Dia de luta pela Soberania Alimentar: Alimentação popular e cidadã

Hortas comunitárias e as cozinhas solidárias são mais uma forma de lutar para minimizar o problema histórico da fome e reivindicar o direito à soberania alimentar

Hoje, 16 de outubro, é marcado por movimentos populares como o Dia Internacional de Ação Mundial pela Soberania Alimentar contra as Empresas Transnacionais. A data é marcada pela luta histórica contra a fome, no país em que 33 milhões de pessoas passam fome e cerca de 125 milhões de brasileiros vivem sob algum nível de insegurança alimentar. Esse que é também o país da supre safras e de um Produto Interno Bruto (PIB) baseado no agronegócio, é incongruente que o Brasil seja  um dos grandes exportadores de alimentos do mundo, mas não alimente sua própria população. Não há outro motivo, senão escolhas políticas. Políticas estas que se traduzem em falta de apoio em termos de políticas públicas para a agricultura familiar, com o enfraquecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), criados com o objetivo apoiar o desenvolvimento da agricultura familiar nas redes locais e contribuir para o combate da pobreza no campo e nas cidades, além do esvaziamente dos estoques públicos de alimentos, política essa fundamental para garantir a renda para quem produzir, além de regular o abastecimento interno, comercializando os estoques na entressafra para atenuar as oscilações de preço, como vemos acontecer a cada vez que se vai ao mercado. O contexto de fome que vemos se aprofundar não surgiu do nada, é um projeto de ampliação das desigualdades em curso.

Frente a isso, muitas articulações tem assumido a lacuna deixada pelo Estado e lutado como é possível para atenuar o contexto de fome que vivemos. As ações das Cozinhas Solidárias são um exemplo com a ação de militantes e voluntários e com o apoio da sociedade civil que doa alimentos e suporte finaceiro, já somam 31 cozinhas, em 14 estados do Brasil servindo de segunda a sexta mais de 150 almoços para população em situação de vulnerabilidade social. Em Porto Alegre, a Cozinha Solidária da Azenha, localizada no número 608 da Avenida que leva seu nome, Azenha, possui uma sede alugada, após ter recebido um despejo durante a pandemia, período de maior vulnerabilidade da população. Situação que demonstra a falta de compromisso do atual governo com o contexto difícil que enfrenta seu povo, sem que hajam políticas públicas para atender o aumento da desigualdade social, do desemprego e da fome.

Militantes do MTST e voluntários compõem a equipe responsável pela manutenção e organização da Cozinha. Foto: Isabelle Rieger/ATBr

Além dessas iniciativas, na região metropolitana de Porto Alegre crescem iniciativas das denominadas hortas comunitárias. Espaços coletivos de produção agroecológica urbana que possibilitam a subsistência e a popularização de conhecimentos sobre alimentação, com uma reconexão com esses saberes, distanciados do cotidiano de quem vive na cidade pela escala industrial de produção alimentar. Esse tipo de projeto gera o cultivo de hortifrutigranjeiros, educação  ambiental, promove a reflexão sobre o desperdício, sobre a importância do aproveitamento integral dos alimentos e gera renda para quem precisa. A iniciativa dialoga com o conceito de direito à cidade, o qual defende a preservação da cidade como um bem público, de livre acesso, utilização e circulação pelos cidadãos, isso em oposição à mercantilização dos territórios urbanos e de sua natureza e população.

No  Brasil, com o aumento no uso de agrotóxicos após a liberação em massa destes produtos, a comida limpa se tornou uma forma de resistência, principalmente dentro das cidades, tomando forma por meio das hortas comunitárias. Tal forma de resistir  vai muito além do tema da subsistência e soberania alimentar, seu “carro chefe”, pois a iniciativa também promove a ocupação dos espaços públicos urbanos pelo cidadão, o qual defende assim seu direito à cidade. “Primeiro essa questão de morar na periferia e as pessoas acharem que tem que ser um espaço feio. Logo que eu vim morar aqui, muitas pessoas tem esse estigma de ser um espaço que não pode ser bonito, que não pode ser aproveitado, que a gente tem que sair daqui pra poder ocupar esses espaços públicos de convivência de uma forma bacana”, explica a residente do Morro da Cruz, rosto da horta comunitária e militante feminista pela Marcha Mundial de Mulheres e pela Aliança Feminismo Popular, Any Moraes.

Any Moraes, militante feminista pela Marcha Mundial de Mulheres e Aliança Feminismo Popular, na horta comunitária do Morro da Cruz, em Porto Alegre. Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

As hortas surgem como uma forma de manifestação da urgência da soberania alimentar para o país. O conceito trata do direito de que a população produza, cultive e adquira seu próprio alimento, de forma saudável, com sua cultura e hábitos alimentares, com sistemas locais e com respeito ao meio ambiente. Os movimentos sociais defendem que uma nação soberana só é dona de seu próprio destino, quando tem alimentação suficiente para todo o seu povo comer hoje e possui reservas estocadas para anos de baixa produção. Ou seja, tratar da fome, do modelo de produção que respeite o meio ambiente caminha lado a lado. Trata-se também da construção de relações entre homens e mulheres, em que o machismo e o autoritarismo masculino não prevaleçam e não reforcem a divisão sexual do trabalho, que tanto oprime historicamente mulheres do campo e da cidade.

Frente à fome, a autonomia na alimentação e a possibilidade de autogerência se tornaram ainda mais importantes em uma sociedade marcada pela avalanche da inanição. A fome é muito mais do que a falta de alimento, é um estado de espírito. Quem não se alimenta não têm energia e portanto, não tem saída para a sua condição, pois dificilmente consegue correr atrás de alguma fonte de renda. Por essa razão, a Aliança Feminismo Popular (AFP), articulação em que integram a Amigos da Terra Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e a Marcha Mundial de Mulheres, desenvolveu o projeto de uma horta comunitária no Morro da Cruz. “Queremos que o máximo de gente participe, porque para além do abastecimento de alimento para quem participa, também é pra ser um espaço desse debate da questão da alimentação saudável, da possibilidade das pessoas plantarem nas suas próprias casas, da compostagem, que a gente tá iniciando esse processo aqui também né, de fazer esse diálogo com a população que mora aqui e também da possibilidade de não gerarmos tanto lixo, e o lixo orgânico ser destinado para um espaço e poder produzir o próprio composto pra gente poder ampliar a horta.” O projeto que teve início com a distribuição de cestas básicas para a comunidade, mediante a uma inscrição prévia, hoje abarca também a horta comunitária, responsável por trazer maior soberania para cerca de 20 famílias atualmente.

Na foto de agosto de 2021, durante mutirão na horta, as crianças participaram de oficina de identificação de plantas e plantio. Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil

    A iniciativa é mais uma entre a junção de forças e habilidades que os movimentos  sociais e as organizações populares têm feito para garantir aquilo que o governo não disponibiliza, independente de ser ou não um direito de todos. “A gente pensou em alternativas que pudessem sanar essa insegurança alimentar de alguma forma, mas também pensando que isso fosse feito não de uma forma assistencialista só distribuindo as cestas, mas de a gente poder pensar modos de geração de renda dentro da própria comunidade e a produção desses alimentos”, explica Any. Além da horta e da distribuição de cestas, o projeto engloba oficinas em prol do aprendizado de produtos a partir dos próprios insumos colhidos na horta, de forma a proporcionar para as mulheres que  participam, um conhecimento que lhes possa gerar algum tipo de renda. “A partir da horta, a gente fez oficinas de sabão ecológico com as mulheres, oficina de sal temperado, tudo pensando em alternativas que pudessem gerar renda para essas famílias também. Coisas que elas pudessem fazer nas suas residências.”  Os feedbacks de resultados do projeto são visíveis principalmente na voz das crianças do Morro da Cruz. Any conta que muitas delas participam dos mutirões e apresentam interesse em aprender, participar do cuidado com a horta e levar mudinhas para suas casas. Além disso, as mulheres criaram uma relação com o espaço: “Teve uma vez que mesmo com chuva a mulherada veio, trouxeram mudas de casa! Então também tem essa troca entre as mulheres que participam e o interesse também de estar nesse espaço. Porque para elas também é algo relacionado à saúde mental. Muitas delas já relataram isso, de ser um momento terapêutico, um momento de elas pensarem em outras coisas e ser um momento delas aqui, então isso tem sido bem bacana.”

