Arado S.A. projeto de morte, Yjere território de vida

Ponta do Arado, terra ancestral Guarani.

Ali coexistiram muitos mundos e realidades antes da invasão europeia, mas todos eles respeitaram, cultuaram forças que hoje parecem se voltar contra nossa sociedade. Na  Ponta do Arado –  Tekoá Yjere – diz Timóteo, cacique da aldeia: “A terra tem dono, não pode fazer o que quer!” 

Será que podemos dispor do meio de forma a beneficiar indivíduos, como se a “natureza” existisse para nós? Timóteo sabe da disparidade de forças entre um ser e todo o restante.

Qual o limite para nossas aventuras e prazeres pessoais? 

Qual o limite de nossa tolerância diante grandes predadores assassinos?

A “natureza” está sendo devorada e não percebemos?

Na Ponta do Arado, a “natureza” está vencendo quando um agente de um sistema judiciário, de nossa sociedade, barra esta devoração em forma de um megaempreendimento imobiliário, um  verdadeiro projeto de morte para o Arado.

A agente pública ajuíza este projeto como sendo “frágil”, uma devoração frágil por não considerar os mundos e verdades vividas e viventes naquele ambiente: “O projeto é demasiadamente frágil, desamparado de qualquer estudo ou fundamento capaz de rechaçar os riscos, problemas e impactos ambientais e urbanísticos apontados pelo Ministério Público”.

Sua decisão aponta os devoradores, prefeitura e Câmara Municipal de Porto Alegre, aliados com interesses da Arado Empreendimentos LTDA. Num tempo de sentirmos em nossos corpos aquilo que nos parece difícil entender, os fenômenos catastróficos da “natureza”, e como menciona a agente, “riscos ambientais intoleráveis”, e mesmo assumindo a ideia de controle e proibição na tutela ecológica, a agente pública, em uma lógica de tentativa de salvamento, auto-salvamento, diz: “o intento legislativo municipal desconsidera os interesses culturais, paisagísticos, ambientais, urbanísticos, históricos e arqueológicos, menosprezando o impacto sobre as populações indígenas e desafiando o Estatuto da Cidade”, diz a decisão.

A agente continua a sentença: “Ambiente é definido, constitucionalmente, como um bem de uso comum do povo e resultado das relações do ser humano com o tecido natural que lhe circunda”. Édis Milaré, autor da frase, auxilia na construção do argumento e reflete a relação de uso do meio ferindo a perspectiva dos povos indígenas, pois para estes o equilíbrio no meio é igual a uma existência plena entre todos os seres.

Com a decisão judicial, Timóteo comemora a vida. Que bom para todos nós! Ao fim e ao cabo, a Ponta do Arado é um Território de Vida – Yjere.

Uma batalha ganha em uma guerra que já dura mais de 2 mil anos.

Texto por Carmem Guardiola, da Amigas da Terra Brasil

Vitória! No início de Junho, a Justiça do Rio Grande do Sul julgou procedente a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra o município de Porto Alegre, a Câmara Municipal e a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A., declarando a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022, que visava modificar o regime urbanístico da área Fazenda do Arado, no Extremo Sul da Capital gaúcha, com a finalidade de beneficiar um empreendimento imobiliário.

A Fazenda do Arado é rica em biodiversidade, possui relevante patrimônio histórico, paisagístico e arqueológico, além de ser uma área natural para o amortecimento de cheias do Rio Guaíba. Na área da Ponta do Arado fica a retomada indígena Yjere do Arado Velho, que pede a realização de estudos e demarcação da área como terra Mbya Guarani. Esta questão tramita na Justiça Federal. Mais informações aqui



Justiça declara nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 que favorece empreendimento imobiliário na Fazenda do Arado

Acesse o arquivo pdf da decisão judicial

Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do RS contra o Município de Porto Alegre/RS, a Câmara Municipal de Porto Alegre e a empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A. (processo nº5107966-40.2021.8.21.0001) foi julgada procedente em 05.06.2024 para declarar a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 que visava modificar o regime urbanístico da área denominada Fazenda do Arado com a finalidade de beneficiar empreendimento imobiliário.

A juíza Patrícia Antunes Laydner, da 20ª Vara Cível e de Ações Especiais da Fazenda Pública do Foro da Comarca de Porto Alegre, afirmou que a alteração do zoneamento urbano pretendida pelo município exige a apresentação de estudos técnicos aptos a considerar os interesses culturais, paisagísticos,
ambientais, urbanísticos, históricos, arqueológicos e de populações indígenas, como determina o artigo 42-B do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), o que não ocorreu.

Assim, restou determinado pelo Poder Judiciário do Estado do RS:

  • a declaração da nulidade da Lei Complementar Municipal nº. 935/2022 impondo ao Município de Porto Alegre que se abstenha de realizar quaisquer licenciamentos, regularizações e/ou recolhimentos de contrapartida com base na legislação declarada nula;
  • o deferimento da liminar para determinar a imediata suspensão da aplicação da Lei Complementar Municipal nº. 935/2022;
  • a condenação da empresa Arado – Empreendimentos Imobiliários S.A. ao pagamento das custas processuais.

Trata-se de uma decisão de primeira instância da qual poderão vir a ser interpostos recursos. Aventamos ainda para eventual nova investida que vise legitimar a urbanização da Fazenda do Arado.

Portanto, a campanha #PreservaArado reafirma e fortalece a luta contínua em defesa desta que é uma área de alta significância para a cidadania considerando seu incomparável patrimônio socioambiental, antropológico e histórico.

Entendemos que é necessário que o poder público realize uma avaliação da proposta popular para criação de uma unidade de conservação, um Parque Natural na Fazenda do Arado como forma de resguardar o patrimônio natural, histórico e cultural de Porto Alegre, em especial da Zona Sul, considerando fortemente adotar a mesma por se tratar de uma ação positiva para o
enfrentamento e adaptação aos eventos climáticos extremos, cada dia mais intensos.


Histórico de tentativas ilegais de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado para beneficiar empreendimento imobiliário

A Lei Complementar nº 935/2022, declarada nula no dia de 05.06.2024, se trata da terceira tentativa de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado.

primeira tentativa ilegal de expandir o perímetro urbano de Porto Alegre para urbanizar a Fazenda do Arado – 426 hectares de área de produção primária (zona rural) e de proteção do ambiente natural (APAN) às margens do Guaíba – ocorreu no ano de 2015 através de projeto de lei de iniciativa do prefeito (PLCE 005/2015) durante a gestão José Fortunati/Sebastião Melo (2013-2016). O projeto de lei foi aprovado pela Câmara Municipal e deu origem à Lei Complementar nº 780/2015.

Após denúncia da cidadania e de organizações sociais em defesa do direito à cidade e do patrimônio socioambiental coletivo, o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública diante da ausência de realização de audiência pública.

Em 19.12.2019 a juíza Nadja Mara Zanella, nos autos do processo nº 001/1.17.0011746-8 (CNJ 0016069-55.2017.8.21.0001), declarou a ilegalidade da Lei Complementar nº 780/2015 e de todo o processo que levou a sua edição pois não foi realizada audiência pública com ampla divulgação pelo Poder Legislativo, a qual era obrigatória.

segunda tentativa ilegal de modificar o regime urbanístico da Fazenda do Arado ocorreu no ano de 2020 através do PLCL nº 016/20, Projeto de Lei Complementar do Poder Legislativo, por iniciativa do vereador Professor Wambert (PTB).

O PLCL nº 016/20 reeditava o texto da Lei Complementar nº 780/2015, declarada ilegal no final do ano de 2019.

Aprovado pela Câmara Municipal, o PLCL nº 016/20 proposto por integrante do Poder Legislativo (vereador), foi totalmente vetado pelo prefeito Sebastião Melo pois continha vício de iniciativa, ou seja, apenas o Poder Executivo (prefeitura), com base em suas informações e estudos, pode propor projetos de lei que tratam do planejamento urbano e de suas modificações.

Já a terceira tentativa ilegal de ajustar o regime urbanístico da Fazenda do Arado aos interesses do empreendedor imobiliário se tratou de mais uma iniciativa do Poder Executivo Municipal (PLCE 024/21) por parte da gestão de Sebastião Melo/Ricardo Gomes (2020-2024).
A proposta do prefeito foi aprovada pela Câmara Municipal e deu origem à Lei Complementar nº 935/2022.

Novamente o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública (processo nº 5107966-40.2021.8.21.0001) onde alegou a ausência de estudos técnicos* necessários para fundamentar a alteração do regramento urbanístico para ampliação do perímetro urbano de Porto Alegre.

Em 05.06.2024, Dia Mundial do Meio Ambiente, foi proferida sentença declarando a nulidade da Lei Complementar nº 935/2022 uma vez que a regra proposta e aprovada não atende às exigências da lei previstas no artigo 42-B do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).

*O Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) elaborado pelo empreendedor imobiliário e apresentado para a prefeitura no ano de 2013 para subsidiar a Lei Complementar nº 780/2015 (declarada ilegal) foi objeto de denúncia pela campanha Preserva Arado por apresentar falhas técnicas. Após instaurado o
Inquérito Policial nº. 199/2016/700705-A para investigar o caso o mesmo foi finalizado com a conclusão de que o estudo era falso, omisso e incompleto, portanto não se tratava de um estudo válido para embasar o projeto de lei que deu origem à Lei Complementar nº 935/2022.

Texto originalmente publicado em: https://preservaarado.wordpress.com/justica-declara-nulidade-da-lei-complementar-no-935-2022-que-favorece-empreendimento-imobiliario-na-fazenda-do-arado/ 

Marcha pelo Clima responsabiliza culpados pelas enchentes no RS e pauta relação com capitalismo de desastre

Na sexta-feira (31/05), vozes ecoaram pela capital gaúcha alertando que as enchentes que atingem o RS têm causas e culpados. A juventude organizada, partidos políticos, movimentos sociais, organizações ambientalistas e pessoas afetadas estiveram na Marcha pelo Clima, ato organizado pelo Eco Pelo Clima  junto a outras organizações, como a União Estadual dos Estudantes.

Concentração do ato pelo clima na Esquina Democrática, Centro de Porto Alegre (RS) | Crédito: Carolina C., ATBr

Embalado por cantos como “essa chuva não é normal, capitalismo é desastre ambiental” e “Do Lami ao Sarandi, prefeito Melo eu não te vi”, somados a gritos de “Fora Leite” e “Fora Melo”, o ato denunciou o descaso de governantes com o povo e a responsabilidade do sistema capitalista na emergência climática. Destacou, ainda, a relação da devastação da natureza, imposta por projetos políticos que colocam o lucro acima da vida, com o atual cenário de enchentes no RS.

Ato marcha até Palácio do Piratini, mencionando regiões afetadas de Porto Alegre e descaso do governo do estado e municipal com atingides | Crédito: Carolina C., ATBr
Crédito: Carolina C., ATBr
Performance de estudantes de teatro do Levante Popular da Juventude aponta os culpados | Crédito: Carolina C., ATBr

A tragédia também é política. E na receita deste caos anunciado, está a decisão do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), assim como do governador do estado, Eduardo Leite (PSDB), em ignorar avisos há tanto proferidos por ambientalistas, movimentos sociais, organizações por justiça socioambiental e cientistas. Está, também, a falta de investimento destes em políticas públicas e as ações de desmonte e sucateamento do que é público. Nas privatizações massivas, no desmonte da proteção ambiental e no avanço do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária, que nos trazem a um profundo desequilíbrio ecológico.

Na concentração do ato, na Esquina Democrática, uma faixa anunciava: “Essa enchente é movida a carvão”. O RS concentra 90% das reservas de carvão do Brasil, e é o estado cotado para ser “a nova fronteira minerária do país”. Junto ao petróleo e ao gás, figurando na indústria fossilista, o carvão é um dos principais fatores de emissão de CO2 na atmosfera, gás de efeito estufa que mais acelera o aquecimento global e a emergência climática.

