Nota da ATALC em solidariedade latino-americana e caribenha com o povo argentino

A Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) se solidariza com o povo argentino diante da ofensiva autoritária e neoliberal implantada desde a posse do presidente Javier Milei, em 20 de dezembro de 2023. Em menos de um mês no poder, o representante da extrema direita neoliberal violentou a sociedade argentina com seus projetos autoritários de reformas legais inconstitucionais por meio de um decreto presidencial “de necessidade e urgência”, além de aprofundar enormemente a pobreza com uma desvalorização de 120% da moeda; realizar um ajuste total do Estado em questões sociais e privilegiar seu caráter repressivo; e impor a abertura econômica e a desindustrialização; gerar inflação descontrolada e um aumento avassalador do custo de vida, colocando em prática uma “doutrina do choque”.

Todas essas medidas, que prejudicam a maior parte da população, serão respaldadas por outra norma que proíbe os protestos, por meio de um Protocolo do Ministério da Segurança que proíbe o direito fundamental de reivindicar e manifestar-se publicamente, de organizar-se social e politicamente e de exercer a liberdade de expressão. Esses direitos, consagrados na Constituição Nacional Argentina e nos acordos internacionais que o país subscreve, serão seriamente violados por medidas que buscam criminalizar setores populares, organizações sociais e seus líderes.

O “Protocolo para a manutenção da ordem pública” é um mecanismo para criminalizar protestos e organizações sociais que colocam em risco a integridade física, a segurança e a liberdade das pessoas. O Protocolo criminaliza bloqueios de ruas ou estradas, portanto, qualquer pessoa que participe de uma manifestação será culpada de cometer um crime. Deve-se observar que o Protocolo não é claro quanto ao uso da força policial e não proíbe expressamente o uso de armas de fogo pelas forças policiais. Além disso, ameaçam cobrar das organizações os custos, que chegam a milhões de dólares, das operações de segurança em manifestações.

Não satisfeito com essas atrocidades, Javier Milei enviou posteriormente um projeto de lei ao Congresso Nacional, que contém mais de 600 artigos. Popularmente conhecido como “Lei Omnibus” devido ao número de modificações que propõe. Entretanto, na realidade, trata-se de uma forte reforma inconstitucional do Estado: retira poderes do poder legislativo; propõe a privatização de 41 empresas estatais; permite a dívida externa do poder executivo sem passar pelo parlamento; elimina o direito de protesto social; modifica a lei das geleiras, permitindo a mineração e outras atividades econômicas em zonas periglaciais e ameaçando a água das comunidades montanhosas; permite o desmatamento, modificando a Lei Florestal; estabelece um “Regime de Incentivo para Grandes Investimentos” destinado aos setores de agronegócio, infraestrutura, mineração, silvicultura, petróleo e gás, proporcionando segurança jurídica e proteção de direitos em matéria tributária a esses setores; dá poderes ao poder executivo para criar um “mercado doméstico para emissões de gases de efeito estufa”, com o poder de atribuir direitos de emissão de GEE a cada setor da economia, e estabelece um mercado de carbono no qual aqueles que atingiram suas “metas de carbono” podem “vender” sua cota para aqueles que não estão atingindo suas metas; modifica, ainda, a lei dos 1.000 dias, que complementa a Lei sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. Ela introduz como objetivo a “detecção de mães grávidas e crianças não nascidas”, abrindo a porta para a revogação da lei do aborto.

Em nível internacional, ele rapidamente retirou a Argentina do BRICS, propôs a aprovação do Acordo União Europeia-Mercosul e boicotou o multilateralismo, priorizando os laços com os Estados Unidos e Israel e propondo o rompimento dos laços comerciais com países como o Brasil e a China, por considerá-los sob a órbita do comunismo.

O governo claramente autocrático de Milei é um risco para a democracia argentina e para a integração regional. A resistência a essas medidas na Argentina começou rapidamente, por meio de protestos que foram reprimidos, apresentações judiciais, apelos ao poder legislativo e judiciário para pôr fim a essas afrontas e a convocação das centrais sindicais para uma greve geral com mobilização para o Congresso Nacional em 24 de janeiro.

Os movimentos sociais, ambientais, sindicais, feministas e de economia popular estão em alerta em nível nacional e internacional. A ATALC apoia o chamado à greve geral; solidariza-se com os movimentos populares argentinos nas ruas, apesar dos riscos; responsabiliza o governo de Javier Milei pela integridade dos manifestantes e convoca a comunidade internacional a estar em permanente alerta e solidariedade ativa para que a Argentina não perca os direitos conquistados em anos de lutas populares.

Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC)
10 de janeiro de 2024

 

* Esta nota foi traduzida em português pelo tradutor https://www.deepl.com/translator

Acesse a nota da ATALC publicada originalmente em espanhol em 10 de janeiro de 2024 em https://atalc.org/2024/01/10/solidaridad-pueblo-argentino/

O uso do carvão é um obstáculo para a transição energética brasileira

A transição energética é um dos temas que move as discussões climáticas no cenário internacional. Muitos países têm avançado na adoção de medidas para promover uma transição energética pautada na redução do uso de energias não renováveis, como o carvão e a queima de combustível fóssil. O Brasil sempre se posicionou à margem de tais discussões por sua matriz energética centrada na geração hidroelétrica. Contudo, o que pouco se menciona são os crescentes interesses na expansão de termelétricas no país.

Nos últimos anos, no Brasil, há um crescimento em 77% da produção de energia por meio de termelétricas, as quais são abastecidas por carvão. Isso fez com que a energia termelétrica passasse de 9% para 14% da representação no sistema nacional, segundo dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) de 2021. A ampliação do uso de energia proveniente da queima de combustíveis fósseis vai na contramão das metas de redução de gases do efeito estufa. Além disso, o uso de tal energia demanda grande quantidade de água, podendo intensificar o estresse hídrico.

Durante sua participação no Seminário Nacional Emergência Climática e Violações de Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em dezembro passado, em Brasília, o integrante do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul Eduardo Raguse, que compõe a equipe da Amigas da Terra Brasil, afirmou que o uso do carvão é uma das formas de geração de energia mais poluentes tanto pela produção de gases do efeito estufa como pelos impactos locais. Segundo ele: “comparando, por exemplo, com a energia fotovoltaica, apesar de todos os problemas da cadeia produtiva e dos resíduos, ainda assim a energia fotovoltaica vai liberar entre 30g e 80g de dióxido de carbono equivalente por quilowatt hora gerado. O carvão vai liberar entre 600g a 1600g. Só pra gente ter uma ideia da escala em que estamos falando”.

De acordo com Eduardo, existem mais de 4 mil usinas termelétricas movidas a carvão no mundo, e embora haja um aumento no uso de energia solar e eólica, renováveis, este movimento não é acompanhado de uma redução do uso de energia oriunda da queima de carvão. “A gente percebe essa situação de que sim, mundialmente há um aumento na oferta de energia gerada a partir das eólicas, das solares, mas, ao mesmo tempo, não há uma retração das fósseis. Então, na prática, essa transição energética não está acontecendo, o que está acontecendo é uma nova oferta a partir de novas fontes, mas a nossa demanda energética ao nível global só aumenta”, explica Eduardo.

Além dos efeitos no clima, a demanda por carvão faz eclodir conflitos socioambientais. A maioria do carvão disponível no país está concentrada no estado do Rio Grande do Sul, cerca de 90%, com algumas reservas em Santa Catarina e Paraná. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto atingia território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia. Fato que, juntamente às diversas falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, ensejou seu arquivamento. Além do território indígena, a mina Guaíba afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí, bem como os municípios do entorno, além de estar localizado no bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani.

A paralisação da abertura de mais uma mina de carvão no RS só foi possível pela organização popular. As mais de 100 entidades organizadas no Comitê de Combate à Megamineração no RS elaboraram estudos, levantaram dados, construíram vários materiais informativos, articularam e mobilizaram o debate público que puderam para pressionar o governo no estado e o judiciário pela não aprovação da obra. A demanda dos movimentos populares é pela paralisação da cadeia do carvão no país, tendo em vista os impactos ambientais e sociais e a baixa eficiência do carvão para geração de energia, e pela garantia de direitos dos trabalhadores do setor, com a construção de alternativas econômicas para as regiões carboníferas.

Outro aspecto chave levantado pelas organizações diz respeito aos impactos à saúde. Raguse aponta que estudos têm identificado aumento de danos às células linfócitas e bucais de trabalhadores da indústria do carvão, com alterações em exames de sangue que vêm sendo identificados também nas populações residentes no entorno das minas e das termelétricas. Além disso, destaca que já foram identificados impactos em ovos de galinha, rebanhos animais, na flora e fauna nativas, e na água.

Ademais, a incorporação de energia termelétrica no sistema nacional é um dos principais fatores para o aumento das contas de energia, por ser um setor altamente subsidiado. Se observarmos, como consumidores, os custos da bandeira vermelha que aparece em nossas contas de luz quando está acionado o sistema termelétrico, também entenderemos porque não é uma energia viável.