Veja mais fotos da Horta Comunitária do Morro da Cruz, em Porto Alegre (RS):

Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Carol Ferraz / Amigos da Terra Brasil
Foto: Isabelle Rieger / Amigos da Terra Brasil

 

Roda de conversa com movimentos sociais e candidaturas do RS pauta reabertura das negociações do Acordo Mercosul-UE

Nesta quarta (28),  às 19h, aconteceu a roda de conversa “Riscos às estratégias populares de combate à fome, defesa dos serviços públicos e cuidado dos territórios”. O encontro foi presencial na sede do Sintrajufe/RS, em Porto Alegre (RS) e teve transmissão ao vivo pelo Facebook da Amigos da Terra Brasil e Ong Fase. 

A atividade integrou o Curso Regional Sul e Sudeste da Frente Brasileira contra os Acordos Mercosul – União Europeia/EFTA, e foi coorganizado por uma articulação de instituições que integram a Frente: Amigos da Terra Brasil, FASE-RJ, REBRIP e CONTRAF.  Estiveram presentes ainda companheiras e representantes do Jubileu Sul, Conaq, Movimento Atingidos por Barragens (MAB), produtoras e produtores de assentamentos como o de Nova Santa Rita, advogados populares, Marcha Mundial das Mulheres, MTST e Aliança Feminismo Popular. 

A Roda de Conversa teve como proposta dialogar com candidaturas do Rio Grande do Sul sobre os acordos. Na ocasião, organizações e movimentos sociais membros da Frente requisitaram compromisso de que o Acordo UE-Mercosul seja debatido com a sociedade como prioridade na agenda política do próximo governo. Reivindicaram também que haja consulta com os povos e populações atingidas para elaboração da política externa brasileira.

O encontro ocorreu em um momento estratégico, pré-eleições, em que é fundamental dialogar com candidaturas e firmar compromissos para o próximo período. No momento de diálogo com as candidaturas no RS foi tratado o aprofundamento de análises e de posicionamentos sobre as tendências relacionadas à possível reabertura das negociações do Acordo em 2023.

Caroline Rodrigues, da FASE-RJ e da Frente Importação, liberação e deriva de Agrotóxicos como armas de guerra: resistências e articulação de contra-propostas | Foto: Jonatan ATBr

Também foi debatida a arquitetura da impunidade e a aprovação do PL 572/2022, sobre empresas e direitos humanos,  ferramenta construída nas lutas. Dentro de um cenário de assimetria de poder entre comunidades atingidas por corporações e corporações, que saem ilesas de processos extremamente violentos às quais condicionam os territórios, a PL é uma ferramenta de resistência e garantia dos direitos humanos e dos povos. Seja desde a prevenção até a reparação dos danos.  Além dela, mobilização popular é fundamental. 

No encontro entre movimentos sociais e parlamentares foram ainda debatidos os  impactos dos acordos na vida cotidiana da população. Foram pautadas situações práticas nos territórios em luta, com exemplos latentes como a privatização da água no Rio de Janeiro, medida que mercantiliza um bem comum limitando o seu acesso em um país em que uma parcela considerável da população não tem direito básico a saneamento.  Ou o impacto de grandes projetos, como no caso Fraport, em que para expandir um aeroporto para Copa do Mundo, em Porto Alegre, a Vila Nazaré,  comunidade com mais de 60 anos de história, foi extinta do mapa urbano.  Outro caso apresentado foram as lutas no Rio Grande do Sul, como nos assentamentos de Nova Santa Rita, que em levante contra políticas de expansão do agronegócio e de liberação de agrotóxicos, que colocam em risco os meios de vida e de produção de produtoras e produtores de alimentos sem veneno, pautam outro horizonte político. Na luta os produtores que denunciam a pulverização aérea de agrotóxicos, que afeta suas lavouras, resistem e se levantam contra políticas de morte, reavivando um projeto político que coloca a vida no centro. 

Candidata a deputada federal pelo PSOL, Claudia Ávila e candidato a deputado estadual pelo PSOL, Matheus Gomes | Fotos: Jonatan ATBr
|Foto: Jonatan ATBr

A partir de relatos dos territórios em luta, o debate trouxe a conexão entre Acordos Internacionais e incidência desses na realidade cotidiana das  pessoas, expondo ainda demandas para resistir e construir soberania popular. Os desafios dos próximos anos, que passam  tanto pelas lutas da política institucional quanto da luta dos povos e movimentos, numa construção coletiva que pauta soberania, foram expostos. Tanto medidas como Dossiê de denúncia a Ricardo Salles e  que aponta o desmonte de legislação ambiental no Brasil, até construção de alternativas de coligação de forças, com perspectivas anticoloniais e antirracistas entraram na conversa.

O aprofundamento do capitalismo, via neoliberalização e avanço da iniciativa privada, impacta negativamente os biomas, sabedorias ancestrais e formas de organização social. E com acordos que fomentam o avanço da multinacionais e megacorporações na América Latina, como é o caso do Acordo Mercosul-UE, se intensificam lógicas como a das privatizações, desestatizações e incidência de maior militarização da vida e armas de guerra, como é o caso da liberação de agrotóxicos, expansão da mineração e do agronegócio e mercantilização e financeirização da vida, que resultam em mais ruptura no metabolismo ecológico sob emergência climática.

 Na esteira da neoliberalização, com políticas de estado que se traduzem nas violações de políticas econômicas, com privatizações e concessões, é imprescindível assumir compromissos para a conjuntura que se abre a partir da eleição de domingo, dia 02. Tendo isso em vista, a Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul – EFTA entregou carta compromisso para as candidaturas, visando a necessidade de participação social e controle social da política externa. Medidas que se contrapõe a uma ofensiva do acordo,  que intensifica a precarização da vida e das relações de trabalho, o avanço da mercantilização dos bens comuns e o aumento exponencial da violência e dependência econômica dos países da América Latina na relação política geoglobal.  

 Confira como foi o evento na íntegra acessando a nossa transmissão online: 

Em Porto Alegre (RS), Grupo Carta de Belém (GCB) entrega propostas sobre meio ambiente a candidatos na eleição de 2022

O Grupo Carta de Belém (GCB) promoveu uma atividade regional no último sábado (24/09) em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Durante o dia, ocorreram debates sobre os impactos já sentidos nos territórios e pelas comunidades que vivem neles com o avanço da entrega da gestão de áreas protegidas (unidades de conservação e de parques naturais) à iniciativa privada.

À noite, foi a oportunidade de debater o assunto com candidatos nas eleições gerais deste ano e com parceiros convidados. Estiveram presentes a candidata a deputada federal Cláudia Ávila (PSOL/RS), a também deputado federal Eduardo Ruppenthal (PSOL/RS) e os assessores dos candidatos a deputado federal Elvino Bohn Gass (PT/RS) e a deputados estadual Jeferson Fernandes (PT/RS), Matheus Gomes (PSOL/RS) e Stela Farias (PT/RS).

Esta atividade foi transmitida ao vivo no canal de Youtube do Grupo Carta de Belém. Acesse o debate abaixo:


O espaço de conversa foi apresentado pelo advogado popular Pedro Martins, da organização Terra de Direitos, e por Fernando Campos Costa, da Amigos da Terra Brasil (ATBR), entidades que compõem o grupo. Eles apontaram o retrocesso ambiental promovido em todo o país, efetivado por legislações que beneficiam atividades econômicas predatórias, especialmente o agronegócio e a mineração, o sucateamento dos órgãos de fiscalização e o corte de políticas e de investimentos públicos para a proteção dos biomas e do desenvolvimento econômico-sustentável das comunidades locais e povos tradicionais.

Como impulsionadores desse processo, Pedro Martins destacou dois programas que privatizam as unidades de conservação e parques naturais: o Adote um Parque, do governo federal, e o Programa de Concessão dos Parques Naturais, instituído por governos estaduais, assessorados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Aqui no Rio Grande do Sul, por meio do programa federal, já foram entregues as concessões das florestas nacionais (FLONAS) das cidades de Canela e de São Francisco de Paula à iniciativa privada. Pelo programa do RS, o governador licenciado que concorre à reeleição, Eduardo Leite (PSDB), repassou o Aparados da Serra, na Serra Geral, o Parque do Caracol, em Canela, e o Parque Estadual do Turvo, mas ainda estão sendo estudadas  as concessões do Parque Estadual do Delta do Jacuí (PEDJ) e do Jardim Botânico. Costa lembrou que embora não tenham um programa específico para isso, parques e áreas da Capital gaúcha também estão listadas pela prefeitura para serem administradas pela iniciativa privada, entre eles os parques Redenção e Marinha e novos trechos da Orla do Rio Guaíba no Centro e no bairro Lami, extremo sul da cidade.

