade, encurtamento dos circuitos de comercialização e a soberania alimentar.

● Consideramos que é preciso discutir amplamente o caminho para uma Transição Justa e Popular, conforme a qual uma economia mais integrada e consciente dos limites da natureza não acirre a já dramática situação de desemprego e restrição da renda de famílias da classe trabalhadora;

Por fim, denunciamos o governo genocida de Jair Bolsonaro e questionamos a quem interessa fazer do Brasil um pária internacional, financiando e fortalecendo a destruição de conquistas históricas do Estado brasileiro e seu papel protagonista ao longo de décadas de negociação internacional.

Resistimos e somos contra à transformação da natureza em capital natural e à financeirização e privatização da natureza e dos bens comuns!

Continuaremos em luta, construindo e afirmando alternativas, defendendo nossos modos de vida!

Assinam:

1 Grupo Carta de Belém
2 Central Única dos Trabalhadores (CUT)
3 Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)
4 Conselho Nacional das Populações Extrativista (CNS)
5 Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
6 Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ)
7 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
8 Marcha Mundial das Mulheres (MMM)
9 Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
10 Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
11 Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
12 Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
13 Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
14 Abong – Associação Brasileira de ONGs
15 Ágora de Habitantes da Terra (AHT-Brasil)
16 Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras
17 Alternativas para pequena agricultura no Tocantins (APA-TO)
18 Amigos da Terra Brasil (ATBr)
19 Articulação Agro é Fogo (AéF)
20 Articulação de Mulheres Brasileiras Jaú-SP (AMB)
21 Coletivo Raízes do Baobá Jaú-SP
22 Articulação de mulheres do Amapá (AMA)
23 Articulação de Mulheres do Amazonas (AMA)
24 Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
25 Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado (Pacari)
26 Articulação PomerBR
27 Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
28 AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
29 Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Ageoecologia (AGENDHA)
30 Associação Agroecológica Tijupá (Tijupá)
31 Associacao de Favelas de São José dos Campos SP (Afsjc)
32 Associação de Mulheres Agricultoras (AMACAMPO)
33 Associação Maranhense para a Conservação da Natureza (AMAVIDA)
34 Associação Mundial de Comunicação Comunitária – Brasil (AMARC BRASIL)
35 Associação Solidariedade Libertadora área de Codó (ASSOLIB)
36 Campanha Antipetroleira Nem um poço a mais!
37 Cáritas Brasileira (CB)
38 CDDH Dom Tomás Balduíno de MARAPÉ ES
39 Centro Dandara de Promotoras Legais Populares
40 Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária (Ceapac)
41 Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA)
42 Centro de Atividades Culturais Econômicas e Sociais (CACES)
43 Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá (Centro Sabiá)
44 Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo (CPCDDHPJ)
45 Centro Ecológico (CAE Ipê)
46 Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Costeiros e Marinho (CONFREM-Brasil)
47 Comissão Pastoral da Terra (CPT)
48 Comitê de Energia Renovável do Semiárido (CERSA)
49 Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa (CPCTP)
50 Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração
51 Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN)
52 Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
53 Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN)
54 Conselho Nacional de Ssgurança Alimentar e Nutricional (CONSEA -AM)
55 Coordenadoria Ecumênicade Serviço (CESE)
56 Defensores do planeta (DP)
57 Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
58 Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
59 Fundação Luterana de Diaconia (FLD)
60 Federação dos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares do estado do Pará (FETAGRI-PA)
61 Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
62 Fórum de mulheres do Araripe (FMA)
63 Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad)
64 Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS)
65 Fotógrafos pela democracia (FPD)
66 Fundo Dema
67 Greenpeace Brasil (GPBR)
68 Grupo de Estudos em Educação e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (GEEMA)
69 Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Estado e Territórios na Fronteira Amazônica (GEPE-Front)
70 Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)
71 Guerreiras da Palhada
72 Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Economicas (Ibase)
73 Instituto de Estudos da Complexidade (IEC)
74 Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
75 Instituto Equit – Gênero, Economía e Cidadania global (I.EQUIT)
76 Instituto Mulheres da Amazônia (IMA)
77 IYALETA Pesquisa, Ciência e Humanidades
78 Justiça nos Trilhos
79 KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
80 Marcha Mundial por Justiça Climática/ Marcha Mundial do Clima
81 Memorial Chico Mendes (MCM)
82 Movimento Baía Viva ( Baía Viva – RJ)
83 Movimento brasileiro de Mulheres cegas e com baixa visão (MBMC)
84 Movimento Ciencia Cidadã (MCC)
85 Movimento Mulheres pela P@Z!
86 Movimento Negro Unificado-Nova Iguaçu (MNU-Nova Iguaçu)
87 Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo/UEG (GWATÁ)
88 Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
89 Processo de Articulação e Diálogo entre Agências Europeias e Parceiros Brasileiros (PAD)
90 Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (REBRIP)
91 Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama)
92 Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira (Rede Pantaneira)
93 Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)
94 Rede de Educação Ambiental e Políticas Públicas (REAPOP)
95 Rede de Mulheres Ambientalistas da América Latina – Elo Brasil (Red Mujeres)
96 Rede Feminista de Saude, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
97 Rede Jubileu Sul Brasil
98 Sempreviva Organização Feminista (SOF)
99 Sindicato dos Docentes da UNIFESSPA (SINDUNIFESSPA)
100 Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ)
101 Terra de Direitos

* A Amigos da Terra Brasil (ATBr) integra o Grupo Carta de Belém

Organizações denunciam violência e ação de milícia na Terra Indígena de Serrinha (RS)

Com notas divulgadas no final de semana, organizações como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Instituto Kaingang e indígenas da terra de Serrinha, norte do Rio Grande do Sul, denunciam violências e assassinatos ocorridos recentemente na região.