Durante ato, foi memorado o troféu ‘Motosserra de Ouro’, entregue por entidades ambientalistas a Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre durante protesto contra a concessão de parques e praças públicas da capital, em novembro de 2023 | Crédito: Carolina C., ATBr
O avanço do agronegócio e de políticas neste sentido, como a de liberação de agrotóxicos, potencializa a emergência climática, relacionada diretamente ao capitalismo de tragédias | Crédito: Carolina C., ATBr

O governo de Eduardo Leite privatizou serviços complicando o acesso e a qualidade destes, dilacerou o código ambiental do RS, flexibilizou a legislação ambiental e abriu brecha para que grandes empresas e os ricos que lucram com o carvão, com a mineração, cravem suas garras em territórios de vida. O mesmo ocorre quanto ao agronegócio, outra atividade de alto impacto socioambiental negativo e que nos traz a emergência climática – defendida por Leite e em expansão no RS. Ao menos 20% da geografia do estado é monocultivo de soja para exportação, o que além de tudo nos mantém em uma relação de dependência do capital estrangeiro, minando a soberania. Todos estes são fatores que agravam a situação trágica, hoje vivida na pele por mais de dois milhões de gaúchos afetados. De acordo com a última atualização da Defesa Civil (01/06 – 9h), são 475 municípios afetados,
37.812 pessoas em abrigos, 580.111 desalojadas, 806 feridas, 43 desaparecidas e 171 óbitos confirmados.

As mudanças climáticas estão nos matando, decretar emergência climática já | Crédito: Carolina C., ATBr

Em marcha até o Palácio do Piratini, o ato contou com falas salientando que o povo não merece cidades provisórias ou de lona, como as que Sebastião Melo insiste em implementar, em total descaso com o povo, especialmente jovem, negro, ribeirinho, indígena e periférico.  Houve denúncia da cidade provisória que o Prefeito Sebastião Melo insiste em querer criar no Complexo do Porto Seco. Na mesma data do ato, 31 de maio de 2024, Melo anunciou pela manhã plano realizado com apoio da Alvarez & Marsal, especialista em processos de gentrificação social e privatização, além de limpeza de nome dos responsáveis por tragédias. 

A privatização de parques e praças públicas também faz parte de um projeto político contra o povo e a natureza | Crédito: Carolina C., ATBr
Crédito: Carolina C., ATBr

No ato foi abordado o racismo ambiental que eclode em solo gaúcho, e que também existe na Palestina ocupada, que vive um processo de colonização e genocídio pelo Estado de Israel. Pauta presente, que contou também com fala e momento de silêncio em respeito às vítimas palestinas do processo de colonização, apartheid social, violência e limpeza étnica promovida pelo Estado de Israel contra o povo palestino. 

Após segunda concentração do ato pelo clima, no Palácio do Piratini, manifestantes se somaram a outra manifestação, que teve ponto de encontro no Largo do Zumbi dos Palmares e foi organizada por moradores e comerciantes do bairro Cidade Baixa, também afetado pela enchente. A marcha seguiu pelas ruas do bairro, pautando com mais força o Fora Leite e Fora Melo.

Juventude pauta que a natureza não é a culpada e responsabiliza Melo e Leite pela tragédia do RS, durante marcha na Cidade Baixa | Crédito: Carolina C., ATBr

Não há justiça climática sem justiça social. O mesmo sistema capitalista, racista e patriarcal que causa a morte de rios, florestas e biomas, é o que retira direitos da classe trabalhadora, suas casas, sua saúde, as condições de vida digna e os territórios dos povos. Quando um território é afetado, todos são. As fronteiras coloniais impostas pelo mundo capitalista não nos servem, e tampouco as águas que avançam após serem represadas por projetos de morte pedem licença para passarem de uma fronteira a outra.

Que na confluência das lutas, e nesse entendimento, sejamos capazes de somar forças e organizar a revolta. Demandando direitos, a começar pelo investimento em políticas públicas que considerem a emergência climática, construídas a partir das demandas e necessidades dos territórios, e em diálogo permanente com atingides.

É preciso mudar o sistema | Crédito: Carolina C., ATBr
A Amigas da Terra Brasil esteve presente no ato, e em breve relato de Conceição Vidal abordará mais pontos sobre racismo ambiental nas cidades. Acompanhe as redes da ATBr e fique por dentro

Seguimos na luta!

Leia também a nota de posicionamento da Amigas da Terra Brasil  “INUNDAÇÃO NO RS: A emergência é climática, a responsabilidade é política. A solidariedade, a nossa força”

 

Sociedade civil cobra do poder público ação direcionada a povos indígenas na catástrofe climática no Rio Grande do Sul – Leia a carta pública

Documento assinado por 17 entidades reúne informações e propostas para o enfrentamento dos impactos das enchentes

Por Assessoria da CGY

Durante a situação de calamidade pública causada pelas fortes chuvas no estado do Rio Grande do Sul  uma rede de diversos atores vem prestando apoio direto às comunidades atingidas pelas enchentes.

A articulação indigenista no RS tornou pública uma carta direcionada aos órgãos públicos, na qual pressionam o governo a cumprir seu papel institucional e destacam as ações de solidariedade realizadas em rede. O documento foi divulgado na tarde desta quinta-feira (16/5), e reúne informações e propostas para o enfrentamento dos impactos das enchentes enquanto seus efeitos persistirem. (Acesse a íntegra da carta clicando neste link ou leia abaixo).

A carta afirma a necessidade de as demandas emergenciais das aldeias passarem a ser tratadas como parte das políticas assistenciais e de gestão ambiental e territorial contemplando todos os territórios com recursos financeiros, estrutura física e recursos humanos, e o texto remarca que os povos indígenas constituem os povos indígenas constituem “os maiores agentes de enfrentamento à crise climática global”, uma vez que são os primeiros a sofrer com as piores consequências da devastação ambiental.

Se faz necessário, então, que as demandas emergenciais das aldeias passem a ser tratadas como parte das políticas assistenciais e de gestão ambiental e territorial, visando atender a todos os territórios, com recursos financeiros, estrutura física e de pessoal. Sem olvidar que os povos indígenas constituem os maiores agentes de enfrentamento à crise climática global, ao passo em que são os primeiros a sofrerem as piores consequências da devastação ambiental. – Trecho da carta pública da articulação indigenista no RS

A rede é composta por representantes de 17 entidades, dentre elas a CGY, e já articulou esforços para atender as demandas emergenciais das 64 comunidades indígenas afetadas dos povos Guarani, Laklãnõ, Kaingang e Charrua, fazendo chegar doações de comida, água e itens básicos a mais de 1.300 famílias, em 35 municípios.

Na avaliação de Roberto Liebgott, que participa do coletivo enquanto membro do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), “agora é a parte do estado”, ressaltando que a atuação da frente de apoio foi realizada mesmo sem estrutura organizacional nem física, “com nossas limitações, mas muito estimuladas pelas organizações indígenas”.

O coletivo enfatiza a responsabilidade do poder público em implementar medidas concretas e duradouras para garantir a segurança e bem viver das comunidades indígenas na região, remarcando que o papel assistencialista foge ao escopo de atuação das organizações, apesar dos esforços ora catalisados no momento crítico da situação.

        




Leia a carta na íntegra abaixo: 
Carta-Aberta-da-Articulacao-Indigenista_Calamidade_Maio_2024

Carta na íntegra originalmente publicada em :  https://www.yvyrupa.org.br/2024/05/16/sociedade-civil-cobra-do-poder-publico-acao-direcionada-a-povos-indigenas-na-catastrofe-climatica-no-rio-grande-do-sul-leia-a-carta-publica/ 

Artículo: El desastre climático de Rio Grande do Sul corre a cuenta del capital

Con un gobierno estatal que ha promovido una serie de ajustes fiscales, ha autorizado la deforestación de áreas de protección ambiental, ha desmantelado la ley estatal contra los pesticidas, privatizado los servicios públicos y adoptado políticas de austeridad para su población, Rio Grande do Sul se enfrenta a una crisis climática sin precedentes en su historia. Es necesario reflexionar sobre la totalidad del problema y recordar que las lluvias y las inundaciones de las ciudades son consecuencia de una serie de hechos que vienen siendo denunciados por los movimientos y organizaciones populares de Rio Grande do Sul desde hace medio siglo.

Esta vez, casi todos los 497 municipios de RS se han visto afectados por las inundaciones. Al menos un millón y medio de personas han sido afligidas, y el regreso de las lluvias torrenciales en el fin de semana ha reforzado aún más este panorama. Pero estas cifras no explican por qué los impactos medioambientales no se distribuyen por igual. Las mujeres, los cuerpos negros, las comunidades periféricas, las personas que viven en la calle, los trabajadores en paro y las personas en situación precaria de vivienda son quienes más sufren los impactos de las inundaciones. Siempre son los más vulnerables los que más sufren, y también los menos responsables del problema. Esta desigualdad estructural del capitalismo, construida sobre el patriarcado y el genocidio colonial, así como la lucha de clases, debe ser considerada desde la perspectiva de la Justicia Ambiental, así como en la lucha contra el Racismo Ambiental.

Lo que vive la población de Rio Grande do Sul refleja la bancarrota de un sistema económico que centra sus intereses en la obtención de beneficios para una pequeña parte de la población. Toda la explotación de estas riquezas se sustenta en una extracción intensa y desorganizada de bienes y recursos naturales. En las últimas décadas, este sistema se ha destruido exponencialmente, sin poder seguir el ritmo de los ciclos de regeneración de la tierra y las aguas. Seguimos reproduciendo una mentalidad de dominación sobre la naturaleza, en lugar de armonía con ella, como nos enseñan los pueblos originarios. Las escenas que vemos en Porto Alegre, la capital de Rio Grande do Sul, demuestran que no hay fronteras para el agua y, al mismo tiempo, que ya hemos sobrepasado los límites de sostenibilidad del planeta Tierra para la sociedad capitalista.
Uno de los resultados de traspasar los límites de la relación entre el ser humano y la naturaleza es la producción de un nuevo tipo de refugiados: los refugiados climáticos.

Mientras que hoy en día muchas personas en el mundo se ven obligadas a abandonar su tierra natal a causa de las guerras, en busca de mejores condiciones de vida, y se ven forzadas a emigrar a otros países. El número de personas que emigran a causa de sequías, inundaciones y huracanes no deja de crecer. La Agencia de la ONU para los Refugiados (ACNUR) calcula que, en 2020, cerca de 30,7 millones de personas fueron desplazadas por catástrofes relacionadas con el clima. El Banco Mundial calcula que 17 millones de personas en América Latina tendrán que abandonar sus hogares por cuestiones medioambientales. El Observatorio de Desplazamiento Interno (IDMC) afirma que 708.000 brasileños emigraron como consecuencia de desastres naturales en 2012. La única causa de esta realidad es la explotación depredadora de la naturaleza, lo que es, por tanto, una decisión política.

Pero lo que hace que la tragedia climática de Rio Grande do Sul sea tan impactante y mediática no es la magnitud de los daños ni el número de personas afectadas. Lo chocante es ver la fuerza de las aguas retomando su curso e invadiendo también casas, barrios y municipios que, según la ley del capital financiero, deberían estar a salvo de las penurias reservadas sólo a las clases subalternas. La perplejidad de la catástrofe es la constatación por parte de la pequeña, media y gran burguesía de que, por mucho que se empeñen en ignorar la emergencia climática, ésta no desaparecerá.

Aunque hoy el sufrimiento afecta de forma desproporcionada a comunidades cruzadas por marcadores de clase, género y raza, la catástrofe de RS anuncia un futuro devastador para toda la sociedad, con ciudades enteras perdidas y más de 230.000 refugiados climáticos que ya no podrán regresar a sus hogares. Esto exige que identifiquemos quién tiene la culpa y por qué el statu quo de los negocios, el “business as usual”, no podrá dar las respuestas justas, democráticas y solidarias a gran escala que se necesitan. La lista es larga e histórica; tenemos que cobrar la deuda climática y cambiar el sistema. Pero tenemos que empezar por los más estrecha y directamente implicados.

Eduardo Leite (PSDB), actual gobernador del estado de Rio Grande do Sul, destruyó en 2019 la iniciativa del Código Ambiental del Estado, elaborado técnica y democráticamente hace nueve años a través de debates, audiencias públicas y diversas mejoras. El texto original del Código, del año 2000, contó con la contribución y movilización de organizaciones ecologistas pioneras en el estado y en Brasil, como Agapan (Asociación Gaucha de Protección al Ambiente Natural) y Amigas de la Tierra. Las propuestas más relevantes para enfrentar la crisis climática fueron completamente destruidas por la iniciativa de su gobierno, que alteró por lo menos 480 temas centrales. Fiel a la racionalidad corporativa y empresarial, Leite hizo todo lo posible para flexibilizar los requisitos vitales para facilitar la concesión de licencias ambientales a las megaempresas. Y cuando las aguas de la emergencia climática le “golpearon en el culo”, agradeció la solidaridad de Elon Musk y de la comunidad empresarial por su “ayuda humanitaria S.A.”.