Os integrantes do GCB apresentaram brevemente as propostas do grupo para o debate eleitoral e para a reconstrução da política socioambiental brasileira. No documento distribuído durante a atividade, constam oito iniciativas defendidas pelas entidades ambientalistas e movimentos sociais que se articulam no Carta de Belém para que o país retome um desenvolvimento sustentável e promova a justiça ambiental, aliando a defesa dos biomas e do meio ambiente a uma vida mais justa e sem miséria da população. São elas: revogação da “boiada” (das políticas e programas, como o Adote um Parque e o programa de concessão estadual via BNDES, que transformam a natureza e os modos de vida em mercadoria); garantia de participação social, da terra e do território e dos modos de vida; refutar a lógica do mercado financeiro na promoção de políticas ambientais, como as propostas do mercado de redução de emissões de gases de efeito estufa e dos Pagamentos por Serviços Ambientais; recompor o orçamento da política ambiental; reafirmar o meio ambiente como bem comum e rejeitar as privatizações verdes.

Acesse as propostas do Grupo Carta de Belém (GCB) na íntegra AQUI.

Os candidatos e assessores presentes endossaram o apoio às propostas do GCB. Algumas manifestações expressaram que o repasse da gestão das unidades de conservação e dos parques naturais à iniciativa privada é uma das etapas do processo de desmonte das políticas e dos serviços públicos ambientais. Com as áreas de conservação abandonadas e trabalhadores que cuidam dos locais com um trabalho precarizado, o discurso da privatização ganha força frente à ineficiência proposital do Estado.

Também foi destacado, pelos participantes, que a lógica dessa concessão é puramente capitalista, com o objetivo de empresas lucrarem via a exploração do meio ambiente. Dessa forma, retira a função de proteção da flora e da fauna que as áreas naturais têm, além de elitizar o acesso a esses locais, já que os ingressos cobrados pelas empresas para entrar nos parques são caros. Além disso, as áreas colocadas para a concessão são as consideradas mais atrativas para as empresas por já terem uma infraestrutura inicial (necessitando, portanto, de menos dinheiro para investimento) ou por abrigarem as belezas e paisagens naturais consideradas de maior beleza ou mais chamativas aos olhos dos visitantes, sem prever qualquer tipo de investimento ou cuidado nas demais unidades e parques do RS e do país. Ou ainda como o Parque Estadual do Turvo, que além de ser belíssimo e conter espécies de mata e de animais nativos, protege, junto com comunidades locais mobilizadas, o único trecho do Rio Uruguai que ainda não está tomado por usinas hidrelétricas. É justamente neste trecho que governos e empresas planejam a instalação da usina de Garabi/ Panambi, na fronteira com a Argentina.

Outra preocupação é que independente de se reelegerem, os governos Bolsonaro e Leite ainda terão três meses, até o final do ano, para avançarem com mais projetos prejudiciais ao meio ambiente e às comunidades locais e tradicionais. As organizações e movimentos sociais precisam seguir organizados e vigilantes a fim de impedir mais retrocessos.

* Texto publicado no site do Grupo Carta de Belém em https://www.cartadebelem.org.br/em-porto-alegre-rs-grupo-de-carta-de-belem-gcb-entrega-propostas-sobre-meio-ambiente-a-candidatos-na-eleicao-de-2022/

De punho esquerdo alto, rumo ao dia 2 de outubro

 


O dia 2 de outubro apenas irá inaugurar um árduo trabalho do povo brasileiro para reconstruir sua soberania – Carol Ferraz/ ATBr

 

O filósofo e crítico literário Walter Benjamin, ao se referir à revolução, não a definiu como a “locomotiva da história”, mas como um “freio de emergência”. É precisamente esse o sentimento de milhares de brasileiros e brasileiras, que se sentem dentro de um trem em alta velocidade para o colapso, com o Governo Bolsonaro.

Diante disso, precisamos ir com consciência para votar, com punhos cerrados, no próximo dia 2 de outubro, tal qual nossos braços estavam abertos à vacina, por um compromisso coletivo com a derrota do fascismo e com a clareza de não haver tempo para hesitação. Aqueles que resistem por devaneios individuais estão condenando, a si e ao povo brasileiro, a riscos de ameaças democráticas maiores.

Queremos substituir a integralidade do projeto de ódio e intolerância do governo por uma administração pública de transformações profundas, que seja capaz de superar a dependência histórica estrutural que conforma nosso lugar geopolítico, para que não haja espaço para ingerências internacionais sobre nosso destino como nação. Na verdade, o dia 2 de outubro apenas irá inaugurar um árduo trabalho do povo brasileiro para reconstruir sua soberania.

Juntamente com o nosso voto presidencial, precisamos garantir que haja condições de governabilidade e que nossa radicalidade também se faça presente no “puxar o freio”, sobretudo que as questões ambientais tomem centralidade na agenda pública. Para isso, precisamos estar atentos em nossos votos aos representantes parlamentares.

Muitas candidaturas estão assumindo o compromisso político com a construção da justiça ambiental. Inclusive, essas eleições estão com um número expressivo de candidatos e candidatas provenientes de coletividades marginalizadas. Temos por volta de 17 candidaturas quilombolas, 178 indígenas e 260 candidaturas LGBTQI+. Importantes movimentos populares, como MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), também lançaram candidaturas individuais e coletivas pelo país.

Uma vez mais, anunciar e construir nossas bandeiras

Nos últimos anos, tem-se utilizado o termo justiça ambiental para caracterizar a existência de uma desigualdade na distribuição dos danos e riscos ambientais, diretamente conectada a uma distribuição desigual da renda, moradia, etc. Ela é incorporada por várias organizações ao redor do mundo, dentre elas a Amigos da Terra Internacional, como uma bandeira de construção de uma sociedade mais justa, igualitária e harmonizada com a produção da totalidade da vida.

Vivemos uma interação de várias crises sistêmicas: climática, alimentar, de biodiversidade, hídrica, energética. Em muitas partes do mundo, estamos chegando a um ponto de não retorno, que ameaça a continuidade dos modos de produção e reprodução da vida. Tais crises são atravessadas pelas desigualdades estruturantes da sociedade, como classe, raça e gênero, e em nossa região, na América Latina, estão interligadas à presença da colonialidade do poder.

A luta por justiça ambiental envolve os debates das mudanças climáticas, sobretudo em uma vertente crítica à economia verde, mas não apenas. Pensar em justiça ambiental está conectado a construir direitos para os povos, soberania popular e, dentro dela, a soberania alimentar, hídrica, energética; construir uma economia popular para a vida, recriar laços sociais de proteção e cuidado popular e comunitário nos territórios, avançar numa transição energética justa e feminista. Não existe ambiente sem ser humano.

Desse modo, entre as bandeiras que dialogam com o tema está a retomada da Reforma Agrária, a construção da Reforma Urbana, a retirada das políticas de austeridade que cortaram gastos públicos com saúde, educação, programas sociais; a proteção dos direitos territoriais de povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais, os quais têm assegurado a proteção de várias áreas verdes. Não podemos seguir privatizando nossas Unidades de Conservação, cedendo à iniciativa privada o controle de bens naturais comuns.

Ano que vem, sob um novo governo e um novo Congresso Nacional, teremos que enfrentar os estragos do Governo Bolsonaro e, portanto, revisar os investimentos na proteção e conservação ambiental, as liberações de agrotóxicos, as concessões minerárias; a ofensiva no Pampa, na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal e o histórico desmatamento da Mata Atlântica. Novamente, a política de desenvolvimento de grandes projetos como hidrelétricas, termelétricas, expansão minerária, portos e ferrovias para o agronegócio, terão que ser repensados à luz dos danos socioambientais que provocam.

Entendemos que a justiça ambiental se constrói nos direitos dos povos e na soberania popular por meio da organização social e política da sociedade, tão vasta em suas formas e expressões. Esse projeto não começa nessas eleições, nem tampouco terminará, mas se não pudermos construir uma melhor correlação de forças agora estaremos nos distanciando desse horizonte não apenas por 4 anos, mas talvez muitos séculos diante do imaginário que o bolsonarismo tenta nos impor.