Vítimas da prática de arrendamento de terras para o agronegócio, indígenas da região relatam a ação de milícias que controlam o território, compostas principalmente por homens não-indígenas armados. A prática de arrendamento provoca conflitos entre os povos e corrompe as dinâmicas tradicionais da região sem consultar, de forma democrática, todos os indígenas que moram no território.

Em protesto realizado para chamar atenção ao conflito, homens armados apareceram e atiraram nos indígenas reunidos. Alguns conseguiram escapar, entre eles crianças, mas duas pessoas foram mortas na ação.

Leia as notas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Instituto Kaingang (INKA).

Solidariedade irrestrita à Cozinha Solidária do MTST: NÃO ao despejo!

Quem tem fome, tem pressa

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de Porto Alegre ocupou um imóvel abandonado da União no bairro Azenha no último dia 26 de setembro. O espaço, que acumulava lixo e insegurança para toda a comunidade local, rapidamente foi convertido naquilo que todo o país mais precisa neste momento: instrumentos sociais de combate à fome. Foi criada no local uma Cozinha Solidária dedicada a servir refeições para todas as pessoas que foram vulnerabilizadas pelas práticas de gestão do país.

Nesses poucos dias de funcionamento, a Cozinha já serviu centenas de refeições. O imóvel que estava, há décadas, em estado deplorável e sem cumprir sua função social, apenas aguardando o momento para servir aos conchavos da especulação imobiliária porto-alegrense, agora se tornou um reduto de combate à fome, à carestia e à pandemia neoliberal que se disseminou pelo país no governo Temer-Bolsonaro-Guedes.

O Estado brasileiro é omisso e ineficiente quando se trata de garantir a dignidade e os direitos da população mais empobrecida do país, mas é um Estado implacável para defender com unhas e dentes todas as formas de espoliação. É essa vocação autoritária e antidemocrática que movimentou o Estado contra a Cozinha Solidária. A União reivindicou a posse do imóvel, e mesmo na contramão do parecer do Ministério Público Federal (MPF), o Poder Judiciário gaúcho estabeleceu, na terça-feira (5/10), um prazo de apenas 48h para a reintegração de posse. Mas isso não pode acontecer, sob pena de abandonar centenas de pessoas de novo na condição mais indigna que pode acometer um ser humano: a fome.

Pelo cumprimento da função social, pela solidariedade e pelo combate a todas as indignidades que assolam nosso país, conclamamos que a sociedade se una em defesa da Cozinha Solidária do MTST.

Amigos da Terra Brasil 

Injustiça que sangra

Nesta 5ª feira (7/10), o presidente  Jair Bolsonaro vetou o PL 4968/19, já aprovado pelo Congresso Nacional, que garantia a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda. Mais um ataque ao direito à saúde das meninas e das mulheres pobres e que mais necessitam de ajuda!

“O Brasil tá complicado. Eu acho até uma ofensa a gente precisar estar discutindo isso, parece até que estamos na Idade Média”, declara a militante feminista da Marcha Mundial das Mulheres e atuante na Aliança Feminismo Popular, Cláudia Prates. Nesta quinta-feira, dia 7 de outubro, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, vetou a distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda. A medida de disponibilização desses artigos de higiene estava prevista no Projeto de Lei 4968, de 2019, aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. 

No lugar de aprovar uma iniciativa que seria prática e eficiente para a saúde das mulheres, o presidente sancionou a criação de um Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual com uma “estratégia” para a “promoção da saúde e atenção à higiene feminina”, como coloca. Tal programa irá proporcionar a implementação de “campanhas informativas e de conscientização da população acerca da importância do tema”, medida claramente desprovida de qualquer auxílio ou mudança no cotidiano daquele que seria o público-alvo do projeto. “Tem mulheres que usam miolo de pão, que usam jornal, que usam panos laváveis e reaproveitáveis para conseguir utilizar no período da menstruação”, explica Prates. Mesmo assim,  o presidente insiste em descartar a solução adequada. 

“Esse conceito de pobreza menstrual é a falta de acesso das mulheres e meninas à compra e ao uso do absorvente, e também está relacionado a todas as questões de riscos à saúde que podem decorrer do uso de jornal como absorvente, por exemplo”, explica Cláudia. Segundo a Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância) em enquete realizada com pessoas que menstruam, 62% afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar de que gostam por causa da menstruação, e 73% sentiram constrangimento nesses ambientes. Mesmo assim,  enquanto este homem, embebido pelas bases do patriarcado e do machismo, se recosta confortavelmente na cadeira de seu escritório para trabalhar, incontáveis alunas de escolas da rede pública passam desconforto e vergonha enquanto deveriam poder estar focadas apenas no estudo. “Quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na sua escola” (Unicef Brasil). Ao mesmo tempo, mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, presidiárias e adolescentes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa sofrem mensalmente e ficam ainda mais vulneráveis. 

Bolsonaro declara que a distribuição de absorventes contrariava o interesse público por não existir “compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino”. Relata que o PL não apresentava indicação orçamentária, medida compensatória ou fonte de custeio dos dispositivos, apesar do projeto originalmente apresentado colocar as dotações disponibilizadas anualmente pela União ao funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde) como fonte de recursos financeiros. Contudo, a falta de produtos femininos de higiene básica não é discutível, mas sim um problema de saúde pública. “É muito sério, é muito grave, é muito mais do que uma perfumaria. Isso é um item de cesta básica, é um item primordial na vida das mulheres, ao qual elas deveriam ter acesso”, sublinha Prates. 

É de grande importância incluir o assunto de forma correta dentro das organizações feministas. Como explica Cláudia Prates: “A pobreza tem cara de mulher, e cara de mulher negra. Falamos sobre os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, a falta de acesso das mulheres à informação, à falta de conhecimento das mulheres sobre o seu corpo, não conhecerem os direitos e as políticas públicas em relação à pílula do dia seguinte, ao aborto legal… O absorvente, fornecido de forma gratuita para as mulheres carentes, tem que estar na nossa pauta também quando a gente fala de tudo isso, não pode estar desconectado”.