En Porto Alegre, el intendente Sebastião Melo (MDB), sucesor del también derechista Nelson Marchezan Jr, que le dejó como legado la extinción del Departamento Municipal de Alcantarillados Pluviales (DEP), atravesó las inundaciones de 2023 y, ahora en 2024, con 19 de las 23 bombas de los sistemas de contención de inundaciones apagadas, con la falta de preparación, la precariedad y la falta de agua como sellos distintivos de su gestión. Lejos del caos, los fascistas piden que no se politice el debate climático y Melo dice a los ricos de la capital que se vayan a sus casas en la playa. Los municipios de la costa, no afectados por las inundaciones, se declaran en emergencia y piden ayuda al gobierno federal para acoger a los refugiados climáticos VIP, mientras el gobierno estadual les informa de su número PIX.

Es año de elecciones municipales en todo Brasil, y menos de 70 municipios de los 445 afectados por el desastre climático en Rio Grande do Sul habían solicitado, hasta el domingo (12 de mayo), ayuda de emergencia al gobierno federal, disponible para la compra de agua, combustible, artículos para cocinas comunitarias, equipamiento de refugios, entre otras cosas. Sólo puede ser por razones políticas, porque las razones humanitarias no los mueven. Aun así, los medios corporativos publican una encuesta sobre la percepción de responsabilidad y respuesta de los gobiernos federal, estatal y municipal ante la tragedia en Rio Grande do Sul, mostrando apoyo a los intendentes aliados a Bolsonaro que están vendiendo las ciudades al empresariado.


Desde la semana pasada, el gobierno federal ha proporcionado policías de la Fuerza Nacional y del Ejército para ayudar en los rescates y mantener la seguridad. También ha creado un grupo de trabajo, con la participación de varios ministerios y organismos públicos, para restablecer las rutas de acceso a las ciudades abandonadas y reconstruir las carreteras, reanudar los vuelos comerciales que utilizan la Base Aérea de Canoas y otros aeropuertos del interior de Rio Grande do Sul, ayudar a limpiar y reconstruir las ciudades, así como abordar otros aspectos de la crisis, como la educación y, especialmente, la sanidad. El pasado jueves (9/05), promulgó una medida provisional (MP 1216/24) que prevé 12 iniciativas, entre ellas la anticipación de prestaciones sociales y de los trabajadores, un descuento en los intereses de los programas de apoyo y financiación a los microempresarios individuales (MEI), las pequeñas y medianas empresas, la agricultura familiar y la agroindustria, 200 millones de reales para financiar proyectos de reconstrucción de infraestructuras en los bancos públicos y para reequilibrar las empresas.

El lunes (13/05), el gobierno de Lula anunció la suspensión del pago de la deuda de Rio Grande do Sul con el Gobierno Federal durante tres años. La medida se incluirá en un proyecto de ley complementario, que aún debe ser aprobado por el Congreso antes de ser sancionado por el presidente. Se espera que se tomen más medidas. El gobernador Eduardo Leite calcula que costará 19.000 millones de reales reconstruir el estado, pero algunos estiman que será mucho más.

Muchos de los que hoy lloran ante el desastre de Rio Grande do Sul son los mismos que alimentan la racionalidad depredadora que está en la raíz de lo que está ocurriendo en ese estado. El agronegocio y sus banqueros, las empresas transnacionales que invaden y saquean países, la especulación inmobiliaria, la desregulación ambiental y el negacionismo científico son ingredientes de lo que está ocurriendo. Y no son las lágrimas de cocodrilo las que podrán revertir este escenario. No son las falsas soluciones vendidas por el capital las que podrán resolver la crisis que estos mismos agentes están provocando.

A pesar de todo, cuanto mayor es la magnitud de la catástrofe, mayores son las manifestaciones de solidaridad desde abajo. Ellas preparan el camino para soluciones reales. En situaciones extremas, se hace visible la impotencia del Estado, capturado por las corporaciones, y el poder de las comunidades, grupos y colectivos organizados en movimientos sociales populares. Esta fuerza de solidaridad de clase es vital y necesita ser reconocida, potenciada y alentada para perpetuarse más allá de situaciones concretas de crisis y construir un poder popular capaz de cambiar el sistema. La gestación de un nuevo mundo empieza por superar los determinantes de la emergencia climática y reconocer que la solución no vendrá de arriba.

¡Sólo nos tenemos a nosotros!

* Artículo publicado originalmente en portugués en la web del diario Brasil de Fato en este enlace https://www.brasildefato.com.br/2024/05/14/desastre-climatico-no-rio-grande-do-sul-esta-na-conta-do-capital

Foto: Deriva Jornalismo e Fotografia

Article: The climate disaster in Rio Grande do Sul is on capital’s account


The climate disaster in Rio Grande do Sul is on capital’s account

With a state government that has promoted a series of fiscal adjustments, authorised the deforestation of environmental protected areas, dismantled the state law against pesticides, privatised public services and adopted austerity policies for its people, Rio Grande do Sul is facing a climate crisis that is unprecedented in its history. We need to reflect on the totality of the problem and remember that the rains and the flooding of the cities are the consequences of a series of factors that have been denounced by popular movements and organisations in Rio Grande do Sul for half a century.

This time, almost all of the state’s 497 municipalities were affected by the floods. At least one and a half million people have been affected, and the return of torrential rain over the weekend has further reinforced this picture. However, these figures do not explain why the environmental impacts are not distributed equally. Women, black bodies, peripheral communities, people living in the streets, unemployed workers and people in precarious housing situations suffer the most from the impacts of the floods. It is always the most vulnerable who suffer the most, despite being the least responsible for the problem. This structural inequality of capitalism, built on patriarchy and colonial genocide, as well as class struggle, must be considered from the perspective of Environmental Justice, as well as in the fight against Environmental Racism.

What the population of Rio Grande do Sul is experiencing reflects the bankruptcy of an economic system that centres its interests on making a profit for a small portion of the population. And all the exploitation of the riches is sustained by an intense and disorganised extraction of goods and natural resources. In recent decades, this system has destroyed exponentially, failing to keep up with the regeneration cycles of the land and waters. We continue to reproduce a mentality of domination over nature, rather than harmony with it, as the native peoples teach us. The scenes we see in Porto Alegre, the capital of Rio Grande do Sul, show that there are no boundaries for the waters and, at the same time, that we have already exceeded the planet’s limits for sustaining in capitalist society.

One of the results of pushing the boundaries of the human-nature relationship is the production of a new kind of people: climate refugees. While many people in the world today are obligated to leave their homeland because of wars, in search of better living conditions and forced to migrate to other countries, the number of people migrating because of droughts, floods and hurricanes is no less growing. The UN Refugee Agency (UNHCR) estimates that 30.7 million people were displaced by climate-related disasters by 2020. The World Bank estimates that 17 million people in Latin America will have to leave their homes because of environmental issues. The Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC) states that 708,000 Brazilians migrated as a result of natural disasters in 2012. The sole cause of this reality is the predatory exploitation of nature, which is therefore product of political decisions.

But what makes the climate tragedy in Rio Grande do Sul so shocking and media-friendly is not the extent of the damage or the number of people affected. What is shocking is to see the force of the water resuming its course and invading homes, neighbourhoods and municipalities that, according to the law of financial capital, should be safe from the hardships reserved only for the subaltern classes. The perplexity of the disaster is the realisation on the part of the petty, middle and big bourgeoisie that, no matter how hard they try to ignore the climate emergency, it won’t go away.

Although today the suffering is disproportionately affecting communities crossed by class, gender and race markers, the disaster in RS heralds a devastating future for society as a whole, with entire cities lost and more than 230,000 climate refugees who will no longer be able to return to their homes. This demands that we identify who is to blame and why the so-called “business as usual” will not be able to provide the fair, democratic and supportive responses that are required on a large scale. The list is long and historical; we need to collect the climate debt and change the system. But we have to start with those most closely and directly involved.

In 2019, Eduardo Leite (PSDB), the current governor of the state of Rio Grande do Sul, destroyed the State Environmental Code initiative, which was technically and democratically developed nine years ago through debates, public hearings and various improvements. The original text of the Code, from 2000, had the contribution and mobilisation of pioneering ecological organisations in the state and Brazil, such as Agapan (Local Agency for Environmental Protection) and Amigas da Terra (Friends of the Earth). The most relevant proposals for tackling the climate crisis were completely destroyed by his government’s initiative, which altered at least 480 central themes. Loyal to corporate and business rationality, Leite did everything he could to make vital requirements more flexible in order to make environmental licensing easier for mega-businesses. And when the waters of the climate emergency “hit him in the arse”, he thanked Elon Musk and the business community for their “humanitarian aid S.A.”.

In Porto Alegre, Mayor Sebastião Melo (MDB), successor to the also right-winger Nelson Marchezan Jr., who left him the legacy of the extinction of the Municipal Department of Wastewater Sewers (DEP), went through the floods of 2023 and, now in 2024, with 19 of the 23 pumps of the flood containment systems turned off, with unpreparedness, precariousness and lack of water as the hallmarks of his administration. Far from the chaos, the fascists are calling for the climate debate not to be politicised, and Melo is telling the capital’s rich to go to their beach houses. The municipalities on the coast, not affected by the floods, declare an emergency and ask the federal government for help in receiving VIP climate refugees, while the state government informs them of their PIX number. It’s a municipal election year all over Brazil, and less than 70 municipalities out of the 445 affected by the climate disaster in Rio Grande do Sul had, by Sunday (12 May), requested emergency aid from the federal government, available for the purchase of water, fuel, items for community kitchens, equipping shelters, among other things. It can only be for political reasons, because humanitarian reasons don’t move them. Even so, the corporate media publishes a survey of the perception of responsibility and response of the federal, state and municipal governments to the tragedy in Rio Grande do Sul, showing support for the Bolsonaro-allied mayors who are selling out the cities to the business community.

Since last week, the federal government has provided police from the National Force and the Army to help with rescues and maintaining security. It has also created a task force, with the participation of various ministries and public bodies, to re-establish access routes to marooned towns and rebuild roads, resume commercial flights using the Canoas Air Base and other airports in the interior of Rio Grande do Sul, help clean up and rebuild towns, and address other aspects of the crisis, such as education and, especially, health. Last Thursday (9/05), it issued a provisional measure (MP 1216/24) that provides for 12 initiatives, including the anticipation of social and workers’ benefits, a discount on interest on support and financing programmes for individual micro-entrepreneurs (MEIs), small and medium-sized businesses, family farming and agribusiness, R$ 200 million to finance infrastructure reconstruction projects at public banks and to rebalance companies. On Monday (13 May), the Lula government announced the suspension of the payment of Rio Grande do Sul’s debt to the Federal Government for three years. This measure will be included in a supplementary bill, which still has to be approved by the Congress before being sanctioned by the president. More measures are expected to be taken. Governor Eduardo Leite estimates that it will cost R$19 billion to rebuild the state, but some estimate it will be much more.

Many of those who are crying today in the face of the disaster in Rio Grande do Sul are the same people who are fuelling the predatory rationality that is at the root of what is happening in that state. Agribusiness and its bankers, the transnational corporations that invade and plunder countries, real estate speculation, environmental deregulation and scientific denialism all serve as ingredients for what is happening. And it’s not crocodile tears that will be able to reverse this scenario. It’s not the false solutions sold by the capital that will be able to solve the crisis that these same agents are causing.

Despite all this, the greater the scale of the disaster, the greater the demonstrations of solidarity from below. They pave the way for real solutions. In extreme situations, the impotence of the state, captured by corporations, and the power of communities, groups and collectives organised in popular social movements become visible. This strength of class solidarity is vital, and needs to be recognised, empowered and encouraged to perpetuate itself beyond specific crisis situations and build popular power capable of changing the system. The gestation of a new world begins with overcoming the determinants of the climate emergency and recognising that the solution will not come from above.

All we have is us!