Assim, construiremos nosso voto no próximo domingo com punhos altos para triunfar ainda na primeira volta, e faremos disso a continuidade de várias caminhadas da esquerda que nos trouxeram até aqui, para seguir construindo as possibilidades do futuro que queremos.

Afirmamos que a justiça ambiental está no centro da agenda ecológica para o Brasil. Somos um país com um acúmulo de lutas, resistências, saberes e fazeres populares que nos permitem parar a locomotiva do capital e trilhar um caminho outro que não o do perverso desenvolvimentismo, recolocando a produção da vida como o bem mais importante que devemos cultivar.

Vote com consciência. Vote para mudar o rumo para onde vamos. Vote em quem se compromete com justiça ambiental. Vote e siga se organizando e construindo o real poder transformador, o popular!

* Coluna publicada originalmente em 26 de Setembro em https://www.brasildefato.com.br/2022/09/26/de-punho-esquerdo-alto-rumo-ao-dia-2-de-outubro

Em carta, Rede Alerta contra os Desertos Verdes denuncia os impactos da expansão das monoculturas

Nesse dia 21 de setembro, dia em que é comemorado o dia da árvore, marcamos Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores. Por isso, a Rede Alerta contra os Desertos Verdes, articulação da qual a Amigos da Terra Brasil integra, denuncia a expansão das monoculturas, sua cadeia logística-industrial e os inúmeros impactos ambientais e sociais, que resultam em perda de biodiversidade e de qualidade de vida, no campo e na cidade.

Enquanto a empresas e a governança pública embarcar na falácia do “manejo florestal sustentável” e do “carbono neutro”, as empresas de celulose e siderurgia intensificam sua propaganda verde e comemoram seus lucros, ao mesmo tempo em que armam seus latifúndios. Não é possível glorificar a importância das árvores, ao passo que se expandem as monoculturas de eucalipto.

Em trecho da carta, a articulação exige que o Estado cumpra seu papel de garantidor da soberania dos povos sobre seus territórios, com medidas urgentes para assegurar integridade física das comunidades indígenas, quilombolas e campesinas. “Que se defenda a vida do povo e não os interesses das empresas”, aponta o documento.

Leia a íntegra da carta abaixo ou acesse aqui o pdf com o arquivo.

Carta do Encontro Nacional da Rede Alerta contra os Desertos Verdes
Alerta! Alerta! 21 de setembro de 2022. Alerta! Alerta!

No dia da árvore, sob a farsa do “manejo florestal sustentável” e do “carbono neutro”, as empresas de  celulose e siderurgia intensificam sua propaganda verde, enquanto comemoram seus lucros e armam seus latifúndios. Enquanto glorificam a árvore, expandem suas monoculturas de eucalipto. Com apoio do
Estado, o agro é cada vez mais tóxico. Monocultura=Monofuturo.

Nós, integrantes da Rede Alerta contra os Desertos Verdes, composta por comunidades indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu e camponesas, ativistas, pesquisadores, advogados populares, sindicatos, organizações e movimentos sociais, nos reunimos entre os dias 16 a 19 de setembro de 2022 na Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, no município de Prado, Extremo Sul da Bahia. Neste encontro percorremos territórios e trocamos experiências acerca dos impactos da monocultura (principalmente de eucalipto) e da indústria de celulose em nossas vidas, assim como de nossas lutas de resistência e construção de outras realidades.

Denunciamos, mais uma vez, que a expansão das monoculturas e sua cadeia logística e industrial produzem inúmeros impactos ambientais e sociais, que resultam em perda de biodiversidade e de qualidade de vida, no campo e na cidade.

Um de seus efeitos mais perversos é a redução das possibilidades de sucessão geracional de famílias quilombolas, indígenas, e camponesas em seus territórios, com a diminuição abrupta das condições de agricultura e extrativismo e, por consequência, de sua segurança alimentar, marginalizando, criminalizando e expulsando comunidades de seus territórios ancestrais.

Como medidas agudas de expulsão das famílias que reivindicam seus territórios em áreas sobrepostas pelos monocultivos de eucalipto e pelo agronegócio são feitas diversas ameaças, que são concretizadas em atentados às vidas das comunidades, a exemplo do caso recente do assassinato do indígena Pataxó Sarã (“raiz” na língua nativa Pataxó) de 14 anos, na Terra Indígena Comexatibá (Prado/BA), do incêndio criminoso no Ponto de Memória Mesa de Santa Bárbara da Comunidade Quilombola do Linharinho (Conceição da Barra/ES), e da prisão política do Professor, Poeta e Produtor Cultural Flávio Prates após ação de despejo ocorrida na área do Acampamento Nova Trancoso (Trancoso/BA).

A pulverização, inclusive aérea e por drones, de agrotóxicos nos monocultivos geram a contaminação do solo, dos cursos de água, da flora e fauna, das plantações e dos moradores do entorno. Esta situação será agravada pela liberação de eucaliptos transgênicos tolerantes ao herbicida Glifosato. Além disto, os grandes maciços de monocultivos são responsáveis por secar nascentes, córregos, lagoas e poços, e empobrecer e degradar a fertilidade dos solos, culminando em sua erosão, pois substitui a diversidade dos biomas por uma única planta replicada em série.

Os efeitos ambientais locais dos monocultivos tornam as comunidades atingidas mais vulneráveis aos desdobramentos da emergência climática, principalmente a crescente ocorrência de longos períodos de estiagem e o aumento da temperatura da superfície terrestre.

O transporte de toras de eucalipto por caminhões desde as plantações até as fábricas de celulose degrada as estradas, produz ruído dia e noite, afeta a qualidade do ar pela geração de poeira e emissão de gases de efeito estufa, aumenta os níveis de atropelamento de fauna silvestre, e aumenta dramaticamente o risco de acidente nas estradas, já tendo ocorrido inúmeros acidentes inclusive com casos de morte de pessoas, em diferentes locais do Brasil.

Os impactos socioambientais das fábricas de celulose também são significativos tendo em vista as grandes quantidades de água utilizadas e grandes quantidades de efluentes industriais despejados nos rios, que podem conter elementos extremamente tóxicos como as dioxinas e furanos,  produzidos em função do branqueamento do papel com Cloro. Estas  industrias produzem altos níveis de ruídos, e emissão atmosférica de materiais particulados, fuligem, serragem e compostos de enxofre (que causam forte odor característico), esta poluição pode causar inúmeros problemas respiratórios como tosse, irritação das vias aéreas, dificuldade de respiração, asma, além de ardência nos olhos, vertigem, dor de cabeça, náusea, falta de apetite, distúrbios emocionais como irritação e depressão, e pode levar à problemas cardiovasculares. Além do permanente risco de acidentes que trabalhadores e populações residentes do entorno das fábricas estão expostos.

Atreladas às ações capitalistas empresariais, estão diferentes esferas do Estado. Esta aliança do setor dos monocultivos de árvores com o Estado brasileiro tem raízes na ditadura militar e segue até os dias de hoje, através de benefícios fiscais e de financiamentos públicos; da proteção do aparato policial/militar; da não execução dos processos de reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas e dos processos de demarcação e titulação coletiva das terras indígenas (o governo Bolsonaro cumpriu sua promessa e foi o primeiro a zerar demarcações em terras indígenas); da aprovação na CTNBio de variedades transgênicas de eucalipto sem o estudo dos possíveis impactos na saúde humana e ambiental, tal como a falta de informações as populações potencialmente atingidas; do desmonte da legislação e dos órgãos de licenciamento e fiscalização ambiental; e da ausência de efetivação das políticas de permanência das populações camponesas, quilombolas e indígenas no campo.