A realidade dos conflitos socioambientais ocasionados pelo carvão no RS desvela as contradições da promoção de uma transição energética. Isso porque, enquanto se promove a redução das emissões por um lado, estimula-se o uso de termelétricas por outro. Bastante revelador desse cenário é o PL n.º 11247/2018, que visa regular o uso das eólicas offshore (alto mar). Ele estabelece, dentre seus dispositivos, a obrigatoriedade da contratação de energia termelétrica até 2050. O projeto foi um dos exemplos apontados, pelo Congresso Nacional, de transição energética brasileira na COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), realizada em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

Tal como propõem as organizações do Comitê de Combate à Megamineração no RS, ao problematizar a continuidade da cadeia produtiva do carvão, caminhamos no sentido de repensar o uso de tal modelo de produção de grandes impactos social, ambiental e financeiro, em um cenário de crise climática que demanda ação urgente, ainda nos próximos 10 anos. Trazendo um chamado para pensarmos uma transição energética no Brasil que seja verdadeiramente justa e igualitária.

* Coluna publicada originalmente no site do Jornal Brasil de Fato em 10/01/2024. Pode ser acessada neste link https://www.brasildefato.com.br/2024/01/10/o-uso-do-carvao-e-um-obstaculo-para-a-transicao-energetica-brasileira

Encontro de atingidos por agrotóxicos debate vitórias conquistadas e próximos passos em defesa dos territórios e da agroecologia

Meio a invasão da fronteira agrícola e a mercantilização da vida, que dilacera o bioma Pampa e traz uma série de violações de direitos, povos e territórios resistem. Organizado por produtores agroecológicos e assentados do Movimento Sem Terra (MST RS) atingidos pela pulverização aérea de agrotóxicos, com a solidariedade de parceiros urbanos, encontro em Nova Santa Rita (RS) pauta estratégias e alianças da luta por agroecologia, direitos humanos e soberania alimentar

O domingo do dia 17 de dezembro foi marcado por confraternização entre famílias gaúchas atingidas pela deriva de agrotóxicos de Nova Santa Rita, Eldorado do Sul e Tapes, e apoiadores. Com o intuito de revisitar o histórico de luta das pessoas atingidas pelo crime de deriva (pulverização aérea de agrotóxicos), a atividade contou com roda de conversa, relatos diversos e levantamento tanto de violações de direitos como das vitórias dos atingidos. Também foram debatidos os caminhos traçados pela resistência ao modelo do agronegócio (de coexistência impossível) além de estratégias e táticas contra a pulverização de veneno, que incide violentamente no cotidiano de indígenas, quilombolas, comunidades periféricas, pessoas assentadas, pequenas produtoras de alimentos e se estende para além do rural, afetando todos ecossistemas e quem vive no meio urbano. Seja no corpo, na água, no ar ou nos alimentos contaminados por agrotóxicos, venenos, pesticidas, fungicidas e defensivos. Nomes tantos que descrevem verdadeiras armas químicas. Nomes que impactam, mas que importam menos do que o seu efeito na realidade: matam uma morte lenta, silenciosa e perversa, que conta com a impunidade corporativa e com a captura do estado, que é conivente com este modelo de aniquilação. 

Para além das articulações da luta, o momento foi importante por ser uma confraternização das famílias que sofrem tantas violências por parte do agronegócio. Um modelo que avança nas vidas carregando uma forma de ação criminosa, que gera impactos para além do envenenamento. “O agronegócio faz todo o contrário do que a reforma agrária faz, e não deixa acontecer o trabalho na terra. Tira e expulsa as pessoas do campo”, salientou Graciela de Almeida, assentada do MST RS,  que produz sem agrotóxicos e de forma agroecológica¹. A assentada contou que por anos as famílias da região vêm sendo afetadas por verdadeiras chuvas de veneno, utilizado pelo agronegócio. Destacou, ainda, a importância de parceiros urbanos e de organizações socioambientais, que também tornam possível que o trabalho de quem vive o rural, assim como as suas lutas, sejam exemplo em outros lugares. 

“Precisamos continuar nessa luta. Resistir para existir, como o povo da Palestina. Não posso deixar de dizer que viva o povo da Palestina”, comentou em solidariedade, trazendo a conexão das lutas para além de fronteiras impostas pelo capital. Graciela defendeu que é preciso disputar espaços e incidir na esfera internacional, como foi realizado em novembro de 2022, quando uma delegação brasileira e a Frente Contra o Acordo Mercosul União Europeia levaram denúncias a cinco países do continente Europeu. “Fomos  para denunciar precisamente a questão dos agrotóxicos no Brasil e como isso impacta nas comunidades, barrando um desenvolvimento realmente sustentável”, explicou.

Jornada na Europa, em 2022.

Na ocasião, a delegação brasileira, composta por representantes da Amigos da Terra Brasil, da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), da RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) e do MST realizou uma Jornada pela Europa. Além de denúncias, foram feitas reivindicações em debates que ocorreram com parlamentares, jornalistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil. O foco foi apresentar os impactos do Acordo Mercosul – União Europeia sob os povos indígenas, comunidades camponesas e produtoras agroecológicas, ecossistemas e populações atingidas pela mineração e pelos agrotóxicos no Brasil. Colonial e violento, o acordo comercial daria lastro ao avanço do agronegócio, ampliando a liberação de agrotóxicos (proibidos em seus países de origem) na América Latina. Aprofundaria, ainda, a relação de dependência econômica do sul global em relação ao norte, intensificando a superexploração da natureza, dos povos e dos territórios na periferia do sistema, onde estamos situados. 

Acesse todos os depoimentos da Campanha Parem o Acordo UE-Mercosul na nossa playlist no Youtube: embedar link

Confira o Posicionamento da Frente Brasileira Contra Acordo Mercosul-UE, que foi apresentado no Parlamento Europeu

¹ A produção de alimentos de forma agroecológica vai além de um método de produção de alimentos, e se conecta ao todo. É muito mais do que produzir sem veneno, embora englobe este quesito. É uma forma de produção alimentar, mas é uma forma de ser e agir no mundo, que constrói outros horizontes de mundos, com base em valores éticos centrados na vida, e não na lógica de lucro, dos negócios, do mercado ou da mercantilização de tudo. É uma luta permanente, e uma construção permanente que está enraizada na luta pela terra, na consciência e luta de classes, na luta contra o patriarcado, anticolonialista, anti-imperialista, anticapitalista e contra qualquer forma de exploração e dominação. Saiba mais aqui 

 

A luta por alimentos, pessoas e ambientes saudáveis pulsa da semeadura à colheita nos assentamentos do MST, que resistem ao envenenamento da vida

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

A região de Santa Rita é reconhecida pelos assentamentos da reforma agrária que produzem alimentos sem veneno, onde se concentram algumas das áreas de maior produção de arroz agroecológico da América Latina. Também é marcada por um conflito que compromete as formas de vida e de produção econômica de inúmeras famílias da agricultura agroecológica – a pulverização aérea de agrotóxicos em fazendas das proximidades. 

O veneno, aliado ao monocultivo e a uma forma única de compreender a relação com a terra – a da mercantilização, contamina solos, águas, ar, gentes, e bichos, e causa impactos irreversíveis na saúde ecossistêmica. Quem trabalha na terra de uma forma justa e harmônica, garantindo alimentos saudáveis de verdade, que abastecem diversas cidades, acaba sofrendo na pele os efeitos das pulverizações. Queimaduras, feridas, alergias, enjoos, mal súbito, câncer, depressão e sufocamento são alguns dos sintomas da exposição aos agrotóxicos. Sintomas, também, de um sistema nefasto que entende que mais importante que alimentar o país, é produzir commodities para o capital estrangeiro. O lucro do agronegócio significa  contaminação. É o empobrecimento das famílias, o empobrecimento geral. 

Fernando Campos, da Amigas da Terra Brasil, expôs:Para nós é muito importante essa virada de ano com uma perspectiva de alguma forma positiva. O que acontece aqui acontece, de alguma forma, em vários lugares. A grande diferença é a gente reunir forças para conseguir enfrentar esse grande setor que é o agronegócio, que tem por trás de si empresas, corporações que estão no mundo inteiro tomando territórios. Expulsando pessoas do campo e levando para a cidade, empobrecendo o nosso povo. Seja com as doenças, seja com a ação permanente de uso dos agrotóxicos como arma química na expansão do território,  impossibilitando quem está na sua volta e que tem outra relação com a agricultura (sem veneno, sem transgênico) de sobreviver.  A decisão do uso destas tecnologias de morte não param na cerca, elas vão para o mundo”. 

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

Tendo isso tudo em vista, os presentes no encontro debateram quais foram os desafios e conquistas de 2023, se posicionando contra o modelo de produção do agronegócio e traçando um horizonte de construção para a soberania alimentar. Foram discutidos aspectos como ferramentas de luta, ferramentas legais, com marcos como a assessoria jurídica aos afetados, além da lei que restringe as pulverizações aéreas na região metropolitana, mais especificamente na zona de amortecimento do Parque do Delta do Jacuí. 

Fernando ressaltou que para avançar na luta contra o veneno é preciso de ferramentas e se instrumentalizar, até mesmo para que seja possível reunir provas e realizar denúncias de forma concisa. A recente garantia de estações climatológicas em cidades que sofrem com a deriva de agrotóxicos foi um dos passos fundamentais nessa direção. “Conseguimos, a partir das conversas e diálogo, garantir para famílias de Nova Santa Rita, do assentamento Santa Rita de Cássia, assim como de Tapes e Eldorado, cada um ter uma estação climatológica para poderem eles mesmos terem seus dados das medições de vento, velocidade, temperatura. Aqui em Santa Rita há uma no parque mesmo, iniciativa muito importante da prefeitura. Mas é importante que as famílias tenham as suas próprias  informações, os seus dados, para bater com os dados do Estado”, analisou. 