A Unicef declara que “todas as pessoas que menstruam têm direito à dignidade menstrual, o que significa ter acesso a produtos e condições de higiene adequados”. Ou seja, em um dia como este, em que a liberdade menstrual foi mais uma vez negada às mulheres, ficar calada não é uma opção viável. Precisamos seguir enfatizando a importância do acesso de mulheres e meninas a itens de higiene, saúde e outros já disponibilizados gratuitamente nos postos de saúde. Distribuir e falar sobre absorventes não deve ser tabu ou motivo de vergonha, faz parte da vida das mulheres. É direito de todas,  e é dever do Estado garanti-los. Isto é urgente!

Solidariedade: a luta contra a fome precisa do teu apoio em Porto Alegre (RS)!

A Cozinha Solidária da Azenha, na capital gaúcha, precisa do teu apoio para seguir servindo cerca de 750 marmitas por semana. A iniciativa está ameaçada por pedido de reintegração de posse pela  União

Quem passava pela avenida da Azenha, um dos caminhos que liga o centro à zona sul de Porto Alegre, há alguns anos identificava no número 1018 um casarão histórico abandonado em um terreno de quase 1 hectare. Moradores da vizinhança contam que a área, com mato alto e muitas árvores, fazia passagem da Av. Azenha até a Av. Florianópolis, onde hoje há um condomínio. Um cenário bem diferente do que encontra quem passa pelo mesmo endereço hoje.

Ocupação do espaço para Cozinha Solidária transformou o terreno que estava abandonado. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

Desde o último domingo (26/09), o MTST (Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto) do Rio Grande do Sul estabeleceu naquele lugar o projeto “Cozinhas Solidárias”. Terceira iniciativa realizada em Porto Alegre, além de outras duas comunitárias localizadas nos loteamentos Irmãos Marista, no bairro Rubem Berta, e Nosso Senhor do Bonfim, no Sarandi, na zona norte da Capital gaúcha. Em todo o Brasil, já são 20 cozinhas solidárias, com a 21ª prevista para ser implementada em Curitiba (PR) em breve.

Na cozinha solidária da Azenha estão sendo servidas de 150 a 200 marmitas por dia para pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar, o que inclui moradores de rua, entregadores de aplicativos e também muitas e muitos trabalhadores que se alimentam uma vez ao dia porque o salário não dá conta para o almoço na região central todos os dias. Juliana Motta, que integra a coordenação do movimento, conta que tem se emocionado com as histórias e os casos que tem visto nestes dias, ela cita uma mãe que havia aceitado apenas uma marmita para a filha, afirmando que ela poderia comer qualquer coisa. Juliana relata que entregou uma marmita para cada uma para garantir que mãe e filha se alimentariam com qualidade: “É incrível como as mulheres colocam a necessidade dos filhos à frente da sua própria”. 

Vizinhos e pessoas de diferentes regiões se somam em solidariedade para construir a Cozinha Solidária. Foto: Carol Ferraz/ Amigos da Terra Brasil

Ela relata ainda que a comunidade do entorno abraçou o projeto em uma rede de solidariedade que tem se fortalecido na luta contra a fome. “Hoje, a gente conta na cozinha com as pessoas que moram próximo da região e da Azenha. A galera tem vindo cozinhar com a gente. Então, basicamente, a nossa equipe de cozinha é formada por vizinhos e trabalhadores”. Motta, assim como outros militantes, tem destinado tempo para dialogar com a comunidade do entorno e explicar o projeto de alimentação popular, o que tem dado frutos muito positivos com o engajamento da vizinhança. Ela fala de um empresário vizinho que, após o diálogo, afirmou ter mudado a visão que tinha sobre o MTST: “é incrível pensar que em uma conversa tu faz a pessoa enxergar o que estamos fazendo, por que a pessoa entende, ela se solidariza com isso”, diz. 

Apoiadores da Cozinha trabalham a todo vapor servindo pratos diferentes todos os dias, com opções com e sem carne, uma horta vem sendo construída no terreno. Nesta semana de mutirões diários no terreno, a visão é muito diferente do que o encontrado no primeiro dia. Já não há pilhas de lixo, dejetos ou mato alto. Foi feita uma horta construída em formato espiral, que representa o plantio em um modelo agroflorestal. Com a construção dos canteiros, muitos apoiadores trouxeram mudas e sementes para plantio, além de somarem na função, colocando a mão na terra. A engenheira agrônoma e apoiadora da Cozinha, Lisiane Brolese, conta que o formato foi escolhido para usar os recursos disponíveis no local, como tijolos e caliças para estrutura e filtragem, e que esse modelo para plantio ajuda a ter, em pouco tempo, a materialização dos canteiros. Além disso, o formato dá a possibilidade de criar microclimas: “Com os canteiros na horizontal, as plantas recebem a mesma quantidade de insolação e água, enquanto nesse formato a gente cria um espaço de maior umidade e sombreamento na parte mais baixa e maior entrada de sol e menor de água na parte superior”, ela explica.

Em cerca de uma hora cada, apoiadores construíram um por um dos canteiros com plantio de mudas na horta da Cozinha. Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

Essa rede de solidariedade vem sendo construída desde o primeiro dia de ocupação do espaço. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) destinou alimentos como brócolis, couve, alface, morango e 50 kg de feijão, vindo diretamente da região central do RS. A partir daí, o caldo só engrossou. São moradores do entorno, trabalhadores da região, gente que arrecada alimentos entre os colegas de trabalho e compartilha o que pode com quem não tem. Neste domingo (03/10) a rede segue mobilizada e será realizado um drive-thru para receber doações de alimentos entre às 10h e 17h, em parceria com Comitê Gaúcho de Combate à Fome, Consea/ RS (Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do RS), Ação Cidadania/RS e Cáritas/RS. O domingo ainda contará com mobilizações culturais, como um sarau poético.