Frente ao exposto conclamamos toda a sociedade civil organizada e exigimos, principalmente do Estado brasileiro, as seguintes medidas com extrema urgência:
– A titulação coletiva dos territórios quilombolas e indígenas, com efetiva garantia da soberania destes
povos sobre seus territórios;
– A implantação de novas terras para uma reforma agrária com princípios agroecológicos;
– O atendimento integral das reivindicações expressas na I Carta das Comunidades Quilombolas do
Extremo Sul da Bahia, de dezembro de 2021;
– A não liberação de novas árvores transgênicas, e o não plantio das árvores transgênicas já liberadas
pela CTNBio;
– Que a CTNBio se atenha a observação do princípio da precaução e da avaliação criteriosa e científica na
liberação de transgênicos, escandalosamente não observados em suas liberações, e rotineiramente
documentados, como no caso do eucalipto transgênico H421;
– A não aprovação do Projeto de Lei 1.366/22 que está tramitando na Câmara dos Deputados e visa
retirar a silvicultura da lista de atividades “potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos
ambientais”, retirando a necessidade de licenciamento ambiental;
– Maior tributação, regulação, e rigor nos processos de licenciamento ambiental e fiscalização dos
monocultivos e das indústrias de celulose;
– A proibição da pulverização aérea de agrotóxicos;
– A garantia da segurança e integridade física das comunidades indígenas, quilombolas e campesinas. Que se defenda a vida do povo e não os interesses das empresas.

Ressaltamos ainda que em função das diversas violações de direitos relatados reconhecemos como legitimas e necessárias as retomadas dos territórios dos povos e comunidades tradicionais invadidos, saqueados e degradados pelas empresas do setor da celulose e demais monocultivos do agronegócio.

21 de setembro de 2022
Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores
Rede Alerta contra os Desertos Verdes

Ouça o podcast! Prelúdio de uma pandemia | Brasil: as violações de direitos humanos como bandeira

O podcast “Brasil: as violações de direitos humanos como bandeira” integra a série sonora “Prelúdio de uma pandemia”, em português, ou “Precuelas de una pandemia”, na versão em espanhol, que percorre Costa Rica, El Salvador, Brasil e Haiti para denunciar e analisar as violações dos direitos dos povos e seus direitos humanos, antes, durante e depois da pandemia. A série é baseada em uma investigação realizada por Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC) e produzida em parceria com a Rádio Mundo Real.

Violações de direitos já existiam nos territórios da região muito antes do surgimento da COVID-19. No entanto, a chegada da crise sanitária aguçou lógicas anteriores e instalou outras ainda mais injustas, mais repressivas, discriminatórias e patriarcais. Não pode mais ser varrido para debaixo do tapete. Além disso, aumentou a concentração de poder nas mãos de corporações transnacionais, elites nacionais e governos repressivos. Existem traços comuns que caracterizam a região, mas cada território tem a sua particularidade. As máscaras caíram: o que a crise sanitária e sua gestão mostraram.

O episódio que você ouve a seguir foi realizado pela Amigos da Terra Brasil, com enfoque nas questões de direitos humanos e ambientais, em um contexto de violações de direitos históricos que se aprofundam pela crise sistêmica que a pandemia desnudou. Foram entrevistados para esse episódio: o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos; Talita Madijah, representante do povo originário Madijah Kulina, que vive um processo de aprofundamento de violências físicas e emocionais; Rose Padilha, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI); Yashodan Abya Yala, liderança e conselheira da comunidade Kilombola Morada da Paz; Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Confira:

Veja também os episódios já lançados, em espanhol, do contexto dos demais países que integram a série.

Precuelas de una pandemia: Fuera del mercado, nada
Un antes y un después de la crisis sanitaria del Covid-19 en Costa Rica

 

 

Precuelas de una pandemia: Más control, no es más seguridad
Un antes y un después de la crisis sanitaria del Covid-19 en El Salvador

 

Precuelas de una pandemia: Tierra y derechos, para unos pocos
Un antes y un después de la crisis sanitaria del Covid-19 en Haití

 

Eleições no Brasil: Por um legislativo pautado na Justiça Ambiental a partir de 2023

No dia de hoje (15/09), Dia Internacional da Democracia para as Nações Unidas, celebramos a possibilidade de retomada da democracia no Brasil e a força da pauta da Justiça Ambiental como fato histórico nas plataformas de candidaturas construídas a partir das bases dos partidos de esquerda, dos movimentos sociais, dos povos do Brasil em sua diversidade e, em especial, das mulheres, que cada vez mais ocupam o espaço público apesar da crescente violência política machista e patriarcal. A duas semanas do pleito que deve eleger novos representantes aos cargos de Presidência, Governos dos 27 estados brasileiros, Senado, Câmara de Deputados e Assembleias legislativas estaduais, essa eleição é chave para a restauração da democracia no Brasil, tão vilipendiada nestes anos desde o Golpe contra a ex-Presidenta Dilma Rousseff em 2016. É o momento para que as forças progressistas do país possam retomar o controle político, capturado de forma geral por pautas conservadoras, do ponto de vista dos costumes, e destruidoras do aspecto social, econômico e ambiental.

Em 3 de outubro, dia seguinte ao das eleições, é o Dia Nacional da Agroecologia. Um bom lembrete para ter em mente na hora do voto. Ouvir o “trililim” da urna não deve se resumir a um breve momento de ação democrática para cada uma e cada um de nós, cidadãos e sujeitos da política brasileira. A decisão do dia 2 de outubro se refletirá pelos próximos 4 anos e, a depender das condições políticas  e das lutas que seguiremos travando, terá impactos para o resto das nossas vidas e das próximas gerações. É preciso estarmos, como povo, atentas/os, fortes e organizadas/os para derrotar o fascismo e reconstruir a nossa própria história.

Esse é um chamado para que esse voto para o Executivo e Legislativo, em nível federal e estadual, seja um momento de ação pelo resgate e fortalecimento das políticas públicas, de valorização da agricultura familiar, dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, de redução das desigualdades sociais nas cidades e no campo, de garantia dos direitos, da autonomia e da vida das mulheres e de barrar o avanço da boiada e das violências.

Nunca antes no Brasil houve tanta articulação e unidade dos movimentos com a representatividade de povos e setores sociais hoje organizados em mais de 182 candidaturas indígenas em 24 estados, 17 candidaturas quilombolas, sendo nove chapas coletivas em ao menos treze estados, além de um aumento de 2,2%, em relação às eleições passadas, das candidaturas de mulheres com  9.415 candidatas, além de cerca de 8.597 candidaturas de partidos do campo da esquerda.

Justiça Ambiental: um desafio que precisa ser incorporada nos programas dos partidos que priorizam a vida e a humanidade acima do lucro

Enfrentamos crises cada vez mais profundas que ameaçam os sistemas ecológicos que sustentam a vida de todos os seres e os direitos humanos e dos povos ao redor do mundo. As crises sistêmicas (do clima, de alimentos, de perda de biodiversidade, de acesso água e socioeconômica) já têm alterado os sistemas naturais, com enormes implicações para os povos e comunidades cujos meios de produção e reprodução da vida estão sendo destruídos, que enfrentam deslocamentos e perda de suas casas e terras, para quem a falta de água, a doença e a fome são realidades cotidianas. Essas profundas crises socioecológicas são exacerbadas pelo aumento da desigualdade e das crises políticas, e o recorte de classe, raça e gênero nos grupos sociais mais atingidos é tão nítido quanto sistêmico, pois está na raiz patriarcal, colonial e exploradora dos corpos, do trabalho e da natureza no sistema capitalista. As decisões políticas e os assaltos à democracia impactam especialmente a classe trabalhadora e a população empobrecida, que frente à desigualdade social vive em condições cada vez mais precárias, chegando ao ponto de se alimentar de ossos e disputar espaço para morar em locais com pouca ou sem infraestrutura, inseguros e sujeitos à violência armada e impune, seja nas cidades, seja no campo.

Para a superação do racismo ambiental, atrelado às desigualdades sociais, a realização da justiça ambiental está baseada  nos direitos dos povos e na soberania popular, que precisa ser construída com organização social e política nas suas mais diversas formas e expressões. Em sua defesa, cabe às/aos candidatas/ organizadas/os em partidos políticos comprometidos com essa pauta, e que serão eleitas/os no mês que vem, atuar para  tornar realidade que todas as pessoas neste país acessem, de forma igualitária, os serviços de saúde, tenham qualidade ambiental, que seus corpos e territórios sejam respeitados no seu alimento, cultura, modo de vida, trabalho, e livres de todas as formas de opressão, seja de classe, raça, crença, gênero ou orientação sexual. É preciso trazer a justiça ambiental para o centro de uma agenda ecológica para o Brasil, atenta às urgências do nosso tempo e ao acúmulo de saberes e fazeres populares, em especial das mulheres, dos povos indígenas e quilombolas, que há séculos vem re-existindo e tecendo o esperançar por um mundo melhor e pela cura da Terra.