A instalação das estações citadas está prevista para janeiro de 2024, junto a um conjunto de iniciativas e ações para fortalecer a luta das famílias afetadas pela deriva. Entre elas, formas para monitorar e documentar violações de direitos. “A gente sabe que ter uma vida, que viver do lado do agronegócio não é possível produzindo agroecologia. A gente precisa de fato mudar essa realidade. Por isso, também, que a ideia da poligonal, de uma área livre de agrotóxicos aqui na região, importa muito”, frisou Fernando. 

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

Emerson José Giacomelli, militante do MST, assentado do Assentamento Capela e Secretário de Agricultura de Nova Santa Rita, destacou a Lei da Deriva e a importância de ferramentas de luta construídas coletivamente.  Mencionou, também, as políticas públicas do município voltadas para a agroecologia, para produtores de melão, pequenos produtores e quanto ao meio ambiente e educação, afirmando que uma diversidade de programas chegam nas propriedades. Citou, ainda, convênio com laboratório de São Paulo, responsável pela análise de amostras para detectar agrotóxicos, que já vem sendo utilizado e será posto à disposição dos assentados. “Começaremos o ano na Secretaria da Agricultura com orçamento de mais de 11 milhões. Poucos municípios têm investimento e prioridade tão fortes para a agricultura familiar como Santa Rita. Mas não podemos nos acomodar, mesmo com novos projetos e parcerias”, destacou, se comprometendo a buscar parceria com o Governo Federal para ampliar o atendimento aos atingidos.

Álvaro Dellatorre, da Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs), definiu a confraternização e o momento trazendo o conceito de agroecologia. “Achávamos que a técnica pela técnica resolvia as questões, mas chegamos no conceito de agroecologia. O que acontece aqui nessa roda de conversa é exatamente essa dimensão, porque percebemos que atrás da técnica há sociologia, antropologia, outras dimensões da vida que explicam a agroecologia, que permitem que entidades e pessoas que não estão produzindo somem nesse processo. Isso é o que vemos aqui”.  

A agroecologia, presente no trabalho do MST e de atingidos pela pulverização de agrotóxicos de Nova Santa Rita, é um exemplo de realização do direito humano à alimentação. Este direito deve tratar da alimentação saudável considerando quantidades adequadas, qualidade dos alimentos, serem livres de substâncias tóxicas e adversas, serem ambientalmente sustentáveis, acessíveis e disponíveis para todos.  A Promotora de Justiça aposentada do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP RS) e  especialista em Direito Humano à Alimentação Adequada, Miriam Balestro, incidiu na conversa destacando que o direito humano à alimentação adequada tem que ser cada vez mais mobilizado e utilizado como instrumento de luta. 

“O que ocorre hoje no Congresso Nacional é que o agronegócio, por suas curvas, está atacando o direito humano à alimentação adequada previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Eles querem trocar a palavra por segurança alimentar. Segurança alimentar não é o direito, é a política. É como dizermos que direito a remédio de hospital é direito à saúde, não é. A construção internacional fala de direito à alimentação”, denunciou. De acordo com Miriam, o Brasil tem a melhor legislação do mundo quanto a direito à alimentação, o problema é que ela é pouco utilizada. 

 

O agro é morte, o agro é emergência climática

Confraternização em Nova Santa Rita (RS), em dezembro de 2023 | CNDH

Para além do agronegócio e da violência do uso de agrotóxicos, assentadas e produtoras rurais enfrentam ainda questões da emergência climática.  Esta, intensificada justamente pela sanha de poder de corporações e empresas, especialmente do setor minerário e do agronegócio, este segundo que impõe o avanço da fronteira agrícola. A consequência é o desmatamento e perda de biomas, para além do extermínio de povos tradicionais e uma série de violações de direitos. No Brasil, sexto maior emissor de dióxido de carbono (CO2), gás poluente que mais tem impacto no aquecimento global, o principal fator de emissão está conectado ao desmatamento, que provém da alteração de uso de solo liderada pelo agronegócio. 

“A questão ambiental é uma questão de direito humano. O que acontece com o problema da deriva, das enchentes, catástrofes ambientais, é problema de direito humano. Estamos vivendo um novo momento histórico. Não existe pensar um mundo diferente se a gente não incorporar a dimensão ambiental no que faz. E o componente carbonero é um componente fundamental da nossa estratégia, a luta só começou”, contextualizou Dellatorre. 

Marina Dermmam, presidenta do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), relatou como este vem trabalhando dentro da temática:  “O CNDH começou atividades hoje cedo nos assentamentos para verificar como a emergência climática têm atravessado a realização dos direitos humanos de vocês. A maioria aqui foi vítima, também, das últimas enchentes. Perderam novamente suas produções. Não bastasse o agronegócio e o veneno, agora vem as questões climáticas. Junto com o Conselho viemos com equipe de relatores aqui para monitorar as violações e conhecer a realidade”. 

Leia também a reportagem do Jornal Brasil de Fato:  Missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos visita assentamentos inundados – Objetivo do conselho é elaborar um diagnóstico sobre os impactos das emergências climáticas no direito à alimentação

Fé na luta

Embora a ofensiva do capital e do agronegócio sigam ameaçando a vida, é na organização da luta coletiva que se faz caminho para garantir uma alimentação que considere a potência da sociobiodiversidade, saudável para os povos e para os ecossistemas

“O agronegócio é um setor tóxico, que vive do empobrecimento das pessoas. É muito triste ver pessoas que lutaram pela terra, que buscam os seus direitos, que estão em luta para garantir um ambiente saudável, sendo atacadas permanentemente pelo agronegócio”, expôs Fernando Campos. Apesar de abordar a realidade brutal no campo, Fernando destacou que ao mesmo tempo há muita esperança, e que encontros como este emanam força pois reforçam que não há como defender o indefensável, ou naturalizar o envenenamento massivo. Como retratou: “Estamos do lado certo da história. Não é mais admissível o uso do agrotóxico. O agronegócio é um setor criminoso, formado por pessoas sem escrúpulos, sem ética, que realmente fazem de tudo pelo lucro. A gente lida com questões éticas, ambientais, de cuidado. Eles não” 

Além das iniciativas previstas para 2024, que dão chão para que a luta travada pelos atingidos pela deriva seja mais justa, a sociedade vem se organizando. O próprio PL do Veneno vem sendo acusado. “Todo mundo que tem consciência do mal dos agrotóxicos deve se unir, somar e fazer a sua parte para que a gente possa derrotar esse projeto de morte, que tem matado no meio urbano e no meio rural. Com uma situação muito crítica de contaminação real de químicos”, mencionou Fernando. 

Apesar das dificuldades e do tamanho do inimigo, encoberto em dinheiro marcado à sangue, há uma boa perspectiva de avanços das lutas dos povos. Há um vasto somatório de esforços, de organizações que estão juntas pelo fim da contaminação, para enfrentar o terror. Meio a políticas de morte emergem potências de vida, que vêm dos esforços coletivos, do trabalho árduo no campo e do suor cotidiano de quem produz para alimentar gentes, para correrem livres os rios e os ventos, para crescerem as matas em toda sua diversidade. E neste cuidado com a terra, com os biomas, uns com os outros, que a luta dos assentados contra os agrotóxicos se apresenta também como uma luta pela possibilidade de mundos socialmente justos e ecologicamente equilibrados. 

 

As mudanças climáticas, os crimes corporativos e a injustiça ambiental

COP28 mantém a hipocrisia dos espaços multilaterais internacionais do clima. Enquanto Estados tentam redesenhar os Acordos de Paris, manipulando a contabilidade das reduções das emissões e a polêmica sobre o financiamento do clima, empresas transnacionais hegemonizam as discussões com as propostas de solução “verde”. Tais propostas envolvem investimentos do capital financeiro no uso de hidrogênio verde, em geração de energia eólica e solar e em eletrificação de carros, todas respostas pensadas nos termos de uma economia extrativa com impactos desproporcionais no Sul Global, aprofundando desigualdades e injustiças ambientais.

Enquanto isso, o Brasil acumula muitas contradições ao seguir mantendo sua subordinação às empresas transnacionais. Na própria COP 28, a tenda Brasil, organizada pelo governo, com o lema “Brasil unido em sua diversidade a caminho do futuro sustentável”, contava com painéis das empresas Vale S.A e Braskem, duas mineradoras responsáveis pelos maiores crimes socioambientais do país. Além delas, o Pacto Global da ONU (Organização das Nações Unidas),  mecanismo promotor da responsabilidade social corporativa, teve seu espaço na tenda. O que corporações conhecidas nacionalmente pela violação aos direitos humanos e ambientais dos povos, e o instrumento corporativo de “lavagem verde e social” têm para construir e agregar à nossa nação?

A Vale S.A, BHP Billiton Brasil Ltda. e Samarco Mineração S.A são responsáveis pelos rompimentos das barragens de Fundão, na cidade de Mariana, e Córrego do Feijão, em Brumadinho, ambas no estado de Minas Gerais – afora outras diversas barragens de rejeitos em risco de rompimento no país. Por anos, a empresa vinha sendo alertada pelos órgãos de fiscalização da necessidade de reforço da segurança das minas. Inclusive, especialistas apontam para o risco do uso de determinadas tecnologias no manejo do rejeito. Nenhuma das políticas corporativas conseguiu conter a destruição. E vale ressaltar que, nesses oito anos do desastre de Fundão, as vítimas seguem buscando indenização. O que os casos revelam é a reprodução de uma arquitetura da impunidade corporativa.