* Article originally published in Portuguese on the Brasil de Fato newspaper website at this link https://www.brasildefato.com.br/2024/05/14/desastre-climatico-no-rio-grande-do-sul-esta-na-conta-do-capital

Photo: Deriva Jornalismo e Fotografia

Artigo no Jornal Brasil de Fato

Desastre climático no Rio Grande do Sul está na conta do capital

Com um governo estadual que promoveu uma série de ajustes fiscais, autorizou o desmatamento de áreas de proteção ambiental, desmantelou a lei estadual contra os agrotóxicos, privatizou serviços públicos e adotou políticas de austeridade para sua gente, o Rio Grande do Sul está enfrentando uma crise climática sem precedentes em sua história. Precisamos refletir sobre a totalidade do problema, e alimentar a memória de que as chuvas e o alagamento das cidades são consequências de uma série de causas que vêm sendo denunciadas por movimentos populares e organizações ambientais gaúchas há meio século.

Desta vez, quase a totalidade dos 497 municípios do RS foram afetados pelas inundações. Pelo menos um milhão e meio de pessoas foram atingidas e o retorno das chuvas torrenciais no final de semana reforçou ainda mais este quadro. Mas esses números não explicam porque os impactos ambientais não são distribuídos de forma igualitária. Mulheres, corpos negros, periféricos, populações em situações de rua, trabalhadores e trabalhadores desempregados, pessoas em situação de moradia precária sofrem mais com os impactos das enchentes. São sempre os mais vulneráveis que sofrem mais, e os que são também os menos responsáveis pelo problema. Essa desigualdade estrutural do capitalismo, construída sobre o patriarcado e o genocídio colonial, assim como a luta de classes, é considerada na perspectiva da Justiça Ambiental, assim como no combate ao Racismo Ambiental.

O que a população gaúcha vive reflete a falência de um sistema econômico  que centra seus interesses na obtenção de lucro por uma pequena parcela da população. E toda a exploração dessas riquezas é sustentada por uma intensa e desordenada extração de bens e recursos naturais. Nas últimas décadas, tal sistema destruiu exponencialmente, não acompanhando os ciclos de regeneração da terra e das águas. Seguimos reproduzindo uma mentalidade de dominação da natureza, sem limites e não de harmonia com ela, como nos ensinam os povos originários. As cenas que vemos na capital gaúcha, Porto Alegre, mostram que não há fronteiras para as águas e, ao mesmo tempo, que já ultrapassamos os limites de sustentação do planeta Terra para a sociedade capitalista.

Um dos resultados de transpor os limites da relação ser humano x natureza, é a produção de toda uma espécie diferente de refugiados, os climáticos. Se muitas pessoas hoje no mundo são obrigadas a deixarem sua terra natal, por guerras, em busca de melhores condições de vida e são forçados a migrar para outros países, não menos crescente é o número de pessoas que migram por secas, enchentes e furacões. A Agência de Refugiados da ONU (ACNUR) aponta que 30,7 milhões de pessoas foram deslocadas até 2020 por desastres relacionados ao clima. O Banco Mundial estima que 17 milhões de pessoas na América Latina terão que abandonar suas casas por questões ambientais. O Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos (IDMC) afirma que, em 2012, foram 708 mil brasileiros e brasileiras migrando em decorrência de desastres naturais. Essa realidade tem, como única causa, a exploração predatória da natureza, portanto, uma causa decorrente de decisão política.

Contudo, o que torna a tragédia climática do RS algo tão chocante e midiático não é a extensão dos estragos e número de atingidos. O chocante é ver a força das águas retomando seu curso e invadindo também residências, bairros e municípios que, pela lei do capital financeiro, deveriam estar a salvo dos dissabores reservados apenas às classes subalternas. A perplexidade do desastre é a constatação por parte da pequena, média e grande burguesia de que, por mais esforço que se faça para ignorar a emergência climática, ela não desaparecerá.

Embora hoje o sofrimento esteja atingindo desproporcionalmente comunidades atravessadas por marcadores de classe, gênero e raça, o desastre no RS anuncia um futuro devastador para a sociedade como um todo, com cidades inteiras perdidas e mais de 230 mil refugiados climáticos que já não poderão voltar para suas casas. Isso nos exige identificar quem são os responsáveis, por que os negócios de sempre (ou o cenário “business as usual”) não poderão dar respostas justas, democráticas e solidárias em grande escala como se requer. A lista é longa e histórica, é preciso cobrar a dívida climática e mudar o sistema capitalista. Devemos começar pelos mais próximos e diretamente envolvidos nestas crises, a urgência tem classe, a classe trabalhadora e os povos.

Eduardo Leite (PSDB), atual governador do estado do Rio Grande do Sul, ainda em 2019, destruiu a iniciativa do Código Ambiental Estadual, técnica e democraticamente gestada há nove anos por meio de debates, audiências públicas e aperfeiçoamentos diversos. O texto original do Código, de 2000, contou com a contribuição e mobilização de organizações ecológicas pioneiras do estado e do Brasil, como a Agapan e a Amigas da Terra. As propostas mais relevantes para o enfrentamento da crise climática foram completamente destruídas por iniciativa do governo dele, que alterou pelo menos 480 temas centrais.

Fiel à racionalidade corporativa e empresarial, Leite fez de tudo para que exigências vitais fossem flexibilizadas a fim de facilitar o licenciamento ambiental aos megaempresários. E quando a água da emergência climática “bateu na bunda”, agradeceu a solidariedade a Elon Musk e ao empresariado pela “ajuda humanitária S.A.”.

Já em Porto Alegre, o prefeito Sebastião Melo (MDB), sucessor do também direitoso Nelson Marchezan Jr., que lhe deixou como legado a extinção do Departamento Municipal de Esgotos Pluviais (DEP), passou pelas enchentes de 2023 e, agora em 2024, com 19 das 23 bombas dos sistemas de contenção de cheias desligadas, com despreparo, precarização e falta d’água como marca da sua gestão.

Distante do caos, os fascistas pedem que não se politize o debate climático, e Melo manda os ricos da capital irem para suas casas na praia. Os municípios do litoral, não atingidos pelas cheias, decretam emergência e pedem auxílio ao governo federal para receber refugiados climáticos VIP, enquanto o governo estadual informa o número do seu PIX.

Estamos em ano de eleição municipal em todo o Brasil, menos de 70 municípios dos 445 atingidos pelo desastre climático que se abate sobre o RS havia, até domingo (12/05), solicitado auxílio emergencial do governo federal, disponível para compra de água, combustível, itens para cozinhas comunitárias, equipagem de abrigos, entre outros. Só podem ser por razões políticas, pois as razões humanitárias não os movem. Mesmo assim, a mídia corporativa divulga pesquisa de percepção de responsabilidade e resposta dos governos federal, estadual e municipais sobre a tragédia do RS, apontando apoio aos prefeitos bolsonaristas que vendem as cidades ao empresariado.

Desde a semana passada, o governo federal cedeu policiais da Força Nacional e o Exército para ajudar nos resgates e na manutenção da segurança. Também criou uma força tarefa, com a participação de vários ministérios e órgãos públicos, para restabelecer vias de acesso a cidades ilhadas e refazer estradas, retomar vôos comerciais utilizando a Base Aérea da cidade de Canoas e outros aeroportos do interior gaúcho, ajudar na limpeza e na reconstrução de municípios, bem como abordar outros aspectos da crise, como a educação, e, especialmente, a saúde.

Na quinta-feira passada (9/05), editou uma medida provisória (MP 1216/24) que prevê 12 iniciativas, entre elas a antecipação de benefícios sociais e para trabalhadores, desconto nos juros em programas de apoio e de financiamento a microempresários individuais (MEIs), pequenas e médias empresas, à agricultura familiar e ao agronegócio, R$ 200 milhões para financiamento nos bancos públicos de projetos de reconstrução da infraestrutura e para reequilíbrio das empresas. Nessa 2ª feira (13/05), o Governo Lula anunciou a suspensão do pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União por 3 anos; a medida irá constar em projeto de lei complementar, que ainda terá de ser aprovado pelo Congresso Nacional antes de ser sancionado pelo presidente. Espera-se que mais medidas sejam tomadas. O governador Eduardo Leite estima que a reconstrução do estado custe R$ 19 bilhões, mas há quem calcule que seja bem mais.

Muitos daqueles que hoje choram diante do desastre gaúcho, são os mesmos que alimentam a racionalidade predatória que está na base do que está acontecendo no Rio Grande do Sul. O agronegócio e sua bancada, as corporações transnacionais que invadem e espoliam os países, a especulação imobiliária, a desregulamentação ambiental e o negacionismo científico, tudo isso serve de ingrediente para o que está acontecendo. E não são as lágrimas de crocodilo que poderão reverter esse cenário. Não são as falsas soluções vendidas pelo capital que poderão solucionar a crise que esses mesmos agentes estão causando.

Apesar disso tudo, quanto maior é a dimensão da catástrofe, maior são as demonstrações de solidariedade vindas desde baixo. Elas abrem caminho para as verdadeiras soluções. Em situações extremas fica visível a impotência do Estado, capturado pelas corporações, e a potência das comunidades, grupos e coletivos organizados em movimentos sociais populares. Essa força da solidariedade de classe é vital e precisa ser reconhecida, potencializada e estimulada a se perpetuar para além de situações pontuais de crise e construir poder popular capaz de mudar o sistema. A gestação de um novo mundo começa pela superação dos motivos determinantes da emergência climática e o reconhecimento de que a solução não virá dos de cima.

Tudo que nós tem é nós!

INTERNATIONAL CALL FOR SOLIDARITY IN THE FACE OF FLOODING IN RIO GRANDE DO SUL (RS), BRAZIL

 

The emergency is climatic, the responsibility is political. Solidarity is our strength.

Friends of the Earth Brazil in solidarity with the people affected in Rio Grande do Sul

Just eight months after what was believed to have been the biggest climate tragedy in Rio Grande do Sul, we are once again experiencing an even worse situation, which demands the mobilisation of internationalist class solidarity and popular organisation for reconstruction and care for the sustainability of life, in the face of the inability of a neoliberal state to respond, with outsourced services, privatised public companies and structural environmental racism.
Intense and heavy rainfall, which reached 800 mm in some places, has hit almost every municipality in the state from 29 April onwards. The accumulated rainfall equalled the entire average rainfall forecast for five months. Streams and rivers reached levels even higher than the events of September 2023. There were landslides, destruction of roads and highways, flooding of cities, death and destruction.

The RS civil defence figures as of 8 May show that 100 people have died, 128 are missing and 372 have been injured in 417 of the 497 municipalities, affecting a population of more than 1.4 million people. These figures are likely to rise, as there have been sinkholes in isolated parts of the countryside and flooded towns in the metropolitan region. Countless domestic and subsistence animals are dead. More than 66,700 people are in shelters and 163,700 are displaced.

For a week now, the army, firefighters, civil defence, military and civil police from Rio Grande do Sul and several other states, individual volunteers and activists from organisations and social movements have been rescuing lives by helicopter, boats, jet skis and land; opening up roads through the forest, distributing water, food, medical and ecological assistance. The material damage is of billions. Rebuilding cities, economies and lives will take a long time.

Roads into the capital are closed. The airport is closed until at least 30 May. More than 70% of Porto Alegre’s population of 2 million is without electricity and water, with difficulties in communicating and getting basic survival items. Drinking water has been a daily dilemma for the entire population, and is in short supply on the shelves of many supermarkets and unreliable natural sources. Regions and municipalities in the countryside of Rio Grande do Sul remain isolated, unable to receive help. Many family members have no news of each other.

The regions hit by last year’s floods, especially the valleys of the Jacuí, Taquari and Pardo rivers and the Serra Gaúcha, have suffered a new impact of greater proportions. Towns that hadn’t even been rebuilt, including Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Santa Tereza and Estrela, ended up being totally or partially destroyed once again. Municipalities on the north coast, such as Maquiné, and in the valleys of the Paranhana, Caí and Sinos rivers, which were the focus of the floods in June 2023, have once again suffered damage, especially cities in the metropolitan region, the 5th most populous in Brazil, home to around 4.3 million inhabitants.

Porto Alegre is experiencing the worst flood in its history. The water containment systems were designed based on the historic flood of 1941, when the Guaíba River reached 4.77m and flooded part of the city centre and riverfront. This time, the Guaíba River, which receives water from the northern and central regions of the state, reached 5.35m, taking back what was once its bed and advancing into various parts of the city, which is now under siege. Even the headquarters of Friends of the Earth Brazil was hit by the waters after the pumps were turned off due to the risk of electrification, which caused the river to advance over the neighbourhoods of Cidade Baixa and Azenha, where our organisation, unions and solidarity kitchens are located.

