Brasil tem primeiro projeto de lei para responsabilizar empresas por violações aos direitos das populações atingidas

PL 572/2022 é lançado como um respiro em meio a tantas injustiças cometidas contra os direitos humanos dos brasileiros e das brasileiras, desde os atingidos pelo rompimento de barragens até os trabalhadores nas empresas.

Apresentação do Projeto de Lei 572/22 reuniu parlamentares, líderes de movimentos populares e organizações da sociedade civil. Foto: Tiago Rodrigues

Na  terça-feira passada (29/03), parlamentares e líderes de movimentos populares apresentaram, na  Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei  (PL) 572/22. Este, que se estabelece na figura de um marco na história do Brasil quando se trata de direitos humanos e empresas, foi protocolado no dia 14 de março de 2022, intitulado “Projeto de Lei Marco Direitos Humanos e Empresas (PL 572/2022)”. Protocolado por um grupo composto por parlamentares e organizações da sociedade civil, incluindo os mandatos de Áurea Carolina (PSOL/MG), Carlos Veras (PT/PE), Fernanda Melchionna (PSOL/RS) e Helder Salomão (PT/ES), e com o texto base elaborado a partir de um estudo do Homa (Centro de Direitos Humanos e Empresas da UFJF), com o apoio da Fundação Friedrich Ebert Brasil (FES-Brasil), da CUT (Central Única dos Trabalhadores), do MAB (Movimento dos Atingidos  por Barragens) e da Amigos da Terra Brasil, o projeto foi registrado  no Dia Internacional de Luta Contra as Barragens, em um marco de defesa das populações que têm tido seus direitos constantemente desrespeitados. A coletiva de imprensa sobre o PL contou com a participação do eurodeputado Miguel Urbán, do Anticapitalistas da Espanha e membro destacado da bancada de esquerda no Parlamento da UE (União Europeia), que estava em missão no Brasil para apresentar um informe sobre as tratativas e os possíveis impactos do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, entre outras agendas. 

Apesar da recente protocolização, o projeto tem remanescentes históricos de luta que inspiraram o seu desenvolvimento. “Nós precisávamos, tanto para a renovação do acordo do Brasil com a ONU (Organização das Nações Unidas) quanto para o desdobramento da política internacional e dos movimentos, construir a nossa Lei Marco Brasileira. Sabemos como o Governo Bolsonaro queria fazer uma legislação picotada e que não tivesse participação social, sem tocar no cerne da preocupação com os casos gravíssimos que acontecem no Brasil, como Brumadinho (MG) e Fraport (RS), que violam claramente os direitos humanos e trabalhistas”, explicou a deputada federal pelo PSOL/RS, Fernanda Melchionna. O PL foi um trabalho construído a muitas mãos, com forte participação dos movimentos sociais, das organizações da sociedade civil e da academia, os quais lutam pelos direitos humanos, trabalhistas e do meio ambiente. “Temos o objetivo de abrir esse debate na Câmara Federal, mas queremos que as empresas também tenham uma responsabilidade maior com os direitos humanos, com os trabalhadores e trabalhadoras da população. Isso, olhando não só pra parte ambiental, mas também para o  direito das pessoas à vida, da garantia desses direitos”, declarou o deputado federal pelo PT/PE, Carlos Veras. O eurodeputado Miguel Urbán, do Anticapitalistas Espanha, acrescentou citando o discurso do presidente chileno Salvador Allende, ainda deveras atual, apesar de feito em 1982, nas Nações Unidas: “Estamos em um verdadeiro conflito frontal entre as grandes corporações e os Estados. Eles aparecem indefinidos pelas suas posições fundamentais políticas, econômicas e militares, por organizações globais que não dependem de nenhum Estado, na verdade. A soma de suas atividades não respondem e não estão sendo fiscalizadas por nenhum parlamento, por nenhuma instituição representativa. É toda a estrutura política do mundo que está sendo roubada”, disse.

Miguel Urbán (E), eurodeputado do Anticapitalistas (Espanha), contribuiu com informações sobre as tratativas do acordo e seus possíveis impactos. Foto: Tiago Rodrigues