Enquanto organização do movimento pela Justiça Ambiental brasileiro, com mais de meio século de atuação, colocamo-nos no diálogo com candidaturas dispostas a avançar em projetos políticos para a soberania alimentar e hídrica, a proteção e o cuidado popular e comunitário dos territórios, para uma transição energética justa e feminista, e para a construção de economias que tenham no centro a  sustentabilidade da vida.

No campo e nas cidades, o desafio é imenso para candidaturas dispostas a encarar os obstáculos na realização do direito à cidade, incluindo a população crescente que precisa escolher entre pagar aluguel ou comprar alimentos e acaba ameaçada de despejo ou ocupando áreas mais inseguras, poluídas ou distantes do trabalho e dos equipamentos sociais de transporte, saúde e educação. A concentração e especulação de terras é obscena e contribui para a destruição da natureza e para a expulsão das pessoas na cidade como no campo.

No combate à fome, é urgente a criação de políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar na produção de alimentos saudáveis, em detrimento dos monocultivos que envenenam e não alimentam, e das iniciativas das cozinhas solidárias que, juntas, desafiam o modelo comercial neoliberal e o lucro das cadeias controladas por empresas transnacionais do agronegócio. Precisamos de candidaturas que apoiem movimentos sociais de reforma agrária e urbana, indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais não somente em relação a projetos a serem votados, mas também em aliança na luta cotidiana, acabando, assim, com o legado de miséria e violência  do governo Bolsonaro.

Nesse diálogo, ouvimos e apresentamos aqui o que  pensam algumas candidatas e alguns candidatos de diferentes regiões do Brasil sobre a centralidade da pauta da  Justiça Ambiental nas suas plataformas e partidos. Para além das eleições, acreditamos que os frutos dessa construção de narrativas e candidaturas representativas da diversidade dos povos do Brasil já é um avanço histórico na retomada da democracia e para a construção de um Brasil com soberania popular que nos faz esperançar.

Veja, no vídeo, como pensam alguns/algumas candidatos/as comprometidos/as com a pauta da Justiça Ambiental:

A violência política como uma estratégia eleitoral



Descaso do governo federal e violência estimulada pelos discursos de seus integrantes são denúncias constantes em protestos pelo país. – Carol Ferraz/ ATBr

O avanço de governos fascistas, atrelados à nova ofensiva neoliberal na América Latina, tem se alicerçado na produção e aprofundamento da violência política. Este rincão geopolítico tem visto o uso da mesma como uma estratégia de controle da consciência das massas. Desde o golpe de 2016 no Brasil, a escalada de ódio tem servido para que governos autoritários possam implementar políticas antidemocráticas, fundadas em narrativas de ataque às instituições políticas do país. Enquanto o povo se perde no ópio do suposto combate à corrupção, o neoliberalismo avança brutalmente sobre seus direitos.

Vivenciamos o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma nos afundando num mar de violência política. Como não recordar a brutalidade dos discursos no Congresso Nacional no momento da votação da cassação, dos quais entre eles estava o do atual presidente, saudando torturadores da Ditadura da própria presidenta? Ou ainda, o triste assassinato da vereadora Marielle Franco e de Anderson Gomes, no dia 14 de março de 2018. A violência política como arma de candidatos foi amplamente usada nas eleições de 2018, recordemos toda a misoginia sofrida pela candidata à vice-presidência Manuela D’Ávila, e está presente também nessas eleições. O assassinato do mestre de capoeira Moa do Katende, também naquele ano na Bahia, e todas essas ações são movidas por um discurso elitista, misógino, racista e colonial contra lideranças políticas progressistas, defensoras/es de direitos humanos e dos povos. Realizam-se, por meio verbal ou simbólico, no ataque nas redes sociais, na difamação da imagem, na distorção dos fatos e até em ameaças e atentados contra a vida.

O poder da violência política como arma de (des)educação das massas é cruel. Estrutura-se como um discurso de ódio, ligado ao negacionismo (da história, da ciência, dos fatos, dos saberes…), que fortalece grupos extremistas e antidemocráticos, ignorando completamente pactos civilizatórios, como direitos civis e políticos. O uso dessa violência como tática política na região é bastante emblemático; reverbera ainda em nossa memória o golpe de 2019 na Bolívia, quando grupos extremistas não aceitaram o resultado eleitoral e, por meio da força bruta, tomaram o Estado. A imagem da intolerância se faz presente na imagem da prefeita de Vinto, Patrícia Arce Guzman, sendo arrastada por manifestantes, jogada na rua, cabelo cortado, pintada de rosa, obrigada a andar descalça por quarteirões.

Difícil é quando esses fatos se tornam tão cotidianos que já naturalizamos essa violência. Apenas nas últimas semanas tivemos o ataque sofrido pelo irmão do presidente do Chile, Gabriel Boric, num tenso contexto de votação pela aprovação da nova constituição. De igual forma, a arma apontada para a ex-presidenta Cristina Kirchner. No cotidiano da política no Brasil, em todos os discursos presidenciais de Jair Bolsonaro, destacadamente o do último 7 de Setembro, no qual palavras de ódio são proferidas a outros candidatos, às instituições democráticas e aos movimentos populares. Em julho deste ano, o dirigente petista Marcelo Aloizio Arruda foi morto a tiros em sua festa de aniversário pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, que invadiu o evento em Foz do Iguaçu, no Paraná, aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”. Tal fenômeno, com outros tanto exemplo trágicos, tem rebaixado o debate eleitoral, construindo uma apatia das massas aos temas centrais da política como o combate à fome e ao desemprego e a construção de programas de governo e de políticas sociais, trazendo para a arena pública valores conservadores como intolerância religiosa e sexual, difusão da dominação branca e masculina, cultura das armas e militarismo.

Dados da escalada da violência

Um estudo da organização Terra de Direitos, realizado entre 2016-2020, registra 327 casos de violência política, em sua maioria assassinatos e atentados, sendo RJ, MG, CE, MA e PA os estados com maior recorrência. Aponta a pesquisa que esses casos estão concentrados no interior do país, estando mais direcionados a vereadores. Isso porque nessas localidades se estabelecem relações de cumplicidade entre a violência, o controle das instituições políticas locais e a mídia, numa complexa rede organizada para assegurar os interesses das elites locais, como destaca o Guia Violência Política elaborado pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.

Diante desse cenário, dois importantes marcos normativos foram aprovados em 2021: a Lei nº. 14.197/2021, que promoveu mudanças no Código Penal determinando como crimes o ataque às instituições democráticas e à operacionalidade do processo eleitoral, com penas que podem variar de 3 a 12 anos de detenção. Outro marco foi a Lei 14.192, também de 2021, que prevê normas para o combate à violência política contra a mulher, promovendo mudanças no Código Eleitoral e nas leis dos partidos políticos e das eleições. Sabemos que sobre os corpos das mulheres pesam as marcas do patriarcado, assim esse tipo de violência se articula com a violência sexual e de gênero, impondo às mulheres que estão na liderança política e na defesa dos territórios, comunidades, bens comuns e da natureza outras formas de expressão da prática, como a incitação ao “estupro corretivo”, à violência doméstica, à agressão aos filhos.

Ainda que a legislação reconheça tais problemas, sua aplicação se encontra bastante débil; são poucos os casos de investigação e responsabilização por esses crimes. Basta observar que, ao longo de todo este ano, diversos manifestantes, parlamentares e o próprio presidente da República proferiram alegações infundadas sobre o sistema eleitoral, com ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), que já implicariam na inelegibilidade deles. No entanto, seguem impunes. A certeza da impunidade é tamanha que, no dia 7 de setembro, no Rio de Janeiro, a primeira-dama se sentiu confortável para dizer publicamente: “Bolsonaro foi claro no seu recado ao STF”.

Agentes do alto escalão público no Brasil usam suas redes sociais, as estruturas de comunicação do Estado e listas de WhatsApp para difundir desinformação e ódio. Os fatos distorcidos, uma vez disseminados, produzem seus estragos e convencem um grande contingente de seguidores. A coisa funciona quase como uma seita interligada pela manifestação de ódio a figuras políticas comuns, instituições e procedimentos democráticos. Tal sacralização da política é tão simbólica que se estabelece uma conexão entre violência e símbolos religiosos, tal como setores neopentecostais defenderem a associação de candidatos a demônios. A fragilidade de senso crítico das massas faz com que esses processos sejam enraizados, tornando ainda mais desafiador ampliar as consciências na reconstrução da democracia.