All joint efforts continue in order to save lives. We have witnessed a network of solidarity rarely seen before, involving the whole country in rescues, donations of food, clothing, hygiene and cleaning materials and money to help the homeless and displaced, setting up shelters and providing food parcels.

Amigas da Terra Brasil (Friends of the Earth Brazil) continues to work together in active solidarity, collaborating in the Morro da Cruz community kitchen with the World March of Women and Periferia Feminista (Feminist Community), and in the MTST (Homeless Workers Movement ) Solidarity Kitchen in Azenha, which has joined forces with other movements such as MAB (Movement of People Affected by Dams) and MPA (Movement of Peasants), providing up to 1,800 meals a day for those affected in Porto Alegre and the metropolitan region. At this time of mourning for the lives lost, in the midst of pain and suffering, we offer our hearts and arms to help those who need the basics to stay alive.

In the impact of this tragedy, we recall what we have been defending for a long time, which are also historical agendas of so many territories of life in struggle, as the indigenous peoples of Brazil have been warning: we need to confront the climate crisis. This confrontation will not come with new market technologies, nor with the charity of the owners of transnational corporations and their marketing campaigns about sustainability and solidarity, which make up practices that are the continuation of a colonial, racist, sexist, LGBTQIphobic project that destroys nature and the community.

The climate emergency is a reality imposed on structural and systemic inequalities: environmental injustices fall on those least historically responsible for the problem, who are the most helpless to deal with the consequences. It’s as real as the context we live in today, where there is a lot of life to fight for. That’s where the point of being here lies. It is possible to put the brakes on the nefarious logics that are advancing on Earth, drastically reduce the impacts and increase the capacity to rebuild in situations like the one we are currently experiencing. This involves politics.

It involves our fight against agribusiness, especially when land use change in Brazil is the main factor emitting carbon dioxide into the atmosphere and when state government policies in Rio Grande do Sul encourage the practice and release of pesticides, many of which not allowed in their countries of origin. That generates a series of violence and conflicts in the countryside, as well as hindering and even discouraging family farming and agroecology, which provide real answers to the crises of this century. Agribusiness keeps us in an economic and social relationship of dependence on the countries of the global North, the centre of capitalism, which generates even more inequality and devastation of nature, turning neighbourhoods and entire cities into sacrifice zones.

The mining offensive in the state of Rio Grande do Sul also brings us to a disaster scenario: Most of the coal available in the country (around 90%) is concentrated in the state of Rio Grande do Sul, and its extraction is a threat to the climate crisis and could even increase it. The Guaíba Mine project, for example, envisaged the operation of the largest open-cast coal mine in Brazil, between the towns of Eldorado do Sul and Charqueadas (RS), 16 kilometres from the capital Porto Alegre. The project, which would affect the indigenous territory of the Mbya Guarani, without consulting the communities to obtain the prior licence, would today be underwater, generating acid drainage and contaminating the fresh waters we have. Fortunately, popular mobilisation and denunciations of the flaws and omissions in mine company COPELMI’s studies led to the mine being shelved. The Guaíba mine would also affect agrarian reform settlements, the Delta do Jacuí State Park and surrounding municipalities that would be hit hard by water, as well as the Pampa biome, which stores one of the largest reserves of drinking water in the world, the Guarani Aquifer.

Now, six dams connected to mining processes are at risk of breaking and affecting more people. As the Movement of People Affected by Dams (MAB) said in a statement, highlighting the partial collapse of the dam at the 14 de Julho Hydroelectric Power Plant (HPP), located in the Taquari-Antas river basin in Cotiporã (RS): the climate emergency increases the risk of dam collapses. In the face of the extreme events of the climate crisis, no dam is safe.

The policies adopted in recent years in Rio Grande do Sul have made licensing more flexible and guaranteed the advance of extractivism over lives. Municipalities such as São José do Norte, close to Lagoa dos Patos (lagoon), are currently in a state of alert due to the waters that are rushing towards them from all over RS to end up in the sea. Traditional communities that make a living from fishing and family farming are under evacuation. The same communities which are already resisting the Retiro Project, which plans to extract titanium, putting at risk the waters, as well as the livelihoods of traditional fishing communities, family farming communities and the Vila Nova Quilombo.

We defend that the solution to avoiding and confronting the catastrophes of the climate emergency is the people in the territories: the demarcation of indigenous lands, the titling of quilombola communities, agrarian reform, land restructuring in the cities, with permanent public investment based on social policies built close to the territories, with popular participation and with the guaranteed right of traditional peoples and communities to be and exist, preserving their ways of life, which have been proven to cause the least socio-environmental impact on the planet. Solutions will only come with the end of austerity policies, with the reversal of the process of neoliberal advance, which in practice privatises common goods such as water and energy so that corporate power and big businessmen can expand their profit margins. Because when governments are not committed to the public interest and to serving society, the people are left to fend for themselves and can spend up to a week without electricity, as happened in Porto Alegre in January this year, and this time a third of its population is without power and water. We highlight the privatisations of CEEE and Corsan as well as DMAE, the dismantling of urban sanitation capacities and state planning functions as processes that have brought us to the current collapse.

The constant tragedies in Rio Grande do Sul show that the municipalities that will be holding elections in Brazil this year are not prepared to deal with extreme weather events. Mayors have been slow to warn the population about the impacts of the heavy rains predicted by meteorological institutes and the Civil Defence. Part of the water containment systems, dykes and dams overflowed, forcing people to evacuate. Most of the flooding occurred in places that have historically suffered from unresolved drainage problems. The vast majority of the people affected are impoverished and working class, living in floodplains, on the banks of rivers and streams, or on hillsides, deprived of concrete policies regarding basic rights, such as access to water and affordable housing, so that they can leave areas considered to be at risk for a more dignified life.

Even though this is the 4th and worst major climate tragedy that RS has faced in less than two years, there are still denialist municipal governments and parliamentarians who ignore the effects of climate change. There are also affected regions that haven’t recovered from other floods, such as the Taquari Valley, which, in addition to a series of human rights violations, has received countless reports from residents that funds from the federal government have been passed on without being implemented by the municipalities.

Scientific research shows that deforestation, including in the Amazon, has a direct impact on rising temperatures and, consequently, on the increased incidence of rainfall and extreme events in Brazil and on the planet. In Rio Grande do Sul, the devastation of the Pampa biome and the Atlantic Forest to make room for agribusiness and its voracious thirst for land also leads to the heavy floods we experience, as well as prolonged periods of drought.

The state government of Rio Grande do Sul and the city hall of Porto Alegre, although saying they are concerned about the climate emergency, do not demonstrate this in concrete actions. Their practices are heading in the direction of intensifying disasters. The state budget proposed for this year by governor Eduardo Leite (PSDB) provided for only R$115,000,000 to deal with climate events in 2024 throughout RS, including investments in the state Civil Defence. Both Leite’s and Melo’s administrations have worked to dismantle and ‘relax’ environmental legislation. This is to benefit high-end property sectors, large companies, agribusiness and destructive economic activities such as mining. That leads to more deforestation, the devastation of natural biomes, the contamination of water resources and the occupation of open areas and riverbanks, such as the Guaíba itself. In March of this year, the Rio Grande do Sul Assembly passed a bill authored by deputy Delegado Zucco (Republicans), which amends the State Environmental Code and relaxes rules in Permanent Preservation Areas (APP), allowing the construction of dams and reservoirs there.

In the case of Porto Alegre, the city hall has issued evacuation alerts without giving any guidance on how they will be carried out. In a hurry, it improvises shelters in areas at risk of flooding, so that climate refugees who have lost their homes have to migrate again without any security for the future. There is not even a policy to consider workers and their travelling around the city by public transport, which could be guaranteed with a free pass, and save lives. Extremely elitist, Mayor Melo’s recommendation is that the population, or part of it, should take Uber or go to their beach houses.

At state government level, we point out Leite’s responsibility in disfiguring the State Environmental Code, ignoring warnings from civil society to the state of Rio Grande do Sul and his government about their responsibilities in the face of the climate emergency. And while the people of Rio Grande do Sul are suffering the greatest socio-environmental tragedy in their history, a bill (PL 4.015/2023) is being processed in the Senate that makes further changes to the Forest Code, allowing rural properties in cities in the Legal Amazon that have the majority of their territory occupied by conservation units or indigenous lands to reduce the legal reserve from 80% to 50%. Nature has no borders; what impacts one place impacts everyone.

For the first time, we have experienced climate refugees in droves wandering around in the water in the cities of Rio Grande do Sul; wandering aimlessly along streets and highways with the few belongings and animals they could carry. Waiting for days on rooftops for rescue, huddling for days in shelters because they have lost their homes, or not being able to leave their homes to get food and water and fearing looting and the violence that is escalating in the face of chaos. What we would like to avoid for the next generation, we are experiencing today, here and now.

Solidarity is the premise. Class solidarity, not ‘Solidarity S.A.’ of companies in their corporate social responsibility nonsense. The people who are suffering the most at the moment are those who are on the margins of the system, who are unable to guarantee a dignified daily life. Today, more than ever, they are precarious, suffering from a process of impoverishment, denial of rights and the impossibility of sustaining life. If these families are considered impoverished, they will become even more so, as they lose family members who, through their work, ensure the day-to-day live, generally overburdening women and unpaid care work. The ability of these families to support themselves, to organise themselves, will be reduced. First by losing people, then by losing their homes, their jobs, their living conditions and by the traumas, which are certain to happen.

In the face of the dismantling of the state at various levels and the destruction of services and the capacity for management and planning in the public interest, the strength of unity is emerging. From the diversity of ways of doing things and organising popular movements in the countryside and the city, connecting territories of life, often those also threatened and sacrificed by the system that gives rise to the climate emergency. This real and radical class solidarity will continue. Rebuilding and mobilising popular power to take back the place of the working people in politics, confront the climate (which has already changed), and change the system.

Friends of the Earth Brazil, 8 May 2024

Photo: Deriva Jornalismo e Fotografia

LLAMAMIENTO INTERNACIONAL A LA SOLIDARIDAD ANTE LAS INUNDACIONES EN RIO GRANDE DO SUL (RS), BRASIL


La emergencia es climática, la responsabilidad es política.

La solidaridad es nuestra fuerza.

Amigas de la Tierra Brasil en solidaridad con las personas afectadas en Rio Grande do Sul

Apenas ocho meses después de lo que se creía la mayor tragedia climática en Rio Grande do Sul, en el sur de Brasil, volvemos a vivir una situación aún peor, que exige la movilización de la solidaridad de clase internacionalista y de la organización popular para la reconstrucción y el cuidado de la sustentabilidad de la vida, ante la incapacidad de respuesta de un Estado neoliberal, con servicios tercerizados, empresas públicas privatizadas y racismo ambiental estructural.

Lluvias intensas y copiosas, que alcanzaron los 800 mm en algunos lugares, azotaron casi todos los municipios del estado a partir del 29 de abril. La precipitación acumulada igualó toda la precipitación media prevista para cinco meses. Los arroyos y ríos alcanzaron niveles incluso superiores a los sucesos de septiembre de 2023. Hubo desprendimientos de tierras, destrucción de carreteras y autopistas, inundación de ciudades, muertes y destrucción.

Las cifras de la defensa civil de RS el 8 de mayo indican que hay 100 muertos, 128 desaparecidos y 372 heridos en 417 de los 497 municipios, lo que afecta a una población de más de 1.4 millones de personas. Es probable que estas cifras aumenten, ya que se han producido socavones en zonas aisladas del campo y pueblos inundados en la región metropolitana. Innumerables animales domésticos y de subsistencia muertos. Más de 66.700 personas en refugios y 163.700 desplazadas.

Desde hace una semana, el ejército, los bomberos, la defensa civil, la policía militar y civil de Rio Grande do Sul y de varios otros estados, voluntarios individuales y activistas de organizaciones y movimientos sociales rescatan vidas en helicópteros, barcos, motos acuáticas y por tierra, abren caminos a través de la selva, distribuyen agua, alimentos y asistencia médica y ecológica. Los daños materiales ascienden a miles de millones. Reconstruir ciudades, economías y vidas llevará mucho tiempo.