Uma ampla rede de solidariedade se extende para apoiar o projeto de alimentação popular. Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

“A gente vai continuar pautando o centro pela importância que esse espaço tem”, defende Juliana Motta. Ela pontua que a necessidade de alimentação na região central está além do que era esperado. Tradicionalmente, o MTST constrói o projeto de Cozinhas Solidárias nas periferias de grandes cidades, mas a região central de Porto Alegre tem mostrado que a necessidade é urgente., são mais de 160 mil pessoas em situação de vulnerabilidade social. Com alcance de cerca de 750 marmitas servidas por semana para a população em situação de rua, trabalhadores de aplicativos e pessoas em situação de vulnerabilidade da região, o local deve atender mais do que os 4 refeitórios municipais, que hoje servem cerca de 700 refeições semanalmente.

A fome é uma realidade para 20% da população brasileira. Hoje, são 19 milhões de brasileiros em situação de fome no país, segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan). Um aumento de 9 milhões em relação aos 10,3 milhões registrados em 2018. A situação é reflexo, para além da pandemia, de políticas de esvaziamento de programas voltados para estimular a agricultura familiar como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e PNAE (Programa Nacional de Assistência ao Ensino com Alimentação Escolar) e de combater a fome, além da diminuição na cobertura e nos valores do Bolsa Família.

Na última quarta-feira (29/09), a Cozinha Solidária da Azenha recebeu a visita do secretário municipal de Desenvolvimento Social, Léo Voight, e da presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania do município (FASC), Cátia Lara, que reconheceram a importância desta iniciativa no combate à fome. Também participaram da visita parlamentares que compõem a Bancada Negra, Frente Parlamentar em Defesa da Segurança Alimentar e Nutricional e representantes do Comitê de Combate à Fome. O MTST entregou ao secretário o projeto da Cozinha Solidária Azenha com dados sobre a região e “como a cozinha na Av Azenha, 1018, impacta a vida das pessoas”, relata Juliana. Ela conta que Voight saiu de lá com a promessa de que irá pensar políticas públicas para o espaço.

Na foto a entrega do projeto da Cozinha Solidária da Azenha para o ecretário municipal de Desenvolvimento Social, Léo Voight. Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

Agora a luta é por permanecer. Advogada da Cozinha Solidária da Azenha, Cláudia Ávila explicou que o imóvel pertence à União, que recebeu a posse em maio de 2020, mas já havia a titularidade da área após o proprietário não deixar testamento ou ter herdeiros para receberem a propriedade. Por outro lado, mesmo já em posse da União, os vizinhos contam que o imóvel esteve ocupado até pelo menos 3 anos atrás por uma moradora. Nas falas, Claudia reforça que a área estava destacada como de interesse social para fins de moradia popular. Para nossa decepção, mas não surpresa, o atual governo decidiu colocar a área para leilão, já marcado para o dia 13/10. 

“A gente está ocupando esse espaço como uma denúncia de um espaço ocioso que poderia estar servindo tanto para moradia, quanto para um restaurante popular que atenderia toda essa região e a região da Cruzeiro, que é uma próxima e de onde  tem vindo pessoas para se se alimentar”, conta Juliana. E segue: “Agora a gente tem uma luta que se segue, que é ficar nesse lugar. Estamos fazendo um abaixo-assinado que já conta com muitas assinaturas”, reforça. 

Quer ajudar?

A hora de agir é agora! A rede precisa seguir articulada para defender o direito à alimentação com a crescente da fome. Todes são bem vindes para apoiar a continuidade da Cozinha Solidária da Azenha.

Você pode contribuir com as atividades e/ou doar alimentos diretamente na cozinha (Av. Azenha, 1018) ou o valor que puder pelo pix: rededeabastecimento@gmail.com

Assine o abaixo-assinado e defenda a permanência deste importante projeto!

Veja mais fotos:

Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Militantes e apoiadores marcharam na tarde de sábado, 2/10, até o centro de Porto Alegre, onde somaram às manifestações pelo Fora Bolsonaro. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil


Comitê de Combate à Megamineração no RS lança nota sobre as declarações do governador Eduardo Leite referente ao projeto Mina Guaíba (RS)

Em entrevista ao Flow Podcast, de São Paulo, divulgada também pelo jornal Zero Hora, o governador Eduardo Leite (PSDB) afirma que o processo da Mina Guaíba estaria “arquivado”, sem previsão de retomada do projeto no momento. A luta contra os impactos socioambientais provocados pela exploração mineral desenfreada é longa, com histórico de resistência no estado. Leia a nota abaixo.

Nota do Comitê de Combate à Megamineração no RS sobre as declarações do governador Eduardo Leite referente ao projeto Mina Guaíba

As recentes falas do governador Eduardo Leite (PSDB) em entrevista ao Flow Podcast, de São Paulo, divulgadas também pelo jornal Zero Hora, afirmando que o processo da Mina Guaíba estaria “arquivado” e que a mina “não vai sair”, sem dúvida são uma vitória da intensa mobilização da sociedade civil organizada do Rio Grande do Sul. Vencemos o Leite e seu governo na pauta Mina Guaíba e Polo Carboquímico!

O projeto era pauta estratégica do  atual chefe do Executivo, a ponto de terem extinguido a Secretaria de Minas e Energia para levá-la para dentro da Secretaria de Meio Ambiente, escalando para a pasta ninguém menos que Arthur Lemos, o Secretário de Minas e Energia do Governo José Ivo Sartori (MDB), constituindo evidente conflito de interesses, denunciado por diversos movimentos, entidades ambientalistas e associações de funcionários da própria Secretaria e suas Fundações.