No caso da Braskem, a história se repete. Desde os anos 80, a sociedade civil e pesquisadores da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) alertam para as consequências da expansão da extração de sal-gema em Maceió, em Alagoas. Por décadas, a empresa extrai sal-gema, transformando o subsolo da cidade em várias crateras. Moradores da região atingidos denunciam rachaduras nas casas, cuja responsabilidade a empresa negava. Em 2018, quando ocorreu o terremoto na cidade, bairros vieram abaixo. A mineradora iniciou sua atividade instalando em um santuário ecológico estuarino; não havia dúvidas de que a destruição ambiental começava ali.

Importante destacar que os setores corporativos do agronegócio, mineração, construção civil, imobiliário e de energia têm flexibilizado a legislação. Temos tido eventos climáticos extremos resultantes das alterações do clima em função dos impactos gerados pelas corporações nos últimos séculos.  A diferença entre os crimes de Brumadinho, Mariana, Maceió e das enchentes na região de Maquiné e do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul; em Teresópolis, no Rio de Janeiro; em Santa Catarina e em Minas Gerais é o tempo. Alguns  demoram centenas de anos para recuperar, ainda que parcialmente, a qualidade de vida das pessoas e a integridade dos ecossistemas e outras dezenas; o certo é a impunidade dessas empresas e a violação dos direitos dos povos, que estão no plano de negócios. Não é acidente, é parte do plano. Sabiam que aconteceria e que o lucro seria maior em não fazer nada do que investir em soluções reais. Assim, a impunidade segue do lado das corporações e dos Estados capturados.

Quanto ao tema da energia, no regresso da COP28, o governo brasileiro, via ANP (Agência Nacional do Petróleo), decidiu disponibilizar em leilão 603 blocos para exploração de petróleo e gás, em regiões que incluem a afetação à Amazônia brasileira. O leilão de poços irá permitir que mais empresas transnacionais venham ao país determinar os rumos de nosso desenvolvimento e reduzindo, também, a capacidade do Estado em construir, com participação popular, uma política necessária de transição energética justa para a classe trabalhadora, incluindo perspectivas da justiça ambiental e do feminismo popular. Ao invés disso, mais destruição e impactos anunciados, na contramão de um movimento de redução dos combustíveis fósseis, que foi a tônica desta COP depois de 28 conferências realizadas desde 1992.

Movimentos populares e organizações feministas têm denunciado o avanço dos aerogeradores para produção de energia eólica no Nordeste e sua relação com a violência de gênero. No polo da Borborema, na Paraíba, a instalação de parques eólicos têm alterado toda a dinâmica de produção camponesa. No litoral do Ceará, a instalação de eólicas em alto mar atrapalha a produção pesqueira, afetando pescadores e ribeirinhos. Evidenciando a contradição entre o uso de soluções tecnológicas e a sua aplicação concreta, que segue causando conflitos socioambientais.

Não podemos deixar de mencionar o papel do Congresso Nacional. O Senado Federal, como alavanca da modernização conservadora no país, aprovou, ao final de novembro, o PL 1459/2022, que flexibiliza, ainda mais, a liberação de agrotóxicos no país. Apesar dos inúmeros estudos científicos, posicionamento de Conselhos e órgãos de classe, como CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), que alertam para as perdas da biodiversidade e do risco de aumento das doenças, como câncer, relacionadas ao uso intensivo de agrotóxicos no país. O Congresso aprova, e a Presidência tem dificuldade de veto.

Nesse cenário, observamos que as soluções para a crise climática são pensadas pelos mesmos agentes causadores delas: as grandes corporações. A história ambiental nos revela como a intensificação da destruição ambiental está relacionada ao avanço da industrialização capitalista, na promoção de um desenvolvimento desigual. No qual, países do Norte Global saíram na frente na corrida imperialista, destruindo comunidades, territórios, escravizando populações e colonizando a natureza, cujos efeitos profundos são sentidos pelas atuais gerações. São os países do Norte Global e organismos multilaterais que promovem a atuação das empresas transnacionais, facilitando seu processo de acumulação por dependência.

Desse modo, qualquer solução pensada nos termos atuais das relações sociais internacionais, e de sua base, as relações sociais de produção capitalista, são mecanismos para seguir mantendo a ordem de destruição socioambiental.

Seguimos nos desencontrando, enquanto promovemos um discurso internacional avançado, e não sabemos transcender as políticas internas desenvolvimentistas apoiadas pela burguesia nacional. Dessa forma, terminamos fazendo um grande pacto de mediocridade, concedendo continuamente nossa soberania às corporações.

É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis

Na construção de um Brasil novo, que seja o país do seu povo, não um país sustentável, mas um país ecológico e com justiça ambiental, é preciso aprender com as nossas práticas cotidianas, povos do campo, águas e florestas e, também, com as periferias das cidades, para manter a terra viva, suas culturas e  biomas,  onde estão as soluções para a crise climática. É a agroecologia que esfria o planeta, produzindo sem veneno alimentos saudáveis. São as Terras Indígenas demarcadas, convivendo com outras relações de produção da vida no território, assim como as terras quilombolas, os territórios de povos e comunidades tradicionais.

A nossa história não permite aceitarmos que as corporações sejam soluções, um mundo dirigido pelo crescente poder corporativo que só tem nos levado às múltiplas  crises e aos desastres socioecológicos. Precisamos, com urgência, responsabilizar as corporações pelos seus crimes corporativos. São 37 anos de impunidade do empreendimento de sal-gema em Maceió; são séculos de impunidade das mineradoras e das grandes plantações transnacionais no solo brasileiro. Em face disso, a responsabilização das empresas e a regulação estatal do setor é fundamental. Por isso, a proposta do PL n.º 572/2022 deverá ser uma pauta prioritária dos povos para 2024.

Um Brasil livre e soberano, construindo um projeto político de libertação para si e para os povos da América Latina e Caribe, é a nossa urgência. Chega de falsas soluções! Chega de impunidade corporativa.

Coluna originalmente publicada no Jornal Brasil de Fato, em 21 de dezembro de 2022, em: https://www.brasildefato.com.br/2023/12/21/as-mudancas-climaticas-os-crimes-corporativos-e-a-injustica-ambiental 

Distrações perigosas e financiamento insuficiente prejudicam os resultados da COP28

O resultado da COP28 (Conferência das Partes do Clima da ONU), que aconteceu em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, não passou nos principais testes sobre a eliminação rápida, justa, financiada e completa dos combustíveis fósseis que o mundo agora precisa para evitar uma catástrofe climática. Embora as delegações oficiais aplaudam o “Consenso dos Emirados Árabes Unidos” alcançado na 28ª Cúpula Climática da ONU (Organização das Nações Unidas), a Federação Amigos da Terra Internacional (FoEI) está alarmada com as enormes lacunas incluídas nesse consenso, que só servem para prolongar a era dos combustíveis fósseis.

“O acordo da COP28 ficou aquém dos compromissos significativos sobre a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e do financiamento climático urgentemente necessário. O acordo abre as portas para distrações perigosas – como captura, uso e armazenamento de carbono, hidrogênio, energia nuclear, tecnologias de remoção de carbono por geoengenharia e outras engenhocas que mercantilizam a natureza – que impedirão uma transição energética justa e equitativa. E não há nada que impeça que centenas de milhões de toneladas de carbono registradas como créditos de carbono ou compensações sejam contabilizadas como ‘reduções de emissões não contabilizadas'”, explicou Sara Shaw, da ATI (Amigos da Terra Internacional).

O resultado é fraco em termos de equidade, pois não faz uma distinção adequada entre o papel dos países desenvolvidos e em desenvolvimento na transição para longe dos combustíveis fósseis, apesar de suas responsabilidades históricas diferenciadas pelas emissões. Ele inclui uma meta global de energia renovável, mas não o dinheiro para torná-la realidade.

“Países ricos como os EUA (Estados Unidos), o Reino Unido e a UE (União Europeia) comemoraram com alegria a linguagem sobre a transição para o abandono dos combustíveis fósseis. Mas não nos esqueçamos de que eles estão entre os maiores poluidores históricos, todos com enormes planos de expansão de combustíveis fósseis, o que expõe sua postura jubilosa como claramente calculada e hipócrita. Eles também não forneceram o financiamento climático devido e necessário para as reduções de emissões, adaptação e perdas e danos nos países em desenvolvimento, seja nesta cúpula ou nas décadas anteriores. É inaceitável que agora eles estejam se apresentando como campeões do clima”, continuou Shaw.

O estabelecimento do mercado global de carbono foi adiado para o próximo ano, após o colapso das negociações do mercado de carbono (nos termos do Artigo 6 do Acordo de Paris) na COP28. Essa é uma vitória para os movimentos de justiça climática que lutam para impedir a inundação de certificados de compensação de carbono, prejudiciais e sem valor, que ocorrerá quando esse mercado entrar em operação.

O fundo de perdas e danos foi lançado no início da COP28, mas ainda há grandes dúvidas sobre sua acessibilidade, uma vez que ele será hospedado pelo Banco Mundial. As contribuições prometidas em Dubai estão muito aquém do necessário: apenas US$ 700 milhões, quando, por exemplo, estima-se que as inundações devastadoras de 2022 no Paquistão tenham causado danos entre US$ 30 a US$ 40 bilhões (1).