Las carreteras de acceso a la capital están cerradas. El aeropuerto permanecerá cerrado al menos hasta el 30 de mayo. Más del 70% de los 2 millones de habitantes de Porto Alegre están sin electricidad ni agua, con dificultades en las comunicaciones y en el suministro de artículos básicos de supervivencia. El agua potable ha sido un dilema diario para toda la población, y escasea en las estanterías de muchos supermercados y en fuentes naturales poco fiables. Regiones y municipios del interior de Rio Grande do Sul permanecen aislados, incapaces de recibir ayuda. Muchas familias no tienen noticias unas de otras.

Las regiones golpeadas por las inundaciones del año pasado, especialmente los valles de los ríos Jacuí, Taquari y Pardo y la Serra Gaúcha, han sufrido un nuevo impacto de mayores proporciones. Municipios que ni siquiera habían reconstruido, como Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Santa Tereza y Estrela, acabaron total o parcialmente destruidos una vez más. Municipios del litoral norte, como Maquiné, y de los valles de los ríos Paranhana, Caí y Sinos, que fueron el foco de las inundaciones de junio de 2023, volvieron a sufrir daños, especialmente ciudades de la región metropolitana, la 5ª más poblada de Brasil, con cerca de 4.3 millones de habitantes.

Porto Alegre está sufriendo la peor inundación de su historia. Los sistemas de contención del agua se diseñaron teniendo en cuenta la inundación histórica de 1941, cuando el río Guaíba alcanzó los 4,77 m e inundó parte del centro de la ciudad y la orilla. Esta vez, el río Guaíba, que recibe agua de las regiones norte y centro del estado, alcanzó los 5,35 m, recuperando lo que fue su cauce y avanzando hacia varias partes de la ciudad, que ahora se encuentra sitiada. Incluso la sede de Amigas de la Tierra Brasil fue alcanzada por las aguas después de que se desconectaran las bombas por riesgo de electrificación, lo que provocó que el río avanzara sobre los barrios de Cidade Baixa y Azenha, donde se encuentran nuestra organización, sindicatos y también las cocinas solidarias.

Todos los esfuerzos conjuntos siguen con objetivo de salvar vidas. Hemos sido testigos de una red de solidaridad pocas veces vista, involucrando a todo el país en rescates, donaciones de alimentos, ropa, materiales de higiene y limpieza y dinero para ayudar a las personas sin hogar y desplazadas, montando refugios y proporcionando paquetes de alimentos. Amigas de la Tierra Brasil sigue trabajando en solidaridad activa, colaborando en el comedor comunitario de Morro da Cruz con la Marcha Mundial de las Mujeres y Periferia Feminista, y en el Comedor Solidario MTST de Azenha (Movimiento de los Trabajadores Sin Techo), que ha unido fuerzas con otros movimientos como el MAB (Movimiento de Afectados por Represas) y el MPA (Movimiento de los Pequeños Agricultores), proporcionando hasta 1.800 comidas al día para los afectados de Porto Alegre y la región metropolitana. En este momento de luto por las vidas perdidas, en medio del dolor y el sufrimiento, ofrecemos nuestros corazones y brazos para ayudar a quienes necesitan lo básico para seguir vivos.

En el impacto de esta tragedia, recordamos lo que venimos defendiendo hace mucho tiempo, que son también agendas históricas de tantos territorios de vida en lucha, como vienen alertando los pueblos indígenas de Brasil: necesitamos enfrentar la crisis climática. Este enfrentamiento no vendrá con las nuevas tecnologías de mercado, ni con la caridad de los dueños de las empresas transnacionales y sus campañas de marketing sobre sustentabilidad y solidaridad, que componen prácticas que son la continuación de un proyecto colonial, racista, sexista, lgbtqifóbico y destructor de la naturaleza y de la comunidad.

La emergencia climática es una realidad que se impone a las desigualdades estructurales y sistémicas: las injusticias medioambientales recaen sobre los menos responsables históricos del problema, que son los más indefensos para hacer frente a las consecuencias. Es tan real como el contexto en el que vivimos hoy, donde hay mucha vida por la que luchar. Ahí radica el sentido de estar aquí. Es posible frenar las lógicas nefastas que avanzan sobre la tierra, reducir drásticamente los impactos y aumentar la capacidad de reconstrucción en situaciones como la que estamos viviendo. Eso pasa por la política.

Pasa por nuestra lucha contra el agronegocio, especialmente cuando el cambio de uso de la tierra en Brasil es el principal factor de emisión de dióxido de carbono a la atmósfera y cuando las políticas del gobierno estadual de Rio Grande do Sul fomentan la práctica y la liberación de productos fitosanitarios, muchos de los cuales no están permitidos en sus países de origen, lo que genera una serie de violencias y conflictos en el campo, además de obstaculizar e incluso desincentivar la agricultura familiar y la agroecología, que traen respuestas reales a las crisis de este siglo. El agronegocio nos mantiene en una relación económica y social de dependencia de los países del norte global, centro del capitalismo, lo que genera aún más desigualdad y devastación de la naturaleza, convirtiendo barrios y ciudades enteras en zonas de sacrificio.

La ofensiva de la minería en el estado de Rio Grande do Sul también nos lleva a un escenario catastrófico: la mayor parte del carbón disponible en el país, alrededor del 90%, se concentra en ese estado, y su extracción supone una amenaza para la crisis climática e incluso podría incrementarla. El proyecto Mina Guaíba, por ejemplo, preveía la explotación de la mayor mina de carbón a cielo abierto de Brasil, entre las localidades de Eldorado do Sul y Charqueadas (RS), a 16 kilómetros de la capital, Porto Alegre. El proyecto, que afectaría al territorio indígena de los Mbya Guaraní, sin consultar a las comunidades para obtener la licencia previa, estaría hoy bajo el agua, generando drenaje ácido y contaminando las aguas dulces que tenemos. Afortunadamente, la movilización popular y las denuncias de las fallas y omisiones en los estudios de la minera COPELMI lograron que la mina fuera archivada. La mina de Guaíba también afectaría a los asentamientos de la reforma agraria, al Parque Estadual Delta do Jacuí y a los municipios de los alrededores que se verían muy afectados por el agua, así como al bioma de la Pampa, que almacena una de las mayores reservas de agua potable del mundo, el Acuífero Guaraní.

Ahora, seis represas relacionadas con procesos mineros corren el riesgo de romperse y afectar a más personas. Como dijo el Movimiento de Afectados por Represas (MAB) en un comunicado, destacando el colapso parcial de la represa de la Usina Hidroeléctrica (HPP) 14 de Julho, ubicada en la cuenca del río Taquari-Antas, en Cotiporã (RS): la emergencia climática aumenta el riesgo de colapso de las represas. Ante los fenómenos extremos de la crisis climática, ninguna represa está a salvo.

Las políticas adoptadas en los últimos años en Rio Grande do Sul han flexibilizado la concesión de licencias y garantizado el avance del extractivismo sobre la vida. Municipios como São José do Norte, próximo a la Laguna de los Patos, se encuentran actualmente en estado de alerta debido a las aguas que se precipitan hacia ellos desde todo RS para desembocar en el mar. Las comunidades tradicionales que viven de la pesca y de la agricultura familiar están siendo evacuadas, las mismas comunidades que ya resisten al Proyecto Retiro, que planea extraer titanio, poniendo en riesgo las aguas, así como el sustento de las comunidades tradicionales de pescadores, de agricultura familiar y del Quilombo Vila Nova.

Sostenemos que la solución para evitar y enfrentar las catástrofes de la emergencia climática es la gente en los territorios: la demarcación de las tierras indígenas, la titulación de las comunidades quilombolas, la reforma agraria, la reestructuración de la tierra en las ciudades, con inversión pública permanente basada en políticas sociales construidas cerca de los territorios, con participación popular y con la garantía del derecho de los pueblos y comunidades tradicionales a ser y existir, preservando sus formas de vida, que se ha comprobado que causan el menor impacto socioambiental sobre el planeta. Las soluciones sólo vendrán con el fin de las políticas de austeridad, con la reversión del proceso de profundización neoliberal, que en la práctica privatiza bienes comunes como el agua y la energía para que el poder corporativo y los grandes empresarios puedan ampliar sus márgenes de ganancia. Porque cuando los gobiernos no están comprometidos con el interés público y al servicio de la sociedad, el pueblo es abandonado a su suerte y puede pasar hasta una semana sin electricidad, como ocurrió en Porto Alegre en enero de este año, y esta vez un tercio de su población está sin luz y sin agua. Destacamos las privatizaciones de CEEE, de Corsan y del DMAE, el desmantelamiento de las capacidades de saneamiento urbano y de las funciones de planificación del Estado, como procesos que nos han llevado al colapso actual.

Las constantes tragedias ocurridas en Rio Grande do Sul demuestran que los municipios que celebrarán elecciones este año en Brasil no están preparados para hacer frente a fenómenos meteorológicos extremos. Los alcaldes han tardado en advertir a la población sobre los impactos de las fuertes lluvias pronosticadas por los institutos meteorológicos y la Defensa Civil. Parte de los sistemas de contención de agua, diques y presas se desbordaron, obligando a evacuar a la población. La mayoría de las inundaciones se produjeron en lugares que históricamente han sufrido problemas de drenaje no resueltos. La gran mayoría de los afectados son personas empobrecidas y de clase trabajadora, que viven en terrenos inundables, a orillas de ríos y arroyos, o en laderas, privadas de políticas concretas en materia de derechos básicos, como el acceso al agua y a una vivienda asequible, para poder abandonar las zonas consideradas de riesgo y llevar una vida más digna.

A pesar de que esta es la 4ª y peor tragedia climática de gran magnitud que enfrenta RS en menos de dos años, todavía hay gobiernos municipales y parlamentarios negacionistas que ignoran los efectos del cambio climático. También hay regiones afectadas que no se han recuperado de otras inundaciones, como el Valle de Taquari, que, además de una serie de violaciones de los derechos humanos, ha recibido innumerables denuncias de los residentes de que los fondos del gobierno federal han pasado sin ser ejecutados por los municipios.

Las investigaciones científicas demuestran que la deforestación, incluso en la Amazonia, tiene un impacto directo en el aumento de las temperaturas y, en consecuencia, en la mayor incidencia de lluvias y fenómenos extremos en Brasil y en el planeta. En Rio Grande do Sul, la devastación del bioma de la Pampa y de la Mata Atlántica para dejar espacio al agronegocio y a su voraz sed de tierras también provoca las fuertes inundaciones que padecemos, así como períodos prolongados de sequía.

El gobierno del estado de Rio Grande do Sul y la intendencia de Porto Alegre, aunque dicen estar preocupados por la emergencia climática, no lo demuestran con acciones concretas. Sus prácticas van en la dirección de intensificar los desastres. El presupuesto estatal propuesto para este año por el gobernador Eduardo Leite (PSDB) preveía sólo 115 millones de reales para hacer frente a los fenómenos climáticos en 2024 en todo RS, incluidas las inversiones en la Defensa Civil estadual. Tanto el gobierno de Leite como el de Melo han trabajado para desmantelar y «relajar» la legislación medioambiental. Esto beneficia a los sectores inmobiliarios de alto nivel, a las grandes empresas, a la agroindustria y a actividades económicas destructivas como la minería, lo que conduce a una mayor deforestación, la devastación de los biomas naturales, la contaminación de los recursos hídricos y la ocupación de áreas abiertas y orillas de los ríos, como el propio Guaíba. En marzo de este año, la Asamblea de Rio Grande do Sul aprobó un proyecto de ley del diputado Delegado Zucco (Republicanos), que modifica el Código Medioambiental del Estado y flexibiliza las normas en las Áreas de Preservación Permanente (APP), permitiendo la construcción de presas y embalses en estas zonas.

En el caso de Porto Alegre, la intendencia ha emitido alertas de evacuación sin dar ninguna orientación sobre cómo se llevará a cabo. A toda prisa, improvisa refugios en zonas con riesgo de inundación, de modo que los refugiados climáticos que han perdido sus hogares tienen que emigrar de nuevo sin ninguna seguridad para el futuro. Ni siquiera existe una política que tenga en cuenta a los trabajadores y su desplazamiento por la ciudad en transporte público, que podría garantizarse con gratuidad del transporte, y salvar vidas. Extremadamente elitista, la recomendación del intendente Melo es que la población, o parte de ella, tome Uber o se vaya a sus casas en la playa.