Vale ressaltar que ainda se mantém em vigor um Protocolo de Intenções firmado entre o Governo do Estado e a mineradora Copelmi (Expediente nº 18/1701-0000261-2), visando postergar o ICMS para a aquisição de máquinas e equipamentos industriais de fornecedores do RS, de outras unidades da Federação e de importação, e também na etapa seguinte à implantação da mina, diferindo o ICMS nas saídas de carvão mineral, no prazo mínimo de 15 anos, lembrando que o projeto tem 23 anos de operação prevista, e que o prazo do protocolo poderia ser estendido. Dos R$ 142 milhões anuais que a empresa alega que geraria em tributos diretos na fase de operação da mina, o ICMS representa mais de 40%. Teríamos que subtrair R$ 59 milhões anualmente desta conta.

O Governo Eduardo Leite, além de seguir os planos da Política Estadual do Carvão Mineral e Polo Carboquímico e oferecer facilidades administrativas e fiscais ao setor, promoveu possivelmente o maior retrocesso legal da história da Política Ambiental do RS com as mais de 500 alterações no Código Ambiental Estadual (que chegou a ser apelidado de Lei Copelmi), que, a reboque, também revogou artigos fundamentais do Código Florestal Estadual (como a retirada da imunidade ao corte de Figueiras e Corticeiras), além da alteração na Lei Gaúcha dos Agrotóxicos (retirando a proteção pioneira desta Lei, que proibia o uso no RS de agrotóxicos proibidos em seus países de origem). Tudo isto sem o menor debate com a sociedade civil, em processos de atropelo, marca registrada do atual déficit democrático.

É evidente que as recentes e marketeiras falas do governador foram calculadas e preparadas no contexto de sua campanha para a presidência nas eleições de 2022. Não é a primeira vez que Eduardo Leite é oportunista, nem que mente em campanha. Todos acompanham o desastroso resultado de um dos maiores estelionatos eleitorais cometidos no RS, quando em campanha o então candidato afirmou, categoricamente, que não iria privatizar a CORSAN, e agora não cumpre sua palavra, avançando rapidamente, e novamente sem ouvir a população gaúcha, para entregar uma de nossas infraestruturas mais estratégicas e essenciais na mão do capital privado, provavelmente estrangeiro.

Na questão da Mina Guaíba Eduardo Leite fala uma mentira e uma verdade. Mente ao afirmar que o processo está arquivado. O processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba na FEPAM (6354-05.67/18-1), que pode ser consultado por qualquer cidadão, não está arquivado. Está sim suspenso por decisão judicial para que a empresa sane as omissões de seu EIA/RIMA, especialmente para que cumpra com a obrigação, da qual tentou escapar, de realizar a consulta livre, prévia e informada das Aldeias Mbyá Guaraní que são impactadas pelo projeto. Além disto, tramitam outros três processos na justiça sobre os riscos à água, aos pescadores das ilhas do Delta do Jacuí, e sobre o fracionamento entre o processo de licenciamento da Mina sem incluir o Polo Carboquímico (considerando que um não se viabiliza sem o outro).

Ainda, em função dos mais de 20 pareceres técnicos independentes, assinados por mais de 40 pesquisadores e técnicos de diferentes áreas do conhecimento (geologia, biologia, engenharias, economia, sociologia, antropologia, psicologia, medicina, entre outros, com diversas especialidades) articulados pelo Comitê de Combate à Megamineração no RS, e da análise técnica da equipe da FEPAM, o órgão ambiental estadual emitiu ofício com mais de 100 itens à serem complementados nos estudos apresentados pela empresa, que até o momento não respondeu a nenhum deles.

Ressaltamos que parcelas significativas do setor industrial já estão pulando do barco furado do carvão. Ainda em 2020, uma das maiores empresa de fertilizantes no Brasil, detentora de grande parte do mercado de fertilizantes do RS, anunciou que não iria comprar produtos ou investir no Complexo Carboquímico por decisão do governo norueguês (seu principal acionista), o que já comprometia o projeto do Polo, pois não conseguiriam escoar e viabilizar a cadeia da ureia. A maior produtora de celulose do RS anunciou que substituirá sua caldeira movida à carvão mineral por uma nova caldeira a gás natural. Uma das maiores multinacionais do setor energético tem avançado na descarbonização de seu portfólio e acaba de vender o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina.

Em Candiota a Mina de Carvão da CRM teve sua Licença de Operação indeferida pela FEPAM, devido à ocorrência de extração mineral em área não licenciada, atingindo Área de Preservação Permanente com intervenção em vegetação nativa e recurso hídrico, tudo sem o devido licenciamento, que demandaria EIA/RIMA, o que pode levar à paralização da Usina Termelétrica Presidente (ditador) Médici, por falta do combustível. E o projeto da Usina Termelétrica Nova Seival (também da Copelmi Mineração), teve seu licenciamento ambiental suspenso e sua Audiência Pública anulada pela Justiça Federal do RS. Foi mais uma vitória do Comitê de Combate à Megamineração no RS que se torna histórica, pois a decisão da 9ª Vara Federal de Porto Alegre ainda determinou que os estudos da Nova Seival e o Termo de Referência do IBAMA para licenciamento de Usinas Termelétricas devem incluir Avaliação de Impactos à Saúde e os impactos das emissões de gases de efeito estufa sobre as mudanças climáticas globais.

Soma-se ainda o fato do anuncio do governo chinês, na Assembleia Geral da ONU de 21 de setembro de 2021, de que o país deixará de participar da construção de usinas termelétricas a carvão no exterior, o que impacta os projetos carboníferos do RS pois têm na China seu principal investidor estrangeiro.