“Como esperado, vimos os países mais ricos se esquivarem de suas obrigações nesta COP. Sem dinheiro e sem meios de implementação, os lugares mais afetados pelas mudanças climáticas ficam com as mãos e promessas vazias. Precisamos de trilhões de dólares e recebemos migalhas, além de mais dívidas”, alertou Bareesh Chowdhury, da Associação de Advogados Ambientais de Bangladesh (BELA – Amigos da Terra/AT Bangladesh).

Mais de 2.400 representantes de grupos de lobby de combustíveis fósseis estiveram presentes na cúpula (2), que se caracterizou pela forte repressão às vozes dos povos, tanto na UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) quanto no contexto nacional (3).

“Enquanto a COP28 estendia o tapete vermelho para as grandes empresas, os apelos dos ativistas por resultados justos para povos e comunidades eram censurados. Não pode haver justiça climática sem respeito aos direitos humanos, e não seremos silenciados enquanto continuar a chover bombas em Gaza e a Palestina prosseguir ocupada; enquanto as grandes empresas esmagarem os territórios indígenas e os detentores do poder considerarem descartáveis os povos e as pessoas que estão na linha de frente dos impactos da crise climática”, disse Lise Masson, da Campanha Internacional pela Justiça Climática da FoEI.

Referências:

(1) Números do Conselho de Mudança Climática do Paquistão. Veja o artigo: https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-10-19/flood-losses-now-estimated-at-40-billion-pakistan-officals-say 

(2) Números da coalizão Kick Big Polluters Out. Veja o comunicado à imprensa: https://kickbigpollutersout.org/articles/release-record-number-fossil-fuel-lobbyists-attend-cop28 

(3) Enquanto a atenção do mundo estava voltada para a COP28, o país anfitrião reprimiu os dissidentes. Veja o artigo: https://www.ft.com/content/f9249386-fb39-4786-b43d-f27933475b87

 

 

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A COP28 deveria proporcionar uma ação climática justa e equitativa, não falsas soluções, alerta a Federação Amigos da Terra Internacional (FoEi)

A segunda semana da COP28 começou com fortes bloqueios aos princípios da justiça climática e um texto aberto às falsas soluções

A causa Palestina é também de direitos humanos e justiça climática

 

Genocídio Legislado: Congresso derruba vetos, aprova lei do Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas

O Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, agora lei 14.701/2023, nesta quinta-feira (14/12). Com isso, transformaram a tese ruralista do Marco Temporal em lei e aprovaram outros crimes contra os povos indígenas.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reforça que ‘Direitos não se Negociam’ e como resposta ao resultado da votação vai protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação desta lei, considerada pela articulação como a lei do genocídio indígena. O protocolo só pode ser feito após a promulgação da lei, que ocorrerá em 48 horas e a ação será proposta em conjunto com os partidos políticos PT, REDE, PSOL e PSB.

“Esta lei é inconstitucional e deve ser analisada pelo STF. Porém, enquanto a ADI não for julgada pelos ministros do Supremo, os parentes estão enfrentando invasões nos territórios, assassinatos e a devastação do meio ambiente. É por isso que solicitamos que seja concedida a tutela de urgência antecipada! Não podemos ficar esperando enquanto as comunidades estão morrendo”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

A Apib protocolou no STF, na tarde desta quinta-feira, uma solicitação de audiência no tribunal para tratar sobre as ameaças aos direitos indígenas e a Constituição Federal, que existem nesta nova lei (14.701/2023). A Apib e suas sete organizações regionais de base (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) reforçam que a luta continua e que o movimento indígena segue mobilizado nacionalmente e internacionalmente.

“O Futuro da humanidade depende dos povos e da demarcação das Terras Indígenas. A principal Conferência, que trata sobre mudanças climáticas, a COP 28, foi encerrada nesta semana e o Congresso Nacional mais uma vez reforça seu compromisso com a morte. O Marco Temporal é uma proposta criada pelo agronegócio e já foi anulada pelo STF”, reforça Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib.

Os únicos pontos dos vetos que foram mantidos e portanto foram RETIRADOS da Lei do Genocídio foram:

  • as ameaças aos povos indígenas isolados
  • a proposta que pretendia autorizar o uso de transgênicos nas Terras Indígenas
  • a proposta racista sobre a alteração de traços culturais

Em sessão conjunta, entre deputados e senadores, desta quinta-feira, que derrubou os vetos de Lula terminou com um placar de 321 deputados contrários aos vetos e 137 favoráveis. No Senado a votação foi de 53 a 19 pela retirada dos vetos.

Inconstitucionalidades

Além do Marco Temporal, outras inconstitucionalidades da lei já estão vigentes e violam artigos da Constituição Federal, bem como aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Estado Brasileiro.

A participação efetiva de Estados e municípios em todas as fases do processo de demarcação e a regulamentação da cooperação entre indígenas e não indígenas para exploração de atividades econômicas, são pontos destacados pela Apib como inconstitucionais. De acordo com a articulação, esses pontos da lei podem inviabilizar as demarcações e ampliar assédios de não indígenas sobre as TIs.

A nova lei também afirma que o direito de usufruto exclusivo não pode se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Lideranças indígenas da Apib ressaltam que o trecho pode abrir margem para violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas sob o pretexto do “interesse de política de defesa”.

Na ADI, o departamento jurídico da Apib pede que a ação tenha como relator o Ministro Edson Fachin. O Ministro foi relator do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, no qual o STF rejeitou o marco temporal, ou seja, a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal como marco para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.

“A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”, diz trecho da decisão do Supremo. O julgamento do marco temporal no STF foi finalizado no dia 27 de setembro com 9 votos contra e 2 a favor da tese.

O desmatamento e a destruição da biodiversidade nas terras indígenas representam uma ameaça internacional para o equilíbrio climático global. Nos últimos 30 anos, o Brasil perdeu 69 milhões de hectares de vegetação nativa. Porém, apenas 1,6% desse desmatamento foi registrado em terras indígenas. Além disso, os territórios indígenas concentram 80% da biodiversidade do planeta, mas estão ameaçados pelo avanço do agronegócio e das indústrias extrativistas, de desenvolvimento e turismo, tal como alerta o relatório da ONU Estado dos Povos Indígenas no Mundo, publicado em 2021.

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib, afirma que a Lei nº 14.701/2023, possui vícios de inconstitucionalidade e revanchismo parlamentar, onde o Senado pautou o PL no mesmo dia do julgamento do marco temporal no STF. O coordenador também reforça que um dos papéis do Supremo é garantir os direitos fundamentais de grupos sociais minoritários e que tem expectativas de que isso seja cumprido por meio da ADI.

“Vivemos em um sistema de freios e contrapesos e o limite imposto pelo Poder Legislativo é o de não aprovar leis que atentem contra cláusulas pétreas estabelecidas na Constituição Federal. Os direitos dos povos indígenas são originários e foram reconhecidos em 1988 e isso precisa ser respeitado”, diz Terena.

PL 2903 e veto parcial de Lula

Ao longo do ano de 2023, o PL 2903 representou uma das maiores ameaças aos direitos dos povos indígenas do Brasil. O Projeto de Lei defende os interesses latifundiários em detrimento dos direitos indígenas e foi aprovado em caráter de urgência no Senado Federal no dia 27 de setembro, mesma data em que o STF encerrou o julgamento do marco temporal.

Em contramão à demanda do movimento indígena pelo veto completo ao PL, o presidente Lula anunciou seu veto parcial no dia 20 de outubro. Lula retirou o marco temporal da proposta, assim como o cultivo de espécies transgênicas em Terras Indígenas e a construção de grandes obras de infraestrutura, como hidrelétricas e rodovias, sem consulta prévia, livre e informada. O veto do presidente também retirou a flexibilização das políticas de proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário do PL.

“A aprovação de projetos que interessam ao Executivo, tal como a Reforma Tributária no último dia 8 de novembro, fazem parte desse toma lá dá cá e reafirmamos que DIREITOS NÃO SE NEGOCIAM! Essas ações apenas perpetuam o império dos interesses do capital representado principalmente pela bancada ruralista e evangélica, entre outras, que alavancam a sobrevida da extrema direita que nos últimos anos infernizou a vida do povo brasileiro. A negociata dos nossos direitos para aprovar a Reforma Tributária implicou em o Governo Federal acenar para os parlamentares sinal verde para a derrubada dos vetos do presidente Lula ao Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal e outros crimes contra povos indígenas em lei”, diz nota da Apib.

À época, a votação dos vetos ao PL 2903 estava prevista para 9 de novembro, mas foi adiada algumas vezes, até a votação no dia 14 de dezembro. Leia aqui a nota completa publicada pela Apib no dia 10 de novembro.

A Apib ressalta que as atitudes do Congresso Nacional são resultados da ligação direta de políticos brasileiros à invasão de terras indígenas, como mostra o dossiê “Os invasores” do site jornalístico “De olho nos ruralistas”. De acordo com o estudo, representantes do Congresso e do Executivo possuem cerca de 96 mil hectares de terras sobrepostas às terras indígenas.

Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de TIs, que doaram R$ 3,6 milhões para a campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).

Nesta última semana, uma comitiva das organizações e lideranças indígenas, que compõem a Apib, estiveram em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, para a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28. A participação indígena foi a maior de todas as conferências e a Apib promoveu uma série de denúncias de violações de direitos e incidências políticas internacionais.