A construção política que queremos

Várias organizações de direitos humanos têm construído mecanismos para combater a violência política. Em dezembro de 2021, liderados pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), compõe-se o Memorando de Entendimento pela democracia, produzido pela Procuradora Federal dos Direitos Cidadãos (PFDC), Defensoria Pública da União (DPU) e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, visando estabelecer a cooperação entre as entidades para promover a defesa da democracia no Brasil por meio do fortalecimento de normas, instituições e procedimentos. De igual modo, o TSE tem lançado campanhas informativas sobre o processo eleitoral, a segurança do voto auditável e a criação de canais de denúncia de violência política.

Esse solo de violência é pouco fértil para brotar um projeto político capaz de dar conta das necessidades da vida concreta dos brasileiros e das brasileiras. A bandeira da violência é sempre levantada pelo capitalismo para superar as suas crises, sejam as guerras no Oriente Médio ou as ditaduras, o fascismo e os golpes de Estado em nossa região. Contra esse projeto, levantamos a bandeira da esperança, na construção coletiva rumo a uma sociedade mais justa e igualitária, em que nosso povo, com pão, terra, teto, trabalho e justiça ambiental, carregue em seu coração a paz e um livro na mão.

* Coluna publicada originalmente em 13 de Setembro em https://www.brasildefato.com.br/2022/09/13/a-violencia-politica-como-uma-estrategia-eleitoral

Political violence as an electoral strategy

 

Carelessness of the federal government and violence stimulated by its members’ speeches are constantly denounced in protests all over the country. Credit: Carol Ferraz/ ATBr

The advance of fascist governments, connected with the new neoliberal offensive in Latin America, has its roots in the growing political violence. This geopolitical corner has witnessed its use as a strategy to control the consciences of the masses. Since the 2016 coup in Brazil, the escalating hatred has been useful for authoritarian governments to implement antidemocratic policies founded on narratives of attack to the country’s political institutions. While the people get lost in the opium of the supposed fight against corruption, neoliberalism advances brutally over their rights.

We have seen the impeachment of former president Dilma drowning us into a sea of political violence. It is impossible not to remember the brutality of the speeches in the National Congress as of the voting of the forfeiture, among which that of the present president saluting the men who tortured Dilma during the dictatorship. Or even the sad murder of councillor Marielle Franco and of Anderson Gomes on 14 March 2018. Political violence as a weapon of candidates was widely used in the 2018 elections – it suffices to remember all the misogyny suffered by candidate to vice-presidency Manuela D’Ávila – and is present in this year’s elections as well. The murder of capoeira master Moa do Katende in that same year in Bahia, like others, was motivated by an elitist, misogynous, racist and colonial discourse against progressive political leaders, defenders of human rights and the rights of the peoples. Those violent actions take place through verbal and symbolic means, attacks on social networks, defamation of image, distortion of facts and even threats and attacks to people’s lives.

The power of political violence as a weapon of (mis)education of masses is cruel. It is structured as hate speech connected with negationism (of history, science, facts, knowledge, etc), which strengthens extremist and antidemocratic groups, while completely ignoring civilising pacts like civil and political rights. The use of that violence as a political tactic in the region is quite emblematic. The 2019 coup in Bolivia still echoes in our memories: extremist groups did not accept the outcome of the elections and, through brute force, took over the State. An iconic image of intolerance is when the mayor of Vinto, Patrícia Arce Guzman, was dragged along the streets by a mob, her hair cut, painted pink, forced to walk barefoot for many blocks.

It is hard when those facts become so common that we naturalise their violence. In the last weeks only, there was the attack suffered by the brother of the president of Chile, Gabriel Boric, in a tense context of voting for the approval of the new constitution. Also, the gun pointed at Argentina’s former president Cristina Kirchner. It happens on a daily basis in Brazilian politics, in all presidential speeches of Jair Bolsonaro, especially the one last 7 September, in which hate speech was delivered towards other candidates, the democratic institutions and popular movements. In July this year, Marcelo Aloizio Arruda, one of the leaders of PT, was killed by gunshot in his birthday party by federal policeman Jorge José da Rocha Guaranho, who invaded the event in Foz do Iguaçu, state of Paraná, shouting “Here we’re Bolsonaro!”. Such a phenomenon, along with so many other tragic examples, have lowered the level of the electoral debate, bringing about the apathy of the masses towards central issues in politics such as the fight against hunger and unemployment, and the elaboration of governmental programmes and social policies. That brings forward to the public arena conservative values like religious and sexual intolerance, spreading of white male dominance, gun culture and militarism.

 

Data on the rise of violence

A study of the organisation Land of Rights, carried out between 2016-2020, registered 327 cases of political violence, most of which murders and attacks, with the states of RJ, MG, CE, MA and PA being the leaders in occurrences. Researches point out that those cases are concentrated in the countryside, and more directed towards councillors. That happens because in those places, relationships of complicity are developed between violence, the control of the local political institutions and the media, in a complex network organised to guarantee the interests of the local elites, as informed in the Political Violence Guide, elaborated by the Brazilian Committee of Human Rights Defenders.

In that scenario, two important normative marks were approved in 2021: law nº 14.197/2021, which promoted changes in the Criminal Code, considering as crimes the attack to democratic institutions and the operationality of the electoral process, with penalties which may vary from 3 to 12 years in prison. The other mark was Law 14.192, also from 2021, which establishes norms for combating political violence against women, promoting changes in the Electoral Code and the laws of political parties and elections. We know that over women’s bodies weighs the burden of patriarchy, so that type of violence is articulated with sex and gender violence, imposing other forms of expression and practice on the women who are leaders in politics and in the defence of the land, communities, common goods and nature, such as inciting “collective rape”, domestic violence and spanking the children.

Although the legislation recognises those problems, its applicability is very weak. There are few cases of investigation and accountability for those crimes. One should only observe that throughout this year, many protesters, MPs and the very president of the Republic have stated unfounded claims about the electoral system, with attacks to the Superior Electoral Court (TSE) and the Supreme Federal Court (STF), which would imply their ineligibility. However, they remain unpunished. Certainty of impunity is so high that on 7 September in Rio de Janeiro, the first lady felt comfortable enough to say out loud: “Bolsonaro was clear in his message to the STF”.

Agents from the high spheres of power in Brazil use their social networks, the State’s communication structures and WhatsApp lists to spread misinformation and hate. The distorted facts, once spread, cause damage and convince a great number of followers. It works like a cult interconnected by hate speech towards common political figures, institutions and democratic procedures. Such sacralisation of politics is so symbolic that it establishes a connection between violence and religious symbols. One example of that is neo-Pentecostal sectors associating candidates to demons. The fragility of the critical sense of the masses gives roots to those processes, making it even more challenging to raise awareness about the reconstruction of democracy.

The political construction we want

Several organisations of human rights have been building mechanisms to fight political violence. In December 2021, the National Human Rights Council (CNDH) led the composition of the Memorandum of Understanding for Democracy, produced by the Office of the National Ombudsman (PFDC), Public Defender Office (DPU) and the Commission of Human Rights and Minorities of the Chamber of Deputies, aiming to establish a cooperation between those entities to promote the defence of democracy in Brazil by strengthening the norms, institutions and procedures. Likewise, TSE has been releasing informative campaigns about the electoral process, the security of auditable vote and the creation of channels for denouncing political violence.

That soil of violence is not fertile enough to sprout a political project which can deal with the necessities of the Brazilian people’s concrete lives. The flag of violence is always waved by capitalism to overcome its crises, be them the wars in the Middle East or dictatorships, fascism and the coups d’état in our region.  Against that project we raise the flag of hope, in a collective construction towards a fairer and more egalitarian society, in which our people may have bread, land, roof, work and environmental justice; and we may have peace in our hearts and a book in our hands.