Aí está o oportunismo do candidato à presidência. O projeto Mina Guaíba não iria ser aprovado de qualquer maneira dentro do seu mandato como governador do RS, para o qual tampouco tem interesse em se manter por mais quatro anos, pois quer tentar voos mais altos. Considerando ainda que conseguimos incidir no debate à nível estadual, e que a população gaúcha têm demonstrado maciça reprovação do projeto, e ainda que o setor do carvão está em pleno colapso, o que é evidenciado pelo grande volume de fatos recentes apresentados, ficou fácil o cálculo de desembarque.

Ao Governo Eduardo Leite, oferecemos a oportunidade de não ficar com mais esta marca de mentiroso na paleta. Para isso, precisa nos apresentar e à sociedade, no mínimo, o arquivamento do processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba na FEPAM, a anulação do Protocolo de intenções firmado com a empresa Copelmi, a devolução da autonomia da SEMA em relação ao setor minerário e energético, a proposta de revogação da Política Estadual do Carvão Mineral e Polo Carboquímico na Assembleia Legislativa do RS, e que apresente para discussão com a sociedade um Plano de Descarbonização da economia gaúcha.

A verdade dita pelo governador ao programa de alta audiência foi que: a Mina Guaíba “não vai sair”. Mas isto se fará realidade não em função destas declarações midíaticas e, até o momento, vazias. Este e outros projetos anacrônicos e destruidores “não vão sair” pois nós seguiremos atentos e fortes, tanto na construção de que o próximo Governo do RS tenha compromisso real com a descarbonização e com a não implantação do atual modelo mineral brasileiro em larga escala em nosso Estado.

E, para além dos pleitos eleitorais, seguiremos firmes no fortalecimento contínuo da organização da sociedade civil e da consciência do povo gaúcho de que o carvão e a Megamineração só são bons negócios para os acionistas das mineradoras, não para nossos biomas, nossa água, nosso ar, nossa qualidade ambiental, nossa economia, nossa saúde e nossas vidas, desta e das futuras gerações.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2021

Comitê de Combate à Megamineração no RS

“Aulão” aprofunda análise sobre os impactos e as desigualdades trazidas por acordo comercial entre Mercosul e União Europeia

Retomada do debate para a aprovação de um tratado de livre comércio entre os países do Mercosul e da União Europeia (Mercosul-UE) expressa a reconfiguração do neoliberalismo, aprofundando as crises econômica, social e ambiental. No dia 21 de Outubro, às 14h, acontece a plenária da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA.

Nessa segunda-feira (20), das 9h30min às 15h30min, ocorreu virtualmente o “Aulão Mercosul-UE: o acordo da desigualdade”. A atividade é uma iniciativa da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, composta por 106 entidades da sociedade civil brasileira que assinam um manifesto contra o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia e convoca o Congresso brasileiro a promover um amplo debate com a sociedade sobre os impactos do acordo.

Na parte da manhã, o grupo composto, principalmente, por militantes de movimentos sociais e representantes de organizações civis se aprofundou sobre os aspectos gerais do tratado e os reais impactos para a economia brasileira. Adhemar Mineiro, da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos (REBRIP), lembrou o histórico desse processo, que iniciou com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), sendo o Acordo-Quadro de Cooperação Mercosul-União Europeia assinado em 1995 como pontapé do processo, e avançou com o Acordo Marco em 1999, definindo os caminhos das negociações. 

Adhemar ponderou que a discussão do Acordo Mercosul-UE vai muito além do comércio. Também envolve diálogo político e cooperação entre as partes, pontos que deveriam ter sido debatidos com mais rigor no fechamento da negociação em 2019 por trazerem cláusulas que reafirmam a democracia, sendo que “o Brasil, principal país do Mercosul do ponto de vista de importância geopolítica, tem um governo que não está de acordo com esses princípios democráticos”. Ele ainda destacou a “perspectiva colonial” trazida pelo tratado, em que os produtos primários enviados do Mercosul são trocados por produtos de alto valor agregado produzidos na Europa – mesma premissa que consta em outro acordo negociado entre Mercosul-EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre, ou European Free Trade Association/EFTA, em inglês). 

O Acordo Mercosul-UE foi negociado, agora precisa ser ratificado, mas para isso seus defensores enfrentam dificuldades de aprovação por alguns governos e parlamentos tanto europeus quanto os da América Latina. 

Marta Castillo, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez uma análise histórica para compreender os impactos que o tratado pode trazer para a indústria brasileira, setor que está entre os mais ameaçados por essa tentativa de abrir mercados. Entre 2005 e 2020, a participação dos produtos manufaturados na exportação reduziu de 80% para 55%, ao mesmo tempo em que se ampliou a participação de produtos agrícolas e minerais, ou seja, houve uma queda nas exportações de produtos com alto conteúdo tecnológico. Isso também se deve à diminuição da participação dos EUA e da América Latina como destino das exportações brasileiras e da ampliação da China – apenas três produtos responderam por 24,8% das exportações totais brasileiras. Embora a Europa tenha perdido espaço, ainda é destino de 15% da nossa produção.

Nesta relação desigual, as commodities agrícolas e agropecuárias representam 46% das exportações, enquanto 58,8% das nossas importações são de produtos mais sofisticados produzidos pelo bloco europeu. Castillo analisa que essa estrutura demonstra porque o Mercosul resistiu tanto tempo em firmar acordo e abrir o mercado industrial, reforçando a consideração anterior de Adhemar sobre a “perspectiva colonial”. “Esse acordo, por um lado, abre parcialmente o mercado para nossos produtos agrícolas e, por outro, dá acesso a um competidor muito mais poderoso do que as empresas do Mercosul no mercado industrial, além de limitar muito a capacidade dos governos do bloco fazerem políticas industrial e tecnológica”. 