Na COP28, a comitiva reforçou as Emergências Indígenas e exigiu a garantia dos direitos e demarcação das Terras Indígenas. Para a Apib e suas organizações regionais de base, não é possível combater a crise climática sem a demarcação e é necessário frear as violências financiadas pelo agronegócio contra as vidas indígenas.

Fonte: APIB

Texto publicado em 14/12/2023 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em: https://apiboficial.org/2023/12/14/genocidio-legislado-congresso-derruba-vetos-aprova-lei-do-marco-temporal-e-outros-crimes-contra-povos-indigenas/ 

Nota de solidariedade: Exigimos justiça e o fim da impunidade corporativa da Braskem

Há pelo menos cinco anos moradores de Maceió (AL) vivenciam o terror e a iminência da morte impostos pela Braskem. Cinco bairros já afundaram devido à mineração de sal-gema da empresa, que causou o deslocamento obrigatório de ao menos 60 mil pessoas. São cerca de 200 mil vidas humanas afetadas pela ganância da empresa, responsável pelo maior crime socioambiental urbano em curso do planeta. 

Hoje, o medo se torna mais agudo com novos tremores que abalam a cidade e localidades próximas.  A Defesa Civil afirmou que “o desastre está em evolução”, e que a região passa por um risco iminente de colapso. A cada ano o número de bairros e de famílias diretamente impactadas pelas atividades da Braskem aumenta. A informação de que a mina M18D está na iminência de dolinamento acentua o horror, e seu possível desmoronamento expõe a subserviência da Defesa Civil de Maceió e da Prefeitura à Braskem, colocando a população em risco desnecessário –  o que poderia ter sido evitado se os dados e informações fossem transparentes, disponibilizadas à população com regularidade.

A Amigas da Terra Brasil chama a sociedade a tomar ações frente à dor e ao sofrimento da população. Que divulguem, colaborem e participem nesta luta das afetadas pela Braskem e não permitam que este crime passe impune, seja colocado de lado e assumido por quem vive na pele os seus impactos.

Denunciamos que as indenizações articuladas pelas grandes empresas são, na maior parte das vezes, mero pretexto para ampliar seu monopólio com a compra de áreas nas cidades. A Braskem, em sua sanha por poder, que violenta as vidas em bairros inteiros, às custas da população e de seus direitos, do território e da natureza que colapsam com as suas atividades, está se tornando proprietária de cada vez mais espaços, numa lógica que almeja controle territorial. Uma empresa não deve e nem pode ser a dona de uma cidade. A Braskem não é e nem pode ser dona de Maceió.

Nos solidarizamos com companheiras, companheires e companheiros que fazem a luta para barrar a impunidade dessas corporações, que são as mesmas responsáveis pela devastação que nos traz a um cenário de mudanças climáticas. Ressaltamos, ainda, que a violação de direitos faz parte do projeto de grandes empresas e de seu plano de negócios. Enquanto famílias realizam protestos em Maceió e lutam por seus direitos e vidas, representantes da Braskem estavam participando da Conferência Internacional do Clima da ONU (COP28), em Dubai. A empresa petroquímica estava no pavilhão brasileiro ao lado de Vale, Petrobras e Syngenta, para divulgar ações supostamente ambientais realizadas pelo grupo. 

Embora na propaganda que fazem de si mesmas (com lavagem verde e uma série de selos de sustentabilidade e responsabilidade social) digam que é um acidente, se passem por surpresas com o que chamam tragédia, a realidade prática é que suas ações nada mais são que crimes socioambientais de proporções catastróficas. Em nome do lucro e da mercantilização da vida, a Braskem e poder corporativo impõe violações como rotina ao povo, já fragilizado há anos por suas atividades e sem reparação justa. 

O que chamam de acidente é um projeto político. É mais barato pagar as indenizações, pagar pouco ou até mesmo não pagar, do que fazer o que é necessário: cuidados, reforços, sistemas, ações para a redução de impacto. A violação de direitos é uma escolha das corporações, faz parte do seu plano de lucros. É algo premeditado, assim como fica evidente nos crimes da Vale, BHP Billiton e Samarco, com inúmeras violações de direitos no rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho (MG). Situações que traduzem a falta de responsabilização das empresas, de ação efetiva do estado, e, principalmente, a violação da natureza  e dos direitos das comunidades atingidas. 

Vivemos uma série de desastres conectados com as mudanças climáticas. Estas, causadas por impactos de uma série de atividades, seja o desmatamento via avanço da mineração e do agronegócio, seja por empresas poluidoras, processos de contaminação de águas e do solo. Há um conjunto de ações que nos levam ao colapso, a maioria delas está dentro da responsabilidade das empresas, que saem ilesas se abrigando na arquitetura da impunidade. 

Exigimos uma rápida resposta do Estado e uma intervenção emergencial deste. A Braskem não pode ser a responsável, em nenhuma medida, por cuidar do desastre que ela mesma causou. O descaso que ocorreu em Minas Gerais, quando a Vale com a Renova foram as responsáveis por (não) garantir os processos de reparação frente aos seus crimes, não pode se repetir. Esta é mais uma violação.

É necessário que o Estado afaste a empresa e garanta os direitos dos povos, impedindo que haja vínculo da Braskem com as pessoas atingidas e garantindo que quem sofreu as violações escolha como será reparada. O poder corporativo visa o lucro,  não importa o rastro de destruição e sangue que deixa no caminho. E, historicamente, sabemos que as grandes corporações seguem lucrando com tragédias. Sendo assim, não são elas que devem ditar como reparar a situação, e sim quem é afetado por suas ações. Que a Braskem pague as indenizações, que vão muito além do que ela própria estipula. E que o Estado, em diálogo permanente com a população, ouça quem foi impactado e dê cabo às soluções: de moradia, de saúde, de como serão as indenizações, de danos morais e de tudo que as famílias têm direito.

Tratado Vinculante internacional na ONU e PL 572/2022 no Brasil: a luta para responsabilizar empresas transnacionais por seus crimes

A construção do poder popular, assim como iniciativas para garantir a primazia dos direitos humanos sob a lógica dos negócios são fundamentais. Em esfera nacional, lembramos da relevância da aprovação do PL 572/22, projeto de lei brasileiro que atualmente tramita na Câmara dos Deputados. Ele cria a lei marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas e estabelece as diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o assunto. Avança para a responsabilização de empresas nacionais e estrangeiras com atuação no Brasil por violações aos direitos humanos, reconhecendo obrigações ao Estado e às mesmas, e estabelecendo medidas de prevenção, monitoramento e reparação, bem como direitos às populações atingidas.  

Internacionalmente, atuamos como membras da Campanha Global para Desmantelar o Poder Corporativo, Reivindicar a Soberania dos Povos e Pôr fim à Impunidade (Campanha Global) e apostamos na construção de um Tratado Vinculante internacional para responsabilizar as empresas transnacionais por seus crimes socioambientais, garantindo as indenizações necessárias e resguardando os direitos das comunidades atingidas em todo o mundo. De 23 a 27 de outubro deste ano, estivemos em Genebra, na 9ª sessão de negociações sobre o tema, momento que representou um marco importante na luta. Movimentos sociais, sindicatos, povos indígenas, comunidades afetadas e organizações da sociedade civil, juntamente com muitos estados do Sul Global, deram o recado de que estão comprometidos em proteger o processo de negociações dos interesses capitalistas. Erguemos os punhos e alçamos voz por: direitos para os povos e regras para as empresas!

Para que Maceió, conhecida como cidade do sorriso, não se torne a cidade da destruição da Braskem, exigimos justiça. Seguimos atuando, em todas as esferas que nos cabem, pela reparação justa das famílias e a sua centralidade na tomada de decisões. É na luta do povo organizado que se constroem as condições para uma sociedade ecologicamente sustentável e socialmente justa. A vida vale mais que o lucro. Toda solidariedade aos afetados. 

Leia também a Carta Aberta das Vítimas da Braskem, da Associação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB):
Carta Aberta das Vítimas da Braskem 06 DEZ 2023

 

Atingidos pela mineração da Braskem pedem que todas as famílias sejam incluídas no mapa de criticidade da Defesa Civil de Maceió. Foto: Gabrielle Sodré / MAB

Confira a Declaração da Campanha Global sobre a Sessão de Negociações por um Tratado Vinculante sobre Direitos Humanos e Empresas na ONU

A causa Palestina é também de direitos humanos e justiça climática

A Palestina é uma causa de direitos humanos e justiça climática. As lutas contra a ocupação israelense, que se baseia na exploração ilegal das terras e dos recursos naturais palestinos, fazem parte de uma luta de libertação, como PENGON – Amigos da Terra Palestina nos conta nesta entrevista. Nos reunimos com Rasha Abu Dayyeh e Abeer Butmeh, representantes da organização, que compartilharam conosco qual é a realidade na Palestina hoje.

Como ativista ambiental, como você relaciona suas lutas na Palestina com a justiça climática e os direitos humanos?

É imperativo reconhecer que a abordagem das questões ambientais não pode ser separada do reconhecimento do direito dos povos à soberania nacional em suas próprias terras. Nossa luta pela libertação está interconectada com os movimentos globais que defendem os direitos indígenas, os direitos à terra e a luta contra a indústria dos combustíveis fósseis e o colonialismo climático. Isso é parte integrante da luta coletiva por um mundo onde todos tenham o direito de viver com dignidade, livres da opressão.

Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, os palestinos são impedidos de acessar, utilizar e se beneficiar dos recursos naturais. A ocupação israelense controla ilegalmente mais de 65% da Cisjordânia e restringe as práticas agrícolas em 35% das terras agrícolas da Faixa de Gaza (Áreas de Acesso Restrito – ARA), o que impede os palestinos de enfrentar e lidar com as mudanças climáticas. Sem o fim da ocupação e do bloqueio, as estratégias de adaptação terão um impacto limitado.

Quais são os impactos ambientais da guerra em Gaza e da ocupação das terras palestinas?

A comunidade global está testemunhando atualmente uma série de ataques realizados pelas forças de ocupação de Israel contra a população palestina, suas terras e a infraestrutura civil em Gaza. O genocídio ambiental é praticado na Faixa de Gaza, seguidos quase dois meses de ataques das forças aéreas israelenses e combates terrestres. Grandes áreas de Gaza foram arrasadas, terras agrícolas foram destruídas, oliveiras que permaneceram por gerações foram queimadas e os recursos hídricos cada vez mais escassos estão agora contaminados.

O bombardeio contínuo deixou para trás materiais perigosos que contaminam o solo e as águas subterrâneas, representando uma ameaça significativa ao ecossistema. Além disso, Israel pulveriza periodicamente pesticidas químicos altamente tóxicos em áreas próximas ao perímetro do muro, agravando ainda mais os danos ambientais e o apartheid hídrico*.

“A ocupação israelense controla ilegalmente mais de 65% da Cisjordânia e restringe as práticas agrícolas em 35% das terras agrícolas da Faixa de Gaza, o que impede os palestinos de lidar com as mudanças climáticas.” – Abeer Butmeh

O bloqueio de Israel à entrada de combustível e equipamentos necessários para a sustentabilidade do setor de energia em Gaza criou imensos desafios para atender às necessidades energéticas da população. É preocupante o fato de que até mesmo infraestruturas essenciais, como hospitais, com painéis solares instalados em seus telhados, tenham sido alvo das forças israelenses durante a guerra em curso em Gaza.

Isso tem consequências ambientais diretas, como a contaminação de fontes de água, derramamentos de esgoto e interrupção de serviços essenciais, com severas implicações ambientais e de saúde a longo prazo.

” Para aqueles que foram despojados de sua terra natal, de seus recursos e do direito básico de existir, é impossível trabalhar nos desafios ambientais enquanto lhes é negada a oportunidade de construir resiliência e alcançar a soberania coletiva sobre recursos essenciais, como alimentos, energia e água.” – Rasha Abu Dayyeh

Como vocês respondem como organização pela Justiça Ambiental a todos esses desafios?

PENGON, que reúne 15 organizações ambientais na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, sempre lutou para resistir e se unir a comunidades além das fronteiras para expor como é resistir às injustiças.

Sempre encontramos alternativas nas comunidades marginalizadas com as quais trabalhamos. Em cooperação com nossos membros, fortalecemos as capacidades de comunidades a aumentar sua firmeza e permanência em suas terras, implementando projetos ambientais de desenvolvimento, energia solar, redes de água, reabilitação de terras etc.

Empoderamos as comunidades palestinas para que possam defender seus direitos ambientais. Nossa organização está mobilizando ativamente nossos aliados e apoiadores nas organizações ambientais internacionais para defender um cessar-fogo imediato. Além disso, estamos atualmente utilizando fundos de emergência para fornecer apoio crucial à população de Gaza, especialmente às mulheres, para atender às suas necessidades urgentes.

Como nossa federação e seus apoiadores podem ajudar a luta palestina?

1. Entre em contato membros do Congresso em seu país e solicite um cessar-fogo imediato;

2. Ajude a chamar a atenção para o que está acontecendo em Gaza, levantando as vozes palestinas, compartilhando as realidades de diferentes maneiras para apoiar a luta;

3. Participar de protestos, marchas ou mensagens na mídia é uma forma poderosa de demonstrar publicamente solidariedade com Gaza e apoiar as lutas palestinas;

4. Reunir-se prontamente para refutar a desinformação israelense, seja ela disseminada pela mídia ou propagada pelo governo;

5. Demandem aos seus governos que endossem o apelo palestino para a imediata reativação do Comitê Especial da ONU contra o Apartheid.

A segunda semana da COP28 começou com fortes bloqueios aos princípios da justiça climática e um texto aberto às falsas soluções

A segunda semana da Conferência do Clima da ONU (COP28), em Dubai,  começou com bloqueio dos países do Norte Global às menções específicas quanto justiça climática e, por tanto, com ataques aos direitos humanos. 

Desde Amigas da Terra denunciamos o apoio de múltiplos países, entre eles da Espanha, às falsas soluções, como os mercados de carbono. A implantação de energias renováveis deve ir de encontro com os objetivos de redução do uso de combustíveis fósseis.  

A segunda semana da Conferência do Clima iniciou com fortes bloqueios por parte de países da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos da América (EUA), entre outros. Os bloqueios foram para evitar a inclusão de princípios básicos sobre justiça climática, como é o caso da Equidade ou Responsabilidade Comum mas Diferenciada. Além disso, denunciamos a intenção destes países de seguir optando por falsas soluções e tecno-otimismos, mediante a linguagem (o já famoso “inabalável”), sem uma aposta firme pela eliminação dos combustíveis fósseis.

Embora o último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre a lacuna de emissões alerte que as decisões atuais resultam em um aumento de temperatura de 3 °C, a ausência de medidas e compromissos por parte dos países industrializados, juntamente com o lobby da indústria fóssil, não para de crescer. O lobby de corporações, cada vez mais presente nas COPS e Conferências do Clima, pressionam para que sejam apresentadas medidas afastadas da justiça climática e que evitam qualquer responsabilidade.

Ao longo da primeira semana, as ações e pressões por parte das Amigas da Terra e de outras organizações da sociedade civil, assim como de movimentos sociais, foram  a tônica da COP. A justiça climática não é uma opção nestas negociações, mas sim um pilar fundamental em qualquer acordo climático. O respeito pelos direitos humanos deve ser central e a garantia do bem-estar da população, tanto no Sul como no Norte Global, deve ser o eixo principal para travar a crise climática.

Um dos dois principais objetivos desta COP é orientar e melhorar os compromissos nacionais de redução de emissões (NDCs) de todos os países nos próximos anos. Objetivos que se revelaram inúteis até a data. Apesar disto, as principais regiões historicamente responsáveis, como os EUA, a UE ou o Reino Unido, estão pressionando para incluir soluções baseadas em abordagens de mercado, que beneficiam apenas algumas elites econômicas, como é o caso com sistemas de captura e armazenamento de carbono ou dos mercados de carbono.

As compensações e os mercados de carbono ainda são algumas das falsas ferramentas (ou falsas soluções / lavagem verde), as quais recorrem diferentes setores para ter permissividade de continuar com a poluição e esquentando o planeta,  em vez de cumprirem um objetivo real de redução de emissões.

Desta vez se destacou o Presidente Pedro Sánchez, que fez um apelo na sexta-feira passada (01/12), pedindo aos governos e entidades para promoverem os mercados de carbono, dando o exemplo dos existentes na UE. Da Amigos da Terra, insistimos que estas soluções baseadas em abordagens de mercado são apenas uma cortina de fumaça que permite a continuidade das emissões que nos levam ao aquecimento global, transferindo toda a responsabilidade e os piores impactos desta crise para as comunidades e povos do Sul Global e, também, para as periferias dos países do norte. Na verdade, a atual negociação do Artigo 6º, correspondente aos mercados de carbono, está isenta de qualquer salvaguarda dos direitos humanos.

Por outro lado, salientamos que para que a ação climática seja eficaz, os objetivos de eliminação tanto dos combustíveis fósseis como de implementar energias renováveis ​​devem ser correspondidos, para que as energias renováveis ​​substituam os combustíveis fósseis em declínio, em vez de os aumentarem.

Acordos como triplicar a energia renovável global sem um compromisso global de eliminação dos combustíveis fósseis não fazem sentido em termos de justiça climática e social. Além disso, estamos colocados num cenário irrealista com uma produção superior ao que os limites biofísicos do planeta podem tolerar. Neste sentido, incluir o conceito de “não diminuído” (“unbated”) na eliminação gradual dos combustíveis fósseis abre a porta para uma infinidade de falsas soluções, baseadas em tecnologias não comprovadas e com um elevado custo não só econômico, mas também social.

Da Amigas da Terra, apelamos à necessidade imperiosa de garantir financiamento público adicional para que os países do Sul Global possam realizar uma transição energética de forma justa e sustentável. Por isso, rejeitamos toda tentativa de incluir financiamento privado nesse sentido, incluindo os mercados de carbono derivados, já que seria uma armadilha a mais para seguir apoiando essas falsas soluções, além de evitar a responsabilidade dos países ricos.

