Em carta, Rede Alerta contra os Desertos Verdes denuncia os impactos da expansão das monoculturas

Nesse dia 21 de setembro, dia em que é comemorado o dia da árvore, marcamos Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores. Por isso, a Rede Alerta contra os Desertos Verdes, articulação da qual a Amigos da Terra Brasil integra, denuncia a expansão das monoculturas, sua cadeia logística-industrial e os inúmeros impactos ambientais e sociais, que resultam em perda de biodiversidade e de qualidade de vida, no campo e na cidade.

Enquanto a empresas e a governança pública embarcar na falácia do “manejo florestal sustentável” e do “carbono neutro”, as empresas de celulose e siderurgia intensificam sua propaganda verde e comemoram seus lucros, ao mesmo tempo em que armam seus latifúndios. Não é possível glorificar a importância das árvores, ao passo que se expandem as monoculturas de eucalipto.

Em trecho da carta, a articulação exige que o Estado cumpra seu papel de garantidor da soberania dos povos sobre seus territórios, com medidas urgentes para assegurar integridade física das comunidades indígenas, quilombolas e campesinas. “Que se defenda a vida do povo e não os interesses das empresas”, aponta o documento.

Leia a íntegra da carta abaixo ou acesse aqui o pdf com o arquivo.

Carta do Encontro Nacional da Rede Alerta contra os Desertos Verdes
Alerta! Alerta! 21 de setembro de 2022. Alerta! Alerta!

No dia da árvore, sob a farsa do “manejo florestal sustentável” e do “carbono neutro”, as empresas de  celulose e siderurgia intensificam sua propaganda verde, enquanto comemoram seus lucros e armam seus latifúndios. Enquanto glorificam a árvore, expandem suas monoculturas de eucalipto. Com apoio do
Estado, o agro é cada vez mais tóxico. Monocultura=Monofuturo.

Nós, integrantes da Rede Alerta contra os Desertos Verdes, composta por comunidades indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu e camponesas, ativistas, pesquisadores, advogados populares, sindicatos, organizações e movimentos sociais, nos reunimos entre os dias 16 a 19 de setembro de 2022 na Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto, no município de Prado, Extremo Sul da Bahia. Neste encontro percorremos territórios e trocamos experiências acerca dos impactos da monocultura (principalmente de eucalipto) e da indústria de celulose em nossas vidas, assim como de nossas lutas de resistência e construção de outras realidades.

Denunciamos, mais uma vez, que a expansão das monoculturas e sua cadeia logística e industrial produzem inúmeros impactos ambientais e sociais, que resultam em perda de biodiversidade e de qualidade de vida, no campo e na cidade.

Um de seus efeitos mais perversos é a redução das possibilidades de sucessão geracional de famílias quilombolas, indígenas, e camponesas em seus territórios, com a diminuição abrupta das condições de agricultura e extrativismo e, por consequência, de sua segurança alimentar, marginalizando, criminalizando e expulsando comunidades de seus territórios ancestrais.

Como medidas agudas de expulsão das famílias que reivindicam seus territórios em áreas sobrepostas pelos monocultivos de eucalipto e pelo agronegócio são feitas diversas ameaças, que são concretizadas em atentados às vidas das comunidades, a exemplo do caso recente do assassinato do indígena Pataxó Sarã (“raiz” na língua nativa Pataxó) de 14 anos, na Terra Indígena Comexatibá (Prado/BA), do incêndio criminoso no Ponto de Memória Mesa de Santa Bárbara da Comunidade Quilombola do Linharinho (Conceição da Barra/ES), e da prisão política do Professor, Poeta e Produtor Cultural Flávio Prates após ação de despejo ocorrida na área do Acampamento Nova Trancoso (Trancoso/BA).

A pulverização, inclusive aérea e por drones, de agrotóxicos nos monocultivos geram a contaminação do solo, dos cursos de água, da flora e fauna, das plantações e dos moradores do entorno. Esta situação será agravada pela liberação de eucaliptos transgênicos tolerantes ao herbicida Glifosato. Além disto, os grandes maciços de monocultivos são responsáveis por secar nascentes, córregos, lagoas e poços, e empobrecer e degradar a fertilidade dos solos, culminando em sua erosão, pois substitui a diversidade dos biomas por uma única planta replicada em série.