Acordo Mercosul-UE favorece agronegócio brasileiro e multinacionais


À tarde, a coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da FASE, Maureen Santos, destacou que o Acordo Mercosul-UE inova em relação a Acordos de Livre Comércio anteriores ao trazer a agenda do clima, determinando que os países dos blocos se comprometam em implementar o Acordo de Paris (de 2015). No entanto, ela pondera que não é descrito como será feito e nem quais serão as implicações para os países que não cumprirem suas metas, tornando essa medida pouco efetiva. “Só colocar um capítulo de comércio e desenvolvimento sustentável sem dizer como será feito, baseando-se em outro acordo [Acordo de Paris] que ainda está bastante frágil do ponto de vista de sua implementação, é uma coisa muito vaga”, critica. 

Maureen também salienta a ausência de compromisso com os princípios da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no acordo e os benefícios que o agronegócio terá neste tratado comercial com a eliminação de tarifas alfandegárias e com o aumento da quota de produtos que poderão ser exportados à Europa. Cadeias produtivas das principais commodities brasileiras, entre elas a de soja (também por meio da venda de óleos vegetais), café torrado, arroz, milho, cana de açúcar (via comércio de açúcar e etanol combustível e para uso industrial) e carnes bovina e de aves serão beneficiadas. A tendência é de que a expansão do agronegócio aumente o desmatamento de florestas e a degradação de outros biomas, emitindo ainda maior quantidade de gases de efeito estufa. A segurança e soberania alimentar dos brasileiros também pode estar em risco caso os produtores prefiram exportar produtos da alimentação básica, como o arroz, porque terão mais lucro no mercado externo do que abastecendo o mercado interno. 

O interesse dos europeus é utilizar o acordo Mercosul-UE para expandir seus mercados e aumentar a competitividade das empresas multinacionais. Para isso, querem avançar sobre os setores de serviços públicos dos países da América do Sul, especialmente o postal, de telecomunicações e do sistema bancário. “Pensemos na discussão da privatização dos Correios e da Eletrobrás hoje no Brasil e como a agenda interna do nosso país também pode vir a ser respaldada pela assinatura desse tratado. Não dá para pensar, separadamente, a política nacional, governo, Congresso e interesses colocados, e o tratado Mercosul-UE. As agendas são semelhantes”, analisa Gabriel Casnati, assessor da Internacional de Serviços Públicos (ISP). 

Outro ponto chave é que o Acordo quer garantir o fim das políticas de compras públicas empregadas pela União, estados e municípios. No Brasil, essas ferramentas são importantes para desenvolver cidades distantes e estimular a agricultura familiar (como o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos) e pequenas e médias empresas, principais geradoras de emprego e renda no país. As multinacionais e empresas europeias querem o fim dessas políticas para, assim, eliminar as concorrências nacionais. Casnati também apresentou estudos e dados de acordos de livre comércio semelhantes ao Mercosul-UE, como o NAFTA (entre EUA e México) e o UE-Colômbia, em que as promessas de gerar milhares de empregos não foram cumpridas e os salários médios prosseguem baixos ou tiveram reajustes ínfimos.  

Direitos humanos não podem ser subordinados aos acordos de livre comércio 

A presidenta da Amigos da Terra Brasil e integrante da Comissão do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) sobre violação de direitos dos povos por grandes empreendimentos, Lucia Ortiz, expôs como o Acordo Mercosul-UE irá impactar ainda mais os territórios das comunidades e povos tradicionais. Ela apontou a incoerência do tratado, que pretende promover melhorias na sustentabilidade produtiva de commodities agrícolas direcionada para o Mercosul, enquanto as empresas produtoras de agrotóxicos, muitas provenientes da Europa, como a Basf, Bayer e Syngenta, pressionam localmente para a liberação e venda desses químicos. Outra incoerência é que o Acordo se coloca como um “Acordo Verde” visando a sustentabilidade, porém prevê o aumento da exportação do etanol pelo Brasil, cuja produção é baseada na monocultura da cana-de-açúçar, cadeia marcada pela violação dos direitos humanos, recordes de trabalho escravo e de concentração de terras. Também abordou que o risco atual do fim das políticas de compras públicas, como o PAA e o PNAE (compra de alimentos da agricultura familiar para a merenda escolar) já ameaçadas neste governo, atingem diretamente as mulheres.

“Se os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, não podem ser subordinados aos interesses empresariais transnacionais, ou mesmo ser objeto de barganha ou interpretação na negociação de acordos comerciais”, defendeu Ortiz. 

A Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA está organizando atividades e articulando a resistência contra a ratificação deste tratado de livre comércio, que será prejudicial à população dos países latinoamericanos e ao meio ambiente. As entidades aguardam a realização da audiência pública sobre o tema, já pedida pela frente e aprovada no Congresso Nacional. A Frente Brasileira também está em contato com as organizações da sociedade civil europeia que estão reunidos na Campanha Transatlântica “Stop UE-MERCOSUL” e com a coalização suíça para discutir o Acordo Mercosul-EFTA. 

No dia 21 de Outubro, às 14h, está prevista uma plenária da Frente Brasileira contra os acordos para seguir planejando e organizando a luta.

Para saber mais sobre os acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, acesse os vídeos e publicações das entidades da Frente Brasileira. Ajude a divulgar, junte-se a esta luta!

Vídeos da Amigos da Terra Brasil
Acordo Mercosul – União Europeia: quem perde com isso? https://youtu.be/KQReZKYEZXc 

Acordo Mercosul – União Europeia: quem ganha com isso? https://youtu.be/dSZ7rF821Ks

Acordo Mercosul – União Europeia: um acordo verde? http://youtu.be/BpNNHL8qiZs


Infográficos FASE
https://fase.org.br/pt/informe-se/noticias/estudo-aponta-ameacas-ambientais-e-sociais-do-acordo-ue-mercosul/

Análise da Cláusula Ambiental REBRIP
http://www.rebrip.org.br/publicacoes/texto-n-3-da-serie-de-documentos-abordando-o-comercio-e-as-atuais-nesse-terceiro-1dbd/

Análise da Cláusula Ambiental INESC REBRIP (em inglês)
https://www.inesc.org.br/wp-content/uploads/2021/04/Acordos-de-Livre-Comercio-Inter-Regionais-Ingles_02.pdf

Manifesto Rede Alerta contra os Desertos Verdes (21 de setembro 2021)

Atenção! Alerta! Plantações de árvores NÃO são florestas.