O Projeto de lei contém, em sua essência, diretrizes norteadoras da Resolução nº 05 do CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos). A Constituição brasileira de 1988 já tinha como princípio básico a conferência da dignidade humana a todes, garantindo os direitos humanos básicos de vida, trabalho e de igualdade, assim formatando uma  sociedade mais justa. Já em 2014, 26 anos depois, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou a Resolução 26/9, a qual foi a responsável pela criação de um Grupo de Trabalho Intergovernamental com participação de organizações sociais civis em prol do desenvolvimento de um documento vinculante. O objetivo deste era, e ainda é, a regulamentação, no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, das atividades de empresas transnacionais e outras atividades empresariais de caráter transnacional. Assim como estes dois exemplos, o Brasil é signatário e participante de diversas outras políticas que supostamente garantiriam ao brasileiro seus direitos humanos e trabalhistas respeitados. Contudo, na prática esse respeito não é assim tão presente. Em 2021, o Brasil fechou o ano com 1.937 brasileiros resgatados de condições de trabalho análogas à escravidão, maior número  visto desde 2013. Dessa forma, a importância do PL 572/2022 se tornou ainda maior. “A mídia corporativa costuma passar a ideia de que os acontecimentos ambientais são naturais, não os chama de desastres. Mas na verdade eles são crimes, não apenas ambientais, mas sim crimes socioambientais culturais, que removem com todo o espaço físico e espiritual que atinge a constituição dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais”, reiterou o assessor político e legislativo da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Paulino Montejo.

Com suas 30 páginas dissertadas, o PL reafirma e destaca que os direitos humanos e suas normas devem estar acima de qualquer acordo, como os econômicos, de serviços, de comércio e de investimentos, entre outros. A iniciativa não só é benéfica para a população geral, mas também para os povos nativos. Montejo explicou que o projeto incentiva a diminuição do rastro de destruição e morte causado pelo avanço desenfreado das empresas em meio ao território indígena e quilombolas, sem considerar os povos nativos e o meio ambiente. Sua protocolização no dia 14 de março teve uma simbologia ainda maior, pois “é o dia internacional de luta das populações atingidas por barragens, que também vêm historicamente sofrendo com as violações dos direitos humanos frente às barragens e às grandes obras”, destacou a militante do MAB (Movimento de Atingidos e Atingidas por Barragens), Sara Oliveira. “O projeto nasceu na comissão de trabalho do Conselho Nacional de Direitos Humanos e trabalha uma resolução, chamada Resolução número 5, um marco muito importante para se contrapor, inclusive, à falta de uma política de governo para fazer o enfrentamento das várias violações no campo dos direitos humanos, em particular no mundo do trabalho”, sublinhou o dirigente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Ismael César. Ele ressaltou ainda que é necessário colocar a vida acima do lucro. 

A participação de diversos parlamentares, movimentos sociais e organizações ressaltou o caráter coletivo da construção do texto base do Projeto de Lei. Foto: Tiago Rodrigues

No caso do PL 572/22, foi de extrema importância a articulação entre as/os parlamentares, a academia comprometida e os movimentos e organizações sociais para elaboração do texto. Nos próximos passos, seja para votação, ampliação do debate em audiências públicas e efetivação da Lei com a construção de políticas públicas, continuará sendo fundamental a participação da sociedade. “Mesmo com esse governo fascista, violador de direitos e que trabalha em prol das empresas, conseguimos, com muita pressão social, avançar a proposta da Lei Marco” colocou a coordenadora de Justiça Econômica e Resistência ao Neoliberalismo da Federação Amigos da Terra Internacional e militante da Amigos da Terra Brasil, Letícia Paranhos. Ela argumentou  que temos o dever de inspirar o mundo, trazendo uma proposta que foge do voluntarismo e do marketing, seja ele verde para o ambientalismo ou lilás para o feminismo, que não se baseia em check list de empresas ou de propostas de autorregulação empresarial. “Precisamos manter viva a articulação contra as transnacionais e avançar em marcos normativos regulatórios porque isso nos dará mais forças para crescermos rumo a projetos políticos emancipatórios. Para ter uma esquerda forte no poder, precisamos construir propostas que tornem os Estados não dependentes das empresas. Inclusive na nossa luta pelo “Fora Bolsonaro”, é preciso gritar também: regras para as empresas e direitos para os povos! ”. Esse é um passo importante para terminar com a impunidade corporativa e, consequentemente, para o avanço do acesso à justiça pelas comunidades atingidas.

O PL 572 foi encaminhado para as Comissões de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) e Constituição e Justiça (CCJ), não possui previsão para votação nesses colegiados. A Amigos da Terra Brasil e demais movimentos envolvidos seguirão difundido notícias sobre a tramitação do PL, enquanto isso, é possível saber mais sobre o tema e a luta para acabar com a impunidade corporativa no Brasil acessando a cartilha popular construída com ATBr, MAB, HOMA e TNI (Transnational Institute).

Veja no vídeo a fala dos movimentos e parlamentares sobre o Projeto de Lei 572/22, que cria um marco nacional sobre Direitos Humanos e Empresas:

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