A nivel del gobierno estadual, destacamos la responsabilidad de Leite en desfigurar el Código Estadual de Medio Ambiente, ignorando las advertencias de la sociedad civil al estado de Rio Grande do Sul y a su gobierno sobre sus responsabilidades frente a la emergencia climática. Y mientras el pueblo de Rio Grande do Sul sufre la mayor tragedia socioambiental de su historia, se tramita en el Senado un proyecto de ley (PL 4.015/2023) que introduce nuevos cambios en el Código Forestal, permitiendo que las propiedades rurales de las ciudades de la Amazonia Legal que tengan la mayor parte de su territorio ocupado por unidades de conservación o tierras indígenas reduzcan la reserva legal del 80% al 50%. La naturaleza no tiene fronteras, lo que impacta en un lugar impacta en todos.

Por primera vez, hemos experimentado refugiados climáticos en masa deambulando por el agua en las ciudades de Rio Grande do Sul, vagando sin rumbo por calles y carreteras con las pocas pertenencias y animales que podían llevar, esperando durante días en los tejados a que los rescaten, acurrucados durante días en refugios porque han perdido sus casas, o sin poder salir de ellas para conseguir comida y agua y temiendo los saqueos y la violencia que se recrudece ante el caos. Lo que nos gustaría evitar para la próxima generación, lo estamos viviendo hoy, aquí y ahora.

La solidaridad es la premisa. Solidaridad de clase, no la «solidaridad S.A.» de las corporaciones en su bazofia de responsabilidad social corporativa. Las personas que más sufren en estos momentos son las que están al margen del sistema, las que no pueden garantizar una vida cotidiana digna. Hoy, más que nunca, son precarios, sufren un proceso de empobrecimiento, negación de derechos e imposibilidad de sostener la vida. Si estas familias ya eran consideradas empobrecidas, lo serán aún más, al perder a miembros de la familia que, con su trabajo, aseguran su día a día, sobrecargando generalmente a las mujeres y el trabajo de cuidados no remunerado. La capacidad de estas familias para mantenerse, para organizarse, se verá reducida. Primero por la pérdida de personas, luego por la pérdida de sus hogares, de sus empleos, de sus condiciones de vida y los traumas, que seguro vendrán.

Frente al desmantelamiento del Estado en varios niveles y la destrucción de los servicios y la capacidad de gestión y planificación en aras del interés público, emerge la fuerza de la unidad. De la diversidad de formas de hacer y de organizar los movimientos populares en el campo y la ciudad, conectando territorios de vida, a menudo aquellos también amenazados y sacrificados por el sistema que da lugar a la emergencia climática. Esta solidaridad de clase real y radical seguirá su marcha, reconstruyendo y movilizando el poder popular para recuperar el lugar de los trabajadores en la política, hacer frente al clima (que ya ha cambiado) y cambiar el sistema.

Amigas de la Tierra Brasil, 8 de mayo de 2024

Fotografía: Deriva Jornalismo e Fotografia

INUNDAÇÃO NO RS: A emergência é climática, a responsabilidade é política. A solidariedade, a nossa força

Passados apenas oito meses do que se acreditava ter sido a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, voltamos a vivenciar uma situação ainda pior. Chuvas intensas e de altos volumes, que chegaram a mais de 700 mm em algumas localidades, assolaram quase todos municípios do estado a partir de 29 de abril, provocando uma cheia sem precedentes. A chuva acumulada entre 22 de abril e a segunda-feira (6) chegou a igualar toda a média de precipitação prevista para cinco meses. Arroios e rios alcançaram níveis ainda mais altos do que os eventos de setembro de 2023, houveram deslizamentos de terra, destruição de estradas e rodovias, alagamento de cidades, mortes e destruição.

Levantamento da Defesa Civil (08/05) aponta cem pessoas mortas,128 desaparecidas e 372 feridas em 417 dos 497 municípios, atingindo uma população de mais de 1,4 milhão de pessoas em todo o Rio Grande do Sul. Estes números ainda devem aumentar, já que há soterramentos em pontos isolados do interior a serem averiguados e cidades da região metropolitana alagadas. Muitos animais domésticos e para subsistência estão mortos. O número de refugiados climáticos divulgado hoje foi de mais de 230 mil pessoas, 66,7 mil em abrigos e 163,7 mil desalojados (pessoas que estão nas casas de familiares ou amigos). Exército, Bombeiros, Defesa Civil, polícias militares e civis do RS e de vários outros estados do país, voluntários individuais e militantes de organizações e movimentos sociais, estão há uma semana resgatando vidas por helicóptero, barcos, jetskis e por terra, abrindo estradas mato a dentro. Os prejuízos materiais são bilionários. A reconstrução das cidades, das economias e das vidas levará muito tempo.

Estradas que chegam na capital estão fechadas. O aeroporto está desativado pelo menos até 30 de maio. Mais de 70% da população de 2 milhões de habitantes de Porto Alegre está sem luz e sem água, com dificuldade de comunicação e de abastecimento de itens básicos de sobrevivência. A água potável tem sido um dilema cotidiano para toda a população, e está em falta nas prateleiras de muitos supermercados. Regiões e municípios do interior gaúcho seguem isoladas, sem poder receber ajuda.  Muitas famílias não têm notícias uns dos outros. 

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

As regiões atingidas pelas cheias do ano passado, especialmente os vales dos rios Jacuí, Taquari e Pardo e a Serra Gaúcha, sofreram um novo impacto, de maiores proporções. Cidades que nem haviam se reconstruído, entre elas Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Lajeado, Santa Tereza e Estrela, acabaram sendo destruídas totalmente ou parcialmente, mais uma vez. Municípios do litoral Norte, como Maquiné, e nos vales dos rios Paranhana, Caí e Sinos, que foram o foco das inundações em junho do 2023, voltaram a ter prejuízos, especialmente as cidades da região metropolitana, a 5ª mais populosa do Brasil, abrigando cerca de 4,3 milhões de habitantes. Santa Maria e a Região Central também sofreram fortes impactos. 

Porto Alegre, vivencia a pior inundação de sua história. Até então, figurava nos registros e nas lembranças dos moradores mais velhos a enchente de 1941, quando o Rio Guaíba atingiu 4,77m e alagou parte do centro e da orla do rio pela cidade. Desta vez, o rio Guaíba, que recebe as águas das regiões norte e centro do Estado, chegou a 5,30m, retomando o que já foi seu leito e avançando em vários pontos da cidade. Porto Alegre segue sitiada. Até mesmo a sede da Amigas da Terra Brasil foi atingida pelas águas após o desligamento de bombas pelo risco de eletrificação, o que fez o rio avançar sobre os bairros da Cidade Baixa e da Azenha, onde está localizada.

Nesta primeira semana, todos os esforços conjuntos seguem no sentido de salvar vidas. Presenciamos uma rede de solidariedade poucas vezes vista, envolvendo todo o país nos resgates, nas doações de alimentos, roupas, materiais de higiene e de limpeza e dinheiro para ajudar os desabrigados e desalojados, instalação de abrigos, fornecimento de marmitas de comida. A Amigas da Terra Brasil esteve junto em solidariedade ativa, colaborando na cozinha comunitária do Morro da Cruz com a Marcha Mundial das Mulheres e Periferia Feminista, e na Cozinha Solidária do MTST da Azenha  (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que se uniu a outros movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), fornecendo até 1.800 marmitas de comida por dia para as pessoas afetadas em Porto Alegre e região metropolitana. Nesse momento de luto pelas vidas perdidas, em meio à dor e ao sofrimento, oferecemos nossos corações e braços para ajudar quem necessita do básico para se manter vivo.

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

No impacto desta tragédia, rememoramos aquilo que defendemos há tempo, que também são pautas históricas de tantos territórios de vida em luta. Aquilo que os povos indígenas do Brasil vem alertando constantemente, e que marcou presença no Acampamento Terra Livre (ATL) mais uma vez neste ano: precisamos enfrentar a crise climática. Essa é uma emergência. E esse enfrentamento não virá com novas tecnologias de mercado, tampouco com a caridade de donos de transnacionais e suas campanhas de marketing sobre sustentabilidade, que maquiam práticas que são a continuidade de um projeto colonial, racista, machista, lgbtqifóbico, destruidor da natureza e da coletividade. A emergência climática é uma realidade imposta sobre as desigualdades estruturais e sistêmicas: as injustiças ambientais recaem sobre os menos responsáveis historicamente pelo problema, que são os mais desamparados para lidar com as consequências. Esta emergência, tão real, é o contexto na qual vivemos. E por mais dura que possa ser, ainda há muita vida para lutarmos por. Aí que habita o sentido de estarmos aqui. É possível puxar o freio de mão de lógicas nefastas que avançam sobre a terra, reduzir drasticamente os impactos e aumentar a capacidade de reconstrução em situações como a que vivenciamos no momento. Isso passa pela política. 

Cozinha Solidária da Azenha, em Porto Alegre, produz até 1800 marmitas por dia para afetados, em solidariedade com movimentos como Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Periferia Feminista e Amigas da Terra Brasil. Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

A começar por puxar o freio do agronegócio, especialmente quando no Brasil a alteração do uso do solo é o principal fator emissor de dióxido de carbono na atmosfera, gás que mais tem impacto no aquecimento global. E quando no RS políticas do governo do estado incentivam a prática e a liberação de agrotóxicos, muitos não permitidos em seus países de origem, o que gera uma série de violências e conflitos no campo, além de dificultar e até mesmo desincentivar a agricultura familiar e a agroecologia, que trazem respostas reais às crises deste século. Além disso, o agronegócio nos mantém em uma relação econômica e social de dependência dos países do norte-global, centro do capitalismo, o que gera ainda mais desigualdade e devastação da natureza, tornando bairros, cidades inteiras, zonas de sacrifício. Quando a boiada avança, precisamos reafirmar a que ela veio e que é na luta por soberania popular e pelos territórios preservados que está a resposta para outros caminhos, socialmente justos, ecologicamente equilibrados. 

A ofensiva da mineração no estado gaúcho é outro fator que nos traz até o cenário que vivemos. A maior parte do carvão disponível no país está concentrada no estado gaúcho, cerca de 90%, e sua extração é uma ameaça frente à crise climática, podendo potencializá-la. O projeto Mina Guaíba, por exemplo, previa a operação da maior mina de extração de carvão a céu aberto do Brasil, entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas (RS), a 16 km da capital Porto Alegre. O projeto, que atingiria território indígena dos Mbya Guarani, não tendo realizado a consulta às comunidades para obtenção da licença prévia, estaria hoje debaixo d’água, gerando drenagem ácida e contaminando as águas doces que temos. Felizmente, a mobilização popular e as denúncias das falhas e omissões dos estudos da empresa COPELMI, acarretaram em seu arquivamento. A mina Guaíba também afetaria assentamentos da reforma agrária, o Parque Estadual Delta do Jacuí e municípios do entorno atingidos em cheio pelas cheias, além do bioma Pampa, que armazena uma das maiores reservas de água potável do mundo, o Aquífero Guarani. 

Agora, seis barragens conectadas a processos minerários correm o risco de se romperem e afetarem mais pessoas. Mais uma prova de como atua a mineração nos territórios, situação escancarada nas enchentes. Além disso, como menciona em nota o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), evidenciando o rompimento parcial da barragem da Usina Hidrelétrica (UHE) 14 de Julho, localizada na bacia do Rio Taquari-Antas, em Cotiporã (RS),  a emergência climática aumenta o risco de rompimento das barragens. Assim como, em uma realidade de eventos extremos da crise climática, nenhuma barragem é segura

As políticas adotadas nos últimos anos no RS flexibilizam licenciamentos e garantem o avanço do extrativismo sobre as vidas, e não é só o carvão. Cidades como São José do Norte, próximas à Lagoa dos Patos, vivem neste instante estado de alerta devido às águas que correm de todo RS em sua direção, para desembocarem no mar. Comunidades tradicionais, que vivem da pesca e da agricultura familiar estão sob evacuação. E já vivem, cotidianamente, na resistência a um empreendimento minerário chamado Projeto Retiro, que prevê a extração de titânio e outros minerais colocando em risco justamente as águas, assim como os modos de vida de comunidades pesqueiras, tradicionais, da agricultura familiar e o Quilombo Vila Nova. 

Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

Defendemos que uma das grandes soluções para evitar catástrofes sob emergência climática são os povos nos territórios. Essa solução está na demarcação de terras indígenas, na titulação de comunidades quilombolas. Está na reforma agrária, na reestruturação fundiária nas cidades e na luta por moradia, contra a propriedade privada – é premissa a cessão de imóveis para que as gentes tenham onde habitar, especialmente quando há um número desproporcional destes desocupados, sem uso social, e muita gente sem ter onde morar, situação que se agrava com refugiados climáticos.  A expropriação de terras e de propriedades que servem a lógica da especulação imobiliária é imperativo.  A resposta também reside no investimento público permanente a partir de políticas construídas junto aos territórios, com participação popular.  Com o direito garantido aos povos e comunidades tradicionais de serem e existirem, preservando os seus modos de vida que, comprovadamente, são os que menos causam impactos socioambientais no planeta. Virá com o fim das políticas de austeridade, com a reversão do processo de aprofundamento neoliberal, que na prática privatiza os bens comuns como água e energia para que o poder corporativo e grandes empresários ampliem suas margens de lucro.

É nessas privatizações que vemos que quando o imperativo é o lucro (e não o interesse público do serviço prestado à população), esta é deixada à mercê da própria sorte, podendo passar até uma semana sem luz, como ocorreu em Porto Alegre em janeiro deste ano. Desta vez, 70% de sua população está sem energia e sem água. E aqui, salientamos as privatizações da CEEE e da Corsan, o desmonte das funções estatais de planejamento e o sucateamento do DMAE, a nível de gestão municipal, como processos que nos trouxeram até o colapso vivenciado. No caso de cidades como Porto Alegre, havia um sistema de defesa contra enchentes que falhou por falta de manutenção, mantido por várias gestões e detonado a partir da gestão do ex-prefeito da capital, Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e pelo atual prefeito, Sebastião Melo (MDB).   

Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, virou ponto por onde chegam resgatados das ilhas da capital, que ficaram submersas, assim como de outras localidades do estado. Crédito: Deriva Jornalismo e Fotografia

As constantes tragédias que assolam o Rio Grande do Sul mostram que municípios não estão preparados para enfrentar os eventos extremos do clima. Prefeitos ainda demoraram para alertar a população sobre os impactos das fortes chuvas previstas pelos institutos de meteorologia e pela Defesa Civil. Parte dos sistemas de contenção de água, diques e barragens de água extravasaram, obrigando a população a ser evacuada. A maior parte dos alagamentos ocorreram em locais que já sofrem historicamente com problemas de drenagem que não são resolvidos. A grande maioria das pessoas afetadas são empobrecidas e trabalhadoras, que moram nas áreas de várzeas, beiras dos rios e córregos, ou em encostas de morros, desvalidas de políticas concretas quanto a direitos básicos, como acesso a água, habitação popular para que efetivem a saída das áreas consideradas de risco para uma vida mais digna.

Mesmo sendo a 4ª e a pior tragédia climática de grandes proporções que o Rio Grande do Sul enfrenta em menos de dois anos, ainda há governos municipais e parlamentares negacionistas, que ignoram os efeitos das mudanças climáticas. Também há regiões afetadas que não se recuperaram de outras enchentes, como é o caso do Vale do Taquari, que além de uma série de violações de direitos humanos, contam com inúmeros relatos de moradores sobre verbas advindas do Governo Federal terem sido repassadas, sem a implementação por parte das prefeituras. 

Pesquisas científicas evidenciam que o desmatamento, inclusive na Amazônia, impacta diretamente na elevação das temperaturas e, por consequência, no aumento da incidência das chuvas e eventos extremos no Brasil e no planeta. No RS, a devastação do bioma Pampa e da Mata Atlântica para dar espaço ao agronegócio e sua sede voraz por terra também desemboca nas fortes enchentes que vivenciamos, assim como nos prolongados períodos de estiagem.  

Crédito: Carolina C. | Amigas da Terra Brasil

O governo do RS e a prefeitura de Porto Alegre, embora digam estar preocupados com a emergência climática, não o demonstram em ações concretas. E suas práticas vão na direção de uma intensificação das catástrofes. O orçamento estadual proposto para este ano pelo governador Eduardo Leite (PSDB) previa apenas R$ 115 milhões para enfrentar os eventos climáticos em 2024 em todo o RS, incluindo investimentos na Defesa Civil estadual.  Tanto a gestão de Leite quanto a de Melo têm atuado no desmonte e na “flexibilização” da legislação ambiental. Isto para beneficiar setores imobiliários de alta classe, as grandes empresas, o agronegócio e atividades econômicas destrutivas, como a mineração. O que provoca mais desmatamento, devastação de biomas naturais, contaminação de recursos de água e ocupação de áreas livres e às margens de rios, como a do próprio Guaíba. Em março deste ano, a Assembleia gaúcha aprovou projeto de autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos), que altera o Código Estadual de Meio Ambiente e flexibiliza regras em Áreas de Preservação Permanente (APP), liberando a construção de barragens e açudes nestas. 

No caso de Porto Alegre, a prefeitura lança alertas de evacuação sem orientar como será feita. Às pressas, improvisa abrigos em áreas de risco de alagamento, fazendo com que refugiados climáticos que perderam as casas tenham que migrar outra vez sem segurança alguma de futuro. Não há, sequer, política considerando os trabalhadores e sua locomoção pela cidade via transporte público, o que poderia ser garantido com passe livre e salvar vidas. Extremamente elitista, a recomendação do prefeito e Melo é que a população, ou parte dela a quem se dirige, pegue Uber, ou vá para suas casas de praia.

A nível de governo de Estado, destacamos a responsabilidade de Leite ao desfigurar o Código Estadual do Meio Ambiente, ignorando alertas da sociedade civil ao Estado do RS e seu governo sobre as responsabilidades frente à emergência climática. E enquanto os gaúchos sofrem com a maior tragédia socioambiental da sua história, tramita no Senado um projeto de lei (PL 4.015/2023) que faz mais mudanças no Código Florestal, permitindo que propriedades rurais em cidades da Amazônia Legal que tenham a maioria de seu território ocupada por unidades de conservação ou terras indígenas possam reduzir a reserva legal de 80% para 50%. A natureza não tem fronteiras, o que impacta um local, impacta todos. 

Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi tomado pelas águas no dia 05 de maio. Crédito: Carolina C. | ATBr

Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, foi tomado pelas águas. Crédito: Carolina C. | ATBr

Pela 1ª vez, vivenciamos refugiados climáticos em massa vagando em meio a água nas cidades do Rio Grande do Sul, vagando sem rumo por ruas e rodovias com os poucos pertences e animais que puderam carregar, esperando dias em cima de telhados por resgate, ficando amontoadas por dias em abrigos porque perderam suas casas, ou sem poder sair de suas casas para se abastecer de água e alimentos e com medo de saques e violências que aumentam diante do caos. O que gostaríamos de evitar para a próxima geração, vivenciamos hoje, aqui e agora. 

A solidariedade é premissa. Uma solidariedade de classe. Não a S.A, das corporações no seu lavado de responsabilidade social corporativa. Quem mais está sofrendo nesse momento são as pessoas que estão à margem do sistema, que não conseguem garantir uma dignidade de vida no dia a dia. Que hoje, mais do que nunca, estão mais precarizadas, sofrendo com um processo de empobrecimento, negação de direitos e impossibilidade de sustentação da vida. Se essas famílias já eram consideradas empobrecidas, elas vão ficar mais empobrecidas. Elas vão perder pessoas da família que garantem o cotidiano, em geral sobrecarregando mais ainda as mulheres, a população preta e periférica no trabalho não remunerado de cuidados. A capacidade dessas famílias de se sustentar, de se organizar, vai ser reduzida. Primeiro por perderem pessoas, depois por perderem moradias, por perder trabalho, condições de vida e pelos traumas, que são certos. Todo mundo que passa por uma situação dessas se depara com um trauma imenso, isso é inevitável.

Diante dos desmontes do estado nos diversos níveis e da destruição dos serviços e da capacidade de gestão e planejamento no interesse público, emerge a força da unidade. Da diversidade de modos de fazer e se organizar dos movimentos populares do campo e da cidade, conectando os territórios de vida, muitas vezes aqueles também ameaçados e sacrificados pelo sistema que dá origem à emergência climática. Essa solidariedade de classe, real e radical, seguirá em marcha. Reconstruindo e mobilizando o poder popular para retomar o lugar do povo trabalhador na política, enfrentar o clima (que já mudou), e mudar o sistema. 

Amigas da Terra Brasil, 8 de maio de 2024.

* Versão da nota em ESPANHOL: https://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2024/05/12/llamamiento-internacional-a-la-solidaridad-ante-las-inundaciones-en-rio-grande-do-sul-rs-brasil/

* Versão da nota em INGLÊS: https://www.amigosdaterrabrasil.org.br/2024/05/12/international-call-for-solidarity-in-the-face-of-flooding-in-rio-grande-do-sul-rs-brazil/

Enchentes já afetaram mais de 80 comunidades indígenas no RS; saiba como ajudar

Levantamento feito por organizações indígenas e indigenistas busca cobrar o poder público e apoiar campanha de arrecadação de doações para comunidades afetadas

A comunidade Pindo Poty, do povo Guarani Mbya, que fica localizada no bairro Lami, em Porto Alegre é uma das mais afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul. Foto: Roberto Liegbott/Cimi

Os impactos das chuvas e das cheias inéditas no estado do Rio Grande do Sul chegam de forma avassaladora em comunidades indígenas da região. Um levantamento colaborativo indica que mais de 80 comunidades e territórios indígenas foram diretamente afetados, alguns com extrema gravidade.

O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta pelo Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Fundação Luterana de Diaconia, Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/Comin/Capa), além do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul (Cepi/RS).

O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta:

Acesse o mapa e confira as atualizações aqui

Comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua, espalhadas em 49 municípios gaúchos, são as mais impactadas da região. Dentre as comunidades que se encontram em estado de emergência mais grave, todas elas do povo Guarani Mbya, estão Lami e da Ponta do Arado, situadas no município de Porto Alegre, com 18 famílias atingidas; Yva’ã Porã, em Canela, com 16 famílias afetadas; Flor do Campo e Passo Grande Ponte, em Barra do Ribeiro, com 25 famílias impactadas, e as 19 famílias da aldeia Araçaty localizadas no município de Capivari do Sul.

Nessas comunidades, as famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas, dado o risco de alagamento e deslizamento de terra. Na aldeia Pekuruty, localizada às margens da BR-290, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) destruiu as casas e edificações da comunidade, sem qualquer consulta ou justificativa.

As famílias precisaram deixar suas casas para se deslocar para áreas mais elevadas

Segundo Roberto Liegbott, missionário do Cimi Regional Sul, “essa comunidade foi removida para que o DNIT pudesse consertar uma tubulação que passa ali e eles acabaram destruindo toda a comunidade indígena. Eles arrancaram as casas dos indígenas sem que os Guarani sequer soubessem ou tivessem sido comunicados. Os indígenas no momento encontram-se em um abrigo, mas quando retornarem, a comunidade já não existirá mais, porque o DNIT destruiu tudo”, informou o missionário.

A inundação persiste na região metropolitana de Porto Alegre. A situação ainda é preocupante nos municípios de Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Guaíba, Eldorado do Sul e Cachoeirinha, além dos bairros de Porto Alegre, especialmente nas zonas Norte e Sul.

O levantamento realizado pelas organizações indígenas e indigenistas ainda está em estágio preliminar e possui o objetivo de auxiliar, nesta fase emergencial, a realização de uma campanha de doação para as comunidades afetadas. “Há um conjunto de entidades e instituições organizadas para ajudar essas famílias não só nesse primeiro momento, mas também depois, na reconstrução de suas casas e aldeias”, explicou Roberto.

As organizações pedem apoio e doação de alimentos, material de higiene e limpeza, lonas, telhas, colchões e cobertores para as comunidades. As doações podem ser feitas na Paróquia Menino Jesus de Praga, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

O Cimi Regional Sul, a ArpinSul e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também disponibilizaram uma conta bancária para receber doações financeiras.

Além de apoiar a campanha de doação em curso, o mapeamento das áreas impactadas também busca subsidiar informações para cobrar, tanto do governo federal como do governo estadual, providências e amparo às comunidades indígenas do Rio Grande do Sul.

“Há também a necessidade que haja a regularização e a demarcação dos territórios, de preferência que se assegure lugares adequados, não degradados, para que essas famílias possam viver tendo um horizonte de segurança e não de vulnerabilização como ocorre hoje”, considera Roberto Liebgott.

Este material foi publicado originalmente em Cimi Sul,  no dia 06/05, no link: https://cimi.org.br/2024/05/indigenascheiars/

 

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