Para aumentar seus lucros e abastecer o sobreconsumo de papel e aço nas sociedades do Norte e nas elites do Sul, as empresas de celulose e siderurgia expandem seus plantios industriais de eucalipto por todo o Sul global.

No Brasil, ainda nos anos 60/70, as monoculturas de eucalipto tiveram apoio direto da Ditadura Militar. Invadiram terras devolutas, expropriaram territórios tradicionais e substituíram matas nativas. Devastaram o Cerrado, no Mato Grosso do Sul, para produção de celulose e, ainda no norte de Minas Gerais, para produzir carvão e ferro-gusa. Para produzir celulose, devastaram a Mata Atlântica, no norte do Espírito Santo e no extremo sul da Bahia, e tomaram os campos sulinos do Bioma Pampa, no Rio Grande do Sul. Agora, avança sobre a Amazônia no Maranhão.

Também ao longo da Nova República, em seus diferentes governos, as empresas de celulose e siderurgia sempre estiveram no núcleo do poder. Sempre ocuparam ministérios, formaram bancadas, definiram e foram beneficiadas por sucessivos programas de desenvolvimento, planos de aceleração de crescimento e por isenções fiscais. As empresas monocultoras sempre definiram as políticas climáticas e os planos florestais.

Sob o governo ultraliberal e fascista de Jair Bolsonaro, as mesmas empresas seguem apoiando as manifestações golpistas do agronegócio. Estão interessadas na desregulamentação das leis do trabalho e na flexibilização das leis ambientais. A monocultura do eucalipto avança suas fronteiras por sobre novos territórios e biomas, como no Maranhão e no Mato Grosso do Sul, e ainda ameaça o norte do Rio de Janeiro.

Por onde se instala, e já existe a respeito farta literatura, com exemplos concretos, o agronegócio do eucalipto provoca uma tragédia econômica, social e ambiental. Um Deserto Verde!

# Assola e expropria povos tradicionais;
# Impede a Reforma Agrária e submete a economia campesina;
# Promove a grilagem, concentra e se apropria das terras devolutas;
# Desgasta rodovias e incrementa os riscos de acidentes de trânsito;
# Precariza as condições de trabalho e a liberdade sindical;
# Seca nascentes e lagoas e contamina os córregos e rios, com o uso indiscriminado de seus agrotóxicos;
# Extingue a sociobiodiversidade dos territórios;
# Destrói a economia local, sem gerar emprego;
# Sua estrutura portuária voltada à exportação destrói berçários e manguezais, impede e inviabiliza a pesca artesanal.

Na outra ponta desta cadeia estão as plantas industriais da siderurgia e de produção de celulose, que utilizam grandes quantidades de energia e de água e geram grandes quantidades de efluentes líquidos, emitem ruído, materiais particulados como finos de serragem e fuligem, gases de efeito estufa, gases precursores da chuva ácida e gases odoríferos que causam náuseas, dores de cabeça, ardência nos olhos, nariz e garganta. A longo prazo, que danos podem causar à saúde humana? Além dos impactos diários, são fonte permanente de riscos associados a vazamentos de cloro, emissão de dioxinas e furanos e outros acidentes que podem atingir trabalhadores e comunidades vizinhas. Tudo isso, para exportar praticamente toda a sua produção bruta para fora do país, sem sequer pagar impostos em função da absurda Lei Kandir.

No Dia da Árvore, 21 de Setembro, as empresas monocultoras buscam enganar a sociedade e seus consumidores. Ao longo de seu vasto latifúndio de 10 milhões de hectares, empresas como a Suzano, a Veracel, a Klabin, a Plantar, a V&M e a CMPC, entre outras, manipulam a opinião pública e disseminam suas monoculturas como se fossem “florestas”.

No relatório de sustentabilidade de 2020, a Suzano Celulose, por exemplo, invoca sua monocultura como transição energética, sob o lema de “renovar a vida, a partir da árvore”.

Para transformar seus plantios industriais em florestas, as empresas monocultoras distorcem imagens, deslocam os sentidos das palavras, torcem os números. Engenhosas propagandas, falsa Solidariedade S.A.

Têm o apoio do Estado, de bancos e fundos de investimentos (BNDES, BM/IFC, Fundo do Clima, BEI, BNI), de organismos internacionais (ONU/FAO), conselhos e programas de engenharia florestal, institutos patronais, certificadoras. Também contam com o apoio de organizações e redes do ambientalismo de mercado, como WWF, CI – Conservation International, TNC – The Nature Conservancy. No Dia da Árvore, formam um potente conluio para semear desertos verdes.

Mas atenção! Alerta! Plantações de árvores NÃO são florestas! E dia 21 de Setembro, no Dia da Árvore, em defesa dos direitos humanos e da natureza, enquanto as empresas celebram seus negócios, nós celebramos o Dia Internacional de Luta contra Monocultivos de Árvores.

Rede Alerta contra os Desertos Verdes

# PlantaçõesnãosãoFlorestas
#Monocultura=Monofuturo
#DiganãoaodesertoVerde

LINK PARA ADESÃO AO MANIFESTO DA REDE ALERTA CONTRA OS DESERTOS VERDES, DEIXE SEU APOIO:
https://greencloud.gn.apc.org/index.php/apps/forms/YMZm82SKG5fHLg3q

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