Este texto foi originalmente publicado no site da Amigas da Terra Galícia, em: https://amigasdaterra.net/2023/12/07/arrinca-a-segunda-semana-do-cume-do-clima-con-fortes-bloqueos-aos-principios-de-xustiza-climatica-e-un-texto-aberto-as-falsas-solucions/ 

 

Chega de veneno: por um Brasil livre de agrotóxicos

 

Na última semana, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n.º 1459/2022, o Pacote do Veneno, que altera a regulamentação de agrotóxicos no país, anteriormente a Lei n.º 7802/89. O projeto, de iniciativa do senador Blairo Maggi, conhecido como “novo rei da soja”, tinha o amplo apoio da bancada ruralista, que encontrou um caminho de articulação com a base do governo no Congresso. Durante a votação, no dia 28 de novembro, apenas a senadora Zenaide (PSD-RN), médica, manifestou contrariedade; entre os demais, o clima era de celebração. Agora, o projeto segue à Presidência da República para sanção, por isso precisamos entender porque é importante uma manifestação popular pelo veto integral.

O Brasil consome em média 720 mil toneladas de agrotóxicos, sendo um dos países do mundo que mais consome. Entre os anos de Governo Bolsonaro, a liberação de agrotóxicos atingiu níveis recordes, foram 2.182 agrotóxicos liberados. De forma que, entre 2020 e 2021, dobramos o uso de agrotóxicos no país. Entre os 10 produtos mais vendidos no país, cinco são proibidos na União Europeia. A maioria dos produtos não encontra dificuldades para liberação; não à toa, apenas por volta de 30 substâncias são proibidas de comercialização no país, enquanto que na União Europeia chegam a 269 tipos.

No atual governo, as coisas não têm sido diferentes. Até julho, o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) já havia autorizado a liberação de 231 novos tipos de agrotóxicos no país, entre eles, produtos classificados como “altamente tóxicos” pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e “altamente perigosos” pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Tais aprovações se devem à vigência do Decreto n.º 10.833/2021, editado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e não revogado pelo atual governo, que permitiu a liberação de produtos com risco de causarem doenças como câncer, desde que se estabeleça um “limite seguro de exposição”. Como podemos identificar, o agronegócio não estava encontrando qualquer barreira para liberação de agrotóxicos no país que justificasse o problema apresentado para aprovação do projeto de lei, a saber a “burocratização na liberação de agrotóxicos”. Contudo, a ganância das corporações transnacionais, aliadas ao agrofacismo brasileiro, é que estão por detrás do uso de agrotóxicos.

As alterações legislativas favorecem o poder econômico, fortalecendo as bases do agrofacismo brasileiro. Isso porque as alterações legislativas precarizam a proteção dos direitos à saúde da população e ao meio ambiente, e a coexistência de outros modos de produção e relação com a terra. Muitos dos produtos liberados causam doenças, sendo já identificados como “altamente tóxicos” para saúde humana – cerca de 20% dos agrotóxicos liberados são considerados tóxicos para a saúde humana. É o caso do glifosato, liberado no Brasil sob restrições da Anvisa. Inclusive, recentemente, a Bayer foi condenada, nos EUA, a pagar indenizações pela contaminação de pessoas com o uso de glifosato. Essa substância é apontada como uma das responsáveis pelo aumento dos casos de câncer entre crianças no Brasil.

Os impactos do uso de agrotóxicos na saúde do povo brasileiro está mais do que comprovado cientificamente. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, “investigações comprovam que o uso de agrotóxicos são responsáveis diretos por cerca de 200 mil mortes” no país. Os dados do Datasus revelam um crescimento do número de intoxicações por agrotóxicos no país, embora ainda seja uma realidade a subnotificação por parte dos médicos da atenção primária. Se analisarmos as regiões com maior consumo de agrotóxicos, o Centro-Oeste e o Sul, encontraremos uma correlação com os casos de câncer na zona rural, ainda mais grave em determinadas culturas de uso intensivo de venenos, como o fumo. Contudo, a bancada ruralista de senadores está despreocupada com as consequências do que aprova.

Outro problema grave é a pulverização aérea por aeronaves e drones e até mesmo a pulverização terrestre. Os latifundiários, na aplicação dos agrotóxicos, não respeitam as barreiras fitossanitárias estabelecidas pelas normativas do MAPA e nem mesmo das secretarias dos estados. São frequentes os casos de pulverização sobre escolas, perímetro urbano, aldeias indígenas, assentamentos de reforma agrária, tratadas com descaso pelos órgãos fiscalizadores. Poucos estados e municípios têm legislações que proíbem a prática de pulverização aérea, e regulamentam adequadamente as barreiras para não contaminação. As distâncias hoje previstas não são suficientes, fazendo com que a agricultura familiar, orgânica, agroecológica seja constantemente contaminada. Assim, as pulverizações são altamente perigosas para a saúde humana e para a sociobiodiversidade.

Ainda mais absurdo é a proposta do Projeto de Lei n.º 442/2023 na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (RS), que quer declarar a aviação agrícola como de relevante interesse social, público e econômico. Nos últimos anos, a luta popular no estado fez avançar para que alguns municípios tivessem a proibição de deriva aérea e o estabelecimento de polígonos de exclusão de agrotóxicos. É o caso do município de Nova Santa Rita, um dos maiores produtores de arroz orgânico do país, em assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O projeto de lei do RS é uma reação conservadora do agronegócio frente à luta pela produção de alimentos saudáveis e viola os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das famílias agricultoras agroecológicas, dos povos indígenas e kilombolas e da população em geral, no campo e na cidade.

Nas questões ambientais, igualmente o alerta tem vindo de dados. Os apicultores denunciam a mortandade de abelhas em consequência do uso do Fipronil (agrotóxico que está em reavaliação). O próprio Ministério do Meio Ambiente admite que, nos últimos quatro ou cinco anos, morreram por volta de 500 milhões de abelhas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. As abelhas desempenham um importante papel na biodiversidade como polinizadoras, de modo que seu desaparecimento compromete nossa variabilidade genética. Além disso, o uso de agrotóxicos tem inviabilizado outros usos do solo via contaminação da terra e dos cursos de água.

Como se não bastasse todo o estrago, os agrotóxicos gozam de isenções fiscais. Sob o argumento de que contribuem para a produção de alimentos da cesta básica, são beneficiados com reduções e isenções fiscais. Hoje, os agrotóxicos têm 60% de redução do ICMS e isenção total do IPI, fazendo com que a conta não feche entre os custos do uso de agrotóxicos para o  Sistema Único de Saúde (SUS) e para a reparação ambiental, e a arrecadação inexistente. Os alimentos que vão para a nossa mesa vêm da agricultura familiar; o povo brasileiro não come soja e nem acessa os produtos exportados pelo agronegócio. Pelo contrário, é o uso de agrotóxicos que compromete a produção da agricultura familiar.

O cenário tende a se agravar ainda mais se o Brasil firmar o Acordo UE-Mercosul, que contribui para reforçar nosso papel na economia mundial como exportador de commodities, fortalecendo o agronegócio. Por meio do acordo, iremos nos aprofundar como uma lixeira química, recebendo produtos banidos em outros países e, até mesmo, como prevê o Pacote do Veneno, exportando produtos sem registro.

Não é possível coexistir com o agrofacismo

Na cerimônia dos 20 anos do Programa Bolsa Família, o presidente Lula disse: “É preciso combater o uso de pesticidas porque os que plantam com veneno não comem o que plantaram”. É exatamente por isso, senhor presidente, que questionamos: por que flexibilizar a já bastante flexível liberação de agrotóxicos, quando os dados dos impactos à saúde, ao meio ambiente e à produção de alimentos evidenciam como ele é um veneno? Com as mudanças legislativas propostas no Pacote do Veneno, caminhamos para um retrocesso de 20 anos na construção de um país com soberania alimentar. Não há política de combate à fome quando se planta veneno.

Precisamos avançar no discurso e nas ações práticas para reconhecer que os danos socioambientais e as políticas de isenção fiscal estão contribuindo para a morte. Do outro lado da propaganda do agronegócio, estão famílias com pessoas doentes; camponeses sem condições de produzir alimento saudável, com prejuízos financeiros aos seus cultivos agroecológicos e orgânicos; o sistema público sobrecarregado pelos impactos de agrotóxicos; a morte de espécies essenciais à sociobiodiversidade; a contaminação da água e do ar. Assim, não existe possibilidade de coexistência com os agrotóxicos, posto que, como o nome diz, eles são contra a vida.

A decisão sobre as formas de relação com a terra não pode ser só da bancada do agrofacismo; ela precisa ser de toda a sociedade, incluindo todos e todas que sofrem as consequências do uso de agrotóxicos. Está mais do que evidente que o agro não é capaz de gerir as consequências do uso desses produtos tóxicos.

Se todos os argumentos acima não foram suficientes, vale recordar que quem planta com agrotóxico é quem financia os golpes à democracia. Dos 16 financiadores dos atos terroristas de 8 de janeiro de 2023, 13 eram fazendeiros, como apontou a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Câmara Federal. Se o Congresso Nacional quiser seguir esse pacto de mediocridade, oxalá haja mais nobreza no Executivo. Se analisarmos com cuidado os senadores que atuaram em prol do Pacote do Veneno, veremos que a bancada do latifúndio está no controle.

Recordamos o dia 3 de dezembro na luta contra o uso de agrotóxicos e pela vida! Que avancemos na coerência de um país que se compromete em acabar com a fome, produzindo alimentos saudáveis, protegendo a nossa casa comum, cuidando da saúde e da natureza. Por isso, sejamos contra o avanço do uso de agrotóxicos e pelo apoio a políticas de redução até sua extinção, para que outros mundos, e inclusive nós como planeta, possamos continuar existindo.

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