* This article was originally published in Portuguese on the website of the Brasil de Fato newspaper in https://www.brasildefato.com.br/2022/09/13/a-violencia-politica-como-uma-estrategia-eleitoral

La violencia política como una estrategia electoral

Desatención del gobierno federal y violencia estimulada por los discursos de sus integrantes son denuncias constantes en protestas por todo el país. Crédito: Carol Ferraz/ ATBr

El avance de gobiernos fascistas, unidos a la nueva ofensiva neoliberal en América Latina, se ha apoyado en la producción y profundización de la violencia política. Este rincón geopolítico ha visto el uso de la misma como una estrategia para controlar la conciencia de las masas. Desde el golpe de 2016 en Brasil, la escalada de odio ha servido para que gobiernos autoritarios puedan implementar políticas antidemocráticas, fundadas en narrativas de ataque a las instituciones políticas del país. Mientras el pueblo se pierde en el opio del supuesto combate a la corrupción, el neoliberalismo avanza brutalmente sobre sus derechos.

Vivimos el proceso de impeachment de la ex presidenta Dilma hundiéndonos en un mar de violencia política. ¿Cómo no recordar la brutalidad de los discursos en el Congreso Nacional en el momento de la votación de la casación? Entre ellos estaba el actual presidente, saludando a los que torturaron a la presidenta durante la dictadura. O aún, el triste asesinato de la concejala Marielle Franco y de Anderson Gomes el 14 de marzo de 2018. La violencia política como arma de candidatos fue ampliamente usada en las elecciones de 2018: recordemos toda la misoginia sufrida por la candidata a la vicepresidencia Manuela D’Ávila, y está presente también en estas elecciones. El asesinato del maestro de capoeira Moa do Katende, aquel mismo año en Bahia y todas esas acciones son movidas por un discurso elitista, misógino, racista y colonial contra liderazgos políticos progresistas, defensoras/es de derechos humanos y de los pueblos. Se realizan por medio verbal o simbólico en el ataque en redes sociales, en la difamación de la imagen, en la distorsión de los hechos e incluso en amenazas y atentados contra la vida.

El poder de la violencia política como arma de (des)educación de las masas es cruel. Se estructura como un discurso de odio, asociado al negacionismo (de la historia, de la ciencia, de los hechos, de los saberes…), que fortalece grupos extremistas y antidemocráticos, ignorando completamente pactos civilizatorios como derechos civiles y políticos. El uso de esa violencia como táctica política en la región es bastante emblemático. Todavía reverbera en nuestra memoria el golpe de 2019 en Bolivia, cuando grupos extremistas no aceptaron el resultado electoral y, por medio de fuerza bruta, tomaron el Estado. La imagen de la intolerancia se hizo presente en la imagen de la alcaldesa de Vinto, Patrícia Arce Guzmán, siendo arrastrada por manifestantes, tirada en la calle, pelo cortado, pintada de rosa, obligada a andar descalza por muchas cuadras.

Es difícil cuando esos hechos se vuelven tan cotidianos que ya naturalizamos esa violencia. Solo en las últimas semanas tuvimos el ataque sufrido por el hermano del presidente de Chile, Gabriel Boric, en un contexto tenso de votación por la aprobación de la nueva constitución. De igual manera, el arma apuntada para la ex presidenta Cristina Kirchner. En el cotidiano de la política en Brasil, en todos los discursos presidenciales de Jair Bolsonaro, destacadamente el del último 7 de Setiembre, en el cual palabras de odio fueron proferidas a otros candidatos, a las instituciones democráticas y a los movimientos populares. En julio de este año, el dirigente petista Marcelo Aloizio Arruda fue muerto por disparos en su fiesta de cumpleaños por el policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho, quien invadió el evento en Foz do Iguaçu, estado de Paraná, a los gritos de “¡Acá es Bolsonaro!”. Tal fenómeno, como otros tantos ejemplos trágicos, ha rebajado el debate electoral, construyendo una apatía de las masas a los temas centrales de la política como el combate al hambre y al desempleo, y la construcción de programas de gobierno y de políticas sociales, trayendo para la arena pública valores conservadores como intolerancia religiosa y sexual, difusión de la dominación blanca y masculina, cultura de armas y militarismo.

Datos de la escalada de violencia

Un estudio de la organización Tierra de Derechos, realizado entre 2016-2020, registra 327 casos de violencia política, en su mayoría asesinatos y atentados, siendo RJ, MG, CE, MA y PA los estados con más ocurrencias. Apunta la investigación que eses casos están concentrados en el interior del país, estando más direccionados a concejales. Eso porque en esas localidades se establecen relaciones de complicidad entre la violencia, el control de las instituciones políticas locales y los medios de comunicación, en una compleja red organizada para asegurar los intereses de las élites locales, como destaca la Guía Violencia Política elaborada por el Comité Brasileño de Defensoras y Defensores de Derechos Humanos.

Frente a este escenario, dos importantes marcos normativos fueron aprobados en 2021: la Ley n.º 14.197/2021, que promovió cambios en el Código Penal, determinando como crímenes el ataque a las instituciones democráticas y a la operación del proceso electoral, con penas que pueden variar de 3 a 12 años de detención. Otro marco fue la Ley 14.192, también de 2021, que prevé normas para el combate a la violencia política contra la mujer, promoviendo cambios en el Código Electoral y en las leyes de los partidos políticos y de las elecciones. Sabemos que sobre los cuerpos de las mujeres pesan las marcas del patriarcado, entonces ese tipo de violencia se articula con la violencia sexual y de género, imponiendo a las mujeres que están en el liderazgo político y en la defensa de los territorios, comunidades, bienes comunes e de la naturaleza otras formas de expresión de la práctica, como la incitación a la “violación colectiva”, a la violencia doméstica, a la agresión a los hijos.

Aunque la legislación reconozca tales problemas, su aplicación se encuentra bastante débil; pocos son los casos de pesquisa y responsabilización por esos crímenes. Basta con observar que, durante todo este año, diversos manifestantes, parlamentares y el mismo presidente de la República han proferido alegaciones infundadas sobre el sistema electoral, con ataques al Tribunal Superior Electoral (TSE) y al Supremo Tribunal Federal (STF), que ya implicarían en su inelegibilidad. Sin embargo, siguen impunes. La certidumbre de la impunidad es tan grade que el 7 de septiembre, en Rio de Janeiro, la primera dama se sintió confortable como para decir públicamente: “Bolsonaro ha sido claro en su mensaje al STF”.

Agentes de alta esfera pública en Brasil usan sus redes sociales, las estructuras de comunicación del Estado y listas de WhatsApp para difundir desinformación y odio. Los hechos distorsionados, una vez diseminados, producen sus daños y convencen a una gran cuantidad de seguidores. La cosa funciona casi como una secta interconectada por la manifestación de odio contra figuras políticas comunes, instituciones y procedimientos democráticos. Tal sacralización de la política es tan simbólica que se establece una conexión entre violencia y símbolos religiosos, tal como sectores neopentecostales que defienden la asociación de candidatos a demonios. La fragilidad del sentido crítico de las masas hace que esos procesos sean enraizados, volviendo aún más desafiador ampliar las conciencias en la reconstrucción de la democracia.

La construcción política que queremos

Varias organizaciones de derechos humanos han construido mecanismos para combatir la violencia política. En diciembre de 2021, liderados por el Consejo Nacional de Derechos Humanos (CNDH), se compuso el Memorándum de Entendimiento por la democracia, producido por la Procuraduría Federal de los Derechos del Ciudadano (PFDC), Defensoría Pública de la Unión (DPU) y la Comisión de Derechos Humanos y Minorías de la Cámara de Diputados, visando establecer la cooperación entre las entidades para promover la defensa de la democracia en Brasil por medio del fortalecimiento de normas, instituciones y procedimientos. De igual manera, el TSE ha lanzado campañas informativas sobre el proceso electoral, la seguridad del voto auditable y la creación de canales para denuncia de violencia política.

Ese suelo de violencia es poco fértil para brotar un proyecto político capaz de manejar las necesidades de la vida concreta de los brasileños y de las brasileñas. La bandera de la violencia es siempre levantada por el capitalismo para superar sus crises, sean las guerras en Oriente Medio o las dictaduras, el fascismo y los golpes de Estado en nuestra región. Contra ese proyecto, levantamos la bandera de la esperanza, en la construcción colectiva rumbo a una sociedad más justa e igualitaria, en que nuestro pueblo, con pan, tierra, techo, trabajo y justicia ambiental, lleve en el corazón la paz y en las manos un libro.

* Este artículo fue publicado originalmente en portugués en el sitio web del periódico Brasil de Fato el https://www.brasildefato.com.br/2022/09/13/a-violencia-politica-como-uma-estrategia-eleitoral

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