Os efeitos ambientais locais dos monocultivos tornam as comunidades atingidas mais vulneráveis aos desdobramentos da emergência climática, principalmente a crescente ocorrência de longos períodos de estiagem e o aumento da temperatura da superfície terrestre.

O transporte de toras de eucalipto por caminhões desde as plantações até as fábricas de celulose degrada as estradas, produz ruído dia e noite, afeta a qualidade do ar pela geração de poeira e emissão de gases de efeito estufa, aumenta os níveis de atropelamento de fauna silvestre, e aumenta dramaticamente o risco de acidente nas estradas, já tendo ocorrido inúmeros acidentes inclusive com casos de morte de pessoas, em diferentes locais do Brasil.

Os impactos socioambientais das fábricas de celulose também são significativos tendo em vista as grandes quantidades de água utilizadas e grandes quantidades de efluentes industriais despejados nos rios, que podem conter elementos extremamente tóxicos como as dioxinas e furanos,  produzidos em função do branqueamento do papel com Cloro. Estas  industrias produzem altos níveis de ruídos, e emissão atmosférica de materiais particulados, fuligem, serragem e compostos de enxofre (que causam forte odor característico), esta poluição pode causar inúmeros problemas respiratórios como tosse, irritação das vias aéreas, dificuldade de respiração, asma, além de ardência nos olhos, vertigem, dor de cabeça, náusea, falta de apetite, distúrbios emocionais como irritação e depressão, e pode levar à problemas cardiovasculares. Além do permanente risco de acidentes que trabalhadores e populações residentes do entorno das fábricas estão expostos.

Atreladas às ações capitalistas empresariais, estão diferentes esferas do Estado. Esta aliança do setor dos monocultivos de árvores com o Estado brasileiro tem raízes na ditadura militar e segue até os dias de hoje, através de benefícios fiscais e de financiamentos públicos; da proteção do aparato policial/militar; da não execução dos processos de reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas e dos processos de demarcação e titulação coletiva das terras indígenas (o governo Bolsonaro cumpriu sua promessa e foi o primeiro a zerar demarcações em terras indígenas); da aprovação na CTNBio de variedades transgênicas de eucalipto sem o estudo dos possíveis impactos na saúde humana e ambiental, tal como a falta de informações as populações potencialmente atingidas; do desmonte da legislação e dos órgãos de licenciamento e fiscalização ambiental; e da ausência de efetivação das políticas de permanência das populações camponesas, quilombolas e indígenas no campo.

Frente ao exposto conclamamos toda a sociedade civil organizada e exigimos, principalmente do Estado brasileiro, as seguintes medidas com extrema urgência:
– A titulação coletiva dos territórios quilombolas e indígenas, com efetiva garantia da soberania destes
povos sobre seus territórios;
– A implantação de novas terras para uma reforma agrária com princípios agroecológicos;
– O atendimento integral das reivindicações expressas na I Carta das Comunidades Quilombolas do
Extremo Sul da Bahia, de dezembro de 2021;
– A não liberação de novas árvores transgênicas, e o não plantio das árvores transgênicas já liberadas
pela CTNBio;
– Que a CTNBio se atenha a observação do princípio da precaução e da avaliação criteriosa e científica na
liberação de transgênicos, escandalosamente não observados em suas liberações, e rotineiramente
documentados, como no caso do eucalipto transgênico H421;
– A não aprovação do Projeto de Lei 1.366/22 que está tramitando na Câmara dos Deputados e visa
retirar a silvicultura da lista de atividades “potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos
ambientais”, retirando a necessidade de licenciamento ambiental;
– Maior tributação, regulação, e rigor nos processos de licenciamento ambiental e fiscalização dos
monocultivos e das indústrias de celulose;
– A proibição da pulverização aérea de agrotóxicos;
– A garantia da segurança e integridade física das comunidades indígenas, quilombolas e campesinas. Que se defenda a vida do povo e não os interesses das empresas.

Ressaltamos ainda que em função das diversas violações de direitos relatados reconhecemos como legitimas e necessárias as retomadas dos territórios dos povos e comunidades tradicionais invadidos, saqueados e degradados pelas empresas do setor da celulose e demais monocultivos do agronegócio.

21 de setembro de 2022
Dia Internacional de Luta contra as Monoculturas de Árvores
Rede Alerta contra os Desertos Verdes

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